Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
87/12.3JACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA (1.ª SECÇÃO DA VARA DE COMPETÊNCIA MISTA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 77.º E 78.º DO CP
Sumário: Devem ser incluídas em cúmulo jurídico também as penas de prisão cuja execução haja sido suspensa, salvo situações em que o prazo de suspensão já tenha decorrido e a pena deva ser declarada extinta pelo cumprimento da pena de substituição).
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 87/12.3JACBR da Vara de Competência Mista, 1ª Secção, do Tribunal Judicial de Coimbra o arguido A... foi condenado, por decisão transitada em julgado 3 de Julho de 2013, pela prática em co-autoria material, de dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, alínea d), um com referência ao artigo 3º, nº 2, alínea h) e outra com referência à alínea nn) do mesmo artigo, da Lei nº 12/2011 de 27.4, em duas penas parcelares de nove e oito meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de quinze meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período e sujeita a regime de prova e deveres.

Em 4 de Dezembro de 2013, após realização de audiência nos termos do artigo 472º do CPP, para eventual cúmulo jurídico das referidas penas com a pena de dois anos e seis meses de prisão em que o arguido foi condenado no processo sumário 555/12.7PCCBR do 1º Juízo Criminal de Coimbra, pela autoria de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigos 202º, alínea d), 203º e 204º, nº 2, alínea e) do Código Penal, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, e decidindo, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em:

A) Procedendo ao exame dos pressupostos do cúmulo jurídico de penas, considerar verificada a existência de relação de concurso entre a pena imposta no âmbito dos presentes autos, por um lado, e a pena atrás mencionada em 12;

B) mas entendem não proceder ao cúmulo jurídico, na medida em que não há lugar, por ora, a revogação da suspensão da pena única aplicada nos presentes autos;

C) A ser revogada a suspensão da pena, já tal cumulo jurídico se impõe,

D) Considerando que aquele se acha em cumprimento de pena desde 14-5-2013, da referida pena de Prisão de 2 anos e seis meses, estando desde então e actualmente privado da liberdade; levando em atenção que o acórdão dos presentes autos não transitará ainda nessa data, e não sendo possível a elaboração de qualquer plano de reinserção social exequível dada essa privação de liberdade; mas sendo ainda de deferir uma oportunidade ao arguido para, quando for restituído à liberdade, poder, ainda, cumprir o regime de prova fixado para a suspensão da execução da pena de prisão que, nestes autos lhe foi imposta, período de suspensão esse que assim se compulsará da data em que for restituído à liberdade – o mesmo é dizer, logo que venha a ser restituído à liberdade, o prazo de suspensão inicia-se.

(…)

Inconformado, recorreu o Ministério Público, condensando a sua motivação de recurso nas seguintes conclusões:

1- Para o douto colectivo não é possível a inclusão no cúmulo jurídico de uma pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que no decurso do período dessa suspensão, porque é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução da pena de prisão.

2- Concordando que a pena de prisão suspensa na sua execução, imposta no presente processo (PCC n.º 87/12.3JACBR) e a pena de prisão efectiva resultante da condenação operada no processo sumário n.º 555/12.7PCCBR1 estão entre si em relação de cúmulo jurídico já que todos os crimes respectivos foram cometidos antes da primeira das correspondentes condenações» ter transitado em julgado, o douto Colectivo sustentou que não havia que proceder a cúmulo jurídico «na medida em que não há lugar, por ora, a revogação da suspensão da pena única aplicada nos presentes autos».

3- Contudo as penas de prisão efectivas e as de prisão suspensa têm a mesma natureza, são penas de prisão, embora de diferente espécie, devendo a substituição ser entendida, sempre, como resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso.

4- Formando-se o caso julgado quanto à medida da pena e não quanto à execução.

5- No concurso superveniente de infracções, atentas as regras do concurso fixadas pelos artigos 77º e 78.º do Código Penal, tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente.

6- Isto porque o nosso sistema rejeita uma visão atomístico da pluralidade dos crimes, instituindo a pena única, como a sanção ajustada à unidade relacional de ilícito e de culpe numa ponderação do conjunto dos crimes e da relação da personalidade com o conjunto dos factos.

7 - Sendo as próprias regras do concurso que excepcionam nesses situações o caso julgado.

8- Doutro modo, a atender-se ao momento temporal em que se realiza o cúmulo como factor determinante para incluir ou deixar de incluir uma pena nessa operação, estar-se-ia o atentar contra o princípio da igualdade, de consagração constitucional (artigo 13° da C.R.P.) na medida em que se não daria tratamento igual ao que é igual.

9- Considerar que a pena Suspensa não pode ceder perante um concurso superveniente de crimes, será beneficiar o infractor, pois que cometeu outros crimes não atendidos na decisão da suspensão, o que é injusto comparativamente com o que for julgado simultaneamente por todas as infracções.

10- Assim, «ainda que no conjunto das penas parcelares a que um arguido tenha sido condenado haja penas suspensas na sua execução, tal não obsta à realização do cúmulo jurídico, sendo apenas um dos elementos a ponderar na sua elaboração no que concerne à fixação da pena unitária e à eventual manutenção, ou não, de tal suspensão.

11- Por isso, o douto Colectivo deveria ter efectivado a operação de cúmulo jurídico, em concurso superveniente, entre a pena parcelar de prisão suspensa na sua execução, imposta no presente processo comum colectivo n.º87/12.3.JACBR e a pena parcelar de prisão efectiva resultante da condenação verificada no processo sumário n.º 555/12.7PCC8R, do 1.º Juízo Criminal de Coimbra.

12- Assim o não havendo decidido, antes havendo recusado a realização do cúmulo jurídico dessas penas, a decisão recorrida interpretou deficientemente e ofendeu o disposto nos artigos 77° e 78°, do Código Penal.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por uma outra que proceda a cúmulo jurídico de penas (dos processos identificados) far-se-á Justiça.

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

Notificado, o arguido não respondeu ao recurso.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal não foi exercido o direito de resposta.

Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da Decisão Recorrida

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos:

Factos provados (com base nas certidões e relatório social juntos aos autos):

1. O arguido foi condenado nas seguintes penas:

1.1 - Nos presentes autos – cf. decisão de fols. 1138 a 1194 - o arguido foi julgado e condenado, por acórdão/sentença datada de 6 de Fevereiro de 2013, transitada em julgado em 3-07-2013, como autor material e sob a forma consumada de dois crimes de detenção de arma proibida, p.p art. 86; nºs 1, al. d), um com referência ao art.º 3º nºs 2, als h) (aerossol) na pena de 9 (nove) meses de prisão e outro ao mesmo art. e nº, sendo pela alínea nn) (arma de alarme) na pena de 8 (oito) meses de prisão, ambos na redacção dada pela Lei 12/2011, de 27/04: e efectuando a moldura do concurso, numa pena única de 15 (quinze) meses de prisão, suspensa na execução, por igual período condicionada mediante a aplicação de regime de prova e bem assim dos deveres de se submeter ao plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRS, com subsequente homologação do Tribunal, e responder às convocatórias do técnico de reinserção social colocando à sua disposição as informações necessárias, designadamente alterações de residência, bem como procura e comprometimento no sentido da obtenção de emprego ao menos inscrição em centro de emprego (artºs 52º e 54º do CPenal).

[factos: O arguido A..., no dia 13 de Fevereiro de 2012, tinha consigo os seguintes objectos, apreendidos e examinados nos autos e cujo exame aqui é dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais: - Uma arma de ar comprimido (reprodução de arma de fogo) e - Uma embalagem de aerosol, contendo 2-clorobenzalmalononotrito (CS), substância esta com propriedades lacrimogénicas.

O arguido A..., ao ter em seu poder nas circunstâncias supra referidas, quer a arma de ar comprimido, quer o spray, bem sabia as suas características, que não tinha qualquer licença de uso e porte de arma, não tinha licença de sua detenção no domicílio, nem tinha registado em seu nome qualquer destas armas, nem outras, sabendo que as suas condutas lhe estavam vedadas por lei.

1.2 O arguido foi julgado e condenado, por sentença de 29 de Março de 2012, transitada em julgado a 9 de Maio de 2012, proferida no p. sumário nº 555/127PCC8R do 1º juízo criminal de Coimbra, pela prática, em autoria simples, de um crime de furto qualificado. p. p artº 202º, d), 203º nº 1 e 204º, 2 al. e) do CP, na pena efectiva de dois anos e seis meses de prisão.

[factos: No dia 19-3-2012, pelas 4h40m, dirigiu-se ao ICNAS - centro de investigação da Universidade de Coimbra e com auxílio de chave de fendas, forçou fechadura e abriu a porta de entrada e por ali entrou, apropriando-se e dali retirando, um LCD sony, modelo Bravia, no valor de C 400; já a sair, avistado por dois agentes que lhe moveram perseguição, veio a ser detido na posse do LCD e Jogo de chaves sextavadas e uma chave de fendas]

Sofreu um dia de privação da liberdade à ordem desses autos.

Ao arguido foi nos presentes autos aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, mas entretanto mostra-se em cumprimento de pena efectiva ao abrigo do dito processo sumário onde entretanto veio a ser capturado, cumprimento esse iniciado a 14-5-2013, estando previsto o fim da pena para 13-11-2015, o meio da pena para 13 de Agosto de 2014, os 2/3 a 13 de Janeiro de 2015 e os 6 meses a 13 de Novembro de 2013.

2. Dão-se aqui por reproduzidos tocos os factos considerados como provados nas decisões referidas em 1.

3. O arguido foi já anteriormente condenado, a saber

- No proc. comum colectivo nº 92/06.9JACBR da 1ª secção desta Vara Mista foi por acórdão proferido em 21.7.2008 condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos de prisão - que englobou a pena neles aplicada por acórdão de 18.10.­2007 de dois anos de prisão, pela prática em 15-3-2006 de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. art. 25 º, al. a) do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro e bem assim as condenações aplicadas nos processos nº 1031/00.6PCCBR do 2º Juízo criminal [no qual fora condenado pela prática de crime de furto qualificado, p. p art. 203º e 204º, nº 2 al. e) praticado a 30-05­-2000, numa pena de 30 meses de prisão, suspensa sob condição, pelo prazo de três anos. Suspensão essa revogada)] e do processo nº 1373/05ATACBR do 1 º juízo criminal [no qual fora condenado por resistência e coacção sobre funcionário, p. p. art. 347º do CP numa pena de nove meses de prisão, suspensa pelo período de três anos, por factos de 12-10-2005) ambos desta comarca de Coimbra - pena única essa extinta pelo cumprimento.

- Sofrera ainda anteriormente, reportadas ao ano de 1999 duas condenações por condução sem carta - mostrando-se as prisões subsidiárias perdoadas.

4. Elementos de vida familiar, social e pessoal

O arguido passou residir com a mãe no Bairro do Ingote - FFH - 15 r/c Esqº - 3020 000 - Coimbra, desde que saiu em liberdade, a 27-1-2010.

Entretanto ausentou-se daquele domicílio conhecido, não tendo sido possível apurar a sua situação profissional actual: há alguns meses - Março de 2012 - e conforme consulta das suas declarações no âmbito dos autos de proc. sumário nº 555/12.7PCCBR, achava-se profissionalmente desocupado e a viver com a mãe, que o sustenta, em casa desta.

Actualmente está em cumprimento da pena mencionada em 1.2.

O arguido tem o 9º ano de escolaridade

Factos não Provados: Nada mais se apurou com interesse para a decisão.

Fundamentação da convicção: o Tribunal baseou a sua convicção, quanto aos factos provados e não provados, no conjunto das provas produzidas, mormente na analise dos pertinentes documentos existentes nos autos, nomeadamente CRC do condenado, certidões de decisões condenatórias antes mencionadas – para além da decisão condenatória proferida no âmbito dos presentes autos.

O direito:

Sob a epígrafe «regras da punição do concurso», dispõe o artigo 77.º do Código Penal «1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2. ­A pena aplicada tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários comes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores. 4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, , ainda que previstas por urna só das leis aplicáveis.».

Esse princípio é igualmente aplicável “se após de uma condenação transitada em julgado se mostrar que o agente praticou, anteriormente aquela condenação outro ou outros crimes… “-cf. artigo 78º nº 1 e 2 do C.P.” caso em que “… são aplicáveis as regras do artigo anterior sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”

Esta norma manda integrar no concurso superveniente as penas já cumpridas (sendo que há outras causas de extinção das penas que não o cumprimento que não faz sentido entrem na pena única - como penas parcelares amnistiadas ou prescritas),

Tem entendido a nossa jurisprudência que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão uma vez que, no caso de extinção nos termos do art. 57º, 1, do C P a pena não é considerada no concurso, - mas já o seria nas restantes hipóteses.

No caso concreto, além da pena suspensa aplicada nos presentes - estando ainda a decorrer a referida suspensão -, existe apenas uma outra condenação em prisão - e efectiva - estando em curso o seu cumprimento efectivo.

Importa, desde logo, saber se os crimes cometidos pelo condenado e objecto dos processos mencionados supra em 1, e respectivas penas, se encontram entre si em relação de concurso jurídico efectivo - considerando, desde logo, a data da prática dos factos, conjugada com a data do trânsito em julgado das respectivas decisões condenatórias -, nos termos do disposto nos art.ºs 30.º, n.º 1 77.º e 78.º todos do CP.

Sobretudo, importa determinar se o crime e pena respectiva por que ocorreu condenação no âmbito dos presentes autos estão, ou não, em relação de concurso com os outros crimes e penas aludidos.

Tendo em conta a unidade do sistema penal, parece dever perfilhar-se entendimento de que apenas se encontram em concurso os crimes cometidos anteriormente ao trânsito em julgado da primeira das condenações em confronto - cfr. Paulo Dá Mesquita, “O Concurso de Penas”, Coimbra Editora 1997, pags. 57 e segs., bem como os Acs do STJ, de 04/12/1997, /in Col. Jur - Acs. do STJ 1997, Tomo III, p. 246, de 17/01/2002, in Col. Jur. - Acs, do STJ, 2002, Torno I, ps. 180 e segs e de 07/02/2002, in Col Jur - Acs do STJ, 2002, Tomo I, p. 202 e segs; e ainda, AC. do STJ de 23/01/2003 - sitio da base de dados do STJ na Internet, Proc.º 4410/02; sobre esta matéria pode ver-se também Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequietas 1993, pags 293 e segs . Quer dizer, releva (apenas) a primeira condenação por qualquer dos diversos crimes, entendimento este que leva à rejeição do cúmulo por arrastamento - : existindo uma (primeira) condenação com trânsito em julgado, passa a não ser possível cumular penas de crimes (factos) cometidos posteriormente à data de tal trânsito, crimes posteriores esses cujas penas haverão de ser consideradas já em posteriores cúmulos de penas, caso a eles haja lugar (novo concurso de crimes e penas).

Haverá, pois, agora de verificar-se se é possível, a esta luz, aplicar ao condenado uma única pena, em que resultem englobadas a pena resultante da decisão condenatória dos presentes autos e as outras penas resultantes daquelas outras condenação contra ele proferida (art.º 77º, nº 1, in fine, do CP)

É competente para o efeito de proferir a decisão cumulatória o tribunal da última condenação (transitada) - só este poderá apreciar em conjunto todos os factos praticados pelo arguido e ponderar adequadamente e de modo global a sua personalidade (art. 471º, n.º 2, do CPP).

Ora, a esta luz, logo se verifica que todas as aludidas condenações - as dos referidos processos de 1 (1.1 a 1.2)- estão entre si em relação de concurso jurídico, já que todos os crimes respectivos foram cometidos antes da primeira das correspondentes condenações: a saber, aquela referida em 1.2.

Mas na verdade, a pena de prisão suspensa não se reconduz, enquanto tal, a uma pena de prisão efectiva, não só porque tem requisitos específicos de imposição, como ainda porque tem, igualmente, regras próprias de cumprimento - que podem abranger a imposição de regras de conduta ou deveres específicos (artºs 50 a 54 do C. Penal) - e de eventual revogação (arts 55 a 57 do mesmo diploma legal) Distingue-se assim, da pena efectiva, desde logo porque a sua imposição não priva o condenado da sua liberdade.

Assim, “a natureza deste instituto mostra-se equivalente ao de uma pena substitutiva, pois rege-se por normativos próprios, diversos das regras relativas à reclusão (em que a concessão de algum grau de liberdade pessoal ao condenado se mostra excepcional e muito condicionada, sendo apenas possível nos casos em que sejam autorizadas saídas precárias, regimes abertos ou liberdade condicional), algo similar, por exemplo. à pena de multa imposta em substituição de uma pena de prisão, prevista no artº 43 nºs 1 e 2 do C Penal ou ainda à pena de proibição de exercício da profissão em substituição de pena de prisão (artº 43 nº 3 a 8 do C Penal)”Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-09-2013 relatado por Margarida Ramos de Almeida.

A inclusão no cúmulo de uma pena de prisão declarada suspensa - e em conjugação com uma pena efectiva - só pode e deve ocorrer se tiver havido decisão de revogação nos termos do art. 56º do CPP em que a pena substituída é afastada, retornando a cena base.

Oro, não se vislumbrando razões para revogação da suspensão da pena aplicada nos presentes autos - à data do trânsito, dilatado é certo por vários meses - já o arguido estava privado de liberdade.

Estando actualmente privado da liberdade - não se torna viável, de momento, a elaboração ele qualquer plano de reinserção social e o respectivo cumprimente pelo arguido; mas apesar de tal inviabilidade prática, deve ainda conferir-se uma última oportunidade ao arguido para, quando for restituído à liberdade, poder, ainda, cumprir o regime de prova fixado.

Assim, crê-se curial que o período de tempo em que o arguido estará em cumprimento de pena, seja descontado do decurso do prazo fixado para a suspensão da execução da pena de prisão que, nestes autos, lhe foi imposta, não se justificando que se prorrogue, nos termos do disposto no artº 552 al. d) do CP, o período de suspensão da execução de pena, pois só após aquele trânsito, a execução da medida substitutiva se iniciaria ( e com esta o regime de prova).

De acordo com o artigo 50º do C Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão (…) se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. As finalidades da punição são, como decorre do art. 40º do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, Para que possam ser eficazmente satisfeitas as finalidades da punição (defesa dos bens jurídicos e ressocialização do condenado), a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova (nº 2 do art. 50º do CP)

Ora, não se logrando notificar o arguido, nem sequer pode afirmar-se incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, e bem assim - pressupondo tal incumprimento, que implicasse necessariamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Deste modo, só perante o incumprimento (infracção) grosseiro ou repetido dos deveres ou regras de conduta impostos (ou do plano de reinserção social) é que a lei permite a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (art. 56º 1 al. a) do CP).

Ou seja, para se concluir pela revogação da suspensão da execução da pena tem obrigatoriamente que formular-se um juízo definitivo sobre a frustração da utilidade de suspensão no cumprimento das finalidades da punição.

Na verdade, como sintetiza em acórdão de tribunal superior: "Na revogação da pena de suspensão da execução da prisão, a Lei exige que o Julgador se rodeie de especiais cautelas de forma a perceber até que ponto se frustraram as expectativas de reinserção do condenado.,.," - Acórdão da Relação do Porto de 04-05-­2011, proferido no processo 436/985TBVRL-C P1- disponível junto do sítio electrónico respectivo.

No presente caso, o condenado não chegou a apresentar-se aos serviços da DGRSP, na medida em que se achava privado de liberdade não se logrando a sua oportuna notificação: o mesmo furtou-se é certo à acção da Justiça - em fase prévia e não tendo comparecido a audiência de Julgamento, donde a notificação da decisão condenatória e consequente trânsito foram postergados no tempo.

A situação em causa não reveste facto com gravidade justificativa da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pois tal comportamento a montante da condenação não constitui uma infracção grosseira ou repetida das regras de conduta impostas, nem evidencia, com segurança, a frustração definitiva do juízo de prognose favorável que justificou a suspensão da execução da pena de prisão,

Assim, considerando:

- que aquele se achou em cumprimento de pena desde 14-5-2013, - sendo detido para o cumprimento de uma pena de prisão de 2 anos e seis meses, estando desde então e actualmente privado da liberdade; levando em atenção que o acórdão dos presentes autos ainda não transitara nessa data, e não sendo possível a elaboração de qualquer plano de reinserção social exequível dada essa privação da liberdade, mas sendo ainda de deferir uma oportunidade ao arguido para, quando for restituído à Liberdade, poder, ainda, cumprir o regime de prova fixado,

determina-se o desconto do período em queo arguido estiver [esteve e ainda estará] em cumprimento de pena ao decurso do prazo fixado para a suspensão da execução da pena de prisão que, nestes autos, lhe foi imposta: ou seja, atenta a data do trânsito - o período de suspensão ainda não se iniciou – e deve corresponder somente aquele em que estiver em liberdade - o mesmo é dizer que, logo que venha a ser restituído à liberdade, a suspensão inicia-se.


***

III. Apreciação do Recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, a única questão de que importa conhecer consiste em saber se em cúmulo jurídico superveniente de penas de prisão podem e devem ser incluídas penas de prisão cuja execução foi suspensa, a par de penas de prisão efectivas quando se encontram presente os requisitos do artigo 77º, nº 1 do Código Penal.

Apreciando:

Na tese da decisão recorrida não será possível incluir em cúmulo jurídico penas de prisão cuja execução foi suspensa e por consequência não procedeu a cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos e a pena de prisão cuja execução foi suspensa em que o arguido foi condenado no processo sumário 555/12.7PCCBR. Embora reconhecendo a existência de relação de concurso entre os crimes que determinaram tais condenações (praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles) não procedeu a cúmulo jurídico.

Para o recorrente nada obsta à realização de cúmulo jurídico entre as referidas penas, sendo tal imposto pelos artigos 77º e 77º do Código Penal que excepcionam as regras do caso julgado.

Começaremos por citar as pertinentes disposições legais que disciplinam a realização de cúmulo jurídico.

Preceituam os artigos 77º e 78º do Código Penal:


Artigo 77º

Regras da punição do concurso


1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.


Artigo 78º

Conhecimento superveniente do concurso


1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.

Destes normativos resulta que sempre que o arguido cometa diversos crimes que se encontrem em relação de concurso, tal como definido no artigo 77º, nº 1, deve ser condenado numa pena única, sejam todos julgados no mesmo processo ou em diversos processos, não excepcionando penas parcelares de prisão que hajam sido substituídas por outras.

Aliás, o que vislumbramos como motivador da previsão do cúmulo jurídico superveniente é a necessidade de tratar de modo igual as situações em que o arguido é julgado por todos os crimes em concurso no mesmo processo e aquelas em que tal ocorre em processos separados, dando a máxima expressão ao princípio da unidade da pena, com observância do princípio constitucional da igualdade (ao crimes em concurso há-de corresponder uma pena única).

Notemos que sempre que o arguido é julgado no mesmo processo por todos os crimes em concurso a questão da aplicação de pena de substituição apenas se coloca ao tribunal depois de encontrada a pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares e não perante cada pena parcelar.

Este é para nós o argumento sistemático essencial para se concluir que devem ser incluídas em cúmulo jurídico de penas de prisão também as penas de prisão cuja execução haja sido suspensa (salvo situações em que o prazo de suspensão já haja decorrido e a pena deva ser declarada extinta pelo cumprimento da pena de substituição – cfr. o Acórdão do STJ de 29.4.2010, proferido no processo nº 16/06.3GANZR.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt.).

E sendo assim, não se poderá vislumbrar nessa operação que a própria lei impõe qualquer violação do caso julgado.

O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado maioritariamente neste sentido ao longo do tempo, citando-se entre muitos outros, o Acórdão de 4.12.2008, proferido no processo 08P3628, publicado em www.dgsi.pt, onde se pode colher mais detalhada fundamentação da tese que defendemos e a cujos argumentos aderimos.

Diga-se ainda, a propósito da intangibilidade do caso julgado, argumento avançado pelos defensores de tese contrária, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 3/2006 de 3.1.2006, publicado no DR II S. de 7.2.2006, decidiu não julgar inconstitucional as normas dos artigos 77º, 77º e 56º, nº 1 do Código Penal interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações, depois de concluir na fundamentação exposta que a interpretação normativa questionada não viola os princípios do juiz natural, do contraditório da intangibilidade do caso julgado ou da proporcionalidade e necessidade das penas.

Pelo exposto se conclui que as penas parcelares de prisão em que o arguido foi condenado neste processo devem ser objecto de cúmulo jurídico com a pena de prisão suspensa na sua execução em que o arguido foi condenado no processo sumário 555/12.7PCCBR, devendo, por consequência, ser proferida nova decisão na 1ª instância que proceda a tal operação.

Em consequência merece provimento o recurso interposto.


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IV. Decisão

Nestes termos acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que proceda ao referido cúmulo jurídico de penas.

Não há lugar a tributação em razão do recurso interposto.


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Coimbra, 21 de Maio de 2014

(Maria Pilar de Oliveira - relatora)                                  

 (José Eduardo Martins - adjunto)