Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
309/18.T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUÍZO EMITIDO PELA JUNTA MÉDICA
SUA RELEVÂNCIA
Data do Acordão: 03/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUIZO DO TRABALHO DE LEIRIA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 11.º, N.º 2 DA LEI 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO
Sumário: No confronto entre um juízo “leigo” emitido pelo IEFP com fundamento em informações unilateralmente prestadas pelo sinistrado e directamente interessado nesse juízo, por um lado, e o juízo de natureza técnico-científica emitido em junta médica de especialidade, por parte de pessoas técnico-profissionalmente habilitadas para o efeito, com base em observação do sinistrado e em elementos clínicos constantes do processo (v.g. RMN e relatório de TAC lombar), aquele não pode deixar de soçobrar perante este na parte em que esteja em causa reconhecer-se ou não sequelas do sinistrado causalmente determinadas pelo acidente de que foi vítima e determinantes ou não de IPP ou IPATH.
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Nos presentes autos de acidente de trabalho em que figura como sinistrado o autor, este foi submetido a exame médico singular, no termo do qual o perito médico considerou que o sinistrado se encontrava curado das lesões para si emergentes do acidente, com IPP de 3%.

A tentativa de conciliação frustrou-se, designadamente porque o sinistrado e a seguradora não aceitaram o juízo pericial emitido pelo perito médico singular.

O sinistrado considerou que as sequelas que apresentava deviam ser valorizadas com uma IPP superior, acrescida de IPATH; a seguradora considerou que o sinistrado se encontrava curado sem desvalorização.

A requerimento do sinistrado iniciou-se, em 29/11/2018, uma junta médica (doravante junta médica generalista) que concluiu do seguinte modo:




Junto aos autos parecer técnico do IEFP e designada data para continuação da junta médica generalista, a mesma concluiu como segue:

A Junta Médica, por UNANIMIDADE, e após observação clínica do Sinistrado, entende que o mesmo deverá ser submetido a junta médica da especialidade de neurocirurgia.”.

Em 10/7/2019 realizou-se junta médica de neurocirurgia (doravante junta médica de especialidade), tendo os peritos médicos nela intervenientes concluído, por unanimidade, no sentido de que o acidente a que os autos se reportam causou ao sinistrado entorse da coluna lombar, encontrando-se o mesmo curado e sem sequelas relacionadas com o evento.

A requerimento do sinistrado os peritos intervenientes na junta médica de especialidade prestaram os seguintes esclarecimentos:

A entorse lombar sofrida pelo sinistrado é susceptível de provocar um período de incapacidade temporária conforme aconteceu no caso em apreço.

A evolução da doença natural de que padece é susceptível de provocar episódios de lombalgia com ou sem causa desencadeante.

Os exames subsidiários efectuados revelam somente alterações degenerativas que existiam seguramente e não revelam quaisquer sinais de traumatismo ou sequela do acidente sofrido.

O exercício da profissão de cimenteiro não é necessariamente incompatível com a existência da supra citada patologia degenerativa da coluna.”.

Posteriormente foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:

Pelo exposto, julga-se procedente a presente acção nos termos expostos e, em consequência, decide-se:

a) Declarar que o sinistrado M... se encontra curado a partir de 26.10.2017 sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho;

b) Condenar a entidade responsável “A... - Companhia de Seguros,SA” a pagar ao sinistrado a indemnização ainda em dívida relativa ao período de incapacidades temporárias, no  montante de 80,42 € (oitenta euros e quarenta e dois cêntimos), devida desde 21.07.2017;

c) Condenar a referida entidade responsável a pagar ao sinistrado, a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de 10,00 € (dez euros);

d) Condenar a entidade responsável a pagar ao sinistrado os juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou o sinistrado, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

1. Em 20/07/2017, o ora Recorrente prestava o seu trabalho de cimenteiro, na Bélgica, sob a direção e fiscalização da entidade empregadora B..., Lda., quando sofreu um acidente de trabalho manifestado com fortes dores nas costas.

2. Em 26/10/2017 os serviços clínicos da ora Recorrida, para a qual se encontrava transferida a responsabilidade emergente de acidentes, conferiram ao sinistrado alta curado sem desvalorização, tendo o mesmo discordado de tal resultado e, na sequencia, apresentado a Participação de Acidente de Trabalho que deu origem aos presentes autos.

3. Em sede de exame médico singular, foi-lhe atribuída uma IPP de 3%, pelo Código da TNI Cap I, 1.1.1 b), correspondente a raquialgia residual (coluna vertebral).

4. Realizada diligencia de tentativa de conciliação, nenhuma das partes aceitou o resultado do exame singular, tendo posteriormente cada uma requerido a realização de junta médica, e o sinistrado ainda que fosse oficiado o Instituto de Emprego e Formação profissional (doravante IEFP) para análise das funções laborais de forma que entidade externa pudesse posteriormente elaborar parecer acerca da eventual IPATH.

5. Em 30/11/2019 realizou-se exame por Junta Médica, tendo os senhores peritos médicos por unanimidade entendido que o sinistrado apresentava raquialgia residual, solicitando igualmente avaliação pelo IEFP para aferir da capacidade de desempenho da profissão de cimenteiro (solicitação esta com a qual o perito médico da seguradora discordou).

6. Na data da junta médica, o sinistrado juntou aos autos declaração da sua médica de família, atestando que o mesmo não apresentava qualquer registo de problemas de saúde no Centro de Saúde.

7. Em 8/04/2018 foi junto aos autos parecer elaborado pelo IEFP, com a análise das funções do posto de trabalho, tendo a técnica que o elaborou concluído, em suma, estar o sinistrado impedido de realizar a maioria das suas funções enquanto cimenteiro.

8. Em 13/06/2019, reunida novamente a Junta médica, entenderam os senhores peritos que deveria o sinistrado ser submetido a Junta Médica de Especialidade de neurocirurgia.

9. Esta realizou-se em 10/07/2019, tendo os senhores peritos médicos concluído que o sinistrado se encontrava curado sem sequelas relacionadas com o evento, porquanto, em suma (cita-se):

“A Junta Médica por unanimidade após observação do sinistrado e dos elementos clínicos do processo, nomeadamente a RMN e relatório da TAC lombar, onde se observam liseestimica da L4, discopatia do L4-L5 e calcificação do ligamento amarelo neste mesmo nível, admite um período álgico temporário resultante da entorse lombar de cerca de 90 dias, tal como foi admitido pela seguradora nos termos que constam de fls. 47 a 48.”

10. Por requerimento de 24/07/2019, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o ora Recorrente insurgiu-se contra a resposta da Junta médica de especialidade, tendo pedido os seguintes esclarecimento:

“Tendo os senhores peritos admitido a existência de “quadro clinico em relação com acentuados fenómenos degenerativos da coluna lombar (doença natural)”, o alegado entorse da coluna lombar é suscetível de ter provocado agravamento desta condição nomeadamente com o aparecimento de sintomas? Justifiquem convenientemente tendo presente que até à data do sinistro o sinistrado exercia a profissão de cimeiteiro e de que inexistem nos autos quaisquer elementos que condução à conclusão de que o sinistrado o mesmo já apresentava quaisquer queixas da coluna lombar.”

11. Reunida novamente a junta médica de especialidade, em 9/10/2019, pela mesma foi prestado o seguinte esclarecimento:

(…)“A entorse lombar sofrida pelo sinistrado é suscetível de provocar um período de incapacidade temporária conforme aconteceu no caso em apreço.

A evolução da doença natural de que padece é susceptível de provocar episódios de lombalgia com ou sem causa desencadeante.

Os exames subsidiários efetuados revelam somente alterações degenerativas que existiam seguramente e não revelam quaisquer sinais de traumatismo ou sequelas do acidente.

O exercício da profissão de cimenteiro não é necessariamente incompatível com a existência da supra citada patologia degenerativa da coluna: “

12. Seguidamente, 11/11/2019, foi proferida decisão pela qual, e no que na presente sede importa, se decidiu declarar o sinistrado curado a partir de 26/10/2017, se qualquer incapacidade para o trabalho.

Vejamos:

13. Desde logo, consta dos autos, relatório do IEFP com, nomeadamente, análise das funções/tarefas do posto de trabalho e exigências do mesmo, e, bem assim, declaração da médica de família na qual se atesta que o sinistrado não tem qualquer histórico de doenças registado no centro de saúde.

14. Ora, considerando a relevância destes factos para a boa decisão da causa (nomeadamente para efeitos de atribuição de IPP e, eventualmente, IPATH), entende a Recorrente, salvo melhor opinião e devido respeito, que andou mal o douto Tribunal a quo ao não ter levado o conteúdo dos mesmos aos factos assente.

15. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 662º do CPC, e face à prova produzida nos autos que, salvo melhor opinião, impunham decisão diversa, desde já se requer que seja ampliada a decisão proferida sobre a matéria de facto, aditando-se à mesma o seguinte:

a) As funções de cimenteiro exercidas pelo sinistrado e as exigências do seu posto de trabalho correspondem às que se encontram descritas no relatório do IEFP, junto aos autos a fls ______ e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

b) Não se encontram registadas pelo centro de saúde e médica de família do sinistrado quaisquer doenças prévias ao acidente.

ADEMAIS

16. O douto Tribunal a quo considerou que do acidente de trabalho sofrido pela ora Recorrente resultou entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas, sendo que, para formar a sua convicção, referiu ter considerado prova documental junta aos autos, mas fazendo apenas referencia à junta médica de especialidade e respetivos esclarecimentos.

17. Ora, salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que andou mal o douto Tribunal a quo na sua decisão de ter validado apenas o resultado da Junta Médica de especialidade, em detrimentos do exame médico singular, junta médica generalista, relatório do IEFP e declaração da médica de família, documentos em relação aos quais não dispensou a douta sentença nem uma única palavra!

18. Com efeito, salvo melhor opinião e devido respeito, os esclarecimentos apresentados pelos senhores peritos médicos não deveriam ter convencido o douto Tribunal, pois que tendo os mesmos admitido a ocorrência de um evento traumático (entorse), e mesmo que se admitissem que as lesões constantes dos exames complementares de diagnósticos, eram pré-existentes ao sinistro (o que o ora Recorrente desconhece), a verdade é que o Recorrente não padecia de qualquer limitação ou dor e exercia sem restrições a profissão de cimenteiros com as exigências físicas que lhe estão adstritas e que surgem referenciadas no Relatório do IEFP.

Ora, nos termos do artigo 11.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (cita-se):

“Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei”

19. A verdade é que o sinistrado não tinha antes do acidente quaisquer queixas temporárias ou permanentes a nível da coluna, não lhe tendo antes sido diagnosticada qualquer doença, nem recebendo qualquer pensão por tal e exercia, em qualquer limitação, a profissão de muita exigência física como cimenteiro, o que se retira, aliás, da informação clínica emitida pela sua médica de família, do centro de saúde de Leiria, junta aos autos.

20. Assim se efetivamente estão diagnosticas lesões ao sinistrado ao nível da coluna lombar, e se do acidente resultou efetivamente lesão nessa zona (coluna lombar), mantendo o mesmo queixas e limitações da coluna lombar, e tendo inclusive deixado de exercer a sua profissão em virtude das mesmas, sempre deveria ser considerada IPP nos termos do supra mencionado artigo 11º n.º 2 da Lei dos Acidente de Trabalho, acrescida neste caso de IPATH.

21. Mais, referem os senhores peritos médicos que a doença natural de que, alegadamente, padece o sinistrado, é suscetível de causar episódios de lombalgia com ou sem causa desencadeante.

22. Acontece que no caso dos autos houve uma causa desencadeante, que foi a entorse, e só desde essa data é que o sinistrado deixou de conseguir exercer a profissão e passou a ter ininterruptamente dores e limitação, pelo que, salvo melhor opinião, não poderiam os senhores peritos médicos descartar o nexo causal entre o estado atual do sinistrado e o acidente ocorrido.

23. Nos termos do Artigo 138.º do Código de Processo do Trabalho, a Junta médica, constituída por três peritos médicos e presidida por juiz, reúne-se para dar parecer acerca da avaliação efetuada ao sinistrado, quando requerida por qualquer das partes que não se conforma com o resultado da avaliação médica do exame singular.

24. O exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. Art. 389º do Código Civil e Arts. 489º e 607º do Código de Processo Civil).

25. No entanto, é entendimento unânime da nossa douta jurisprudência, que embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados.

26. No caso em apreço, o douto Tribunal a quo, efetivamente, não discordou da junta médica especialidade, a qual prevaleceu mesmo sobre toda a documentação junta e já descrita e, ainda, sobre o exame singular e 1.ª junta médica generalista, que, por unanimidade, considerou a existência de raquialgia residual.

27. Salvo melhor opinião e devido respeito, entende o ora Recorrente que, face à prova carreada para os autos, e aos factos já constantes da matéria assente e, bem assim, à alteração/ampliação da matéria de facto já requerida nas presentes alegações, deveria o douto Tribunal a quo ter proferido decisão diversa no que concerne à atribuição de IPP.

28. Entendendo assim o ora recorrente que o douto Tribunal, ao ter-se baseado no exame da Junta Médica de especialidade para decidir como decidiu, não fazendo qualquer juízo critico da restante prova produzida nos autos, violou os artigos 11.º, n.º 2, 19º, n.º 3, 21, n.º 1, 48, n.º 2 e 3, alínea c), todos da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

Com efeito,

29. Nos termos do n.º 3, do artigo 19º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, a incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho.

30. Sendo que, nos termos do n.º 1, do artigo 21º do mesmo diploma legal, o grau de incapacidade define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.

31. De acordo com o n.º 11.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro sendo a lesão consecutiva ao acidente agravada por lesão anterior ou quando esta for agravada pelo acidente a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse.

32. Ainda, preceitua o n.º 3, alínea c), do artigo 48º do supra mencionado diploma legal que, se do acidente resultar incapacidade permanente parcial, o sinistrado tem direito a pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º.

33. Ora, ao decidir como decidiu, não aplicando IPP ao caso concreto da ora Recorrente, o douto Tribunal a quo violou todos os artigos supra mencionados,  impossibilitando que à mesma fosse atribuída a pensão decorrente da IPP.

34. Devendo pois ser anulada a sentença e substituída por outra que condene a recorrida a pagar a pensão devida em função da IPP por raquialgia residual.

Acresce ainda que:

35. No que respeita à IPATH, considerando que a questão se tornou subsidiária pois que não se atribuindo IPP por raquialgia residual não faria sentido conhecer a questão da IPATH, entende o ora Recorrente que o douto Tribunal a quo deverá reunir novamente a junta médica generalista para, definidas e enquadradas que sejam na TNI as lesões que o sinistrado apresente (raquialgia residual), e considerando o teor do relatório técnico elaborado pelo IEFP (que aqui se dá por integramente reproduzido), aquela Junta se pronuncie, fundamentadamente, acerca da atribuição de IPATH.

36. Assim, deverá a douta sentença ser anulada nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 e 2 alínea c) do Código de Processo Civil, por força do n.º 1 do artigo 87.º, do Código de Processo de trabalho, com vista à realização de junta médica generalista que se pronuncie pela aplicação de IPATH.”.

A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, importa decidir

II - Principais questões a decidir

Neste âmbito, importa recordar preliminarmente que o apelante requereu, além do mais, a anulação da decisão recorrida, invocando para o efeito o art. 662º/2/c do NCPC, nos termos do qual o Tribunal da Relação deve anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Assim, tendo presente quanto acaba de recordar-se, sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

) se a sentença recorrida deve ser anulada nos termos do art. 662º/2/c do NCPC por ser deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre a matéria de facto;

) se a sentença recorrida deve ser anulada nos termos do art. 662º/2/c do NCPC para ser ampliada a matéria de facto;

) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada;

) se deve ser novamente convocada a junta médica generalista iniciada em 29/11/2018 para que se pronuncie sobre IPATH de que o apelante padeça por causa do acidente a que os autos se reportam;

) se pode reconhecer-se ao autor uma situação de IPP ou IPATH.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

i) M... nasceu no dia 18.04.1981;

ii) No dia 20.07.2017 trabalhava na Bélgica sob as ordens, direcção e fiscalização de “B..., Lda.”, com sede na ..., detendo a categoria profissional de cimenteiro de 1ª, auferindo a remuneração de 900,00 € x 14 meses + 7.594,75 € x 1 de ajudas de custo + 4.586,65 x 1 de prémio de produção, no total anual ilíquido de 24.781,40 €;

iii) Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;

iv) Em consequência de tal lesão, o sinistrado esteve com ITA de 21.07.2017 a 12.09.2017 (54 dias), ITP/6% de 13.09.2017 a 27.09.2017 (15 dias) e ITA de 28.09.2017 a 25.10.2017 (28 dias), dia em que teve alta clínica, após o que não ficou afectado, em virtude do facto referido em iii), com qualquer incapacidade permanente para o trabalho;

v) Na data referida em ii), a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho de M... encontrava-se transferida pela “B..., Lda.” para a “A... - Companhia de Seguros, SA”, através de contrato de seguro titulado pela Apólice nº ..., pela remuneração de 900,00 € x 14 meses + 3.045,35 € x 11 meses de outras remunerações, no total anual ilíquido de 46.098,85 €;

vi) O sinistrado, na data referida em ii), apresentava liseestimica da L4, discopatia do L4-L5 e calcificação do ligamento amarelo neste mesmo nível, susceptíveis de provocar episódios de lombalgia com ou sem causa desencadeante;

vii) M... recebeu da “A... - Companhia de Seguros, SA” a quantia de 7.248,80 € a título de indemnizações por incapacidades temporárias desde a data do acidente até à data da alta por parte da seguradora, e despendeu a quantia de 10,00 € em deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal.”.

O tribunal recorrido considerou como não provado “que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.”.

B) De Direito

Primeira questão: se a sentença recorrida deve ser anulada nos termos do art. 662º/2/c do NCPC por ser deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre a matéria de facto.

Refira-se que a questão ora em apreço se reporta, apenas, ao segmento da decisão recorrida que considerou que o sinistrado não padece de IPP/IPATH em consequência das lesões para si emergentes do acidente a que os autos se reportam.

A decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes; num caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos – cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 152.

Remédio Marques refere que “A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos.”, e “A obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença” - Acção Declarativa À Luz Do Código Revisto, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, p. 667.

Idêntico entendimento é o sufragado por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ao referirem que “O pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos).” - Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 693.

Assim sendo, não se vislumbra que a sentença recorrida padeça de qualquer destes vícios.

Com efeito, lida tal peça percebe-se com inteira clareza e sem qualquer espécie de ambiguidade que o tribunal recorrido considerou que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho que lhe causou lesões determinantes de incapacidade temporária (absoluta e parcial) para o trabalho, sem, contudo, lhe provocarem IPP/IPATH.

É o que resulta, sem necessidade de outas considerações, dos seguintes excertos da decisão recorrida:

III. Fundamentação de facto:

A) Factos provados:

(…)

ii) No dia 20.07.2017 trabalhava na Bélgica sob as ordens, direcção e fiscalização de “B..., Lda.”, com sede na ..., detendo a categoria profissional de cimenteiro de 1ª, auferindo a remuneração de 900,00 € x 14 meses + 7.594,75 € x 1 de ajudas de custo + 4.586,65 x 1 de prémio de produção, no total anual ilíquido de 24.781,40 €;

iii) Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;

iv) Em consequência de tal lesão, o sinistrado esteve com ITA de 21.07.2017 a 12.09.2017 (54 dias), ITP/6% de 13.09.2017 a 27.09.2017 (15 dias) e ITA de 28.09.2017 a 25.10.2017 (28 dias), dia em que teve alta clínica, após o que não ficou afectado, em virtude do facto referido em iii), com qualquer incapacidade permanente para o trabalho;

(…)

v) Factos não provados:

- que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.

(…)

2. No caso em apreço, por força do acidente de trabalho de que foi vítima, o sinistrado ficou afectado com ITA de 21.07.2017 a 12.09.2017 (54 dias), ITP/6% de 13.09.2017 a 27.09.2017 (15 dias) e ITA de 28.09.2017 a 25.10.2017 (28 dias), dia em que teve alta clínica, após o que ficou curado sem qualquer desvalorização;”.


Δ
A decisão fáctica é contraditória quando tem um conteúdo logicamente incompatível, por se registar na mesma uma “colisão” entre dois factos ou entre um destes e a factualidade considerada no seu conjunto.
Assim sendo, a decisão fáctica contida na sentença recorrida também não padece deste vício, pois que não se detecta a apontada colisão de factos, sendo a sentença recorrida inequívoca no sentido de que o acidente dos autos causou ao autor ITA e ITP, mas não lhe causou IPP/IPATH.
Δ

A decisão da matéria de facto é deficiente quando não tenha versado sobre todos os factos alegados pelas partes e que sejam relevantes para a decisão jurídica do pleito submetido à apreciação jurisdicional – neste sentido, por reporte ao anterior CPC, mas em termos perfeitamente transponíveis para o actual CPC, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, p. 553, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 656, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, p. 256; já no domínio do actual CPC, Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 2013, p. 239, nota 311.

Ora, não se vislumbra matéria de facto relevante para a decisão da presente acção e sobre a qual a decisão recorrida tenha omitido a devida pronúncia.

Em especial e no que concerne às consequências emergentes do acidente para o autor, a decisão recorrida afirmou explicitamente que o acidente causou ao autor determinadas lesões que se mostraram curadas, após um período de ITA e ITP, e das quais não emergiram sequelas determinantes de IPP/IPATH.

São perfeitamente elucidativos a este respeito os excertos da decisão fáctica recorrida já supra transcritos.

É certo que o apelante pretende ver dado como demonstrado que:

a) As funções de cimenteiro exercidas pelo sinistrado e as exigências do seu posto de trabalho correspondem às que se encontram descritas no relatório do IEFP, junto aos autos a fls ______ e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.”

b) Não se encontram registadas pelo centro de saúde e médica de família do sinistrado quaisquer doenças prévias ao acidente.”.

Simplesmente, o facto de essa matéria não constar da decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido não implica qualquer deficiência dessa decisão que importe corrigir.

Com efeito, não se vislumbra que essa matéria de facto seja minimamente relevante para a correcta decisão a proferir nestes autos relativamente à única questão que subiste controvertida, a saber: o acidente a que os autos se reportam causou ou não ao sinistrado sequelas determinantes de IPP/IPATH.

Com efeito, quanto ao primeiro desses segmentos, ainda que se desse como provado que as funções exercidas pelo sinistrado eram as descritas no relatório do IEFP, tal não seria incompatível, conflituante ou sequer inconciliável com a decisão de considerar que o apelante não padece, em consequência do acidente que o vitimou, de quaisquer sequelas, muito menos determinantes de IPP/IPATH.

Estão em causa temáticas fácticas completamente independentes uma da outra e entre as quais não se descortina o nexo de dependência sustentado pelo apelante.

Poderiam dar-se como provadas aquelas funções como sendo as exercidas pelo sinistrado e, ainda assim, subsistir a decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido e que nesses concretos segmentos o apelante não impugnou nos termos exigidos pelo art. 640º/1 do NCPC, no sentido de que: i) se provou que “iii) Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;”; ii) não se provou “- que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.”.

A significar que as funções desempenhadas pelo sinistrado e que se enunciam no referenciado relatório do IEFP são irrelevantes para a correcta decisão a proferir nestes autos relativamente à única questão que subiste controvertida e que supra se enunciou.

Quanto ao segundo segmento fáctico que o apelante pretende ver aditado, importa dizer que a circunstância de, porventura, não estarem registadas pelo centro de saúde e médica de família do sinistrado quaisquer doenças prévias ao acidente não implica necessariamente que as mesmas não existissem; poderiam existir e não terem sido objecto daqueles registos por uma multiplicidade de razões que não importa aqui explicitar.

Por outro lado, mesmo que não existissem doenças prévias ao acidente, tal não seria incompatível, conflituante ou sequer inconciliável com a decisão de considerar que o apelante não padece, em consequência do acidente que o vitimou, de quaisquer sequelas, muito menos determinantes de IPP/IPATH.

Poderia dar-se como provada a inexistência daquelas doenças prévias e, ainda assim, subsistir a decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido e que nesses concretos segmentos o apelante não impugnou nos termos exigidos pelo art. 640º/1 do NCPC, no sentido de que: i) se provou que “iii) Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;”; ii) não se provou “- que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.”.

A significar que a (in)existência de doenças prévias ao acidente é irrelevante para a correcta decisão a proferir nestes autos relativamente à única questão que subiste controvertida entre as partes e supra enunciada.

Ora, a decisão da matéria de facto deve versar, apenas, sobre os factos que relevem para a correcta decisão a proferir pelo tribunal relativamente às questões que está convocado para decidir; fazer versar a actividade cognitiva e decisória do tribunal sobre factos que não tenham aquela relevância equivale a desenvolver actividade inútil e proibida por lei (art. 130º NCPC).

Concluindo: i) a matéria de facto convocada pelo apelante é irrelevante para a decisão da questão de saber se o acidente a que os autos se reportam causou ou não ao sinistrado sequelas determinantes de IPP/IPATH; ii) tal matéria não pode constar da decisão sobre a matéria de facto.


Δ

Resta dizer que o que verdadeiramente está em causa é, exclusivamente, uma divergência entre o decidido pelo tribunal recorrido e o sustentado pelo sinistrado a respeito das consequências para si emergentes do acidente a que os autos se reportam: o primeiro decidiu no sentido de que o sinistrado estava curado, sem desvalorização, das referidas lesões; o segundo sustenta que do acidente resultaram lesões determinantes de IPP, com IPATH.

Simplesmente e como decorre já do supra exposto, tal divergência não integra os vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão fáctica que se pretende ver anulada.

Segunda questão: se a sentença recorrida deve ser anulada nos termos do art. 662º/2/c do NCPC para ser ampliada a matéria de facto.

Reitera-se que a questão ora em apreço se reporta, apenas, ao segmento da decisão recorrida que considerou que o sinistrado não padece de IPP/IPATH em consequência das lesões para si emergentes do acidente a que os autos se reportam.

Por outro lado, a necessidade de ampliação da matéria de facto a que nos reportamos ocorrerá em situações de decisões fácticas deficientes por não terem versado sobre todos os factos alegados pelas partes e que sejam relevantes para a decisão jurídica do pleito submetido à apreciação jurisdicional.

Ora, como já supra referido, sobre a temática referente às consequências emergentes para o autor do acidente que o vitimou, não se vislumbra, e o apelante não se encarrega de a identificar, matéria de facto relevante para a decisão da presente acção e sobre a qual a decisão recorrida tenha omitido a devida pronúncia.

Terceira questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

Pretende o recorrente que se dê como provado que:

a) As funções de cimenteiro exercidas pelo sinistrado e as exigências do seu posto de trabalho correspondem às que se encontram descritas no relatório do IEFP, junto aos autos a fls ______ e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.”;

b) Não se encontram registadas pelo centro de saúde e médica de família do sinistrado quaisquer doenças prévias ao acidente.”.

Porém, como já supra enunciado, está em causa matéria de facto irrelevante para a correcta decisão a proferir nos autos e que, por isso, não pode constar da decisão sobre a matéria de facto.

Por outro lado, o tribunal recorrido: i) deu como provado que “iii) Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;”; ii) deu como não provado “- que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.”.

O assim decidido fundamentou-se em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, sem que o apelante tenha cumprido na parte em análise o ónus de impugnação previsto no art. 640º do NCPC, por consequência do que está este Tribunal impedido de proceder à reavaliação desses meios de prova.

Em qualquer caso importa referir que o parecer técnico do IEFP junto aos autos e que o apelante convoca nas suas alegações não pode suportar uma decisão deste tribunal no sentido de se reconhecer ao autor sequelas causadas pelo acidente de que foi vítima e determinantes de uma situação de IPP/IPATH.

Em primeiro lugar porque a questão de saber se um sinistrado apresenta ou não sequelas causalmente determinadas por um acidente e se essas sequelas estão ou não curadas é de natureza clínico-forense, com foro próprio de apreciação e de decisão em que o IEFP não pode participar.

Por outro lado, a conclusão sustentada nesse parecer no sentido estar comprometido o desempenho pelo sinistrado da maioria das funções do seu trabalho habitual assenta, exclusivamente, no relato do próprio sinistrado referente às limitações funcionais para si decorrentes do acidente a que os autos se reportam, como claramente flui dos seus pontos 12. a 12.4[1] e do seu ponto 14[2], sem que o próprio autor do parecer aduza qualquer argumentação de natureza técnico-científica passível de ser convocada no sentido de se acolher, por bem fundado, o assim e unilateralmente relatado pelo sinistrado.

Assim, no confronto entre um juízo “leigo” emitido pelo IEFP com fundamento em informações unilateralmente prestadas pelo sinistrado e directamente interessado nesse juízo, por um lado, e o juízo de natureza técnico-científica emitido em junta médica de especialidade, por parte de pessoas técnico-profissionalmente habilitadas para o efeito, com base em observação do sinistrado e em elementos clínicos constantes do processo (v.g. RMN e relatório de TAC lombar), aquele não pode deixar de soçobrar perante este na parte em que esteja em causa reconhecer-se ou não sequelas do sinistrado causalmente determinadas pelo acidente de que foi vítima e determinantes ou não de IPP ou IPATH.

Convoca o apelante, igualmente, a junta médica generalista que se iniciou em 29/11/2018.

Porém, em nosso entender, essa junta generalista em nada lhe pode aproveitar.

É certo que a junta generalista considerou, por maioria, que o sinistrado padecia de raquialgia residual, tendo o perito que ficou em minoria admitido, igualmente, a existência no sinistrado de raquialgias.

Menos certo não é, contudo, que os mesmos peritos que intervieram nessa junta reviram aqueles seus juízos iniciais; fizeram-no, a nosso ver, na junta médica que realizaram em 13/6/2019, na continuação da junta médica inicial, na qual consideraram, por unanimidade, que o sinistrado deveria ser submetido a junta médica da especialidade de neurocirurgia, admitindo implicitamente, assim, que os respectivos juízos iniciais não seriam os mais avisados do ponto de vista científico e que não seriam os peritos com as habilitações mais adequadas para emitir o juízo pericial mais consistente possível relativamente à situação clínica do sinistrado.

Convoca o apelante, igualmente, o exame médico singular realizado na fase conciliatória do processo, no qual lhe foi reconhecida IPP, embora sem IPATH.

Porém, esse exame médico singular não pode suportar, a nosso ver, uma decisão deste tribunal que altere a decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido.

Com efeito: i) esse exame médico singular e as respectivas conclusões foram contrariados pelo laudo unânime dos peritos intervenientes na junta médica de especialidade; ii) perante a divergência entre as conclusões do exame médico singular realizado na ausência do julgador (art. 105º/1/4)[3], por um lado, e as conclusões unânimes da junta médica da especialidade realizadas na presença do julgador e sob a sua presidência (art. 139º/1 do CPT), acompanhadas por esclarecimentos complementares prestados a requerimento do sinistrado, aceita-se a opção do tribunal recorrido de assentar a sua convicção fáctica nas conclusões periciais unânimes de tal junta, em detrimento das conclusões sustentadas no exame singular, para mais em situações como a dos autos em que não de detectam imprecisões, incongruências ou erros em que tenham incorrido os peritos intervenientes nessa junta.

Importa reiterar, ainda e como resulta do já supra exposto, que a circunstância de, porventura, não estarem registadas pelo centro de saúde e médica de família do sinistrado quaisquer doenças prévias ao acidente é completamente irrelevante para os efeitos ora em análise, com a consequente irrelevância da declaração da médica de família referida nas alegações do apelante e emitida no sentido na inexistência daqueles registos.

Acresce que não se vislumbra que o assim decidido pelo tribunal recorrido deva ser alterado por esta Relação ao abrigo do art. 662º/1 do NCPC.

Com efeito: i) não existe documento superveniente que imponha decisão diferente da tomada pelo tribunal recorrido; ii) o assim decidido não viola força probatória vinculada de qualquer meio de prova que nos autos se tenha produzido e que impusesse decisão fáctica diferente da produzida pelo tribunal recorrido; iii) não existe declaração confessória constante de documento ou resultante do processo, nem acordo estabelecido entre as partes nos articulados que tenham sido contrariados pelo assim decidido; iv) o assim dado como provado não o foi com fundamento em meio de prova legalmente insuficiente para o efeito.

A significar, face ao enquadramento que antecede, que não se justifica qualquer alteração na decisão sobre a matéria de facto produzida pelo tribunal recorrido

Subsiste intocada, assim, a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido.


*

Quarta questão: se deve ser novamente convocada a junta médica iniciada em 29/11/2018 para que se pronuncie sobre IPATH de que o apelante padeça por causa do acidente a que os autos se reportam.

A resposta afirmativa a esta questão dependia, na própria economia das alegações do apelante, da prévia alteração da decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido no sentido de que  se provou que “Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;”, e não se provou “- que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.”.

Tendo essa decisão fáctica de subsistir integralmente, em especial nos segmentos ora destacados, não pode deixar de responder-se negativamente a esta questão.


*

Quinta questão: se pode reconhecer-se ao autor uma situação de IPP ou IPATH.

A resposta afirmativa a esta questão dependia, na própria economia das alegações do apelante, da prévia alteração da decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido no sentido de que  se provou que “Na data e local referidos em ii), quando o sinistrado se encontrava a carregar uma máquina (talocha mecânica), sentiu uma forte dor nas costas, resultando-lhe entorse da coluna lombar, lesão da qual não resultaram quaisquer sequelas;”, e não se provou “- que o sinistrado padeça de quaisquer sequelas relacionadas com o evento ocorrido na data referida em ii) dos factos provados.”.

Tendo essa decisão fáctica de subsistir integralmente, em especial nos segmentos ora destacados, não pode deixar de responder-se negativamente a esta questão.
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 20/3/2020.


 (Jorge Manuel Loureiro)

 (Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)



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[1] Onde pode ler-se, explicitamente, que “segundo o seu relato”, “o trabalhador refere…”, “o trabalhador salienta…”.
[2] Onde pode ler-se, explicitamente, que “… no caso deste trabalhador, considerando o seu testemunho, a lombar encontra-se afectada, comprometendo …. a maioria das funções do seu trabalho habitual.”.

[3] O exame médico-legal realiza-se nas delegações (http://www.inml.mj.pt/sobre-o-inmlcf/delegacoes - artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei 166/2012, de 31/07; artigo 1.º, n.º 3, da Portaria 19/2013, de 21/01) e nos gabinetes médico-legais (http://www.inml.mj.pt/sobre-o-inmlcf/gabinetes-medico-legais-e-forenses - artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei 166/2012, de 31/07; artigos 1.º, n.º 5, e 10.º da Portaria 19/2013, de 21/01) do Instituto Nacional de Medicina Legal (artigo 2.º, n.º 1 da Lei 45/2004, de 19/08; artigo 105.º, n.º 1 do C.P.T.) ou por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo mesmo Instituto (artigo 2.º, n.º 2 da Lei 45/2004, de 19/08; artigo 105.º, n.º 1 do C.P.T.).