Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
658/13.0TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
AUMENTO
RENDA
Data do Acordão: 01/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – COVILHÃ – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 30º E SEGS. DO NRAU (LEI 31/2012, DE 14.8).
Sumário: Quando o senhorio tenha desencadeado o mecanismo de aumento de rendas nos contratos de arrendamento habitacional anteriores ao RAU, nos termos dos artigos 30.º e seguintes do NRAU, nos anos de 2012 e 2013, o arrendatário, caso desejasse prevalecer-se do regime especial previsto no artigo 35.º deste diploma, apenas estava obrigado a enviar ao senhorio o documento comprovativo do qual constava o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do IRS relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Os Autores intentaram contra a Ré a presente acção especial de impugna­ção de depósito de renda, pedindo que:
a) Seja declarada a ineficácia liberatória do depósito objecto da presente impugnação, como meio de extinção da obrigação da Ré, qual seja a de pagar aos Autores a renda no valor mensal de € 413,00;
b) Seja a Ré condenada a completar o depósito impugnado com a impor­tância global de € 571,30 (quinhentos e setenta e um euros e trinta cêntimos), sendo € 364,80 (trezentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) correspondente à diferença entre o valor depositado (€ 48,20) e o valor devido (€ 413,00), respeitando o remanescente (€ 206,50) à indemnização moratória prevista no artigo 1041º, n.º 1, do Código Civil;
Para fundamentar a sua pretensão, alegaram em síntese, que:
- Autores e Ré são, respectivamente, senhorios e inquilina da fracção autó­noma destinada a habitação, designada pela letra D...
- Esta relação locatícia teve início em 02.01.1959, tendo o contrato sido reduzido a escrito em 13.05.1998 e alterado em 17.09.2001.
- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 18 de Janeiro de 2013 e recebida pela Ré em 22 de Janeiro de 2013, os Autores comunicaram à Ré a sua intenção de submeterem o contrato de arrendamento ao regime do NRAU e de procederem à actualização da renda, ao abrigo do preceituado no artigo 30º ex vi do artigo 28º, nº 1 do NRAU.
- A tal comunicação respondeu a Ré através da carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Janeiro de 2013 e recebida pelos Autores no dia 30 de Janeiro de 2013.
- Na sequência de tal missiva, os Autores dirigiram à Ré uma carta regis­tada com aviso de recepção, datada de 27 de Fevereiro de 2013 e por ela recebida no dia seguinte, onde lhe comunicaram que a partir do dia 1 de Maio de 2013 a renda mensal actualizada nos termos do NRAU passaria a ser no valor de € 413,00.
- No dia 8 de Maio de 2013 a Ré depositou na conta bancária dos Autores apenas a importância de € 48,20, a título de pagamento da renda do mês de Maio de 2013, quantia que os autores não aceitaram e lhe devolveram, sendo que a ré, em 15 de Maio, voltou a depositar a mesma quantia, que não corresponde ao montante da renda devida.
A Ré contestou, alegando não estarem reunidos os necessários pressupos­tos para a actualização de rendas pretendida pelos Autores, dizendo que informou os Autores, na sua comunicação de 28 de Janeiro de 2013, que tem 71 anos de idade, bem como um rendimento anual baixo e ainda que o seu contrato de arrendamento se reconduz a um aditamento ao contrato celebrado em 02.01.1959.
Alega ainda que nessa comunicação juntou prova da idade alegada e do seu rendimento ou documento comprovativo de ter requerido junto das finanças certidão do RABC do seu agregado.
 Concluiu pela improcedência da acção.
Veio a ser proferida decisão que julgou a causa nos seguintes termos:
Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação totalmente proce­dente, por provada, e em consequência:
- Declaro a ineficácia liberatória do depósito objeto da presente impugnação, como meio de extinção da obrigação da ré, qual seja a de pagar aos autores a renda no valor mensal de € 413,00;
- Condeno a ré a completar o depósito impugnado com a importância global de € 571,30 (quinhentos e setenta e um euros e trinta cêntimos), sendo € 364,80 (trezentos e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) correspondente à diferença entre o valor depositado (€ 48,20) e o valor devido (€ 413,00), respeitando o remanescente (€ 206,50) à indemnização moratória prevista no artigo 1041º, nº 1 do Código Civil;
A Ré interpôs recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões:

Os Autores não responderam.
1. Do objecto do recurso
Pese embora no corpo das suas legações a recorrente faça constar que também pretende ver reapreciada a decisão da matéria de facto, o certo é que nada consta quanto a este aspecto nas conclusões.
Assim, considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclu­sões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:
O depósito da renda efectuado pela Ré é liberatório?
2. Os factos
...
3. O direito aplicável
Com o presente recurso a Ré pretende ver julgada improcedente a decisão que declarou a ineficácia liberatória do depósito no montante de € 48,20, objecto da presente impugnação, como meio de extinção da sua obrigação de pagar aos Autores a renda devida pelo locado.
A Lei 31/2012, de 14.8, introduziu grandes alterações em matéria de cor­recção extraordinária das rendas nos contratos mais antigos, celebrados antes da vigência do RAU, por iniciativa do senhorio, mostrando-se esta matéria regulada, quanto aos arrendamentos para habitação, nos artigos 30º e seg. do NRAU.
Assim, conforme decorre do art.º 27º do NRAU, aos contratos habitacio­nais celebrados antes da vigência do RAU – DL 321-B/de 15.10 – aplica-se o disposto no art.º 30º a 37º e 50º a 54º, podendo, deste modo e ao que interessa na situação dos autos, por iniciativa do senhorio, fazer transitar o mesmo para o NRAU e actualizar a renda, desde que este faça essa comunicação ao arrendatário, instruída com os elementos mencionados no art.º 30º do NRAU, elementos estes que, efecti­vamente, constam da comunicação que os Autores efectuaram à Ré, por carta registada que esta recebeu em 22 de Janeiro desse ano, sendo no montante de € 413,00 o valor mensal da renda futura proposta.
Na sequência dessa comunicação a lei confere ao arrendatário o direito de resposta – n.º 3 do art.º 31º do NRAU – a exercer no prazo de 30 dias a contar da data da recepção da comunicação feita pelo senhorio, com as seguintes finalidades:
a) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;
b) opor-se ao valor da renda, proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 33º;
c) em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato proposto pelo senhorio;
d) denunciar o contrato…
Nessa resposta o arrendatário, se for caso disso, nos termos do n.º 4 do mencionado art.º 33º do NRAU, deve ainda invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias pessoais:
a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35º e 36º;
b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º;
A verificação destas circunstâncias determinará a aplicação de regimes especiais a estes contratos que se encontram previstos nos referidos artigos 35º e 36º do NRAU.
A Lei n.º 31/2012, dando nova redacção ao art.º 32º do NRAU, determi­nou que o arrendatário que invoque a circunstância acima referida na alínea a) deve fazer acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar (n.º 1); e se não dispuser, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior deve fazer acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção (nº 2), reportando-se o RABC ao ano civil anterior ao da comunicação (n.º 3); já o arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) deve fazer acompanhar a sua resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada (n.º 4).
Contudo, o art.º 3º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31.12, aditou ao Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8.8, que estabelece o regime de determinação do RABC, o artigo 19.º-A, o qual contém disposições transitórias aplicáveis na hipótese de o senhorio ter iniciado o processo de actualização de rendas ainda durante o ano de 2012 ou em 2013, enquanto o serviço de finanças competente não puder emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012 (n.ºs 1 e 9 do referido art.º 19.º - A). Este novo dispositivo veio regular o procedimento a seguir no caso do arrendatário ter invocado rendimentos inferiores a 5 RMNA relativos ao ano de 2012, quer o senhorio tenha desencadeado o processo de aumento de rendas nesse mesmo ano (n.º 1), o que já tinha sido permitido pelo art.º 11.º, n.º 4, da Lei n.º 31/2012, ou em 2013 (n.º 9).
Tendo presente que as repartições de finanças só estão em condições de emitir esse documento em meados do ano de 2013, apenas se exigiu que esses arrendatários enviassem ao senhorio o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do IRS relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Assim, o art.º 19.º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006, introduzido pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, derrogou tacitamente o disposto nos três primeiros números do art.º 32.º do NRAU, relativamente aos processos de actualização da renda iniciados durante o ano de 2012 ou em 2013, no período em que o serviço de finanças competente ainda não esteja em condições de emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012.
No caso dos autos e conforme resulta dos factos apurados, o processo de actualização da renda foi desencadeado pelos senhorios em Janeiro de 2013, tendo a Ré respondido à comunicação dos Autores através de carta de 28.1.2013 por eles recebida em 30.1.2013, declarando não aceitar a renda proposta, propondo o valor de € 12,23 para a renda mensal e invocando o seguinte: atendendo à idade de 71 anos da arren­datária e do seu rendimento anual bruto consignado, nunca poderá ser suscep­tível de aplicação a nova Lei das Rendas – Lei 31/2012.
 Não resultou provado que a Ré tenha simultaneamente enviado os docu­mentos exigidos pelo art.º 32º do mesmo diploma.
À resposta da Ré, os Autores, por carta de 27.2.2013, comunicaram-lhe a não aceitação da renda por ela proposta e a sujeição do contrato ao NRAU, uma vez que não havia junto os documentos comprovativos exigidos por lei, considerando-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, sendo o valor mensal da renda actualizado para € 413,00, tudo com efeito a partir do próximo mês de Maio de 2013.
Da resposta da Ré resulta que esta não só se opôs ao valor da nova renda proposta pelos Autores, como propôs um valor alternativo e alegou que se encontrava cumulativamente nas situações previstas no art.º 31º, n.º 4, a), e b), do NRAU, primeira parte, ou seja auferir um RABC inferior a 5 RMNA e ter idade superior a 65 anos.
O facto de apenas ter dito, relativamente à situação prevista na referida alínea a), que o seu rendimento anual bruto consignado, nunca poderá ser susceptível de aplicação a nova Lei das Rendas – Lei 31/2012, é suficiente para que um destina­tário normal, colocado na posição real dos Autores, a entendesse como uma invoca­ção da hipótese prevista nessa alínea, entendimento esse que os Autores tiveram, como revela a carta por eles datada de 27 de Fevereiro de 2013, em que constatam o facto da Ré não ter feito acompanhar a sua resposta dos respectivos documentos comprovativos das situações por ela alegadas. 
E foi dessa omissão que os Autores retiraram a conclusão que a Ré não podia prevalecer-se do regime especial previsto nos artigos 35º e 36º do NRAU, tendo, por isso, considerado que o contrato de arrendamento passava a estar subme­tido ao NRAU, considerando-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, sendo o valor mensal da renda actualizado para o valor por eles proposto - € 413,00 - com efeitos a partir do mês de Maio de 2013.
Este entendimento foi sufragado pela decisão recorrida.
Na verdade, o artigo 32º, n.º 4, do NRAU, dispõe que o arrendatário que na sua resposta invoque uma idade superior a 65 anos deve fazer acompanhar a resposta de documento comprovativo desse facto, sob pena de não poder dele prevalecer-se.
Contudo, como já vimos, a Ré, além disso, também invocou que se encontrava na situação prevista na alínea a) do n.º 4 do art.º 31º do NRAU: ter um RABC inferior ao RMNA.
Ora, tendo essa resposta sido dada em Janeiro de 2013, isto é numa altura do ano em que o serviço de finanças competente ainda não está em condições de emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012, não lhe é aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º do NRAU, mas sim o disposto no art.º 19.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 158/2006, introduzido pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, o qual dispõe: o arrendatário remete obrigatoria­mente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrenda­tário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA.
Não é possível, pois, no caso dos autos, retirar da circunstância da Ré não ter provado que enviou aos Autores, com a sua resposta, qualquer um dos documen­tos exigidos pelos n.º 1 e 2 do artigo 32º do NRAU, que esta tenha perdido o direito a ser-lhe aplicado o regime especial previsto no art.º 35º do NRAU, não tendo, pois, qualquer eficácia a subsequente comunicação dos Autores no sentido do contrato de arrendamento ter passado a estar subme­tido ao NRAU, considerando-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, sendo o valor mensal da renda actuali­zado para o valor por eles proposto - € 413,00 - com efeitos a partir do mês de Maio de 2013.
Perante a resposta dada pela Ré à iniciativa dos Autores de procederem à actualização do valor da renda, esta deveria ter aguardado pela remessa pelo arren­datário do documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual constasse o valor do RABC no prazo referido no dispositivo acima citado, ou pelo decurso desse prazo sem que a arrendatária remetesse esse documento, com as consequências previstas nos diversos números do art.º 19º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006, introduzido pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, consoante a hipótese que se verificasse.
Revelando-se ineficaz a comunicação dos Autores datada de 27 de Feve­reiro de 2013, não está demonstrado que tenha ocorrido uma alteração válida da renda em causa, pelo que o depósito efectuado pela Ré em 8 de Maio de 2013 era mais do que suficiente para o pagamento da renda em vigor, tal como o é o depósito aqui impugnado, efectuado em 15 de Maio de 2013, face à devolução pelos Autores da primeira quantia depositada.
Por essa razão deve a impugnação ser julgada improcedente, concedendo-se provimento ao recurso interposto e revogando-se a decisão recorrida.
Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente a presente acção e absol­vendo-se a Ré dos pedidos formulados.
Custas da acção e do recurso pelos Autores.

Coimbra, 13 de Janeiro de 2015

Sílvia Pires (Relatora)

Henrique Antunes

Isabel Silva