Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
859/03.0TBAVR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA / AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.494º E N.ºS 1 E 2 DO ART.º 496.º DO CC
Sumário: É de fixar em € 100.000,00 o valor dos danos não patrimoniais a lesada, de 24 anos de idade, estudante do 4.º ano de Arquitectura, que em consequência das lesões sofridas em acidente de viação ocorrido em 19.2.00, para o que nada contribuiu, em 2007/08 não tinha ainda terminado o curso e sofreu, além do mais, lesões que lhe determinaram cerca de 3 meses de internamento hospitalar, fracturas várias, uma IPG de 45%, acrescida de 15%, a título de dano futuro, prejuízo de afirmação pessoal de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 5, dano estético de 5 numa escala de 1 a 7, síndrome urológica de incontinência e prejuízo sexual de grau 2 em escala de gravidade crescente de 5 e um “quantum doloris” de grau 5 numa escala de até 7.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

A..., com o benefício de apoio judiciário, propos contra ”Companhia de Seguros B..., SA” acção com forma de processo ordinário, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global, após ampliação do pedido inicial, de € 425.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, sendo € 198.962,18 a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência de um acidente de viação, ocorrido em 19.2.00 quando, como passageira, era transportada no veículo automóvel de matrícula ...-...-MC, segurado na Ré e por que foi exclusivo responsável o respectivo condutor.

A Ré, na sua contestação, aceitou a responsabilidade pelo acidente, mas impugnou a factualidade atinente aos danos.

Após frustrada tentativa de conciliação foi proferido despacho saneador e seleccionados os factos assentes e, organizada a base instrutória, fixaram-se sem reclamação.

Instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual e como consequência da ampliação do pedido foram aditados novos artigos à base instrutória, no final do que foi lida a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, de que igualmente não houve reclamação.

Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e a Ré condenada no pagamento à A. da quantia global de € 150.392,91, sendo de danos patrimoniais € 10.392,90 e não patrimoniais € 140.000,00.

A A., entretanto, interpusera recurso de agravo do despacho que indeferira parcialmente o requerimento de ampliação do pedido e, juntamente com a seguradora, apelara da sentença.

Provido que foi o agravo e prejudicado o julgamento da apelação, foi proferida nova sentença condenatória da Ré, agora, no pagamento à A. na quantia global de € 262.212,18, acrescida de juros de mora, correspondendo € 142.212,18 a danos patrimoniais e € 120.000,00 a danos não patrimoniais.

Inconformada, dela recorreu a Ré seguradora, expressamente delimitando o objecto do recurso ao montante dos danos não patrimoniais, apresentando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:

a) – O montante de € 120.000,00 atribuído à recorrida a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação é manifestamente excessivo;

b) – Os danos não patrimoniais não atingem o património do lesado, antes incidem sobre os bens, como a vida, a saúde, a beleza, a liberdade, pelo que o seu ressarcimento tem uma função compensatória, já que visa reparar o dano, mas também sancionatória, porque visa punir a conduta do lesante;

c) – O comportamento do condutor do veículo em que a recorrida se fazia transportar como passageira caracteriza a culpa a título negligente;

d) – O montante da indemnização é fixado pelo tribunal segundo juízos de equidade, o que significa dar a cada conflito a solução que parece ser a mais justa, atendendo apenas às características de cada situação, de acordo com as concepções de justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico, o que impõe seja tomada em conta a jurisprudência envolvente, reflexo da concepção de justiça dominante;

e) – No caso em apreço a extensão e gravidade dos danos não patrimoniais, a idade da recorrida e a jurisprudência dominante, reflexo da concepção de justiça actual, afigura-se como justa, adequada e equitativa uma compensação, a título de danos não patrimoniais de € 50.000,00;

f) – A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 494.º e 496.º, n.ºs 1 e 3, do CC.

Na resposta, a A., pugnou pela confirmação do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que a única questão a apreciar versa sobre o montante adequado a fixar pelos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida em consequência do acidente de viação de que foi vítima.


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            II. Fundamentação

            1. De facto

            Foi a seguinte a factualidade dada como provada pela 1.ª instância, que não foi objecto de impugnação, nem esta Relação vê motivo para alterar:

a) – No dia 19.2.00, pelas 20H00, na Autopista do Atlântico, Galiza, Espanha, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo de marca Peugeot, matrícula ...-...-MC, conduzido por C... e propriedade de seu pai, D... ;

b) – O veículo seguia no sentido norte-sul (Santiago de Compostela-Vigo), perto de Pontevedra, na sua hemi-faixa direita, quando teve um ligeiro “toque” com a frente na retaguarda de um veículo de matrícula espanhola que o antecedia na hemi-faixa direita,

c) – Após o que o condutor do ...-...-MC perdeu o controlo do veículo, que se despistou;

d) – A R. reconhece que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do ...-...-MC;

e) – No veículo seguiam, além do condutor, 4 outros colegas que frequentavam, à data, o 4.º ano da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, entre os quais a A., que era uma das ocupantes do banco traseiro;

f) – Do acidente resultaram ferimentos graves em todos os ocupantes da viatura, incluindo o próprio condutor, os quais foram transportados e assistidos em diversos hospitais situados na zona do sinistro;

g) – A A. foi transportada para o Hospital Miguel Dominguez, na cidade de Pontevedra, onde esteve internada entre 19.2.00 e 17.3.00;

h) – Nesta data foi transferida para a Casa de Saúde da Boavista, onde esteve internada pelo menos até 12.4.00;

i) – De seguida foi para casa de seus pais, onde esteve imobilizada durante cerca de 1 mês;

j) – No período dos seus internamentos esteve sempre em posição denominada por “estátua”;

j) – A A., como consequência directa e imediata do sinistro, sofreu, pelo menos traumatismo craniano, derrame pleural bilateral mínimo, fractura das vértebras D3 a D7, traumatismo maxilar inferior, queimaduras do 2.º grau na perna esquerda, contusões diversas, fractura do esterno, fractura do maxilar superior e inferior e ferimentos e escoriações diversas em todo o corpo;

l) – A A. iniciou tratamentos de fisioterapia em Março de 2000;

m) – A Ré procedeu ao pagamento à A. das despesas médicas e medicamentosas emergentes do sinistro e efectuadas entre 19.2.00 e Janeiro de 2002;

n) – A partir de Fevereiro de 2002 (inclusive) não procedeu a quaisquer pagamentos, embora esteja na posse de documentos de suporte de despesas, as quais perfazem o montante total de € 5.644,64;

o) – A A. nasceu em 16.8.75;

p) – A responsabilidade civil por danos a terceiros, emergentes de acidente de viação com o veículo ...-...-MC, estava validamente transferida para a Ré, à data do acidente, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...;

q) – A A. esteve em situação de incapacidade temporária geral parcial até 21-11-01 e ao sofrimento e desconforto vividos durante esse período corresponde o “quantum doloris” de grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a gravidade das lesões ósseas e neurológicas e ainda o aspecto psicossocial;

r) – A A. continua a ter dores, especialmente quando está na mesma posição durante algum tempo e as dores agravam-se no tempo frio;

s) – Em virtude das lesões de que ficou portadora, a A. necessita de medicação;

t) – A lesão na coluna é de tal forma grave que ainda hoje tem dificuldade em andar;

u) – Tem problemas de equilíbrio e cai com facilidade;

v) – A A. coloca um colete para efectuar viagens mais longas;

x) – A trepidação inerente aos transportes públicos acentua-lhe as dores;

z) – A A., devido às sequelas resultantes do acidente, ficou a padecer uma Incapacidade Permanente Geral (IPG) de 45%, à qual acresce, a título de dano futuro, mais 15%, atento o agravamento do prejuízo estético da coluna vertebral e das sequelas neurológicas, evidenciado desde a data fixável da consolidação (21.11.01) e a data dos exames de avaliação do dano;

aa) – A A. era, à data do sinistro, estudante do 4.º ano de Arquitectura, com bom aproveitamento;

bb) – Foi no âmbito da disciplina de Projecto IV que a docente da referida disciplina e outros professores organizaram uma visita de estudo a Santiago de Compostela, no regresso da qual ocorreu o acidente referido;

cc) – Apesar de ter sido uma viagem de estudo e de os órgãos directivos da Faculdade terem expressado a sua solidariedade, nunca, na prática, atenderam às dificuldades dos alunos, nomeadamente da A.;

dd) – A A. retomou os estudos, mas sentiu e sente muitas dificuldades em concluir atempadamente os trabalhos que implicam permanecer muito tempo no estirador ou a fazer maquetes, tendo também dificuldades de concentração e cansaço, razão pela qual no ano lectivo de 2007/08 ainda está a frequentar o 6.º ano;

ee) – A A. debate-se com a enorme frustração de ainda não ter concluído o curso;

ff) – A A. ainda se socorre de acompanhamento neuropsiquiátrico e dele necessitará ao longo da sua vida;

gg) – A A. tem tido apoio familiar em termos afectivos e económicos, pois os seus pais suportam a estadia no Porto, a alimentação e material escolar que de necessita, no que gastam, em média, não menos de € 600,00 mensais;

hh) – A A. apresenta raquialgias com escápula alada direita e amiotrofia dos músculos rombóides;

ii) – A dificuldade em estar na mesma posição durante muito tempo e o acentuar das dores com a trepidação dos veículos levou a que a A. deixasse de frequentar bares e discotecas com os amigos, com regularidade, tenha que colocar um colete nas viagens mais longas e só vá ao cinema ver filmes que tenham intervalo;

jj) – O mercado de trabalho na área da arquitectura encontra-se presentemente (2008) mais saturado de oferta do que se encontrava quando o acidente ocorreu;

ll) – A A. tem queimaduras visíveis na perna esquerda, o que lhe provoca alguns constrangimentos na praia e na piscina;

mm) – A A. não tem sensibilidade no membro inferior esquerdo;

nn) – Tendo em conta a coarctação da maior parte das actividades de fruição, a repercussão das sequelas do acidente corresponde a um prejuízo de afirmação pessoal de grau 3, numa escala de 5 graus de gravidade crescente,

oo) – O que a condiciona e envergonha até nas suas relações de amizade e amorosas;

pp) – Surgiu-lhe, em consequência do sinistro, um problema de carácter urológico de incontinência e obstipação;

qq) – A A. ficou com receio de andar de automóvel;

rr) – A data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. é fixável em 21.11.01;

ss) – A A. sofreu um período de incapacidade temporária geral profissional total de 255 dias e um período de incapacidade temporária geral parcial de 386 dias;

tt) – A IPP de que a A. padece limita e obriga a esforços acrescidos quer no seu desempenho escolar, quer no exercício da profissão de arquitecta;

uu) – Para além do referido em oo), as sequelas de que a A. ficou portadora, designadamente a assimetria e o posicionamento, mesmo que parcialmente corrigido ou esteticamente escamoteado, determinam-lhe um dano estético de grau 5, numa escala crescente de 1 a 7 e o rebate genital da sua condicionante urológica (síndrome de frequência e incontinência) e a manipulação e trauma psicológico com expressão na sexualidade da sinistrada determinam-lhe um prejuízo sexual de grau 2/5;

vv) – Em consultas, exames e tratamentos que efectuou após a propositura da acção, a A. gastou a quantia de € 4.748,27;

xx) – Em consequência das lesões e sequelas a A. só atingiu o 6.º ano no ano lectivo de 2006/07, que ainda não concluiu.


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            2. De direito

            Como se salientou, a recorrente, no uso, aliás, da faculdade conferida pelo n.º 2 do art.º 684.º do CPC delimitou objectivamente o recurso à parte da decisão que a condenou ao pagamento da importância de € 120.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., em seu lugar contrapondo a quantia de € 50.000,00.

            Releva aqui o n.º 1 do art.º 496.º do CC quando dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e o n.º 2 quando sustenta que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º (…), ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

            Como salienta Pires de Lima e Antunes Varela[1], não enumera a lei os casos de danos não patrimoniais indemnizáveis, indiscutivelmente relevantes sendo, v. g., a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, o desgosto pelo atraso na conclusão de um curso (…).

            Quanto ao seu montante ensinam os mesmos autores que “deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

            A equidade, como “justiça do caso concreto” não dispensa, contudo a observância do princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º da CRP) e da relativa uniformização de critérios que, quanto aos montantes, a jurisprudência vai casuisticamente fixando (v. também n.º 3 do art.º 8.º do CC).[2]

            Desde há muito que está enraizado que na indemnização dos danos não patrimoniais, mais que reparação, a sua ressarcibilidade assenta numa compensação pelos desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de molde a proporcionar a este situações de bem-estar decorrentes da utilização do dinheiro em que se traduz a indemnização.[3]

            Para se assumir como tal tem que ser significativa, não meramente simbólica ou miserabilista, sem obviamente cair em exageros.[4]

            No corpo das alegações (que não nas conclusões) salientou a recorrente que nada se apurou quanto à situação económica do responsável pelo acidente, o condutor do veículo automóvel.

            Porque o regime legal do seguro obrigatório (n.º 1, alín. a) do art.º 64.º do DL n.º 291/2007, de 21.8) nega, em princípio, legitimidade para ser demandado o responsável directo causador do acidente, porque não é o património do lesante, mas o de terceiro (seguradora) que vai suportar o pagamento da indemnização, é irrelevante o apuramento da situação económica daquele.

            Mercê da natureza do contrato de seguro, como contrato a favor de terceiro e atenta a natureza mista da indemnização por danos não patrimoniais (compensatória do dano e sancionatória da conduta do lesante, como espécie de pena privada em benefício da vítima[5]), irrelevante se afigura também a apreciação da situação económica da seguradora.[6]

            Ora, voltando ao caso em apreço, a A., então com 24 anos de idade, foi vítima de brutal acidente de viação, para o qual em nada contribuiu, quando se fazia transportar como passageira no veículo automóvel conduzido por colega seu, que após embate noutro veículo que o precedia, veio a despistar-se, quando efectuava uma viagem de estudo, em Espanha, do 4.º ano do Curso de Arquitectura, em que se encontrava.

            Foram graves as lesões sofridas e graves foram, também, as consequências sobrevindas.

            Destacando, no que têm de relevante para o objecto do recurso, na sequência do que fez, aliás, a sentença recorrida, esteve internada em Espanha de 19.2.00 a 17.3.00, assim continuando na Casa de Saúde da Boavista até 12.4.00 e depois imobilizada durante cerca de 1 mês em casa dos pais; sofreu traumatismo craniano, derrame pleural bilateral mínimo, fractura das vértebras D3 a D7, traumatismo maxilar inferior, queimaduras do 2.º grau nas perna esquerda, contusões diversas, fractura do esterno, fractura do maxilar superior e inferior e ferimentos e escoriação diversas em todo o corpo; sofreu um período de incapacidade temporária geral e profissional total de 255 dias e um período de incapacidade temporária geral parcial de 386 dias; em 21.11.01 ocorreu consolidação médico-legal das lesões sofridas; apresenta raquialgias com escápula alada direita, amiotrofia dos músculos rombóides, queimaduras visíveis na perna esquerda, o que lhe provoca alguns constrangimentos na praia e na piscina, não tem sensibilidade no membro inferior esquerdo e surgiu-lhe, em consequência do acidente, um problema de carácter urológico de incontinência e obstipação; ficou com uma Incapacidade Permanente Geral de 45%, à qual acresce, a título de dano futuro, mais 15%, atento o agravamento do prejuízo estético da coluna vertebral e das sequelas neurológicas; a dificuldade em estar na mesma posição durante muito tempo e o acentuar das dores com a trepidação dos veículos levou a que a A. deixasse de frequentar bares e discotecas com os amigos, com regularidade, tenha que colocar um colete nas viagens mais longas e só vá ao cinema ver filmes que tenham intervalo; as sequelas de que ficou portadora condicionam-na e envergonham-na nas suas relações de amizade e amorosas.

A coarctação da maior parte das actividades de fruição e a repercussão das sequelas do acidente corresponde a um prejuízo de afirmação pessoal de grau 3, numa escala de 5 de gravidade crescente; a assimetria e o posicionamento, mesmo que parcialmente corrigido ou esteticamente escamoteado, determinaram-lhe um dano estético de grau 5 numa escala crescente de 1 a 7 e o rebate genital da sua condicionante urológica (síndrome de frequência e incontinência) e a manipulação e trauma psicológico com expressão na sexualidade determinaram-lhe um prejuízo sexual de grau 2/5; ao sofrimento e desconforto vividos pela A. corresponde um “quantum doloris” de grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a gravidade das lesões ósseas e neurológicas e ainda o aspecto psicossocial; continua a ter dores, especialmente quando está na mesma posição durante algum tempo, com agravamento no tempo frio, coloca um colete nas viagens mais longas e a trepidação inerente aos transportes públicos acentua-lhe as dores; ficou com receio de andar de automóvel, tem dificuldades em andar e problemas de equilíbrio e cai com facilidade; retomou os estudos, mas sentiu e sente muitas dificuldades em concluir atempadamente os trabalhos que implicam permanecer muito tempo no estirador ou a fazer maquetes, tendo também dificuldades de concentração e cansaço, razão por que no ano lectivo de 2007/08 estava a frequentar o 6.ºano que iniciou em 2006/07; debate-se com a enorme frustração de não ter terminado o curso; ainda se socorre de acompanhamento neuro-psiquiátrico e dele necessitará ao longo da sua vida; o mercado de trabalho na área da arquitectura encontra-se presentemente (2008) mais saturado de oferta do que se encontrava quando o acidente ocorreu; a IPP de que padece limita-a e obriga-a a esforços acrescidos quer no seu desempenho escolar, quer no exercício da profissão de arquitecta.

Foi perante esta panóplia de lesões e sequelas e no confronto dos casos apreciados no Ac. STJ de 28.2.08 (já citado), que confirmou a indemnização por danos não patrimoniais de € 125.000,00 fixada na 1.ª instância e no Ac. RE de 17.4.08 (Proc. 2512/07-3/ITIJ) que fixou indemnização, igualmente a esse título, em € 150.000,00[7], que a sentença recorrida fixou aos danos não patrimoniais o valor de € 120.000,00.

            Os valores, mais ou menos elevados, apreciados nesses 2 arestos destacam-se da generalidade dos que vêm sendo fixados pelos nossos tribunais e em ambos os casos a gravidade das sequelas tiveram fundamentalmente a ver com a dependência dos lesados de 3.ª pessoa (deslocação em cadeira de rodas) e, os montantes, com as IPPs fixadas, de 80% e 85%, respectivamente.

            Um e outro quadro factual considerado, é preciso convir, assume maior gravidade que o do presente recurso.

            Como mais gravoso é aqueloutro apreciado no Ac. STJ de 19.6.08 (Proc. 08B1841/ITIJ) que fixou os danos não patrimoniais em € 120.000,00 (amputação de membro inferior e IPP de 70%).

            Não se pretende com isto menosprezar a gravidade das lesões e suas sequelas sofridas pela A. recorrida, mas somente e num julgamento de equidade e de igualdade proceder a uma mais adequada valoração que passa, em suma, pela fixação da quantia de € 100.00,00 ao invés da fixada em 1.ª instância de € 120.000,00.

            É, aliás, um valor que mais se aproxima do resultante das tabelas de “proposta razoável” da Portaria n.º 377/2008, de 26.5, actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.6 (€ 74.282,40) o que, não sendo obrigatoriamente imposto ao julgador, apresenta, contudo, um referencial de trabalho a que importa atender.


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            3. Resumindo e concluindo

– É de fixar em € 100.000,00 o valor dos danos não patrimoniais a lesada, de 24 anos de idade, estudante do 4.º ano de Arquitectura, que em consequência das lesões sofridas em acidente de viação ocorrido em 19.2.00, para o que nada contribuiu, em 2007/08 não tinha ainda terminado o curso e sofreu, além do mais, lesões que lhe determinaram cerca de 3 meses de internamento hospitalar, fracturas várias, uma IPG de 45%, acrescida de 15%, a título de dano futuro, prejuízo de afirmação pessoal de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 5, dano estético de 5 numa escala de 1 a 7, síndrome urológica de incontinência e prejuízo sexual de grau 2 em escala de gravidade crescente de 5 e um “quantum doloris” de grau 5 numa escala de até 7.


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            III. Decisão

            Face a todo o exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e reduzir o valor indemnizatório pela compensação dos danos não patrimoniais fixado na sentença recorrida à lesada A... de € 120.000,00 para a quantia de € 100.000,00, por cujo pagamento se condena a “Companhia de Seguros B..., SA”, no mais se mantendo a decisão.

            Custas, em ambas as instâncias, na proporção do vencido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a apelada.


Francisco Caetano (Relator)
António Magalhães
Freitas Neto


[1] “Cód. Civil, Anot.”, I, 4.ª ed., pág. 499.
[2] Acs. STJ de 8.3.07, Proc. 06B3988 e 14.9.10, Proc. 287/06.0TBVCD.P1.S1, ambos no ITIJ.
[3] Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 1979, pág. 395 e Mota Pinto, “Teoria Geral…”, 3.ª ed., pág. 115 e Ac. STJ de 12.7.07, Proc. 07A2406.
[4] Acs. STJ de 28.6.07, Proc. 07B1543 e 28.2.08, Proc. 08B388, ambos no ITIJ.
[5] A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, 2.ª ed., pág. 484, nota 2.
[6] V. Ac. STJ de 25.6.02, CJ/STJ, 2002, II, pág. 134.
[7] Valor esse que o STJ haveria de confirmar no Ac. de 3.3.09, CJ/STJ, 2009, I, pág. 112.