Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3886/18.9T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
SEGURO DE VIDA
EMBARGOS DE EXECUTADO
ABUSO DE DIREITO
INEXIGIBILIDADE DO CRÉDITO
Data do Acordão: 01/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.334 CC
Sumário: 1. - Podendo o executado invocar o abuso do direito por parte do credor mutuante, como matéria de exceção, em embargos de executado, a procedência dessa exceção determina a inexigibilidade do crédito exequendo e a consequente extinção da execução fundada no contrato de mútuo com garantia hipotecária.

2. - Incorre em exercício abusivo do direito, por violação da regra de conduta da boa-fé objetiva, o banco credor/exequente que, sendo parte mutuante num contrato de mútuo com hipoteca, garantido também por seguro de vida de grupo contributivo dos mutuários a seu favor, assumindo-se o banco como tomador e beneficiário, com cobertura do evento morte dos mutuários, uma vez conhecedor da morte de um dos dois mutuários, lhes move execução, por incumprimento do plano prestacional convencionado para reembolso do capital mutuado, sem se dirigir primeiro ao segurador, não estando demonstrado que ocorra qualquer causa de exclusão da garantia do seguro.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução que o “B (…), S. A.”, com os sinais dos autos, intentou contra

I (…) e marido, A (…) também com os sinais dos autos,

veio a Executada I (…) deduzir oposição a tal execução (mediante embargos de executado),

concluindo pela procedência da oposição e consequente extinção da execução.

Alegou, para tanto, em síntese:

- a falta de personalidade e capacidade judiciária do Executado marido, por ter falecido em 13/10/2014 – anteriormente à instauração da execução –, não podendo, por isso, os autos prosseguir contra aquele;

- ter a Executada/Embargante e marido convencionado com o Exequente, no âmbito do documento complementar anexo ao título – contrato de mútuo com hipoteca –, no sentido de se obrigarem a contratar um seguro de vida, enquanto mutuários, sendo beneficiário o banco mutuante, com cobertura de eventos de falecimento ou invalidez absoluta e definitiva das pessoas seguras (os mutuários), pelo valor do empréstimo e a vigorar até à data do pagamento deste;

- tendo ainda ficado convencionado poder o banco credor (aqui Exequente) alterar ou anular os respetivos seguros, pagar por conta dos mutuários os respetivos prémios, debitando-os na conta de depósitos à ordem daqueles, e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro;

- por isso, o falecido subscreveu, em vida, junto da “R (…) S. A.”, um seguro de vida, em que o Exequente figura como tomador do seguro e beneficiário irrevogável e o falecido como pessoa segura, com obrigação de pagamento de prémio, com transferência para tal segurador da responsabilidade de amortização do capital mutuado de € 32.470,00 ao Exequente, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva;

- o ocorrido falecimento foi logo participado ao segurador, o qual solicitou que fossem enviados diversos documentos, o que lhe foi satisfeito, salvo quanto ao relatório do médico assistente por os CHUC se recusarem a emiti-lo, do que tudo foi dado conhecimento também ao Exequente;

- todavia, o segurador nunca indemnizou o passivo bancário dos Executados ao Exequente e este último deduziu a execução que corre no processo principal;

- cabe, assim, ao Exequente reclamar do segurador o pagamento do capital mutuado ainda em dívida, ante a existência de seguro de grupo contributivo, devendo o banco mutuante/credor, como parte no contrato de seguro, solicitar ao segurador o cumprimento das obrigações derivadas desse contrato;

- encontrando-se, pois, a Embargante desvinculada da obrigação exequenda.

Recebidos os embargos, contestou o Exequente/Embargado:

- impugnando diversa factualidade alegada pela contraparte;

- defendendo a improcedência da deduzida exceção de falta de personalidade e capacidade judiciária do Executado marido, por ter já sido julgado procedente o incidente de habilitação dos respetivos herdeiros (a Executada/Embargante e o filho do falecido, de nome A (…)), razão pela qual foi ordenado o prosseguimento da execução;

- esgrimindo que, constituída hipoteca para garantia das obrigações dos mutuários, estes não cumpriram quanto à prestação vencida em 14/08/2014, pelo que, goradas as diligências extrajudiciais, o banco credor resolveu o contrato de mútuo em 30/11/2017, para o que enviou cartas à Embargante;

- não tendo sido regularizado o incumprimento, restava ao credor instaurar ação executiva, como foi feito;

- não foi entregue ao segurador toda a documentação por este solicitada para efeitos de acionamento do seguro e subsequente resgate do prémio para liquidação do montante em dívida, designadamente, certificado de óbito, relatório do médico assistente, relatório da autópsia, cópia do cartão de cidadão da pessoa segura e dos herdeiros e certidão de habilitação de herdeiros, sendo que incumbe aos herdeiros proceder à entrega de tais documentos, nos termos contratados;

- o pagamento pelo segurador está sempre condicionado à não verificação de qualquer das causas de exclusão da responsabilidade, não tendo de ser o Embargado, que desconhece se o segurador pagará a quantia segura, a levar a cabo as diligências necessárias à respetiva liquidação;

- o contrato de seguro não consubstancia um contrato a favor de terceiro, que fosse enquadrável no regime previsto nos art.ºs 443.º e seg. do CCiv., não podendo o banco credor ser prejudicado pela falta de documentação referida, no que não tem responsabilidade, mas encontrando-se impedido de reclamar o pagamento ao segurador, pelo que pugnou pela total improcedência dos embargos.

Dispensada a audiência prévia – as partes declararam prescindir da sua realização –, foi proferido saneador-sentença, com conhecimento de meritis e o seguinte dispositivo (na parte relevante):

«Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Declarar extinta a Acção Executiva de que os presentes autos constituem incidente declarativo processado por apenso por inexigibilidade da dívida exequenda.

2) Ordenar o levantamento/cancelamento/restituição de toda e qualquer penhora efectuada na Acção Executiva de que os presentes autos constituem incidente declarativo processado por apenso.

3) Fixar o valor dos Embargos de Executado em € 34.415,48.» (destaques retirados).

Inconformado, o Exequente/Embargado apelou do assim decidido, apresentando alegação recursiva, onde formula as seguintes

Conclusões ([1]):

(…)

A Recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([2]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, está em causa na presente apelação saber:

a) Se foi deduzida eficaz impugnação da decisão da matéria de facto e, em caso afirmativo, se deve proceder;

b) Em matéria de direito, se ocorre, ou não, inexigibilidade da dívida exequenda, com exercício abusivo do direito do credor, mediante excesso manifesto face aos limites impostos pelo princípio da boa-fé.

III – FUNDAMENTAÇÃO

          A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada – apenas – a seguinte factualidade como provada:

«1. A Exequente/Embargada “B (…) S. A.” intentou, a 15-05-2018, a Acção Executiva n.º 3886/18.9T8CBR de que os presentes autos constituem incidente declarativo processado por apenso, contra os Executados: I (…) e cônjuge, A (…) [Ref.418092115-05-2018Execução].

2. Com o requerimento executivo (RE), a Exequente/Embargada apresentou à execução, como título executivo, um documento do qual resultam os seguintes factos:

As Partes celebraram um contrato, a 14-07-2011, que denominaram de mútuo com hipoteca;

Por esse contrato, a Exequente/Embargada emprestou onerosamente aos mutuários, pelo prazo de 275 meses, a quantia de € 32.470,00;

Em garantia de pagamento, a Executada hipotecou a favor da Exequente/Embargada o seu direito de propriedade sobre dois imóveis;

Mais acordaram os sujeitos [Cláusula Décima Oitava (SEGUROS)] que:

2. Os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida de que a mutuante seja beneficiária, em caso de falecimento ou invalidez absoluta e definitiva das pessoas seguras, pelo valor total do empréstimo e que vigorará até à data do pagamento deste.

3. A mutuante poderá alterar ou anular os referidos seguros, pagar por conta dos mutuários os respectivos prémios..., e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro.

3. A 17-06-2011, com intermediação da Exequente/Embargada, os mutuários celebraram um contrato de seguro de vida (apólice n.º 41/193766) com a sociedade seguradora “R (…), S. A.”, em que os mutuários são as pessoas seguras, o capital seguro inicial é de € 32.470,00, e do qual é beneficiária irrevogável apenas a Exequente/Embargada.

4. O mutuário A (…) faleceu a 13-10-2014.

5. A Exequente/Embargada tem conhecimento do óbito do mutuário A (…)desde, pelo menos, 04-12-2014 (fls.14v.).

6. A 12-11-2018, foi proferida sentença no incidente declarativo de habilitação de herdeiros (Apenso-B) que habilitou a Executada I (…) e A (…)em substituição processual, por sucessão, do falecido Executado A (…) [Ref.7852532830-10-2018Apenso-B].

7. Por despacho [Ref.7987187324-04-2019Apenso-A], foi a Exequente/Embargada interpelada para esclarecer quais as diligências por si efectuadas e o seu resultado quanto ao accionamento do seguro do qual é a única e irrevogável beneficiária.

8. Por requerimento [Ref.523504610-09-2019Apenso-A], veio a Exequente/Embargada responder ao despacho e esclarecer que apenas deu conhecimento do sinistro à seguradora, não tendo legitimidade para accionar o seguro, entendendo que apenas o cabeça-de-casal tem legitimidade para o efeito.».

C) Substância do recurso

1. - Da (não) impugnação da decisão da matéria de facto

Como resulta do que vem de exarar-se, o saneador-sentença em crise contém decisão sobre a matéria de facto considerada relevante, com lista de factos dados como provados.

Perante isso, cabia ao Exequente/Recorrente posicionar-se a respeito, aceitando esse conteúdo decisório ou impugnando-o pela via recursiva, sendo certo que, caso pretendesse tal impugnação, deveria assinalá-lo sem ambiguidades na peça recursiva e observar os ónus legais previstos na normação imperativa do art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv..

Das conclusões XXI e XXIII do Recorrente resulta invocação probatória, aludindo-se, genericamente, à «prova documental que foi junta aos autos», «não valorada pelo Tribunal a quo», e acrescentando-se, nesse âmbito, que «ficou amplamente demonstrado que o Recorrente só não recuperou a quantia mutuada (…) através do acionamento do seguro porque os herdeiros do falecido, incluindo a Executada, não cumpriram os requisitos estabelecidos contratualmente para esse efeito», isto é, não procederam «à entrega de toda a documentação necessária».

Ora, ao assim esgrimir, em sede conclusiva, o Apelante não indica quais os concretos pontos fácticos que considerasse incorretamente julgados [al.ª a) do n.º 1 daquele art.º 640.º], nem os concretos meios de prova que impusessem decisão diversa [al.ª b) do mesmo n.º 1 do art.º 640.º], nem sequer a decisão – sentido decisório diverso – que devesse ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [al.ª c) daquele n.º 1 do art.º 640.º].

E devia obrigatoriamente fazê-lo – se realmente era sua intenção deduzir efetiva impugnação da decisão relativa à matéria de facto –, sob pena de rejeição da impugnação (cfr. aludido n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv.).

Ao invés, sem jamais se referir ao concreto quadro de factos dados como provados na decisão em crise, limitou-se a um enunciado conclusivo quanto à matéria a que se reporta – é claramente vago e conclusivo dizer-se que ficou demonstrado que o Recorrente só não recuperou a quantia mutuada através do acionamento do seguro porque os herdeiros do falecido, incluindo a Executada, não cumpriram os requisitos estabelecidos contratualmente para esse efeito, não tendo procedido à entrega de toda a documentação necessária –, deficiência relevante que não pode suprir-se mediante a convocação do esgrimido no corpo alegatório do recurso, onde não se logrou melhor definição/concretização no âmbito fáctico, sabido que à decisão judicial apenas devem ser levados factos e não conclusões ou valorações (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.).

Assim sendo, caso tenha o Recorrente pretendido impugnar a decisão relativa à matéria de facto, certo é que, inobservado o disposto naquela norma imperativa do art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv., a consequência, legalmente prevista, só pode ser, salvo o devido respeito, a da rejeição desta parte do recurso.

Em suma, a impugnação da decisão de facto – se era intenção do Recorrente deduzi-la – deve ser objeto de liminar rejeição, o que se determina, termos em que se queda inalterado o quadro fáctico da decisão recorrida, ao qual, assumindo foros de definitividade, se deve atender – e só a ele – para decisão de meritis.

2. - Da inexigibilidade da dívida exequenda

Passando agora à substância jurídica do recurso, é líquido que na decisão recorrida foi considerado, no âmbito da suscitada exceção de inexigibilidade da obrigação exequenda – com colocação da (sub)questão do exercício abusivo do direito de crédito no plano executivo –, ser «(…) hoje jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça que actua em abuso de direito a mutuante que demanda os mutuários (ou os seus sucessores em caso de falecimento destes) por falta de pagamento das prestações do mútuo, sem que antes tente obter, sem sucesso, o pagamento por parte da seguradora por accionamento do seguro de que é beneficiária, sabendo que se verificou o sinistro coberto que dá lugar ao pagamento do capital seguro.

O risco desta actuação em abuso de direito e a necessidade de a evitar, sobretudo em contratos celebrados com consumidores, é ainda mais elevado quando tanto a instituição de crédito beneficiária como a empresa seguradora pertencem ao mesmo grupo económico; caso em que é notória a falta de interesse em que seja a seguradora a assumir o pagamento».

E enfatizou-se ainda, passando às vicissitudes do caso concreto, que:

«(…) estamos perante um mútuo que foi garantido por um seguro de vida, celebrado pelos mutuários com a Exequente/Embargada enquanto mediadora/agente da empresa de seguros, e do qual a Exequente/Embargada é a única, exclusiva e irrevogável beneficiária.

A Exequente/Embargada soube do óbito do mutuário A (…) desde, pelo menos, 04-12-2014 (fls.14v.).

Ao saber do óbito limitou-se a dar conhecimento do sinistro à seguradora.

Acresce que – perante o não pagamento das prestações do mútuo – desde logo demandou os mutuários em acção executiva, não fazendo qualquer diligência no sentido de obter o pagamento do capital seguro (quando o próprio contrato de mútuo prevê que a mutuante poderá receber da seguradora, em nome dos mutuários, indemnizações em caso de sinistro), não fazendo qualquer referência à existência de seguro no RE e chegando ao ponto de demandar como Executado o mutuário que sabia perfeitamente ter falecido cerca de 4 anos antes.

A nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, é clara a actuação da Exequente/Embargada em abuso de direito (art.º 334.º CC), excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, o que configura um exercício ilegítimo de um direito.

Com efeito, à luz da boa fé contratual, em nosso entender, impunha-se à mutante – logo que tomou conhecimento do sinistro (óbito do mutuário) que permitia o accionamento do seguro e obter o pagamento da capital segurado, isto é, obter o reembolso antecipado do empréstimo por terceiro (o próprio contrato prevê este reembolso na Cláusula 7.ª/6 e encontra-se previsto no art.º 23.º/9 do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23/06) – que interpelasse a seguradora enquanto beneficiária do seguro com vista a obter o pagamento do capital seguro que permitiria o reembolso antecipado do empréstimo.

Somente após fundamentada, expressa e escrita declaração de recusa da seguradora em assumir o pagamento do capital seguro (cessação anterior do contrato de seguro, não cobertura do sinistro em causa, etc.) é que a mutuante poderia exercer os seus direitos contratuais e legais contra os mutuários, justificando (nomeadamente no RE) que – não obstante ser (ou ter sido) beneficiária do seguro de garantia do crédito – não foi possível obter da seguradora o pagamento do capital garantido que permitiria a extinção do mútuo por reembolso antecipado do empréstimo.

Cumpre realçar que, em regra, para além de a instituição de crédito ser um agente de seguros da seguradora [com deveres de transmissão de comunicações (art.º 31.º regime jurídico do contrato de seguro), de movimentação de fundos relativos ao contrato de seguro (art.ºs 50.º e 51.º regime jurídico da distribuição de seguros e de resseguros, etc.)], existe união entre o contrato de mútuo e o contrato de seguro (art.º 3.º do DL. 222/2009, de 11/09) e mantém-se ao longo de todo o prazo de duração do empréstimo uma permanente e recíproca troca de informação (art.º 7.º DL. 222/2009) que permite o cumprimento da regra da actualização automática e identidade entre o capital seguro e o montante em dívida à instituição de crédito (art.º 7.º/4 DL. 222/2009), pelo que nada justifica que se aceite a execução dos mutuários quando se verifica um dos riscos cobertos pelo contrato de seguro sem que, simultaneamente, se comprove a impossibilidade de obter o pagamento pelo seguro celebrado como garantia do crédito. Insiste-se, a finalidade do seguro é precisamente a de obstar à execução hipotecária (muitas vezes sobre a casa de habitação própria permanente) quando ocorrem circunstâncias extremas, de grave infortúnio (morte ou grande invalidez), susceptíveis, em abstracto, de pôr em causa a solvabilidade de quem é atingido.

Processualmente, esta actuação em abuso de direito da Exequente/Embargada configura uma excepção dilatória inominada que impõe a extinção da Acção Executiva por se considerar inexigível o crédito exequendo.» (itálico aditado).

Contrapõe o Apelante, desde logo, que não chegaram a Executada/Embargante e o filho do Executado falecido a entregar ao segurador «toda a documentação» por este solicitada, pelo que «não foram entregues todos os documentos necessários ao acionamento solicitado» da cobertura do seguro (conclusões XII e XIII), assim deixando inobservados deveres contratuais em sede de relação contratual de seguro (conclusão XIV) ([5]).

Ora, é patente que dos factos dados como provados – os únicos a atender para aplicação do direito – não resulta eco de uma tal solicitação (do segurador à aqui Executada/Embargante e/ou ao aludido filho/herdeiro do falecido mutuário), de quais os concretos documentos solicitados e sua relevância e, bem assim, da recusa injustificada de entrega dessa documentação (tendo em conta o prazo que haja sido concedido para tal).

Assim sendo, à míngua de factos relevantes de suporte, não pode concluir-se, desde logo, pela inobservância de deveres contratuais pelos mutuários/pessoas seguras (parte aqui executada), seja no âmbito da relação contratual de mútuo, seja no de seguro de grupo, quanto à (não) entrega de documentos relevantes para acionamento do seguro e assunção de deveres pelo segurador e, ademais, injustificação dessa conduta omissiva (não entrega de documentos pelos mutuários).

Donde que tenha de improceder, salvo o devido respeito, esta vertente da impugnação de direito.

Depois, argumenta o Recorrente que o pagamento pelo segurador, mediante o acionamento eficaz do contrato de seguro de grupo, por verificação do evento contratualmente previsto – no caso, a morte de um dos mutuários/pessoas seguras –, não é automático, antes dependendo sempre da «não verificação de qualquer das causas de exclusão da responsabilidade» (cfr. conclusão XVI), não competindo ao Recorrente «levar a cabo as diligências necessárias à liquidação das quantias», nem ficar indefinidamente à espera que a «situação de incumprimento fosse resolvida através do acionamento do seguro» (conclusões XVII e seg.).

Ora, salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento, verificado o evento contratualmente previsto em sede de contrato de seguro de grupo, não era aos mutuários/pessoas seguras que cabia demonstrar ainda a «não verificação de qualquer das causas de exclusão da responsabilidade», mas ao segurador, ou ao banco tomador (Exequente), mostrar que, apesar da morte de um dos devedores, enquanto facto consubstanciador daquele evento, ocorria alguma «causa de exclusão da responsabilidade» da entidade seguradora, de molde a paralisar o dever para esta emergente do contrato de seguro de grupo.

O que não logrou ser feito nestes autos, posto não se demonstrar qualquer «causa de exclusão da responsabilidade», sendo ao segurador, como é consabido, que compete analisar sobre a verificação dessa exclusão de responsabilidade, permitindo a demonstração da factualidade de suporte, âmbito em que os factos provados nada esclarecem, visto nada ter sido alegado de forma efetiva nesse particular.

Quanto ao mais, entramos na questão essencial do recurso, ligada, desde logo, à invocada impossibilidade de acionamento do seguro pelo banco mutuante, o qual argumenta que «só não recuperou a quantia mutuada através do acionamento do seguro porque os herdeiros do falecido, incluindo a Executada, não cumpriram os requisitos estabelecidos contratualmente para esse efeito» (conclusão XXI), isto é, não disponibilizaram, de forma injustificada, documentos essenciais à ponderação pelo segurador. O que, como visto já, não pode colher.

E, neste plano, argumenta o Recorrente que, impedido de satisfazer o crédito através do seguro de grupo de vida, optou por acionar a via coerciva, através da execução da garantia hipotecária, no que não excedeu os limites impostos pela boa-fé na relação contratual, inexistindo abuso do direito no exercício do direito creditório do mutuante ([6]).

Que dizer?

Dir-se-á, in limine, que a decisão recorrida dá conta de arestos mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que sufragam orientação oposta à pretensão do Apelante.

Assim, é certo que em Ac. STJ de 07/11/2019 ([7]) foi considerado que:

«I - Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem.

II - O abuso de direito constitui matéria de excepção susceptível de ser alegada como defesa em processo de declaração, por isso igualmente viável no âmbito da oposição à execução não baseada em sentença - artigo 731º do Código de Processo Civil.

III - Concluindo-se pelo abuso de direito, o crédito exequendo surge como inexigível e, por isso, torna a execução inviável, o que implica que se ordene a sua extinção.

IV - Age com abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o exequente que, num contrato de mútuo com hipoteca, garantido ainda com “Seguro de Vida Grupo” dos mutuários a seu favor, com cobertura de invalidez e morte, sendo informado da incapacidade permanente global de 73% atribuída à executada, move execução contra os mutuários, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro à seguradora.» (cfr. sumário do acórdão, com itálico aditado) ([8]).

Também nesta Relação e Secção já foi defendido o mesmo entendimento, considerando-se que:

«I. Quando em documento que suporta um contrato de mútuo – artigo 1142.º do Código Civil –, parcialmente pré-elaborado pela entidade mutuante, o mutuário preenche com um «x» uma quadrícula declarando que estava a aderir ao contrato de seguro de grupo anteriormente celebrado entre a mutuante e uma determinada seguradora, os dois contratos ficam interligados e estabelece-se a partir daí uma relação trilateral entre mutuante, mutuário e seguradora.

II. Mutuante e mutuário emitiram declarações de vontade através das quais moldaram as futuras relações neste sentido: verificada alguma das hipóteses previstas no contrato de seguro, é à seguradora que, em primeiro lugar, será pedido o pagamento do capital em dívida.

III. Quando é instaurada execução contra o mutuário, sem previamente o exequente exigir o pagamento do capital mutuado em dívida à seguradora, que assumiu através de contrato de seguro de grupo, o pagamento desse capital, tal postura configura uma infração aos direitos e deveres contratualmente estabelecidos entre as três partes.

IV. Neste caso, os executados têm o direito contratual de recusar o pagamento até se verificar que a seguradora não solverá a dívida, invocável nos termos do artigo 731.º (Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título) do Código de Processo Civil.» ([9]).

Assim sendo, cabe agora reiterar este entendimento, aliás, de acordo com sólida jurisprudência do STJ, como antes mencionado.

Deve notar-se que estamos em pleno campo contratual com recurso à contratação através de clausulado contratual geral, predisposto pelo banco mutuante (e tomador do seguro, para além de beneficiário do mesmo) e pelo segurador, sendo aderentes os mutuários/pessoas seguras, que, ademais, são meros consumidores e pagadores dos prémios de seguro.

Por via de tal modo de contratação – com recurso a cláusulas contratuais gerais, sendo os mutuários meros aderentes – e qualidade das partes – os predisponentes são, tipicamente, entidades com elevada capacidade negocial, técnica, jurídica e organizativa, enquanto a contraparte é um mero consumidor aderente, tipicamente um leigo perante especialistas –, ocorre um desequilíbrio típico de posições e poderes negociais/contratuais, encontrando-se os mutuários/aderentes/pessoas seguras em clara inferioridade face ao banco mutuante e ao segurador.

Ora, a este desequilíbrio de posições negociais e contratuais responde o legislador com o regime das Cláusulas Contratuais Gerais ([10]) e com a legislação protetiva do consumidor ([11]), muito impregnados pelo princípio da boa-fé, no sentido de compensar tal posição deficitária do consumidor/aderente no confronto com a contraparte, de molde a que o seu interesse contratual não resulte inaceitavelmente sacrificado.

Âmbito em que tem também papel importante a intervenção conformadora dos Tribunais, na interpretação e aplicação da lei aos casos concretos, através das decisões judiciais, onde tem campo de eleição a boa-fé objetiva, como corretor de situações injustas e motor de parificação possível no equilibrar de situações de acentuada assimetria nas relações contratuais, para evitar o desfecho daquele inaceitável sacrifício do interesse da parte considerada tipicamente débil na relação, o dito consumidor aderente ([12]).

Por outro lado, é bem conhecida a preponderante interpenetração atual entre os dois principais setores do mercado de serviços financeiros, o setor bancário e o setor segurador, com a ocorrência de fenómenos como os chamados «bancassurance», «assurbanque» e «assurfinance» ([13]), ou a conjugação de esforços entre os dois setores, designadamente através da «união de contratos», com «dependência funcional entre ambos os contratos» ([14]), como também ocorre in casu, com a consequência da imparidade de posições contratuais das partes, em desfavor, obviamente, da parte débil na contratação.

Num tal horizonte, em que os mutuários se viram na necessidade de aderir a um contrato de seguro de grupo, com feição contributiva, suportando o seu património o pagamento dos respetivos prémios, na convicção – com inerente investimento de confiança, que deve ser protegida – de que, caso lhes acontecesse o infortúnio da morte (de algum deles ou de ambos), o segurador responderia de acordo com o clausulado no contrato de seguro (quanto ao capital mutuado em dívida), forçosa é então a intervenção corretora do princípio da boa-fé, através da figura subsidiária do abuso do direito, de molde a inibir o exercício abusivo, no campo coercivo, do direito de crédito, impedindo a execução, pelo banco credor (tomador e beneficiário do seguro de grupo, previamente estipulado entre si e o segurador), sobre os mutuários/pessoas seguras sem prévio acionar do segurador, como bem vem entendendo a mencionada jurisprudência do STJ e inequivocamente acatado na decisão em crise.

Doutro modo, a admitir-se a execução por tal banco, contra a parte devedora/mutuária, «sem se dirigir primeiro à seguradora» resultaria sacrificado de forma desproporcionada o interesse da parte débil, afinal, quem suportou o pagamento dos prémios de seguro, na convicção, justificada, de que, em caso de ocorrência do evento previsto na cobertura do contrato de seguro (no caso, a morte de uma das pessoas seguras), responderia em primeiro lugar o património do segurador.

Todavia, se vier a verificar-se a impossibilidade de o banco credor ver satisfeito o seu crédito pela via do contrato de seguro (através do património do segurador, que recebeu, para o efeito, os prémios suportados pelos mutuários), por força de alguma demonstrada «causa de exclusão da responsabilidade» da entidade de seguros, então – aí sim – poderá ser demandada, na via executiva, a parte devedora/mutuária, razão pela qual inexiste qualquer «negação do acesso à Justiça pelo Recorrente» (cfr. conclusão XXVII), apenas havendo diversas vias, uma delas prioritária, de satisfação do direito de crédito, salvaguardado com plurais garantias.

Em suma, improcedendo a argumentação do Apelante, deve manter-se a decisão recorrida.

IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Podendo o executado invocar o abuso do direito por parte do credor mutuante, como matéria de exceção, em embargos de executado, a procedência dessa exceção determina a inexigibilidade do crédito exequendo e a consequente extinção da execução fundada no contrato de mútuo com garantia hipotecária.

2. - Incorre em exercício abusivo do direito, por violação da regra de conduta da boa-fé objetiva, o banco credor/exequente que, sendo parte mutuante num contrato de mútuo com hipoteca, garantido também por seguro de vida de grupo contributivo dos mutuários a seu favor, assumindo-se o banco como tomador e beneficiário, com cobertura do evento morte dos mutuários, uma vez conhecedor da morte de um dos dois mutuários, lhes move execução, por incumprimento do plano prestacional convencionado para reembolso do capital mutuado, sem se dirigir primeiro ao segurador, não estando demonstrado que ocorra qualquer causa de exclusão da garantia do seguro.


***

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

C., 12/01/2021

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([2]) Subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e com efeito meramente devolutivo.
([3]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Processo executivo instaurado em 2018 (atento o n.º de registo dos autos) – cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos daquela Lei n.º 41/2013.
([5]) Na mesma senda, sob a conclusão XV, alude-se à falta de entrega, sinalizada pelo segurador ao banco mutuante, de «documentação adicional».
([6]) Em sede de alegação recursiva, cita diversos acórdãos das Relações, para vincar o sentido jurisprudencial que entende que a existência de um contrato de seguro de vida, pelo qual, falecido o segurado, a beneficiária fica liberta de certos encargos como por exemplo, os inerentes à cobrança de um crédito à habitação, não obsta a que a entidade bancária titular de um crédito hipotecário, possa acionar a dívida hipotecária através da execução (assim, inter alia, o invocado Ac. TRP “de 26/11/1998, processo n.º 9831247, disponível para consulta in www.dgsi.pt”).
([7]) Proc. 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2 (Cons. Ilídio Sacarrão Martins), em www.dgsi.pt.
([8]) Citados foram ainda, no mesmo sentido, os seguintes arestos:
- Ac. STJ de 11/12/2018, Proc. 3049/15.5T8STB-B.E1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «I. No contrato de seguro do ramo vida, sendo aderentes os mutuários de financiamento bancário para aquisição de casa própria, a resolução do contrato pela seguradora, por alegado incumprimento do pagamento dos prémios do seguro, deve ser comunicada a ambos os cônjuges. // II. Sendo tal contrato de seguro resolvido apenas quanto a um dos cônjuges, entretanto falecido por doença incapacitante que despoletaria o accionamento do contrato de seguro pelo banco mutuante tomador e beneficiário do seguro, a quem o risco fora comunicado, pode ser invocada pelo cônjuge sobrevivo, como executado, a validade desse contrato, por não ter sido validamente resolvido, mesmo existindo mora quanto ao pagamento do prémio do seguro. // III. Sendo o banco mutuante – ora exequente – o beneficiário e tomador do seguro que garantia o pagamento do capital em dívida pelos mutuários e aderentes do seguro de vida junto da mesma seguradora, não age de boa fé, actuando com abuso do direito, por o seguro de vida ser também garantia dos devedores, se sabendo da verificação do risco que despoletaria o seu direito a exigir o pagamento da dívida da sua seguradora, não exerce prontamente esse direito e executa o cônjuge sobrevivo, alegando falta de pagamento do prémio do seguro de vida»;
- Ac. STJ de 24/11/2016, Proc. 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1 (Cons. Tavares de Paiva), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I - A impugnação que o executado faz no sentido de ser acccionado o seguro de vida, com vista à satisfação do crédito pelo reclamante, por considerar que ao não o fazer incorre numa situação de abuso de direito, (art. 334 do C. Civil) por ter ocorrido o sinistro que o seguro pretendia cobrir, configura um fundamento ao abrigo do nº 4 do art. 789 do CPC e, como tal, é licita a impugnação nessa base. // II -Tendo o banco celebrado com os executados um contrato de mútuo garantido por hipoteca e com um seguro de vida que impôs aos executados como condição do mútuo, seguro esse de que é beneficiário o Banco EE/ AA e tendo sido informado do sinistro coberto pelo referido contrato de seguro, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, quando em vez de acionar directamente a seguradora com vista à satisfação do seu crédito, exige antes dos executados o pagamento do crédito numa execução pela via da reclamação de créditos, o que configura o exercício ilegítimo do direito enquadrável na previsão do art. 334 do C Civil» (itálico aditado);
- Ac. STJ de 26/06/2014, Proc. 3220/07.3TBGDM-A.P1.S1 (Cons. João Bernardo), também em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Age em abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o banco que, num mútuo para habitação, garantido com seguro de vida do mutuário a seu favor, hipoteca, fiança com a cláusula de “principais pagadores” e seguro do imóvel, sendo informado da morte do devedor, move execução ao mesmo mutuário – com habilitação posterior dos herdeiros – e aos fiadores, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro àquela seguradora.».
([9]) Assim o recente Ac. TRC de 05/05/2020, Proc. 2191/16.0T8ACB-B.C1 (Rel. Alberto Ruço), em www.dgsi.pt, subscrito, como adjuntos, pelos aqui Relator e Exm.º 1.º Adjunto.
([10]) A disciplina legal sobre cláusulas contratuais gerais (LCCG) consta do DLei n.º 446/85, de 25-10, alterado pelo DLei n.º 220/95, de 31-08, e pelo DLei n.º 249/99, de 07-07.
([11]) A disciplina legal sobre os direitos dos consumidores (LDC) consta da Lei n.º 24/96, de 31-07.
([12]) Cfr., sobre o tema, do aqui Relator, Contrato de Seguro, Responsabilidade Automóvel e Boa-Fé, Almedina, Coimbra, 2017, ps. 18, 87 e segs. e 95 e segs..
([13]) Cfr., op. cit., ps. 33 e 35.
([14]) Vide aludido Ac. desta Relação e Secção de 05/05/2020.