Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2956/08.6TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: PROMITENTE-COMPRADOR
USUCAPIÃO
POSSE PÚBLICA
POSSE PACÍFICA
POSSE DE BOA FÉ
FALTA
LICENÇA
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.S 1253º, 1260º, 1261º E 1262º, 1287º, 1288º E 1296º DO CÓD. CIV.; 4º, NºS 1 E 2, AL. A) E 6º, NºS 4 E 5 DO DECRETO-LEI Nº 555/99, DE 16/12
Sumário: I – Em termos de normalidade, os promitentes compradores a quem, por força do contrato promessa de compra e venda, é entregue o bem objecto mediato do contrato, não adquirem, enquanto o contrato definitivo não for celebrado, a posse desse bem, sendo dele simples possuidores precários ou meros detentores (artº 1253º do Cód. Civil), porquanto, em princípio, possuem em nome dos promitentes vendedores.

II - Tendo-se provado que os promitentes compradores de uma parcela de terreno, desde a celebração, em 02/11/1984, do contrato promessa de compra e venda, a cuidam, limpam, vigiam e utilizam, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de se tratar de coisa exclusivamente sua e de não lesarem os direitos de ninguém, forçoso se torna concluir que os mesmos exercem, há mais de vinte anos, a posse pública, pacífica e de boa fé sobre a dita parcela.

III – Se a parcela de terreno integrava um conjunto predial no qual a promitente vendedora pretendia fazer uma operação de loteamento urbano, não tendo, contudo, logrado obter a indispensável licença administrativa, e não se mostra que o destaque da dita parcela reúna os requisitos para a isenção da mesma [artºs 4º, nºs 1 e 2, al. a) e 6º, nºs 4 e 5 do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12], aquela posse não pode conduzir à autonomização da parcela como prédio independente nem à aquisição do mesmo, por usucapião, por parte dos promitentes compradores.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. RELATÓRIO

            J… e mulher, C…, residentes na …, intentaram, em 19/09/2008, acção declarativa, com processo comum e forma sumária, contra E…, S.A.[1], com sede em …, C…, S.A[2]. e U…, S.A.[3], ambas com sede na …, pedindo: (1) a declaração de que o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial – composto de parcela de terreno, demarcado por muro a todo o seu redor, e edificação nela implantada, com a área de 871 m2, sito na … – se autonomizou do agregado outrora formado, para efeito de loteamento, pelos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial de Aveiro, nas fichas n.ºs …, respectivamente, inscritos na matriz rústica sob os artigos …; (2) a declaração de que os AA. são os donos e legítimos possuidores de tal prédio; e (3) a condenação das RR . a reconhecer quer tal autonomização, quer tal direito.

            Alegaram para tanto, em síntese, que aquele prédio, mercê do contrato promessa de compra e venda celebrado em 1984 entre a 1ª R., como promitente vendedora, e os AA., como promitentes compradores, e da posse pública e pacífica desde essa data por estes exercida, passou, por usucapião, a ser sua propriedade e, do mesmo passo, pela mesma forma, autonomizou-se do agregado predial em que se encontrava integrado.

            A R. E… contestou defendendo a improcedência da acção, alegando, em brevíssimo resumo, que os AA. nunca possuíram a parcela de terreno cuja propriedade reivindicam, dela tendo, por força do contrato promessa, tão só a mera detenção.

            Também as RR. C… e U… contestaram pugnando pela improcedência da acção, para o que produziram alegação que, sintetizada, coincide com a da R. E…, ou seja, que os AA. apenas detêm a parcela de terreno em discussão.

            Os AA. ainda responderam.

            Invocando o disposto no artº 787º do Cód. Proc. Civil, o tribunal absteve-se de proceder à condensação do processo.

            Feita a pertinente instrução, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferida a decisão sobre a matéria de facto constante de fls. 154 a 161.

            Foi depois emitida a sentença de fls. 163 a 171, julgando a acção improcedente e absolvendo as RR. dos pedidos.

            Irresignados, os AA. recorreram, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

...

            Não foi apresentada resposta.

            O recurso foi admitido, tendo-se o Mº Juiz pronunciado quanto à nulidade da sentença arguida pelos recorrentes, entendendo que a mesma não ocorre.

            Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.

            Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[4], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste tribunal foram colocadas as questões de saber se:

a) A sentença recorrida padece da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 668º;

b) A partir da celebração, em 02/11/2004, do contrato promessa de compra e venda, os AA. foram verdadeiros possuidores ou apenas meros detentores dos lotes prometidos comprar/vender;

c) Consequências jurídicas.

            2. FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. De facto

            Não tendo sido impugnada a decisão relativa à matéria de facto nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, considera-se definitivamente assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância e que é a seguinte:

            2.2. De direito

            2.2.1. Nulidade

            Os recorrentes sustentam que a sentença recorrida é nula, nos termos da al. c) do nº 1 do artº 668º, ou seja, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

            Como ensinava o Prof. Antunes Varela[5], “nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autos da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

            No caso dos autos entendeu o julgador da 1ª instância – se bem ou mal é já questão substancial, de fundo, alheia à problemática formal da nulidade da sentença – que os AA. nunca foram além de meros detentores da parcela de terreno prometida comprar/vender e que, consequentemente, nunca tendo sido verdadeiros possuidores, não podem ter adquirido tal parcela por usucapião, o que torna inútil apreciar a questão da autonomização jurídica da mesma. Daí a total improcedência da acção.

            Assim, não falta coerência lógica ao raciocínio subjacente à sentença recorrida, não se detectando qualquer oposição entre a fundamentação e a decisão, seguindo uma e outra o mesmo sentido ou direcção.

            Não se reconhece, portanto, quanto a esta questão, razão aos recorrentes.

            2.2.2. Mera detenção / posse

            O tribunal “a quo” entendeu, por um lado, que por força do contrato promessa de compra e venda outorgado em 02/11/1984 entre os AA. e a R. “E…” e da concomitante entrega da parcela de terreno objecto do contrato aos promitentes compradores, estes apenas entraram na simples detenção da mesma. E, por outro, que, não havendo factualidade que permita concluir que, entretanto, tenha havido inversão do título (artº 1265º do Cód. Civil), os AA., promitentes compradores, apesar da factualidade provada, permaneceram naquela situação jurídica, nunca tendo chegado a ser verdadeiros possuidores.

            Os recorrentes discordam, sustentando que da factualidade provada resulta que com o contrato promessa e a entrega da parcela prometida comprar/vender entraram na posse pública e pacífica da mesma e, dado o tempo decorrido, adquiriram-na, autonomizada do conjunto predial em que antes se inseria, por usucapião.

            Vejamos.

            Encontra-se provado que por acordo reduzido a escrito, em 2 de Novembro de 1984, a R. “E…” prometeu vender aos autores, que prometeram comprar, os lotes de terreno n.ºs …, com a área de 434 m2 cada, pelo preço de 2.604.000$00, do qual pagaram naquela data o montante de 1.604.000$00, representando o sinal e princípio de pagamento, ficando acordado que o pagamento da quantia restante, de 1.000.000$00, deveria ter lugar nos trinta dias seguintes à apresentação dos documentos finais do terreno, por parte da vendedora.

Os referidos lotes, juntamente com outros, integravam um conjunto de prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, nas fichas n.ºs … e inscritos na respectiva matriz rústica sob os artigos …, constando como titular do direito de propriedade inscrito a R. “C…”, que os adquiriu à “E…”, por compra em 3 de Novembro de 2000, com excepção do prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo …, relativamente ao qual consta como titular do direito de propriedade inscrito a ré “E…”, desde 10 de Janeiro de 1986.

A parcela de terreno objecto do contrato promessa de compra e venda destinava-se a constituir dois lotes no âmbito de um loteamento que, em 1984, a ré “E…” pretendia efectuar sobre alguns prédios de que era proprietária, tendo para o efeito apresentado o projecto de loteamento n.º …/76, na Câmara Municipal de …, para aprovação de 122 lotes, que nunca veio a ser aprovado.

Após a celebração do acordo referido, em data não concretamente apurada, mas há mais de vinte anos, os autores construíram um muro ao redor dos dois lotes referidos, com a altura de cerca de 1,5 metros e com dois portões, um de cada lado, na parte do muro que dá para a Rua …, sendo que os prédios confinam ...

Ao fundo dos dois lotes referidos, sentido poente, os autores mandaram construir um pequeno edifício com uma porta e duas janelas.

Desde a celebração do contrato promessa que os autores cuidam, vigiam, tratam, limpam, usam e utilizam os aludidos dois lotes, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de se tratar de coisa exclusivamente sua e de não lesarem os direitos de ninguém.

            Em termos de normalidade, os promitentes compradores a quem, por força do contrato promessa de compra e venda, é entregue o bem objecto mediato do contrato, não adquirem, enquanto o contrato definitivo não for celebrado, a posse desse bem, sendo dele simples possuidores precários ou meros detentores (artº 1253º do Cód. Civil), porquanto, em princípio, possuem em nome dos promitentes vendedores.

            E é assim porque tais promitentes compradores, tendo embora o bem à sua disposição e podendo sobre ele praticar os actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, não desconhecem que, enquanto o contrato definitivo não for celebrado, não são donos.

            Com efeito, apesar de o artº 1251º do Cód. Civil definir a posse como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, o artº 1253º do mesmo diploma legal esclarece que são havidos como detentores ou possuidores precários: (a) os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; (b) os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; (c) os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.

            Do confronto das duas referidas disposições legais resulta que, como ensinava o Prof. Mota Pinto[6], na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos:

            I – Um elemento material – “corpus” – que se identifica com os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa;

            II – um elemento psicológico – “animus” – que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.

            Ora, normalmente, o promitente comprador a quem foi entregue o bem prometido comprar tem o “corpus” da posse, pois pode sobre o bem praticar os actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, mas não tem o “animus” da posse, já que não desconhece que, até à prometida celebração do definitivo contrato de compra e venda, não é (ainda) verdadeiro dono.

            “Todavia, excepcionalmente, – como é dito na sentença recorrida e nós concordamos – e em face da especificidade das circunstâncias envolventes da tradição, pode a sua posição, dela derivada, ser juridicamente qualificável como posse em nome próprio”.

            E como saber se estamos perante uma situação normal, de posse em nome alheio, ou perante uma situação excepcional, de posse em nome próprio?

            O elemento diferenciador tem de estar, a nosso ver, na existência ou não, desde a tradição da coisa, de “animus domini”. Se existe, há posse; se não, até que porventura ocorra inversão do título, não há.

            O que nos parece incompatível é a coexistência de posse em nome alheio com “animus domini”, com a convicção do promitente comprador de o bem objecto mediato do contrato promessa de compra e venda ser coisa exclusivamente sua. Isto é, se nenhuma circunstância específica susceptível de tornar excepcional a situação envolveu o contrato promessa e/ou a tradição da coisa, o promitente comprador não pode, logicamente, passar a agir sobre ela na convicção de se tratar de coisa exclusivamente sua. E se o promitente comprador passou a agir nessa convicção, então é porque algo rodeou o contrato e/ou a tradição capaz de conferir excepcionalidade à situação.

           

No caso que nos ocupa está provado que os promitentes compradores, a quem a parcela de terreno constituída pelos dois projectados lotes foi entregue aquando da celebração do contrato promessa, imediatamente começaram a cuidá-la, vigiá-la, tratá-la, limpá-la, usá-la e utilizá-la à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de se tratar de coisa exclusivamente sua e de não lesarem os direitos de ninguém. Além disso, em data não concretamente apurada, mas há mais de vinte anos, construíram um muro ao redor dos dois lotes, com a altura de cerca de 1,5 metros e com dois portões, um de cada lado, na parte do muro que dá para a Rua …, tendo também mandado construir um pequeno edifício, com uma porta e duas janelas, ao fundo da mencionada parcela.

Ou seja, os AA. comportaram-se em relação à parcela prometida comprar, logo desde a celebração do contrato promessa, em 02/11/1984, como verdadeiros proprietários, sempre agindo na convicção de se tratar de coisa exclusivamente sua.

Por que motivo assim sucedeu, sem que o contrato definitivo tivesse sido outorgado e tendo os promitentes compradores pago apenas cerca de 60% do preço acordado, é questão que não está esclarecida nos autos.

Contudo, existindo desde início, para além do “corpus”, o “animus domini”, afigura-se-nos manifesto que os AA. logo entraram na posse em nome próprio – e não na mera detenção – da concreta parcela de terreno prometida comprar/vender, que há mais de vinte anos muraram.

            2.2.3. Consequências jurídicas

A aludida posse reveste, de acordo com a factualidade provada, as características da pacificidade, da publicidade e da boa fé (artºs 1260º, 1261º e 1262º do Cód. Civil) e, porque quando a acção foi intentada em 19/09/2008, perdurava ininterruptamente há mais de vinte anos, terá conduzido, se outros entraves não existirem, à aquisição, por usucapião, por parte dos AA./possuidores, da parcela de terreno sobre que incidia (artºs 1287º, 1288º e 1296º do Cód. Civil).

A parcela prometida comprar/vender encontrava-se integrada num conjunto predial formado pelos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, nas fichas n.ºs … e inscritos na respectiva matriz rústica sob os artigos …, no qual (conjunto predial) a R. “E…” pretendia proceder a uma operação de loteamento, tendo para o efeito apresentado o respectivo projecto, com o nº …/76, na Câmara Municipal de …, para aprovação de 122 lotes.

Esse projecto de loteamento nunca veio a ser aprovado.

A parcela prometida comprar/vender correspondia aos lotes nºs 40 e 41.

A procedência da presente acção, com a consequente autonomização da parcela de terreno objecto mediato do contrato promessa de compra e venda, redundará, em termos práticos, num loteamento[7], consistente no destaque da parcela do resto do conjunto predial.

Ora, nos termos do artº 4º, nºs 1 e 2, al. a) do Decreto-Lei nº 555/99[8], de 16/12, as operações de loteamento estão sujeitas a licença administrativa que, no caso, não foi concedida. E, embora os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela possam, reunidos os requisitos previstos nos nºs 4 e 5 do artº 6º do diploma legal mencionado, estar isentos de licença, não foi alegado nem provado nos autos – ónus que impendia sobre os AA. – que, no caso, tais requisitos se verifiquem[9].

“Vedando o disposto no art. 49º do citado Decreto-Lei nº 555/99 a celebração de negócios jurídicos que tenham por efeito, directo ou indirecto, a formação de lotes urbanos sem a existência da referida licença ou da prova da sua isenção, também não podem os interessados obter a mesma finalidade através de uma acção judicial”.

“Logo, não podem os recorrentes obter o referido destaque através do instituto da usucapião, pois de outro modo, permitir-se-ia ao tribunal substituir as autoridades administrativas no que concerne à autorização de loteamentos ou de verificação da legalidade dos destaques prediais que é prévia à emissão da pertinente certidão comprovativa”.

Assim foi decidido no Ac. do STJ de 02/02/2010[10], que vimos seguindo de perto e de onde retirámos os dois últimos parágrafos, de cujo sumário consta que “o instituto da usucapião não pode ultrapassar as restrições legais colocadas ao fraccionamento dos prédios em normas imperativas que regulam o loteamento de terrenos, nomeadamente, as previstas no Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12”[11].

Como decorre do que fica dito, apesar da posse boa para usucapião exercida pelos recorrentes, por mais de vinte anos, sobre a parcela de terreno prometida comprar/vender, existem entraves legais impeditivos da autonomização da dita parcela de terreno como prédio independente do conjunto predial onde se encontra inserida e que constituem igualmente obstáculo intransponível para a aquisição pelos AA., por usucapião, da propriedade da dita parcela.

Por isso, soçobram as conclusões da alegação dos recorrentes, o que conduz à improcedência da apelação e, ainda que por razões diferentes das da 1ª instância, à manutenção da sentença recorrida.

Sumário (artº 713º, nº 7 do CPC):

I – Tendo-se provado que os promitentes compradores de uma parcela de terreno, desde a celebração, em 02/11/1984, do contrato promessa de compra e venda, a cuidam, limpam, vigiam e utilizam, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de se tratar de coisa exclusivamente sua e de não lesarem os direitos de ninguém, forçoso se torna concluir que os mesmos exercem, há mais de vinte anos, a posse pública, pacífica e de boa fé sobre a dita parcela.

II – Se a parcela de terreno integrava um conjunto predial no qual a promitente vendedora pretendia fazer uma operação de loteamento urbano, não tendo, contudo, logrado obter a indispensável licença administrativa, e não se mostra que o destaque da dita parcela reúna os requisitos para a isenção da mesma [artºs 4º, nºs 1 e 2, al. a) e 6º, nºs 4 e 5 do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12], aquela posse não pode conduzir à autonomização da parcela como prédio independente nem à aquisição do mesmo, por usucapião, por parte dos promitentes compradores.

            3. DECISÃO

            Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

            As custas são a cargo dos recorrentes.

Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo


[1] Doravante identificada neste acórdão, por facilidade, apenas como “E…”.
[2] Doravante identificada neste acórdão, por facilidade, apenas como “C…”.
[3] Doravante identificada neste acórdão, por facilidade, apenas como “U…”.
[4] Na versão aplicável, que é a resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08. São desse diploma, nessa versão, as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[5] Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 690.
[6] Direitos Reais, Almedina, 1972, pág. 180.
[7] Segundo a al. i) do artº 2º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12, que aprovou o regime jurídico da urbanização e edificação, são «operações de loteamento» as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento.

[8] Que aprovou o regime jurídico da urbanização e edificação. Alterado pelas Leis n.ºs 13/2000, de 20 de Julho, e 30 -A/2000, de 20 de Dezembro, pelo Decreto -Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, pelas Leis n.ºs 15/2002, de 22 de Fevereiro, e 4 -A/2003, de 19 de Fevereiro, pelo Decreto -Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, e pelos Decretos -Leis n.ºs 18/2008, de 29 de Janeiro, e 116/2008, de 4 de Julho, e pela Lei nº 28/2010, de 02/09.

[9] Regimes semelhantes previam os sucessivos diplomas anteriores que regularam a matéria - Decretos - Lei nºs 289/73, de 06/06, 400/84, de 21/12  e 448/91,de 29/11. O primeiro diploma indicado era o que se encontrava em vigor na data da celebração do contrato promessa.
[10] Proc. 1816/06.0TBFUN.L1.S1, relatado pelo Cons. João Camilo, consultável em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. também o Ac. STJ de 19/10/2004 (Proc. 04B3293, relatado pelo Cons. Salvador da Costa), consultável em www.dgsi.pt.