Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1882/19.8T8FIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: CHAMAMENTO DE TERCEIRO
LITISCONSÓRCIO EVENTUAL OU SUBSIDIÁRIO
ÓNUS DO REQUERENTE
REGIME DE CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES
Data do Acordão: 03/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 316º, 2 DO NCPC; 288º A 293º DO C. TRABALHO/09.
Sumário: I - No chamamento de um terceiro previsto no artº 316º/2/2ª parte do nCPC está em causa uma situação de litisconsórcio eventual ou subsidiário, com possibilidade de formulação de pedidos subsidiários contra réus diversos dos originariamente demandados, desde que com isso se não convole para uma relação jurídica diversa da inicialmente controvertida e desde que o chamante, no seu requerimento de intervenção, alegue dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.

II - A causa do chamamento radica, nestes casos, na dúvida fundamentada, que deve ser invocada por quem requer esse chamamento, sobre a titularidade passiva da relação material controvertida.

III - A causa do chamamento radica, nestes casos, na dúvida fundamentada, que deve ser invocada por quem requer esse chamamento, sobre a titularidade passiva da relação material controvertida.

IV Ao requerer o chamamento, o autor deve alegar de forma convincente quais as razões de facto e de direito que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que invoca na sua petição inicial e, depois, formular um pedido subsidiário em relação a esse hipotético titular.

V - O regime da cedência ocasional de trabalhadores consta atualmente dos artigos 288.º a 293.º do CT/09, sendo legalmente definida como “Disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial.” (art.º 288.º).

VI - Assim, através desse instrumento o empregador cede a um terceiro a disponibilidade da força de trabalho de um trabalhador do primeiro, apesar do que se mantém o vínculo jurídico-laboral com a entidade cedente.

VII - Ou seja, a despeito de continuar a existir um único contrato de trabalho entre o trabalhador e o cedente, ocorre o fraccionamento dos poderes do empregador, pois que o trabalhador cedido continua a pertencer ao quadro da empresa cedente, mas o poder de direção e de conformação da prestação laboral cabe à empresa cessionária, desenvolvendo-se o trabalho prestado sob a direção desta e nas condições nela existentes e ficando o trabalhador sujeito ao regime de trabalho aplicável ao cessionário no que respeita ao modo, local, duração de trabalho, suspensão do contrato de trabalho, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais (art. 291º/1 do CT/09).

VIII - Este instituto apenas é admitido nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (art. 129º/1/g do CT/09), dependendo a admissibilidade da cedência ocasional de trabalhadores da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos de natureza substancial e formal enunciados nos arts. 289º e 290º do CT/09.

IX - A cedência ocasional de trabalhador fora das condições em que é admissível ou a falta do acordo previsto no art. 290º/1 do CT/09 conferem ao trabalhador cedido o direito de optar pela permanência ao serviço do cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo que o direito de opção deve ser exercido até ao termo da cedência e mediante declaração receptícia (carta registada com aviso de recepção) às entidades cedente e cessionária, sob pena de caducidade.

Decisão Texto Integral:

Apelação 1882/19.8T8FIG-B.C1

Autor: J...

: M..., Lda.

Indigitada interveniente: N..., SA

Relator: Jorge Manuel Loureiro

1ª adjunta: Paula Maria Roberto

2º adjunto: Ramalho Pinto


Acordam na 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra


I – Relatório

O autor propôs contra a ré a presente ação com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido os pedidos seguidamente transcritos:

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e a Ré condenada:

- a reconhecer que o montante que liquidava ao Autor constante dos recibos de retribuição como correspondendo a não respeitava verdadeiramente a qualquer transporte e/ou deslocação e, consequentemente, a reconhecer que o mesmo integrava a retribuição mensal devida ao Autor.

- a liquidar ao Autor o montante que a esse título não liquidou ao mesmo a partir de Março de 2011, e não liquidou na totalidade a partir de Setembro de 2012, e o montante correspondente à parte dos subsídios de férias e dos subsídios de natal correspondente a este valor, que desde 2000 até ao termo do contrato nunca foi liquidada, no total de €26.977,60;

- a liquidar ao Autor os juros de mora vencidos sobre tais quantias, desde as respectivas datas de vencimento e que à presente data se calculam em €6.825.15;

- a liquidar ao Autor a título de retribuição de trabalho suplementar, ao mesmo não liquidada desde o ano de 2002 até Março de 2012, e as diferenças verificadas entre tal retribuição do trabalho suplementar devida e paga a partir de Março de 2012 até ao termo do contrato, no valor global de €46.891.42;

- a liquidar ao Autor os juros de mora vencidos sobre tais quantias, desde as respectivas datas de vencimento e que à presente data se calculam em €15.857,36;

- a liquidar ao Autor a retribuição correspondente aos 17 dias de trabalho pelo mesmo prestados em Dezembro de 2018, e subsídio de alimentação correspondente, no valor total de €962,06 acrescida dos juros de mora vincendos no valor de €38,48;

- os proporcionais de férias e de subsídio de férias devidos pelo tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato no valor de €2.939,44 acrescido dos juros de mora vencidos no valor de €117,58;

- e, por fim, a liquidar ao Autor os juros de mora vincendos sobre todas as quantias devidas, até efectivo e integral pagamento.”.

Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que foi trabalhador subordinado da ré entre 1/4/2000 e 18/12/2018, sendo que dessa relação de trabalho resultaram para si os direitos de crédito enunciados na petição e correspondentes aos pedidos formulados, recusando-se a ré a satisfazer extrajudicialmente tais créditos.

Na contestação e na parte relevante para os efeitos em análise, a ré arguiu a sua ilegitimidade passiva, nos termos seguintes:

...

Respondeu o autor, na parte com relevo para presente decisão, nos termos seguidamente transcritos:

...

Com data de 4/3/2020 o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:

Compulsados os presentes autos verifica-se que a R. invoca, na sua contestação, que o A. passou a integrar os quadros da sociedade “N..., S.A.”, entendendo que essa sua integração se reporta ao início da sua admissão ao serviço da R., defendendo ser parte ilegítima e que o A. pretende “locupletar-se” à custa da R., dado que reclamou junto dessa primeira sociedade, nas instalações das quais sempre trabalhou, o pagamento das diferenças salariais, o que não conseguiu, pelo que deduziu agora esta ação contra a R..

Ora, entende-se que, face ao alegado pela R. a este respeito (e sendo certo que é o próprio A. que alega que sempre trabalhou nas “instalações fabris” da “S...”, agora “N...”) e à própria invocação da sua ilegitimidade passiva, seria necessário, para se poder apreciar quem era o efetivo empregador da R., quem será o responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pelo A. e até as eventuais nulidades dos contratos celebrados pelas partes e por essa sociedade (que só poderão ser apreciadas com a intervenção dessa sociedade, até para esta acção produzir o seu efeito útil normal), determinar oficiosamente a intervenção principal provocada, do lado passivo, dessa primeira sociedade.

Todavia, essa sociedade integra o mesmo Grupo Empresarial da denominada “N... Company” (que é, no fundo, a “companhia-mãe” dessa sociedade e de várias outras empresas do mesmo Grupo, que subordinam sempre a sua atividade, essencialmente, a essa sociedade “principal”, que “encabeça” o respetivo grupo, havendo também uma coincidência, em geral, entre as respetivas administrações), para o qual foi agora nomeado como “CEO” (na terminologia inglesa, Chief Executive Officer) o Eng. ... (cfr. a notícia constante em https://eco.sapo.pt/2019/11/22/... – em que se refere que, segundo comunicado dessa sociedade, “Informamos que, em reunião do Conselho de Administração realizada hoje [sexta-feira], foi deliberado designar, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2020, o administrador executivo Senhor Eng.º ... como Presidente da Comissão Executiva, sendo que, até essa data, o Presidente do Conselho de Administração Senhor Eng.º ... continuará a desempenhar essas funções”), pessoa que conheço há muitos anos (perto de vinte anos) e por quem tenho uma grande amizade e uma enorme consideração pessoal (e também profissional, sabendo bem que o mesmo trabalhava no Grupo N... e que aí teria até, mais recentemente, funções executivas, mas só agora tendo o mesmo passado a ser a face visível e pública e o representante “máximo” desse Grupo) e com quem mantive durante muitos anos uma regular e muito saudável convivência (que só se reduziu mais recentemente por o mesmo ter deixado de viver, com a sua família, na Figueira da Foz e ter passado a residir em Lisboa), até pelo facto de a minha mulher ter sido colega nos estudos universitários da sua mulher e ser uma das suas maiores amigas, tendo estado presente, de resto, no seu casamento, em ... (e tendo a sua mulher estado presente, por sua vez, no meu casamento) e tendo já estado e tomado refeições na sua residência na Figueira da Foz (e vice-versa).

Desta forma e tendo ponderado esta situação, entendo existir uma circunstância ponderosa para pedir a minha escusa para intervir no presente processo, nos termos do Art. 119º do Novo Código de Processo Civil, sempre aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, por se poder suspeitar da minha imparcialidade.

De facto, e em consciência, seria com um grande grau de incomodidade pessoal e profissional que teria de apreciar e decidir uma ação em que deveria agora determinar a intervenção principal de uma parte dirigida e representada por alguém com quem mantive, durante muitos anos, uma relação pessoal próxima e estreita e por quem ainda sinto uma grande amizade, estima e consideração.

Nestes tempos tão conturbados para o sistema de justiça (em que se considerou até, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019, consultado em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/aed428d882d576948025842e0032e6c5, que é exigível aos magistrados judiciais que ajam “com o dever de cuidado de que era capaz e que se lhe exigia, ou seja, de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente – dever de cuidado interno – e, consequentemente, agir, – dever de cuidado externo – por forma a procurar evitar tal resultado desvalioso”), impõe-se que a Justiça, tal como a mulher de César, não apenas seja imparcial e séria, mas também apareça como tal aos olhos de quem recorre a esta, o que, a meu ver e salvo melhor opinião, aconteceria se um julgador tivesse que decidir uma ação em que uma das (futuras) partes tem, no fundo, como seu dirigente máximo, um amigo pessoal (e não dos mais distantes) do julgador (que poderia até ter, eventualmente, de o ouvir na qualidade de legal representante das partes e valorar probatoriamente o seu depoimento) e da sua família, podendo sempre ficar ínsita a ideia na mente das pessoas que a decisão tomada, para o bem ou para o mal, teria algo a ver com essa relação prévia e a amizade, conhecimento pessoal e profissional e relacionamento existencial próximo que tenho e tive com o novo “CEO” do grupo empresarial da sociedade em causa, nas instalações da qual sempre terá trabalhado o A..

Se é verdade que o signatário sente que, mesmo assim e como sempre o faz no exercício das funções que lhe foram confiadas, tomaria uma decisão conscienciosa e devidamente fundamentada, considera também que será preferível, para preservar a imagem da justiça junto dos seus destinatários (imagine-se, por exemplo, o que sucederia se o signatário nada dissesse e não pedisse escusa e fosse depois do conhecimento público esta relação de amizade próxima, com a divulgação de fotografias do casamento do “CEO” do Grupo da futura interveniente principal com a presença de um juiz que decidiu processos de empresas desse mesmo Grupo), que seja outro magistrado a assegurar, doravante, a tramitação destes autos.

Assim, tendo obedecido o signatário ao imperativo ético-moral e de consciência que lhe impunha que divulgasse no processo esta situação e a submetesse à apreciação das instâncias devidas, deixa-se à consideração superior e mais distanciada da situação concreta do Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra a escusa que ora se suscita, nos termos do Art. 119º do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.

Notifique, extraia certidão de todo o processado e remeta-a, juntamente com certidão deste despacho, ao Tribunal da Relação de Coimbra, para apreciação, concluindo, logo após, ao Juiz Substituto do signatário (Art. 125º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável por remissão expressa do Art. 119º, n.º 6 do mesmo diploma legal), ficando também sem efeito, face à sua proximidade, a audiência final que se deveria realizar no próximo dia 10/3/2020, pelas 9 horas e 30 minutos.”.

Deferida a requerida escusa, em 12/6/2020 o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:

- da intervenção principal provocada:

O princípio da estabilidade da instância que veicula a ideia de que, citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excecionado na sua vertente subjetiva, pela intervenção de terceiros (art.ºs 260.º e 262.º, al. b) do NCPC).

O conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte e insere a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito.

São três os tipos de intervenção de terceiros previstos na lei: a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição.

Na intervenção principal - do lado ativo ou passivo - em que ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa, o terceiro que poderia acionar ou ser acionado inicialmente na posição de litisconsorte, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.

É espontânea a intervenção que resulte da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como ação por ele intentada contra o réu ou em quadro de defesa no confronto do autor da causa principal.

É provocada se for da iniciativa de alguma das primitivas partes na ação.

Destina-se, pois, essencialmente a chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, num quadro de relações de litisconsórcio.

É o caso, por exemplo, de a chamada se ter vinculado perante a dona da obra a indemnizar os donos dos prédios contíguos pelo dano derivado das escavações, da responsabilidade solidária de ambas (neste sentido, o Ac. do STJ de 3 de julho de 2018).

O art.º 590.º, n.º 2, al. c) do NCPC apenas permite ao juiz suscitar, oficiosamente, o chamamento para intervenção principal provocada para sanar a ilegitimidade plural, delineada nos art.ºs 33.º e 34.º do NCPC, com vista ao suprimento pelas partes do referido vício (art.º 316.º, nº 1 do NCPC).

Os art.ºs 33.º e 34.º do NCPC reportam-se às situações de litisconsórcio necessário e às ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges.

A este respeito, convém recordar, que quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário.

No litisconsórcio voluntário, todos os interessados podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo.

No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade.

Assim, enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos interessados, o litisconsórcio necessário é imposto às partes, pela lei ou negócio e pela própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art.º 33º, nºs 1 e 2 do NCPC).

E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (art.º 33.º, nº 3 do NCPC).

Ocorrem, ainda, situações de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo, que justificam a formulação pelo autor de um pedido subsidiário contra o chamado, a fim de a situação no seu confronto ser apreciada, com as devidas consequências jurídicas, no caso de improcedência do pedido principal por ele formulado contra o primitivo réu (art.ºs 316.º, nº 2, 2ª parte e 39.º do NCPC).

São casos de pluralidade subjetiva subsidiária passiva superveniente resultantes de dúvida, surgida no decurso da demanda, por exemplo, sobre se o primitivo réu contraiu a obrigação em causa como titular do órgão de uma pessoa coletiva, como representante desta ou como gestor de negócio alheio.

Não podendo olvidar-se que a dúvida fundamentada sobre a titularidade da relação material controvertida só é legalmente prevista na pessoa do autor, e não na pessoa do réu, pelo que este não pode, como é natural, com base nela, requerer a intervenção (neste sentido, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra, 2004, pp. 307 e 308).

O nº 3 do art.º 316.º prevê, ainda, a possibilidade de o réu requerer o chamamento, e estatui que tal lhe é facultado quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (alínea a)) ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (alínea b)).

Abrange os casos em que a obrigação comporte uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, com vista à defesa conjunta ou a acautelar o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que lhe assista contra eles.

Em qualquer das suas modalidades, a admissibilidade da intervenção principal provocada depende de não ser contraposta a posição substantiva ou adjetiva do chamado e a da parte que o chama para se posicionar em juízo a seu lado (neste sentido, por todos, o Ac. do STJ de 14.05.2009, CJ, ano XVII, tomo 2, p. 65).

E não está legalmente prevista a possibilidade de intervenção oficiosa do juiz para sanar a ilegitimidade decorrente de litisconsórcio voluntário ou de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo.

Nos autos, tendo em conta a relação material controvertida tal como é delineada pelo autor na petição inicial, afigura-se que são titulares desta relação apenas o autor e a ré M...: o autor invoca a existência de um contrato de trabalho que celebrou com esta sociedade em 1 de abril de 2000, que vigorou até 18 de dezembro de 2018 e pede a sua condenação no pagamento dos créditos laborais que discrimina, decorrentes exclusivamente da execução e da cessação deste contrato de trabalho.

A existência desta relação laboral é admitida pela ré na contestação, pois, não obstante invocar a sua ilegitimidade, não nega a sua qualidade de empregadora no decurso do lapso temporal a que se reporta o pedido do autor.

Assim configurada a relação material controvertida pelo autor, inexiste qualquer norma, legal ou contratual, que imponha a intervenção da N... na ação e esta intervenção também não é necessária para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal, pelo que inexiste qualquer situação de litisconsórcio necessário passivo que se imponha sanar.

Também não ocorre qualquer dúvida do autor sobre a identidade do empregador contra quem pretende dirigir o pedido, suscetível de fundamentar uma situação de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo, pois o autor não tem dúvidas de que a ré M... é a sua entidade empregadora, contra quem quer exclusivamente deduzir e fazer prosseguir o pedido.

Nada é alegado nos articulados no que concerne a eventuais nulidades de contratos celebrados entre as partes e pela sociedade N...

E não se afigura viável a intervenção desta última sociedade, como associada da ré, por serem contrapostos os direitos substantivos de ambas: a N... não reconhece o autor como seu trabalhador porque recusa o seu direito de opção com base na cedência ilícita ocasional de trabalhador e a ré alega que o autor não é seu trabalhador na sequência da comunicação do referido direito de opção.

Neste contexto, e reafirmando que o art.º 590.º, n.º 2, al. c) do NCPC apenas permite ao juiz suscitar, oficiosamente, o chamamento para intervenção principal provocada para sanar a ilegitimidade plural, delineada nos art.ºs 33.º e 34.º do NCPC (litisconsórcio necessário), afigura-se improvável a procedência do incidente de intervenção principal provocada.

Não obstante, considerando o determinado no despacho de fls. 242, convido as partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 10 dias, suscitando, se assim o entenderem, o incidente de intervenção principal provocada, do lado passivo, que entenderem por conveniente, com a advertência de que, se não o fizerem, os autos prosseguirão os seus trâmites processuais normais contra as partes primitivas.”.

Na sequência do despacho que antecede, o autor formulou o seguinte requerimento:

J..., A. nos autos de processo identificados em epígrafe, vem no seguimento do douto despacho proferido a fls…., requerer, nos termos do disposto no art.º 316.º e 39.º do C.P.C., a intervenção principal provocada da N..., S.A., agora denominada N..., S.A., com sede em ..., porquanto na contestação apresentada veio a Ré invocar ser parte ilegítima na ação, por considerar que o Autor passou a integrar os quadros da N..., Lda e que essa sua integração se reporta ao início da sua admissão ao serviço da Ré, uma vez que desde essa data o Autor passou a prestar o seu trabalho nas instalações daquela, alegação que sendo procedente determinará que a responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pelo Autor seja afinal a referida sociedade.

Ora, desconhecendo o Autor quais as provas que a Ré vai produzir no sentido de corroborar esta sua alegação, e desconhecendo se em função das mesmas se deverá concluir que afinal é a aludida sociedade que tem de se considerar sua empregadora e, consequentemente, responsável pelo pagamento das quantias por si peticionadas, não pode, perante a dúvida agora suscitada pela Ré, deixar de subsidiariamente formular o mesmo pedido contra a referida sociedade, justificando-se, assim, face à alegação agora feita pela Ré, que na eventualidade de improcedência do pedido contra si formulado por essa razão, sejam daí retiradas as necessárias consequências jurídicas, e seja o mesmo pedido apreciado contra a sociedade N..., S.A. que a Ré veio afirmar ser a responsável.”.

Sobre esse requerimento, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:

I- da intervenção principal provocada:

O autor requer a intervenção principal provocada da N..., S.A., nos termos do disposto nos art.ºs 316º e 39.º do CPC.

Para tanto alega, no essencial, que:

- na contestação apresentada a ré invoca ser parte ilegítima na ação, por considerar que o autor passou a integrar os quadros da N..., Lda. e que essa sua integração se reporta ao início da sua admissão ao serviço da ré, uma vez que desde essa data o autor passou a prestar o seu trabalho nas instalações daquela, alegação que sendo procedente determinará que a responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pelo autor seja afinal a referida sociedade;

- desconhecendo o autor quais as provas que a ré vai produzir no sentido de corroborar esta sua alegação, e desconhecendo se em função das mesmas se deverá concluir que afinal é a aludida sociedade que tem de se considerar sua empregadora e, consequentemente, responsável pelo pagamento das quantias por si peticionadas, não pode, perante a dúvida agora suscitada pela ré, deixar de subsidiariamente formular o mesmo pedido contra a referida sociedade;

- justificando-se, assim, face à alegação feita pela ré, que na eventualidade de improcedência do pedido contra si formulado por essa razão, sejam daí retiradas as necessárias consequências jurídicas, e seja o mesmo pedido apreciado contra a sociedade N..., S.A. que a ré veio afirmar ser a responsável;

O princípio da estabilidade da instância que veicula a ideia de que, citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excecionado na sua vertente subjetiva, pela intervenção de terceiros (art.ºs 260.º e 262.º, al. b) do NCPC).

O conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte e insere a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito.

São três os tipos de intervenção de terceiros previstos na lei: a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição.

Na intervenção principal - do lado ativo ou passivo - em que ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa, o terceiro que poderia acionar ou ser acionado inicialmente na posição de litisconsorte, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.

É espontânea a intervenção que resulte da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como ação por ele intentada contra o réu ou em quadro de defesa no confronto do autor da causa principal.

É provocada se for da iniciativa de alguma das primitivas partes na ação.

Destina-se, pois, essencialmente a chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, num quadro de relações de litisconsórcio.

É o caso, por exemplo, de a chamada se ter vinculado perante a dona da obra a indemnizar os donos dos prédios contíguos pelo dano derivado das escavações, da responsabilidade solidária de ambas (neste sentido, o Ac. do STJ de 3 de julho de 2018).

O art.º 590.º, n.º 2, al. c) do NCPC apenas permite ao juiz suscitar, oficiosamente, o chamamento para intervenção principal provocada para sanar a ilegitimidade plural, delineada nos art.ºs 33.º e 34.º do NCPC, com vista ao suprimento pelas partes do referido vício (art.º 316.º, nº 1 do NCPC).

Os art.ºs 33.º e 34.º do NCPC reportam-se às situações de litisconsórcio necessário e às ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges.

A este respeito, convém recordar, que quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário.

No litisconsórcio voluntário, todos os interessados podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo.

No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade.

Assim, enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos interessados, o litisconsórcio necessário é imposto às partes, pela lei ou negócio e pela própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art.º 33º, nºs 1 e 2 do NCPC).

E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (art.º 33.º, nº 3 do NCPC).

Ocorrem, ainda, situações de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo, que justificam a formulação pelo autor de um pedido subsidiário contra o chamado, a fim de a situação no seu confronto ser apreciada, com as devidas consequências jurídicas, no caso de improcedência do pedido principal por ele formulado contra o primitivo réu (art.ºs 316.º, nº 2, 2ª parte e 39.º do NCPC).

São casos de pluralidade subjetiva subsidiária passiva superveniente resultantes de dúvida, surgida no decurso da demanda, por exemplo, sobre se o primitivo réu contraiu a obrigação em causa como titular do órgão de uma pessoa coletiva, como representante desta ou como gestor de negócio alheio.

Esta dúvida fundamentada sobre a titularidade da relação material controvertida só é legalmente prevista na pessoa do autor, e não na pessoa do réu, pelo que este não pode, como é natural, com base nela, requerer a intervenção (neste sentido, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra, 2004, pp. 307 e 308).

O nº 3 do art.º 316.º prevê, ainda, a possibilidade de o réu requerer o chamamento, e estatui que tal lhe é facultado quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (alínea a)) ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (alínea b)).

Abrange os casos em que a obrigação comporte uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, com vista à defesa conjunta ou a acautelar o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que lhe assista contra eles.

Em qualquer das suas modalidades, a admissibilidade da intervenção principal provocada depende de não ser contraposta a posição substantiva ou adjetiva do chamado e a da parte que o chama para se posicionar em juízo a seu lado (neste sentido, por todos, o Ac. do STJ de 14.05.2009, CJ, ano XVII, tomo 2, p. 65).

E não está legalmente prevista a possibilidade de intervenção oficiosa do juiz para sanar a ilegitimidade decorrente de litisconsórcio voluntário ou de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo.

Nos autos, tendo em conta a relação material controvertida tal como é delineada pelo autor na petição inicial, afigura-se que são titulares desta relação apenas o autor e a ré M...: o autor invoca a existência de um contrato de trabalho que celebrou com esta sociedade em 1 de abril de 2000, que vigorou até 18 de dezembro de 2018 e pede a sua condenação no pagamento dos créditos laborais que discrimina, decorrentes exclusivamente da execução e da cessação deste contrato de trabalho.

A existência desta relação laboral é admitida pela ré na contestação, pois, não obstante invocar a sua ilegitimidade, não nega a sua qualidade de empregadora no decurso do lapso temporal a que se reporta o pedido do autor.

Assim configurada a relação material controvertida pelo autor, inexiste qualquer norma, legal ou contratual, que imponha a intervenção da N... na ação e esta intervenção também não é necessária para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal, pelo que inexiste qualquer situação de litisconsórcio necessário passivo que se imponha sanar.

Também não ocorre dúvida do autor sobre a identidade do empregador contra quem pretende dirigir o pedido, suscetível de fundamentar uma situação de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo, pois o autor não tem dúvidas de que a ré M... é a sua entidade empregadora, contra quem quer exclusivamente deduzir e fazer prosseguir o pedido.

E esta dúvida não pode considerar-se fundamentada com base na mera alegação da ré de que o autor passou a integrar os quadros da N..., Lda. e que essa sua integração se reporta ao início da sua admissão ao serviço da ré, porque esta alegação e respetiva prova deveria constar do requerimento de intervenção formulado pelo autor e não da contestação da ré.

Isto porque é o requerente do chamamento que deve convencer o tribunal das razões da sua incerteza sobre quem é o titular passivo da relação jurídica material controvertida, ou seja, tem de expor os factos reveladores da sua justificada dúvida que sejam necessários para se ajuizar da legitimidade e do interesse em agir do chamado (neste sentido o Ac. da RC de09.12.2010, CJ ano xxxv, tomo 5, p. 211).

Ou seja, a incerteza sobre quem é o titular passivo da relação jurídica material controvertida invocada deveria verificar-se no autor e estar concretizada e justificada em factos, o que manifestamente não ocorre no requerimento de intervenção em análise.

Acresce que estando o autor interessado em formular um pedido subsidiário contra a chamada N..., competia-lhe a ele articular os factos essenciais constitutivos da causa de pedir e as razões de direito fundamento desta sua pretensão, formular o consequente pedido e apresentar as respetivas provas, sendo certo que sempre seria sobre este requerimento (e não sobre a contestação da ré) que a chamada teria de pronunciar-se na hipótese de ser admitida a sua intervenção (art.º 319.º, nºs 1, 2 e 3 do CPC).

E analisado o requerimento de intervenção formulado pelo autor, verifica-se que no mesmo não é formulado qualquer pedido contra a sociedade chamada, não são articulados quaisquer factos ou razões de direito que fundamentem a dedução de um pedido contra ela e não são apresentadas quaisquer provas.

Não olvidando que sendo o requerimento de intervenção inepto, está vedada a sua correção instrumentalizada por via de despacho de aperfeiçoamento (neste sentido o Ac. da RP de 09.12.2010, CJ ano xxxv, tomo 5, p. 211).

Por último, também não se afigura viável a intervenção da N..., como associada da ré, por serem contrapostos os direitos substantivos de ambas: a N... não reconhece o autor como seu trabalhador porque recusa o seu direito de opção com base na cedência ilícita ocasional de trabalhador e a ré alega que o autor não é seu trabalhador na sequência da comunicação do referido direito de opção.

Por conseguinte, por não se verificarem os respetivos pressupostos legais, indefiro liminarmente a intervenção principal provocada da N..., S.A.. Custas do incidente a cargo do requerente que fixo em 2 UC (art.ºs 527.º, nºs 1 e 2, 1.º e 7.º, nº 4 do RCP).


*

II- Não tendo sido admitida a intervenção principal provocada da N..., S.A. a ação prossegue os seus termos com as partes primitivas.

A sociedade ré não integra o grupo empresarial da denominada N..., pelo que deixou de existir o fundamento que determinou a escusa do juiz do tribunal do trabalho da Figueira da Foz para a tramitação dos autos.

Assim sendo, conclua os autos ao juiz do tribunal do trabalho da Figueira da Foz para subsequente tramitação dos autos.

Coimbra, d.s.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

...

Nestes termos e nos melhores de direito, o despacho proferido deve ser revogado e substituído por outro que admita a requerida intervenção principal provocada da N..., S.A. ( hoje denominada N..., S.A.) com as necessárias e legais consequências, assim fazendo V. Exas.

Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência da apelação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Colhidos os vistos legais, importa decidir

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se deve ser admitido o incidente de intervenção provocada liminarmente indeferido pelo tribunal recorrido.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

Os factos provados são os que resultam do antecedente relatório e, ainda, que:

O autor celebrou com a ré o contrato de trabalho que está corporizado no documento nº 2 junto com a contestação, aqui dado por integralmente reproduzido.

Com data de 14/12/2018, o autor remeteu à ré e à N..., SA, que as receberam, as cartas do seguinte teor:

...

B) De direito

Questão única: saber se deve ser admitido o incidente de intervenção provocada liminarmente indeferido pelo tribunal recorrido.

Como reconhece o próprio apelante (conclusões 23ª a 27ª), o presente incidente de intervenção provocada foi deduzido e só poderia ser admitido ao abrigo do disposto no art. 316º/2/2ª parte do NCPC, onde se admite que o autor de uma ação provoque a intervenção de um terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.

Está em causa, assim, uma situação de litisconsórcio eventual ou subsidiário, com possibilidade de formulação de pedidos subsidiários contra réus diversos dos originariamente demandados, desde que com isso se não convole para uma relação jurídica diversa da inicialmente controvertida e desde que o chamante, no seu requerimento de intervenção, alegue dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.

A causa do chamamento radica, nestes casos, na dúvida fundamentada, que deve ser invocada por quem requer esse chamamento, sobre a titularidade passiva da relação material controvertida.

Ao requerer o chamamento, o autor deve alegar de forma convincente quais as razões de facto e de direito que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que invoca na sua petição inicial e, depois, formular um pedido subsidiário em relação a esse hipotético titular.

Na situação em apreço o autor demandou a ré, considerando-a como sua entidade empregadora entre 1/4/2000 e 17/12/2018 (arts. 2º e 6º da petição inicial), peticionando a condenação da ré a satisfazer-lhe determinados créditos de que se arroga titular e que se terão constituído entre aquelas duas datas.

Convocou como fonte constitutiva dessa relação de trabalho o contrato de trabalho que juntou com a petição inicial como documento nº 3.

Como fonte extintiva dessa relação invocou uma comunicação sua datada de 14/12/2018, que a ré refere ter recebido, dando conta a esta que o autor tinha sido integrado nos quadros de pessoal da indigitada interveniente.

Trata-se inequivocamente da carta dirigida à ré que também integra o documento nº 2 junto com a contestação, na qual o autor comunicou à ré ter exercido o direito de opção concedido pelo art. 292º do CT/09, nos termos já supra reproduzidos.

Na contestação a ré invocou essa mesma carta, conjugada com outra que o autor dirigiu à indigitada interveniente, na qual o autor comunicou à indigitada interveniente que tinha exercido o direito de opção concedido pelo art. 292º do CT, passando a integrar o quadro de pessoal da mesma a partir de 17/12/2018, tudo nos termos já supra reproduzidos.

Com base na conjugação do teor dessas duas cartas, a ré excepcionou a sua ilegitimidade passiva, pois que do teor conjugado das mesmas resultaria, no seu entendimento, que o autor seria trabalhador subordinado da indigitada interveniente, por via do exercício daquele direito de opção, desde 1/4/2000, como de resto o mesmo teria alegado em procedimento cautelar que instaurou contra a indigitada interveniente.

Notificado da contestação, o autor respondeu a essa excepção, mantendo que a ré foi a sua empregadora entre Abril de 2000 e Dezembro de 2018, pois que: i) a opção exercida pelo autor foi-o por reporte ao dia 17/12/2018; ii) a indigitada interveniente recusou a integração do autor nos seus quadros de pessoal; iii) a própria ré interpretou aquelas comunicações do autor como corporizando uma denúncia unilateral do contrato de trabalho e sem aviso prévio, logo como sua empregadora até à data das comunicações, constituindo-se o autor na correspondente obrigação de indemnização, tudo nos termos da sua comunicação que constitui o documento nº 6 junto com a petição, do seguinte teor:

...

A significar que apesar da contestação da ré e da excepção de ilegitimidade passiva nela suscitada, na base da imputação à indigitada interveniente da qualidade de empregadora do autor desde Abril de 2000, o autor manteve-se firme e sem dúvidas na sua convicção de que a ré foi sua empregadora entre Abril de 2000 e Dezembro de 2018, sendo por isso sujeito passivo dos créditos invocados na petição.

Essa firmeza de convicção é reforçada, até, pela circunstância de autonomamente e em face da contestação da ré, o autor não ter suscitado o incidente de intervenção ora em apreço.

Apenas o fez na sequência do despacho de 12/6/2020 (referência ...), em que, na sequência do pedido de escusa de 4/3/2020 e dos fundamentos nele aduzidos, entre os quais se contava a necessidade de provocar a intervenção oficiosa da indigitada interveniente (referência ...), as partes foram convidadas para “… para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 10 dias, suscitando, se assim o entenderem, o incidente de intervenção principal provocada, do lado passivo, que entenderem por conveniente, com a advertência de que, se não o fizerem, os autos prosseguirão os seus trâmites processuais normais contra as partes primitivas.”, tudo sem prejuízo de nesse mesmo despacho de 12/6/2020 se deixar referido ser “… improvável a procedência do incidente de intervenção principal provocada.”.

Assim sendo, ao contrário do que se alega no requerimento de intervenção provocada, o teor da contestação da ré e a excepção de ilegitimidade nela arguida não suscitaram no autor qualquer dúvida razoável e fundada sobre quem ocupou a posição de sua empregadora até Dezembro de 2000 e sobre quem era sujeito passivo dos créditos a que se arroga.

Como assim, do ponto de vista subjetivo e no que ao autor estritamente concerne, não se vislumbra, ao contrário do exigido pelo art. 39º do NCPC, que seja real e fundamentada a dúvida sobre o sujeito passivo da relação controvertida que se convoca no requerimento do incidente de intervenção, em contradição evidente, de resto, com aquela que foi a postura processual do autor nos articulados que apresentou e na parte em que nos mesmos se pronunciou sobre essa temática

Acresce dizer que a dúvida do autor também não é objetivamente fundamentada, como tinha de ser.

Na verdade, o mecanismo jurídico convocado pela ré para sustentar que não foi ela, de Abril de 2000 a Dezembro de 2018, a empregadora do autor, tendo-o sido a indigitada interveniente, e do qual emergiria a dúvida convocada pelo autor como fundamento para a pretendida intervenção[1], consiste na opção feita pelo trabalhador, ao abrigo do art. 291º/1 do CT/09, de passar a integrar o quadro de pessoal da indigitada interveniente a quem, alegadamente, estaria cedido ocasionalmente pela ré, mas de forma legalmente não consentida e, por isso, ilícita.

O regime da cedência ocasional de trabalhadores consta atualmente dos artigos 288.º a 293.º do CT/09, sendo legalmente definida como “Disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial.” (art.º 288.º).

Assim, através desse instrumento o empregador cede a um terceiro a disponibilidade da força de trabalho de um trabalhador do primeiro, apesar do que se mantém o vínculo jurídico-laboral com a entidade cedente.

Ou seja, a despeito de continuar a existir um único contrato de trabalho entre o trabalhador e o cedente, ocorre o fraccionamento dos poderes do empregador, pois que o trabalhador cedido continua a pertencer ao quadro da empresa cedente, mas o poder de direção e de conformação da prestação laboral cabe à empresa cessionária, desenvolvendo-se o trabalho prestado sob a direcção desta e nas condições nela existentes e ficando o trabalhador sujeito ao regime de trabalho aplicável ao cessionário no que respeita ao modo, local, duração de trabalho, suspensão do contrato de trabalho, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais (art. 291º/1 do CT/09).

Este instituto apenas é admitido nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (art. 129º/1/g do CT/09), dependendo a admissibilidade da cedência ocasional de trabalhadores da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos de natureza substancial e formal enunciados nos arts. 289º e 290º do CT/09.

A cedência ocasional de trabalhador fora das condições em que é admissível ou a falta do acordo previsto no art. 290º/1 do CT/09 conferem ao trabalhador cedido o direito de optar pela permanência ao serviço do cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo que o direito de opção deve ser exercido até ao termo da cedência e mediante declaração receptícia (carta registada com aviso de recepção) às entidades cedente e cessionária, sob pena de caducidade.

Ora, esta exigência de declaração receptícia ao cedente e cessionário a exercer o direito de opção determina que a integração do trabalhador nos quadros de pessoal da empresa cessionária só possa produzir efeitos para o futuro e a partir do momento em que aquela declaração chega ao conhecimento dos seus destinatários, com o duplo e simultâneo efeito de extinguir a relação de trabalho com o cedente que até então se manteve incólume e de constituir potestativamente uma nova relação de trabalho com o cessionário.

Como escreve Maria Gomes Regina, “A integração na empresa cessionária é, contudo, feita através de contrato sem termo resolutivo e não repristina a antiguidade correspondente ao período em que eventualmente o trabalhador tenha estado ao serviço da entidade cessionária.”  - CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES ,Anotação aos artigos 322º a 329º do Código do Trabalho de 2003, particularmente anotação II ao art. 329º, consultável em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/18698/2/39961.pdf.

A significar, por referência o caso dos autos, que mesmo a admitir-se um exercício legal e eficaz do direito de opção por parte do autor no sentido da sua integração no quadro de pessoal da indigitada interveniente, essa integração jamais poderia retroagir a momento anterior ao conhecimento pela cedente e cessionária daquele exercício, em especial ao período entre Abril de 2000 e Dezembro de 2018 em que se terão constituído os direitos de crédito a que o autor se arroga.

E isso é tanto mais assim quanto é certo que nas missivas dirigidas à ré e à indigitada interveniente o próprio autor fixou em 17/12/2018 a data a partir da qual deveria produzir efeitos a sua integração no quadro de pessoal da indigitada interveniente em resultado do exercício do seu alegado direito de opção.

No quadro acabado de traçar, não é fundamentada, do ponto de vista objetivo, qualquer dúvida do autor sobre quem era o seu empregador no período de tempo em que se terão constituído os referenciados direitos de crédito: o empregador foi sempre a ré.

A significar, também por esta via, que não se regista o requisito de admissibilidade da pluralidade subjectiva subsidiária exigido pelo art. 39º do NCPC e que se traduz numa real e fundamentada dúvida sobre o sujeito passivo da relação controvertida que se convoca no requerimento do incidente de intervenção, mas que não pode ser reconhecida.

Tanto bastaria para, sem necessidade de outras considerações, considerar inadmissível o incidente de intervenção provocada deduzido pelo autor e que, por isso, foi liminarmente indeferido, sem razões de censura, pelo tribunal recorrido.

Aliás, é sabido que o requerente da intervenção provocada litisconsorcial eventual ou subsidiária de que o autor lançou mão tem convencer das razões de incerteza sobre o titular passivo da relação jurídica material contravertida, ou seja, tem de expor os factos consubstanciadores da justificada dúvida, tudo com vista a possibilitar uma segura apreciação liminar da legitimidade e do interesse em agir de quem chama à intervenção e de quem é chamado a intervir - Salvador da Costa, Os incidentes da Instância, Almedina, 1999, p. 106; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/5/2008, proferido no processo 7651/2007-7, de 23/9/2010, proferido no processo 3024/08.6TVLSB.L1-6, do Tribunal da Relação de Évora de 28/2/2019, proferido no processo 189/18.2T8ORQ.E1.

Assim, pretendendo o autor suscitar uma intervenção provocada litisconsorcial subsidiária da indigitada interveniente, o mesmo deveria alegar, como condição de admissibilidade liminar desse pedido de intervenção, os concretos factos com base nos quais deveria reconhecer-se como razoável e fundamentada a sua dúvida sobre se a indigitada interveniente foi realmente sua empregadora, no lugar da ré, no período em que se constituíram os créditos laborais reclamados na petição.

Em especial, deveria alegar os factos com base nos quais se poderia eventual e subsidiariamente sustentar uma relação de trabalho subordinado em que, ab initio e do ponto de vista substancial, era a indigitada interveniente quem ocupava a posição de empregadora formalmente atribuída à ré, ou com base nos quais se pudesse eventual e subsidiariamente sustentar uma sucessão na posição de empregador por via da qual a indigitada interveniente passou a ocupar a posição de empregadora antes ocupada pela ré e com efeitos retroagidos a Abril de 2000.

Só assim estaria a indigitada interveniente, uma vez admitida a intervenção, em condições de exercer eficazmente o seu direito de resposta relativamente à realidade factual com base na qual se pretende responsabilizá-la subsidiariamente pelas pretensões formuladas em via principal contra a ré.

No requerimento de intervenção provocada sob apreciação, o autor limitou-se a referir que na “… contestação apresentada veio a Ré invocar ser parte ilegítima na acção, por considerar que o Autor passou a integrar os quadros da N..., Lda e que essa sua integração se reporta ao início da sua admissão ao serviço da Ré, uma vez que desde essa data o Autor passou a prestar o seu trabalho nas instalações daquela, alegação que sendo procedente determinará que a responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pelo Autor seja afinal a referida sociedade.

Ora, desconhecendo o Autor quais as provas que a Ré vai produzir no sentido de corroborar esta sua alegação, e desconhecendo se em função das mesmas se deverá concluir que afinal é a aludida sociedade que tem de se considerar sua empregadora e, consequentemente, responsável pelo pagamento das quantias por si peticionadas, não pode, perante a dúvida agora suscitada pela Ré, deixar de subsidiariamente formular o mesmo pedido contra a referida sociedade, justificando-se, assim, face à alegação agora feita pela Ré, que na eventualidade de improcedência do pedido contra si formulado por essa razão, sejam daí retiradas as necessárias consequências jurídicas, e seja o mesmo pedido apreciado contra a sociedade N..., S.A. que a Ré veio afirmar ser a responsável.”.

O assim alegado pelo autor não satisfaz, a nosso ver e por reporte ao caso dos autos, a exigência cujo ónus de satisfação sobre o mesmo impedia de alegação de factos concretos que poderiam levar a sustentar, subsidiariamente, que a indigitada interveniente foi empregadora do autor desde Abril de 2000.

Com efeito, a simples alegação de que desde Abril de 2000 o autor sempre prestou o seu trabalho nas instalações da indigitada interveniente é, por si e sem outros factos caracterizadores dos termos em que essa prestação laboral se desenvolveu, manifestamente insuficiente para poder sustentar-se que alguma vez a indigitada interveniente assumiu, antes de 17/12/2018, a posição de empregadora do autor, por estarem presentes na relação entre ambos, designadamente, os elementos integradores da subordinação jurídica sem a qual não existe relação de trabalho subordinado.

Na verdade, a circunstância assim alegada é compatível com situações em que, manifestamente, a indigitada interveniente não podia ser reconhecida como empregadora do autor. Basta pensar-se, por exemplo, no denominado outsourcing enquanto processo produtivo que consiste, de modo genérico, na transferência para o exterior da empresa de certos segmentos de produção ou de certas actividades anexas à principal, a fim de poderem ser geridas ou produzidas em condições de custos e rentabilidade tanto mais vantajosas quanto permitam uma redução dos encargos fixos ou uma atenuação dos riscos conjunturais, sem que as actividades assim “delegadas” em terceiros devam considerar-se incluídas no sector económico da actividade principal da empresa que as transferiu para o exterior, e sem que a mão-de-obra envolvida na prestação das actividades externalizadas integre o quadro de trabalhadores subordinados da empresa externalizadora.

Como assim, o autor não satisfez, como só a ele competia, a exigência de enunciação concreta dos factos consubstanciadores de uma dúvida objectivamente justificada sobre o titular passivo da relação jurídica material contravertida que convocou na petição inicial, com a consequente inadmissibilidade do incidente de intervenção provocada deduzido pelo autor e que, também por isso, foi liminarmente indeferido, sem razões de censura, pelo tribunal recorrido.

Improcede, assim, a apelação.
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 19/3/2021.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)



***


[1] Sendo de destacar que foi esse o mecanismo jurídico igualmente convocado pelo autor nas suas missivas de 14/12/2020 que remeteu à ré e à indigitada interveniente, as quais estão reproduzidas no corpo desta decisão.