Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
651/15.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: USUCAPIÃO
REQUISITOS
DIREITO DE PROPRIEDADE
FACTO CONSTITUTIVO
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1258.º E 1293.º E SEG.S DO CC
Sumário: 1. Para que a posse possa conduzir à usucapião, tem de revestir determinadas características (as descritas no artigo 1258.º do CC).
2. A posse exercida durante certo lapso de tempo conduz à aquisição do direito correspondente, nos termos consignados, quanto aos imóveis, nos artigos 1293.º e seg.s do Código Civil.

3. As descrições/referências matriciais em nada influem com a demonstração da posse e propriedade sobre um determinado bem, sendo, apenas, relevante o exercício dos poderes de facto, sobre aquela concreta realidade (física) predial, independentemente, da forma como a retrata/descreve a matriz predial

4. Verificando-se os requisitos da usucapião, os autores lograram demonstrar os factos constitutivos do direito de propriedade, a que se arrogam, sobre o logradouro em causa.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... e mulher B... , residentes na (...) , Castro Daire, intentaram a presente acção declarativa com forma de processo comum contra

- C... e mulher D... , residentes na (...) , em Castro Daire;

- M... , residente na (...) , Castro Daire;

pedindo que a presente acção seja julgada procedente por provada e em consequência sejam os réus condenados a:

a) reconhecerem que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado nos artigos 1º e 2º da petição, constituída por imóvel urbano e pelo logradouro, sito a nascente deste;

b) ser declarada nula e sem qualquer efeito a escritura pública que os réus celebraram entre si;

c) serem condenados a absterem-se de entrar no logradouro dos autores;

d) ser condenado o 2º réu a retirar os galináceos do galinheiro existente no logradouro do terreno dos autores, sob pena de ficar a pagar de renda mensal a quantia de € 100,00 até ao trânsito em julgado da sentença;

e) ser cancelado o registo da escritura pública que os réus celebraram entre si.

Para tanto, alegam que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado no artigo 1º da petição inicial, alegando os demais pressupostos de aquisição por usucapião. Acrescentam que o referido imóvel foi objecto de execução em processo judicial n º 240/08.4TBCDR, que correu termos no Tribunal Judicial de Castro Daire, no âmbito do qual foi adjudicado aos autores. Acrescentam que o imóvel é constituído por uma parte urbana e uma parte rústica, sendo a ligação entre ambas as partes feita por umas escadas. Alegam que os primeiros réus venderam ao segundo réu um prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 27724, alegando corresponder ao logradouro do prédio identificado no artigo 1º da petição.

Citados pessoal e regularmente os réus, apresentaram contestação/reconvenção, alegando que o imóvel urbano em causa foi mandado construir pelo pai da ré D... , O... , no decorrer do ano de 1976, tendo o mesmo sido licenciado, sendo que, pelo menos desde 1981, o referido O... explorou a referida construção, onde instalou um café, bar e cervejaria. Acrescentam que, em Maio de 1995, o O... e esposa realizaram uma escritura de justificação. Alegam ainda que, o espaço em causa é composto por dois prédios distintos, um urbano a que corresponde o artigo 2809 e um prédio rústico o artigo 27724. Acrescentam que, o prédio rústico foi adquirido pelos primeiros réus no processo de execução referido no artigo 26º da contestação, no âmbito do qual era executado O... e mulher.

Concluem pedindo a improcedência da acção e absolvição dos réus do pedido e peticionam em sede de reconvenção a condenação dos autores a) reconhecer que o logradouro em causa nos autos corresponde ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 27724 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n º 4038, da freguesia de Castro Daire é propriedade do segundo réu, devendo abster-se de praticar quaisquer actos que violem esse direito.

Notificados os autores da contestação/reconvenção apresentada, vieram responder nos termos constantes de fls. 124 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos mesmos termos da petição.

Com dispensa da audiência prévia, findos os articulados, foi proferido despacho, em que se admitiu a reconvenção deduzida; despacho saneador tabelar e se fixou o objecto do litígio e os temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 208 a 238, na qual se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Por tudo o exposto,

I) Julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condenam-se os réus C... , D... e M... , a:

a) Reconhecer que os autores A... e B... são donos e legítimos proprietários do prédio identificado no ponto 1) da factualidade provada, no qual se inclui o logradouro situado a nascente de 550 m2;

b) Absterem-se de entrar no logradouro aludido no ponto 1) da factualidade provada;

c) Retirar o 2º réu os galináceos existentes no logradouro aludido no ponto 1).

Absolvem-se os réus dos demais pedidos formulados.

II) Julga-se a reconvenção deduzida pelos réus parcialmente procedente por provada e em consequência, condenam-se os autores a reconhecer que:

a) O prédio aludido em 8), apesar de formalmente distinto do logradouro integrado no prédio aludido em 1), retracta a mesma realidade física.

Absolvem-se os autores dos demais pedidos reconvencionais.

Custas, da presente acção a cargo dos autores e dos réus, na proporção de 20% para os primeiros e 80% para os segundos – nos termos do disposto no artigo 527º, n º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Custas da reconvenção, a cargo de autores e réus na proporção de 10% para os primeiros e 90% para os segundos – nos termos do disposto no artigo 527º, n º1 e 2 do CPC.”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 272), rematando as respectivas motivações, com o que apelidam de conclusões, que aqui não se reproduzem, por nas mesmas se transcrever, praticamente na íntegra, o teor das alegações de recurso, ao longo de 20 páginas, ao arrepio do disposto no artigo 639.º, n.º1, do CPC, que alude à “forma sintética” como as mesmas devem ser apresentadas/formuladas, em função do que não se procede à sua transcrição, sem prejuízo de, no local próprio, se assinalarem quais as concretas questões que constituem o objecto do recurso.

Contra-alegando, os autores, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, defendendo que a prova produzida foi correctamente apreciada, não se devendo, por isso, alterar a matéria de facto tida por provada e não provada e aplicada a lei, em conformidade.

A título de questão prévia e no que se refere ao recurso sobre a matéria de facto, importa referir que os réus, recorrentes, fundamentando-se nos doc.s que juntaram com a sua contestação, sob os n.os 8, 9 e 10 (certidão do registo predial, termo de transmissão elaborado pelo Agente de Execução e documentos emitidos pela Autoridade Tributária, para pagamento dos impostos devidos por esta transmissão) e depoimento prestado pela testemunha O... , alegam que se deve “dar como provado o direito de propriedade dos réus no que respeita ao artigo rústico 27724”, sem indicarem, como lhes compete – cf. artigo 640.º, n.º 1, al. a), CPC – qual o concreto ponto de facto que consideram incorrectamente julgado, pelo que, em rigor, deveria ser rejeitado o recurso na vertente da matéria de facto.

No entanto, se bem interpretamos a vontade dos réus, ora recorrentes, atento o dissídio entre as partes, insurgem-se os mesmos contra o que foi dado como provado no item 19.º; ou seja, que o logradouro ali referido faz parte do prédio descrito em 1); pelo que, se apreciará o recurso de facto, relativamente a esta matéria.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4 do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes do item 19.º, dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados e;

B. Se a presente acção deve ser julgada improcedente, por os autores não terem logrado demonstrar os factos constitutivos do direito de propriedade a que se arrogam, sobre o logradouro em causa, designadamente, por não se verificarem os requisitos da usucapião.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1 – Na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire encontra-se descrito sob o número 1688/19950717, o prédio urbano denominado x... , situado em y... , freguesia e concelho de Castro Daire, com a área de 750 m2, sendo a área coberta de 200 m2 e a descoberta de 550 m2, composto de casa para comércio de rés-do-chão, a confrontar do norte com Parque da Junta Autónoma de Estradas, do sul, nascente e poente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo 2809, conforme documentos de fls. 22 e 23 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 – Pela apresentação 2105 de 04/11/2013 a aquisição do prédio aludido em 1) encontra-se registada a favor de B... , casada no regime da comunhão de adquiridos com A... , por compra em processo de execução, conforme documento de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3 – Serviu de base ao registo aludido em 2) a escritura pública outorgada no dia 31 de outubro de 2013, no Cartório Notarial de Lamego exarada no Livro de notas par escrituras diversas n º 177-E, de fls. 42 a 43 verso, cuja cópia consta de fls. 18 a 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 – Do histórico de inscrições relativas à descrição aludida em 1), cuja cópia consta de fls. 71 a 76 e 110 a 112 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta que:

a) Pela apresentação 2 de 17/07/1995 a aquisição a favor de F... e de G... .

b) Pela apresentação 1 de 13/08/1998 a aquisição de ½ em comum a favor de I... e J... por doação de F... .

c) Pela apresentação 2 de 17/07/1995 a aquisição de 1/2 do prédio aludido em 1) a favor de G... ;

d) Pela apresentação 6 de 02/02/2006 a aquisição de 1/2 do prédio aludido em 1) a favor de H... ;

e) Pela apresentação 7 de 06/03/2006 a aquisição do prédio aludido em 1) a favor de N...;

f) Pela apresentação 5 de 01/06/2006 a hipoteca voluntária a favor do Banco Comercial Português, S.A., para garantia do montante máximo de € 113.062,50;

g) Pela apresentação 2840 de 16/11/2009, a penhora a favor da Caixa de crédito Agrícola Mútuo de Lamego e Castro Daire, para garantia da quantia exequenda de € 13.917,33, no âmbito do processo executivo 240/08.4TBCDR;

h) Pela apresentação 2665 de 07/05/2012 a penhora a favor de J.L.S. Transportes Internacionais, S.A., para garantia da quantia exequenda de € 4.887,32, no âmbito do processo executivo 141/08.6TBCDR;

i) Pela apresentação 1427 de 13/07/2012 a penhora a favor de K... , S.A., para garantia da quantia exequenda de € 14.104,94, no âmbito do processo executivo n º 189/12.6TBCDR;

5 – Serviu de base ao registo aludido no ponto 4) alínea a) a escritura de justificação e venda outorgada no dia 10 de Maio de 1995 no Cartório Notarial de Castro Daire, exarada de fls. 48 a 50 do Livre do Escrituras Diversas número 202-B, conforme documento de fls. 201 a 204 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 – Em 20/05/2010, N... requereu junto da Conservatória do Registo Predial de Castro Daire a rectificação da área do prédio aludido no ponto 1), de modo a passar a integrar a área de 550 m2 correspondente ao logradouro, nos termos constantes de fls. 96 a 105 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7 - Para a aquisição aludida em 3) os autores providenciaram pela liquidação dos impostos, tendo outorgado a referida escrita para aquisição do prédio aludido em 1), penhorado no âmbito do processo executivo aludido no ponto 4) alínea g), conforme documentos de fls. 21, 29 e 30 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – Na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire encontra-se descrito sob o número 4038/20050614 o prédio rústico situado no (...) , com a área de 780 m2, inscrito na matriz sob o artigo 27724 composto de terreno de pastagem, a confrontar do norte com (...) , do sul com O... , do nascente e poente com caminho, conforme documento de fls. 198 verso a 200 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9 – Pela apresentação 3199 de 09/07/2010 encontra-se registada a aquisição do prédio aludido em 8) a favor de D... casada no regime da comunhão de adquiridos com C... , por compra em execução, conforme documento de fls. 198 verso a 200 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 – Serviu de base ao registo aludido em 9) o titulo de transmissão, cuja cópia consta de fls. 79 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 - Do histórico de inscrições relativas à descrição aludida em 8), cuja cópia consta de fls. 198 verso a 200 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta que:

a) Pela apresentação 2 de 14/06/2005 o registo de penhora a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Castro Daire, para garantia da quantia de € 2.533,81;

b) Pela apresentação 10 de 17/12/2008 o registo de penhora a favor de L... casada no regime da comunhão de adquiridos com M... , para garantia da quantia de € 4.129,30, no âmbito do processo executivo n º 2657/06.0TBVIS-A.

12 – Entre C... , D... e M... foi em 10 de novembro de 2014 celebrado titulo de compra na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire, pelo qual, os primeiros declararam vender ao segundo o prédio aludido em 8), nos termos constantes de fls. 33/34 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13 – A parte coberta do prédio aludido em 1) foi iniciada a sua construção em 1976 por O... , pai da ré D... , sendo que no decurso de tal obra, estando a mesma inacabada, foi requerido e ordenado o embargo da mesma, nos termos constantes de fls. 183 a 185 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14– O... apresentou em 14/04/1981 a declaração modelo n º 5 que consta de fls. 187 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15 – Em 29 de Setembro de 1987 foi emitido Alvará de Licença Sanitária n º 167 em nome de O... , conforme documento de fls. 188 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16 – Em 1 de abril de 1977 foi elaborada memória descritiva da construção coberta existente no prédio aludido em 1) bem como as plantas constantes de fls. 189 a 193 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17 – Em data não concretamente apurada mas situada no ano de 1987 H... e esposa adquiriram a O... e esposa P... o prédio aludido em 1), tendo o mesmo sido reconstruido após tal aquisição a mando de H... , passando ali a funcionar o Restaurante denominado “ (...) ”.

18 – Desde a data aludida em 17) que, Q... passou a explorar o referido restaurante, servido refeições e outros bens de restauração, e depois dele os seus filhos G... e F... , e ultimamente N... , o que ocorreu durante mais de 20 anos, quer explorando directamente quer cedendo a terceiros tal exploração, o que fizeram à vista de toda a gente sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta, na ignorância de lesarem direitos de outrem e na convicção de em exclusivo exercerem um direito próprio.

19 – Do prédio aludido em 1) faz parte o logradouro, ao qual se acede pela parte urbana através de umas escadas situadas do lado esquerdo da parte fronteiriça do edifício nos termos constantes dos documentos de fls. 180 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e ainda da acta de inspecção judicial ao local.

20 – O logradouro aludido em 19) está todo ele murado em volta, com blocos de cimento, os quais foram ali colocados por H... , antepossuidor dos autores, o qual além do mais ali abriu um furo artesiano que deita água para um tanque também ali construído por aquele, em data não concretamente apurada mas situada após o aludido em 17).

21 – O furo de água aludido em 20) alimenta o restaurante (...) que pertencia a H... .

22 – Os antepossuidores dos autores construíram um galinheiro no logradouro aludido em 1), em rede e ferro, com área que em concreto não foi possível apurar, onde guardavam os galináceos.

23 – No logradouro aludido em 1) os antepossuidores dos autores, e a quem estes cediam a exploração do restaurante colocavam vasilhame das bebidas que eram consumidas no restaurante.

24 – No referido logradouro foram colocadas duas rulotes entre 9 de agosto de 2006 e dezembro de 2011, por T... e sua esposa V... , na sequência da exploração do restaurante por parte destes nesse período, com autorização dos antepossuidores dos autores.

25 – O logradouro aludido em 1) após a data aludida em 17) foi por H... e a seu mando por trabalhadores da fábrica de serração cultivado, tendo ali plantado, além do mais batatas.

26 – P... desde 2001 a 2010 liquidou os impostos relativos ao prédio aludido em 8), nos termos constantes de fls. 87 a 94 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27 – Em 4 de julho de 2014 foi enviada carta aos autores, subscrita por mandatária dos primeiros réus, cuja cópia consta de fls. 106 a 108 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

28 – O prédio aludido em 8), apesar de formalmente distinto do logradouro integrado no prédio aludido em 1), retracta a mesma realidade física.

***

B) Factos não provados:

Não resultaram provados os demais factos constantes dos respectivos articulados, designadamente:

- Que a aquisição aludida em 17) ocorreu logo após o 25 de abril de 1974.

- Que a construção aludida em 22) tem 40 m2.

- Que as rulote aludidas em 24) tenham estado colocadas no logradouro aludido em 1) durante 15/20 anos.

- Que os autores arrendaram ao réu M... o restaurante (...) e que deixaram que este colocasse galináceos no galinheiro existente no logradouro aludido em 1).

- Que o aludido em 16) tenha sido apresentado por O... em 1 de abril de 1977 na Câmara Municipal.

- Que o prédio aludido em 1), tenha sido explorado desde 1981 por O... como estabelecimento comercial, onde instalou um café, bar e cervejaria.

- Que o prédio aludido em 1) é composto por dois prédios distintos, um urbano correspondente à parte coberta do restaurante (...) a que correspondem o artigo 2809 e um rústico, a que corresponde o artigo 27724.

- Que o furo aludido em 20) fornece água para a residência dos anteriores proprietários e também para a fábrica de serração.

- Que O... tenha murado o prédio aludido em 1), edificado o tanque e explorado a água que era utilizada quer no prédio rústico, quer no urbano.

- Que o galinheiro aludido em 22) tenha sido colocado no prédio aludido em 8) com consentimento e autorização de O... .

- Que as rulotes aludidas em 24) tenham sido colocadas no prédio aludido em 8) com o consentimento do primeiro réu marido.

- Que o logradouro do prédio aludido em 1) sempre foi propriedade de O... e P... , e que o administravam, cultivavam, realizavam obras de beneficiação e conservação, dele retirando todos os seus frutos e proveitos, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, o que fizeram durante mais de 20, 30 ou 40 anos de forma ininterrupta.

- Que o segundo réu tenha pedido autorização aos primeiros réus para colocar galináceos no prédio aludido em 8).

- Que o acesso entre a parte coberta e descoberta do prédio aludido em 1) apenas existe em virtude de ambas as partes terem pertencido antes da data aludida em 17) ao mesmo dono.

- Que o aludido em 6) se tenha traduzido apenas numa apropriação registral de área que o prédio aludido em 1) nunca teve.

- Que os autores após o aludido em 3) tenham tentado adquirir o prédio aludido em 8) aos primeiros réus.

- Que no decorrer do ano de 2013 os autores abordaram o primeiro réu marido e lhe solicitaram que negociasse a venda ou a permuta do prédio rústico aludido em 8).

- Que as negociações não resultaram na concretização de nenhum negócio e que posteriormente os autores tentaram por via da acção directa apropriar-se do prédio aludido em 8).

- Que a construção aludida em 13) consistiu num barracão de quatro paredes com uma cobertura de placa, sem condições para a restauração e que a reconstrução aludida em 17) foi efectuada por um construtor de nome Eduardo Valente.

***

À demais matéria dos articulados à qual não se responde afirmativa nem negativamente tal deve-se ao facto de se tratar de matéria conclusiva ou de direito.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes do item 19.º, dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados.

Alegam os réus que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos em referência, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como não provados, estribando-se, para tal, nos documentos que juntaram com a contestação, sob os n.os 8 a 10 e no depoimento da testemunha O... , que deverá ser valorado em detrimento dos prestados pelas demais das testemunhas e que adiante serão identificadas.

Contrapondo os autores que a matéria de facto dada por assente e não provada é de manter, com base nos depoimentos das demais e por o referido O... ser interessado no desfecho da causa.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do nCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes do item 19.º, dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“19 – Do prédio aludido em 1) faz parte o logradouro, ao qual se acede pela parte urbana através de umas escadas situadas do lado esquerdo da parte fronteiriça do edifício nos termos constantes dos documentos de fls. 180 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e ainda da acta de inspecção judicial ao local.”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a mesma foi considerada como provada.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 217 a 220):

“A convicção do Tribunal, no que se reporta à factualidade apurada, resultou da conjugação e da análise crítica da prova produzida e examinada nos autos, designadamente:

- Inspecção judicial ao local: A qual permitiu inspeccionar o prédio identificado no ponto 1) da factualidade provada e a ligação entre a parte coberta e descoberta do mesma, tendo ainda permitido verificar que a execução dos muros que delimitam tal espaço, bem como o tanque e demais construções ali existentes, nos termos constantes da respectiva acta, sendo que, ambas as partes no local indicaram estar apenas em causa uma única parcela (apesar de formalmente distintas).

- Declarações de parte do autor:

A... , casado, carpinteiro, residente em (...) , Castro Daire, o qual na parte em que o seu depoimento se mostrou corroborado pelos demais elementos probatórios logrou convencer o Tribunal.

- Depoimentos das testemunhas:

T... , solteiro, agricultor, residente em (...) , Castro Daire, o qual prestou depoimento de forma clara e coerente motivo pelo qual logrou convencer o Tribunal. Disse que esteve a explorar o restaurante (...) durante cinco anos com a sócia do declarante, V... . Disse que, quem lhe arrendou foi a N... e o R... , tinha sido herança do H... . Disse que a fábrica de serração mais à frente era do Sr. H... também. Disse que, utilizava o espaço comercial e o terreno que está ligado ao restaurante ao prédio. Disse que estava vedado e do lado nascente tinha umas escadas para o terreno. Disse que tinha lá um tanque, um canil, era tudo do Sr. H... e por herança ficou para a filha. Tem lá um furo, as pessoas dizem que foi feito pelo Sr. H... . Disse que chegou a por lá rulotes e não pediu nada ao Sr. C... , pois tinha o consentimento da N... que era a dona. Esteve desde 9 de agosto de 2006 e nunca ninguém lhe colocou problemas. O único dono que conheceu foi o Sr. H... . Confrontado com o teor dos documentos de fls. 24 e seguintes disse ser o restaurante e o logradouro do mesmo. Disse que utilizou o terreno como quis. Disse que fechou em dezembro de 2011, porque não dava lucro. Disse que teve uns problemas com a justiça mas foram ultrapassados. Disse que, a D.ª N... lhe fez o contrato de arrendamento. Disse que, não sabe quem construiu o restaurante, mas pensa que tenha sido o Sr. H... . Arrendou o restaurante e ocupava o terreno com autorização.

Y... , casada, doméstica, residente em (...), Castro Daire, a qual prestou depoimento de forma clara e coerente motivo pelo qual logrou convencer o Tribunal. Disse que é vizinha do restaurante que era o (...) agora é o (...) . Disse que primeiro era do H... e depois passou para a N... que teve uns problemas, mas o que ouviu dizer foi a B... . Disse que, o falecido H... já terá falecido há mais de 10 anos e que foi proprietário do prédio aludido em 1) durante mais de 10 anos antes de falecer. Disse que a Caixa Agrícola até foi lá para a declarante e o marido ensinarem o terreno. Disse que a N... tinha lá uns cães e um tanque com furo, já no tempo do Sr. H... . O canil foi feito no tempo da N... . Disse que os via utilizar aquilo lá trás e que sempre pensou que era deles. Disse que o O... dizia que tinha feito negócio com o H... e deixou aquele logradouro. Disse que, nunca lá viu o C... que é genro do O... . Disse que o T... ocupava o logradouro com rulotes. Disse que aquele logradouro foi cultivado, passavam e viam, no tempo do H... , a mulher dele, a X... , dizia que ia para lá às batatas e couves. Referiu que, face às confrontações o prédio aludido em 8) corresponde ao logradouro do prédio aludido em 1), sendo a mesma realidade física.

Z..., divorciada, motorista de ambulância, residente em Castro Daire, a qual prestou depoimento de forma clara e coerente motivo pelo qual logrou convencer o Tribunal. Disse que foi casada com um dos donos do restaurante, o G... , filho do H... . Disse que ainda em solteira trabalhou lá e depois quando casou a boda foi lá. Disse que, nessa altura o restaurante era do Sr. H... , bem como o terreno atrás. Disse que o Sr. H... fez as escadas, o furo no terreno. Disse que o furo dava água para o restaurante. Disse que aquilo foi sempre do sogro da declarante, que vivia a 100/200 mts dali. Disse que a mãe do declarante cultivou lá batatas atrás. Disse que, o restaurante passou por várias mãos, o ex-marido da declarante e a irmã a F... , e por último o Sr. T... . Disse que, foi para lá em 1995 e já conhecia o H... como dono do restaurante e do terreno. Disse que, a mãe da declarante deixou a fábrica e passou a fazer limpezas em casa do Sr. H... , chegando a cultivar o logradouro do restaurante.

S... , casada, doméstica, residente em (...) , a qual prestou depoimento de forma clara e coerente motivo pelo qual logrou convencer o Tribunal. Disse que andou lá a mando do Sr. H... e esposa a granjear o terreno, batatas, feijão e hortaliça. Disse que, nunca lá viu ninguém senão o tio H... e os trabalhadores a mando dele. Disse que atrás fez o furo, vedou em toda a volta com muro, fez o tanque. Disse que, a filha N... fez lá um canil para os cães. Disse que andou lá a trabalhar mas depois foi para a Suíça. Disse que, o Sr. H... comprou tudo tendo deitado tudo abaixo e procedido à reconstrução. Disse que, começou a trabalhar em 1987 e em 1997 foi o casamento da filha da declarante lá e já estava tudo reconstruido nessa altura. Esclareceu que no lugar do restaurante o que existia era uma tasca. Disse que, os funcionários da fábrica também lá iam cultivar com a declarante.

O Tribunal teve ainda em consideração os factos admitidos por acordo das partes nos articulados e os documentos juntos aos autos de fls. 18 a 34, 59 a 112, 178 a 193 e 198 a 203 dos autos.

Em suma da prova produzida resultou que, como bem referiu a testemunha S... desde 1987 que começou a trabalhar para H... e que, desde essa data já ali cultivava o logradouro que segundo a declarante pertencia ao referido H... e depois passou para os filhos. As demais testemunhas corroboraram que quer o restaurante quer o logradouro eram utilizados por H... e depois pelos seus filhos, há mais de 20 anos, à vista de toda a gente sem oposição de ninguém, na ignorância de lesar direitos de outrem na convicção de exercer um direito próprio. Acresce que, também confirmaram a realização das construções e a reconstrução do restaurante por parte de H... e a inclusão do logradouro no prédio aludido no ponto 1) da factualidade provada.

Os factos não provados resultaram da ausência de prova ou da prova do contrário, nos termos acima expostos.

A este propósito diremos que O... , casado, reformado como motorista, residente em Fareginhas, prestou depoimento de forma totalmente interessada no desfecho da causa sem credibilidade, motivo pelo qual não logrou convencer o Tribunal. Disse que não sabe se o Sr. H... fez ou não algum furo, no logradouro do prédio aludido no ponto 1) o que bem denota que o declarante após a transmissão aludida em 17) nunca mais se preocupou com a utilização de tal espaço, corroborando assim o depoimento das restantes testemunhas no sentido de que o mesmo nunca utilizou tal espaço, pelo menos após o aludido em 17).

Ora, nenhuma testemunha corroborou a existência desde 1987 de quaisquer actos de posse por parte de O... e dos seus sucessores sobre o referido logradouro. Ao invés, resultou provado que apesar de formalmente distintos em causa está a mesma parcela de terreno que, após a aquisição por H... , sempre foi utilizada em exclusivo por este no conjunto do restaurante e logradouro como sendo um prédio só, sendo que, o prédio aludido no ponto 8) nunca foi utilizado pelos réus nem seus antepossuidores, correspondendo à mesma realidade física do logradouro.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelos recorrentes, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvidos, na íntegra, todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram acerca desta questão, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A testemunha T... , que explorou o restaurante referido nos autos, de Agosto de 2006 a Dezembro de 2011, por arrendamento efectuado pelo H... , a N... e o R... , disse que utilizou o espaço comercial e o terreno que está ligado a tal restaurante.

Referiu, ainda, que o terreno está vedado e pelo nascente tem umas escadas que dão para o restaurante e que o H... fez no logradouro um furo e um tanque.

Com autorização da N... e do R... , colocou vasilhame e lenha no terreno e também lá teve duas rulotes e estendia lá as toalhas do restaurante num fio que, para isso, lá colocou, sem que alguém, de tudo isso, o impedisse.

Mais disse que há uma ligação de água do furo para o restaurante mas que nunca lá utilizou essa água, porque não quis e que “o único dono que lá conheceu foi o H... e ouviu dizer que foi ele que vedou o terreno”.

Por Y... , que reside perto do local onde se situa o prédio em questão, foi dito que primeiro o restaurante era do O... e depois era do H... e passou para a N... , que o arrendou.

Referiu que a N... teve cães no terreno, onde agora está o galinheiro, que foi ela quem o fez e “no tempo do H... , fizeram um furo e um tanque no terreno e que o terreno está vedado em toda a volta”.

Nunca viu o O... ou os seus familiares no terreno em causa e que o T... (1.ª testemunha) tinha rulotes no terreno, quando explorou o restaurante.

Acrescentou que o terreno foi cultivado pelo H... e mulher, especificando as culturas que lá tiveram e que nunca viu o O... ou familiares a fazê-lo.

Disse, ainda, que “as pessoas que têm estado no restaurante também ocupavam o terreno”.

Z... , que conhece o local e foi casada com um filho do H... e trabalhou no restaurante, ainda em solteira, desde 1995, disse que “o restaurante era do H... e o terreno também”, que havia umas escadas do restaurante para o terreno, que usavam para acesso ao terreno e vice-versa e foi o H... que fez o furo que existe no terreno e tanque e que usavam a água do furo no restaurante e que “o terreno fazia parte do restaurante”.

O terreno foi cultivado a mando do H... e a sua mãe também o cultivou. Nunca houve oposição ao que o H... fez e no terreno, nunca lá viu o O... , nem os filhos a cultivá-lo.

Mais disse que “o terreno era usado pelos arrendatários para pôr o vasilhame e existiram lá as rulotes. Desde 1995 sempre conheceu aquilo como sendo do H... ”.

A testemunha U... , que reside perto do local, há já vários anos, referiu que o H... fez um furo no terreno e que, ela própria, o amanhou, durante algum tempo, por ordem do H... e da esposa.

Disse, ainda, que o H... vedou o terreno em toda a volta com um muro e fez lá um tanque. Mais tarde, a N... (filha do H... ) fez lá um canil, para ter os cães, tudo sem oposição de ninguém.

Foi o H... que mandou fazer as escadas para acesso ao terreno do restaurante e “desde que o H... comprou nunca mais lá viu o O... ”.

Quando o H... comprou ao O... “pôs tudo abaixo o que lá havia e fez tudo de novo, tanto no restaurante como no quintal”.

Pela testemunha O... , que foi o 1.º dono do restaurante e do terreno em causa e é pai da ré e sogro do réu, foi dito que “vendeu à F... e ao G... (filhos do H... ) o café com 200 m2, o terreno não o vendeu”.

E que “tudo o que lá (no terreno) foi feito, foi com sua autorização e que mandou de lá retirar as rulotes e tiraram numa semana e tanto”.

Referiu que “não sabe se o H... fez o furo e iniciou a construção do restaurante e ainda o explorou”.

Acrescentou que “o terreno já estava vedado, não foi o H... , este só compôs o muro, com autorização sua”. “Quando vendeu o terreno já estava vedado e o tanque já estava feito”, reiterando que “todas as obras feitas no terreno foi com sua autorização”, afirmando, depois, que o H... “compôs o muro e fez o galinheiro”.

Referiu que cultivou o terreno e tinha lá árvores de fruto, até ter vendido.

Disse que a vedação visível na foto de fl.s 178 “foi a F... que fez” e que as escadas da foto de fl.s 180 “também já estavam feitas por ele e que o galinheiro também já estava feito”.

Procedeu-se à acareação entre esta testemunha e a testemunha T... , acerca da questão de saber quem é que mandou tirar as rulotes do terreno, mantendo o O... que foi ele que lhas mandou retirar de lá e o T... a reafirmar que o O... não lhe deu ordem nenhuma, “a mim não me disse nada”, dizendo que a causa de as ter retirado de lá se deve ao facto de serem usadas para a prostituição e os problemas com a justiça que isso lhe acarretou.

Analisados estes depoimentos, sufragamos a “leitura” que dos mesmos foi feita em 1.ª instância, aceitando os argumentos ali expendidos para justificar a demonstração da matéria em causa, que se resume à questão de saber se o logradouro descrito nos autos faz parte do prédio, hoje, dos autores.

Todas as pessoas ouvidas foram unânimes em considerar que o referido logradouro é parte integrante do prédio, actualmente, dos autores, especificando as razões em que assentam tal convicção e que acima se deixaram referidas.

Efectivamente, dos depoimentos prestados, com excepção da testemunha O... , resulta que só o H... e seus familiares, ou pessoas com ordem destes, cultivaram, ocuparam e/ou utilizaram o logradouro em causa, inicialmente para fins agrícolas e posteriormente como “depósito” de vasilhame de produtos afectos à exploração do restaurante e das mencionadas rulotes, com os objectivos já acima mencionados.

Como já se referiu, apenas o O... , referiu que assim não era e que foi ele quem agricultou o terreno e o utilizou e que foi com sua autorização que o H... fez, o que lá fez.

Para além das razões indicadas na fundamentação da matéria de facto em 1.ª instância, que podem abalar a credibilidade do seu depoimento, que se prendem com a circunstância de ser pai da ré e sogro do réu, outras razões nos levam a duvidar da veracidade do que por ele foi dito.

Reitera-se, que o mesmo afirmou que foi com sua autorização que o H... fez as obras descritas no referido logradouro, embora, também, tenha dito que não sabe se ele lá fez o furo.

Desde logo, uma obra como a abertura de um furo hertziano, é perfeitamente visível para quem, como no caso, reside nas proximidades.

Por outro lado, a abertura de tal furo, é uma obra dispendiosa, não se compreendendo, atento a critérios de normalidade das coisas e de razoabilidade, que alguém o faça em terreno que não seja de sua propriedade.

Sem esquecer, ainda, que para além do furo, foi feita a construção de um muro de vedação em toda a extensão do logradouro; um tanque de rega e ligação de água de tal furo para o restaurante e foram construídas umas escadas de acesso do restaurante a tal logradouro e vice-versa, tudo sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente do O... e seus familiares.

Em suma, tudo aponta, como considerado em 1.ª instância, para que se conclua que, efectivamente, o logradouro em apreço, faz parte do prédio, hoje, dos autores.

De resto, nem isso se impõe pelo facto de nas descrições matriciais se fazer constar uma certa confrontação de um prédio, dado que as mesmas não contêm virtualidades para definir os limites dos prédios; bem como, igualmente, isso não resulta do teor das escrituras, nem sequer da presunção do registo predial.

No que respeita às escrituras pública de compra e venda ou similares, apesar do que nelas consta, não fica resolvida a questão da propriedade do bem declarado vender.

Conforme preceituado no artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

Daqui decorre que apenas estão cobertos pela força probatória plena de tais documentos os que se referem foram praticados pelo notário ou por ele atestados com base nas suas percepções, mas não a veracidade das declarações perante si prestadas.

Como referem P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora 1982, a pág. 326 “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (ex.: procedi a este ou aquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado …”.

Assim, não obstante a existência de tal escritura e de no respectivo teor se declarar que um dos outorgantes se arrogou a propriedade de tal terreno, apenas se pode dar como assente que tal declaração foi feita perante o notário, mas não que a mesma corresponda à verdade e muito menos define os limites/confrontações dos prédios vendidos.

No que concerne ao teor da certidão da matriz, também a mesma não contêm virtualidades para que a referida matéria de facto seja alterada, uma vez que as certidões matriciais, por si só, carecem de qualquer relevância presuntiva da propriedade para efeitos civis.

Efectivamente, estas apenas gozam de presunções para efeitos fiscais mas não para efeitos civis, dado que nos termos do CIMI, se presume proprietário para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar em 31 de Dezembro do ano a que respeite a contribuição.

Os elementos matriciais apenas contêm a virtualidade de obter relevância civil indirectamente, através dos registos prediais, com os quais se devem harmonizar, cf. artigos 28.º a 32 do Cód. de Registo Predial – neste sentido, Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Iuris, Lisboa, 2001, pág. 122, nota 1.

Mesmo no que se refere ao registo predial e presunção daí decorrente, não se pode esquecer que, cf. artigo 7.º do Código de Registo Predial:

“O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Como se refere, v. g., no Acórdão da Relação do Porto, de 2 de Abril de 1987, in CJ, ano XII, 2, pág. 227, a inscrição registral dispensa o titular inscrito de provar o facto em que se funda a presunção derivada do registo, isto é, que o direito existe, e existe na sua titularidade.

Em idêntico sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 18/12/86, CJ, 1986, 5, pág. 156, no qual se decidiu que quem beneficia da presunção decorrente da inscrição no registo não precisa de provar o facto a que ela conduz.

Citando Isabel Pereira Mendes, in Estudos Sobre Registo Predial, Almedina, 1997, a pág.s 87 e 88 “…, o Registo Predial, …, visa a defesa dos direitos privados. Assim, estabelecendo a presunção “juris tantum” da existência dos direitos inscritos (legitimação), nos precisos termos em que o Registo os define, a favor dos respectivos titulares, garante a estes a inoponibilidade dos factos não inscritos e incompatíveis, a não ser nos casos em que o registo seja previamente cancelado, por inválido”.

No entanto, como se refere na mesma obra a pág.s 98 e 99, “… no nosso sistema de registo, a presunção registral não pode abranger a totalidade dos elementos de identificação dos prédios, que continuam sujeitos a uma eventual rectificação ou actualização”, asserção que constitui jurisprudência, há muito, uniforme e pacífica (como ali se exemplifica), ficando, pois, fora da presunção registral, a configuração, área, composição ou confrontações dos prédios tal como foram registados.

Neste mesmo sentido, veja-se, ainda, o Acórdão do STJ, de 07/04/2011, Processo 569/04.0TCSNT.L1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.

O mesmo refere Jorge de Seabra Magalhães, in Estudos de Registo Predial, Almedina, 1986, a pág.s 64 e 65.

Pelo que, os registos efectuados em nada relevam para efeitos de saber da real configuração dos prédios, designadamente quanto à questão de saber se a faixa de terreno/logradouro em questão, se situa no prédio do autores ou nos dos réus.

Como consabido, a presunção derivada do registo cede perante a prova de factos que a infirmem, designadamente, cede perante a posse exercida por terceiro, em termos que possam conduzir à aquisição do direito de propriedade (ou outro direito real), como corolário do que se dispõe no artigo 1268.º do Código Civil, não sendo, ainda, despiciendo, a este respeito, fazer notar, tal como se assinala na decisão recorrida, seguindo o decidido no ali citado Acórdão do STJ, de 12/01/2012, disponível no respectivo sítio da dgsi, que o facto de existirem registos, a favor de cada uma das partes, sobre a mesma realidade predial, acarreta que as mesmas se anulem reciprocamente.

Todavia, como acima se referiu, a presunção do registo cede perante a posse susceptível de conduzir à usucapião, o que se verifica, in casu, como adiante melhor se referirá.

Por isso e em conclusão, é de manter como provada a matéria que consta do item 19.º dos factos dados como provados na sentença recorrida.

Para além disto, pretendem, ainda, os réus que se dê, ainda, como provado que também se acede ao logradouro em causa, através de um portão, directamente do caminho público, como é visível nas fotografias juntas pelos próprios autores, de modo a que não se presuma que as escadas mencionadas no referido item 19.º são o único acesso ao logradouro.

Em 1.º lugar, cumpre referir que o facto que os réus pretendem ver acrescentado no elenco dos factos provados, nenhum ou muito residual, interesse tem para o desfecho da acção. O que releva são os actos de posse dados como demonstrados.

Em 2.º lugar, não resulta do item 19.º que aquele é o único acesso, mas tão só que se acede do restaurante ao logradouro e vice-versa e isso é o que interessa para efeitos de aferir da “afectação” do logradouro ao restaurante, do uso que, como tal, lhe era dado.

Por último, como este Colectivo, tem decidido – veja-se, por último, a Apelação n.º 12/14.7TBAGN.C1, de 16 de Fevereiro de 2016 – entendemos que, de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, do NCPC, seguindo Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum (À Luz do Código de Processo Civil de 2013), 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág.s 141, nota 2 e 318, nota 4, que, relativamente aos factos instrumentais, apenas se podem considerar os que, até ao encerramento da discussão de facto em 1.ª instância, forem introduzidos oficiosamente no processo pelo juiz, desde que, até esse momento, tenham sido alegados, provados ou oficiosamente introduzidos no processo e desde que a parte a quem são favoráveis, declarar nos autos que deles pretende aproveitar-se e com respeito pelo contraditório.

No caso em apreço, nenhum destes requisitos se verifica, pelo que se indefere a pretendida alteração.

Assim, improcede quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se mantém a factualidade que foi dada como provada (e não provada) em 1.ª instância.

B. Se a presente acção deve ser julgada improcedente, por os autores não terem logrado demonstrar os factos constitutivos do direito de propriedade a que se arrogam, sobre o logradouro em causa, designadamente, por não se verificarem os requisitos da usucapião.

Alegam os recorrentes que em face da matéria de facto que, no seu entender, deve ser dada como provada, se tem de concluir que não pode proceder a acção, por os autores não terem provados os factos constitutivos do direito que se arrogam sobre o logradouro em causa, com as consequências que daí advêm, designadamente, não lhes podendo, em consequência, ser reconhecido o direito de propriedade sobre o questionado logradouro.

Como é óbvio, a procedência desta questão do recurso estava na total dependência do sucesso que os recorrentes obtivessem no que toca ao recurso da matéria de facto.

Improcedendo, como improcedeu, a sua pretensão nesta parte e mantendo-se, em consequência, a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância, ou seja a demonstração de que os autores e antepossuidores exerceram os supra descritos actos de posse sobre o referido logradouro, estando este integrada no prédio de que são proprietários tem, fatalmente, a presente acção de proceder, como procedeu.

Os autores fundamentam, como já referido, a sua pretensão na aquisição do direito de propriedade sobre a descrita faixa de terreno/logradouro, com base na usucapião.

Ora, a usucapião mais não é do que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, desde que se revista de determinadas características e durante certo período temporal – cf. artigo 1287.º CC.

Por seu turno, a posse, nos termos do artigo 1251.º do mesmo Código é o poder que se manifesta (exercício de poderes de facto) sobre uma coisa, em termos equivalentes ao direito de propriedade ou de outro direito real, traduzindo-se no corpus: elemento material, que mais não é do que a assunção de poderes de facto sobre a coisa e no animus: o exercício de tais poderes de facto como titular do respectivo direito de propriedade ou de outro direito real.

Como é sabido, o nosso Código Civil, consagrou uma concepção subjectiva da posse, no sentido de que não basta o exercício de poderes de facto, de dominialidade sobre a coisa, exige-se, também, a intenção de os exercer pela forma correspondente à do direito real invocado.

A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, em que o titular recebe o seu direito independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz necessário se torna avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes à aquisição do direito, isto é com a intenção de corresponder ao direito real invocado, in casu, o direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características.

No que às características da posse tange, de acordo com o disposto nos artigos 1258.º a 1262.º, do CC, pode a mesma ser titulada/não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, o que tem relevância para a quantificação do prazo reputado de suficiente para que se verifique a usucapião – cf. artigos 1294.º a 1296.º, CC, sendo que o prazo para que a usucapião se possa iniciar não se conta enquanto permanecer uma situação de posse violenta ou tomada ocultamente – cf. dispõe o artigo 1297.º CC.

Traçado este quadro teórico, vejamos, então, se em face dos factos alegados e demonstrados se pode concluir que os autores adquiriram o invocado direito de propriedade sobre o identificado logradouro, integrante do seu prédio, através da usucapião.

Ora, compulsados estes, é manifesto que assim sucede.

Isto, porque, de acordo com a factualidade provada e constante dos itens 17 a 25, demonstrou-se que os autores, por si e antepossuidores o vêm utilizando e fruindo, de forma exclusiva, há cerca de 29 anos, desde então tendo vindo a praticar os actos de posse ali melhor descritos.

Quanto a isto diga-se que, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, a alteração das áreas do prédio em causa (introdução de área descoberta), em sede de descrição matricial, em nada influi no desfecho da acção.

Como já acima assinalado, as descrições/referências matriciais em nada influem com a demonstração da posse e propriedade sobre um determinado bem.

E muito menos se pode considerar que a posse só se inicia aquando desta alteração.

Não, o que releva, como é óbvio, parece-nos, é o exercício dos poderes de facto, sobre aquela concreta realidade (física) predial, independentemente, da forma como a retrata/descreve a matriz predial, do que decorre que para efeitos de sucessão e/ou acessão na posse, a mesma se conta, no caso, desde 1987, em conformidade com o disposto nos artigos 1255.º e 1256.º, ambos do Código Civil.

Como escreveu Orlando de Carvalho, in RLJ, n.º 3780, a pág. 66, para que se verifique o exercício de poderes de facto sobre uma coisa não existe a necessidade de um contacto físico com a coisa, para tal bastando que “… a coisa entre na nossa órbita de disponibilidade fáctica, que sobre ela podemos exercer (querendo), poderes empíricos; basta a entrada factual de uma coisa em certa órbita de senhorio ou de interesses.”.

Ou, como escreve Durval Ferreira, in Posse e Usucapião, 3.ª edição, Almedina, 2008, a pág.s 152 e 155, são elementos do corpus, todos os elementos materiais quer da coisa, quer da sua relação estancial com um sujeito ou de espaço que, á luz do consenso público permitam, relevantemente, a valoração, o entendimento, de entre o sujeito e a coisa existir uma relação de senhorio de facto, à imagem de uma relação empírica de domínio e para que a coisa entre na disponibilidade fáctica de um sujeito, deve atender-se à energia do acto de apreensão, á sua perdurabilidade e á natureza do direito que se pretende adquirir.

Para o que basta se o acto ou série de actos têm, segundo o consenso público, a energia suficiente para significar que, entre uma coisa e determinado indivíduo, se estabeleceu uma relação duradoura.

Idêntica opinião é expressada por M. Henrique Mesquita, in Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, pág.s 96 e 97.

Na mesma esteira, o Acórdão do STJ, de 11/12/2008, Processo 08B3743, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, segundo o qual “… a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais, pelo que há corpus da posse enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ele.”.

No entanto, para que a posse possa conduzir à usucapião, tem de revestir determinadas características (as descritas no artigo 1258.º do CC), em que se inclui a exigência de ser uma posse pacífica e que tem de ser complementada com a prática reiterada dos actos de posse, de acordo com o estatuído no artigo 1263.º, alínea a), do Código Civil.

Para além de que, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág.s 25 e 26, sem a prática reiterada e pública dos actos de posse, nos termos do artigo 1263.º, al. a), do CC, a posse não existe, nem se constitui, valendo esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no artigo 1251.º (do Código Civil).

Faltando, desde logo, o requisito de a posse ser pacífica, não pode esta conduzir à usucapião, “não é boa para usucapião”, nos termos do disposto no artigo 1297.º do CC, dado que como neste se determina a posse só começará a contar para efeitos de usucapião quando revestir a natureza/característica de pacífica – veja-se, Durval Ferreira, ob. cit., a pág.s 319 e 507.

A usucapião tem em vista a resolução do conflito de interesses que surge entre o titular inerte do direito de propriedade, que dispõe apenas de um poder jurídico simples (ou tão só formal-jurídico), porque desprovido da correspondente posse (causal) – e o sujeito activo – ou seja, o possuidor formal ou autónomo e acima de tudo, satisfazer a exigência de que, após um certo lapso de tempo, a situação de direito se adeqúe à situação de facto, que a posse é de harmonia com o «ordo ordinatus querido pela lei», assim se visando almejar a «ordenação dominial definitiva», ou seja que se conjuguem na mesma pessoa a titularidade do direito (maxime de propriedade) e a correlativa posse causal, com a disponibilidade fáctica ou empírica que a caracteriza como «faculdade jurídica secundária» englobada no conteúdo desse direito, consagrando-se a posse como um caminho para a autêntica dominialidade, assim acabando com a indesejada discrepância entre o direito real, v.g. de propriedade e o poder de facto a que o mesmo tende, que por vezes pode ser conflituosa – neste sentido, veja-se A. Vassalo de Abreu, Titularidade Registral Do Direito De Propriedade Imobiliária Versus Usucapião (“Adverse Possession”), Coimbra Editora, Março de 2013, pág.s 145 a 147.

Como acima referido, a posse exercida durante certo lapso de tempo conduz à aquisição do direito correspondente, nos termos consignados, quanto aos imóveis, nos artigos 1293.º e seg.s do Código Civil, prazos esses que, como explicitado na decisão recorrida, já decorreram.

Assim, também, no que a esta problemática respeita, impõe-se a manutenção do decidido.

Consequentemente, no que toca a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 06 de Dezembro de 2016.

           

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos:

1º - Emidio Francisco Santos
2º - Catarina Gonçalves