Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/17.9GCSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 11/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JC GENÉRICA DE SEIA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º; 50.º E 71.º, DO CP
Sumário: I - A prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial a prosseguir com a pena, funcionando como limite à prevenção especial de socialização.

II - Caso conflituem, o conteúdo mínimo de prevenção geral positiva deverá prevalecer, pelo que mesmo que a pena não privativa da liberdade se mostre compatível com a reintegração do agente na sociedade, o tribunal não lhe dará preferência se não realizar de forma adequada e suficiente a finalidade de protecção do bem jurídico violado que caracteriza a apontada necessidade preventiva geral.

III - A medida da pena deverá resultar da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – prevenção geral positiva ou de integração –, conjugada com a necessidade de prevenção especial positiva ou de socialização, destinada a evitar que, no futuro, o agente cometa novos crimes, que reincida, sendo que as apontadas finalidades deverão operar dentro do limite inultrapassável ditado pela culpa.

IV - No processo de determinação da pena concreta há que ponderar as circunstâncias apuradas no caso concreto que relevam para a culpa e para a prevenção e que funcionam, assim, como factores de medida da pena.

V - Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir”.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo de Competência Genérica de Seia – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento em processo especial sumário do arguido A... , com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Por sentença de 2 de Março de 2017, foi o arguido condenado pela prática do imputado crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal na pena de 14 (catorze) meses de prisão efectiva.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª Atento o grau de ilicitude, que é mediano, as condições familiares do arguido e o facto, já referido, de estar a diligenciar pela obtenção de carta de condução, justifica-se que a pena seja fixada em não mais do que 1 ano;

2ª Justifica-se ainda que tal pena seja suspensa na sua execução pois que nada exige o seu cumprimento efectivo.

3ª Ao não decidir assim a doutra sentença recorrida aplicou incorrectamente os comandos dos artºs 70º e 71º, do C. Penal;

4ª Subsidiariamente, e ainda que se justificasse – que não justifica, em nosso entender – a imposição de cumprimento efectivo de 1 ano de prisão, sempre se imporia que tal cumprimento tivesse lugar em regime de permanência na habitação,

5ªNa adequada aplicação do disposto no artº 44º do citado Código.

Termos em que, na correcta aplicação da lei à situação em apreço, fixando-se a pena em 1 ano de prisão e suspendendo-se a mesma ou, subsidiariamente, determinando-se o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, farão, Vossas Excelências,

JUSTIÇA”.

3. Admitido o recurso, veio a Digna Magistrada do Ministério Público responder, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“1.º A pena de catorze meses de prisão aplicada ao arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 2/01, é a única que se mostra adequada e suficiente para a punição do comportamento ilícito do arguido.

2.º Os antecedentes criminais e a circunstância do arguido ter sido já condenado sete vezes pela prática do mesmo crime, onde se incluem três condenações em penas de prisão efectiva, e, ainda assim, permanecer insensível às consequências da sua conduta criminalmente ilícita, tenho vindo inclusivamente a praticar os presentes factos durante o período de liberdade condicional e nem decorridos oito meses dessa concessão não permitem qualquer redução da pena, suspensão da execução ou substituição por regime de permanência na habitação.

3.º As finalidades da punição impõem que o arguido cumpra pena de prisão efectiva pela prática dos factos pelos quais foi condenado, e qualquer outra opção representaria “uma frouxidão do sistema reactivo”.

Em suma, afigura-se-nos que o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se integralmente a douta decisão recorrida”.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, acompanhando a resposta apresentada pela Digna Magistrada do Ministério Público da 1.ª instância. 

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi houve resposta.

6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora decidir.

                                                         *

II – Fundamentação 

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:

- A excessiva medida da pena imposta ao arguido.

- A suspensão da execução da pena de prisão que vier a ser aplicada na presente sede recursória ou, subsidiariamente, o seu cumprimento em regime de permanência na habitação.

                                                        *

2. A sentença recorrida.

2.1. Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1 – No dia 19 de Janeiro de 2017, cerca das 23H00 horas, na Rua do Comércio n.º 53, junto ao Posto da Guarda Nacional Republicana de Paranhos da Beira, Seia, o arguido conduzia o veículo automóvel de marca Opel, modelo Tigra, de matrícula (...) , sem que fosse titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir aquele veículo, tendo vindo a ser interceptado na Avenida Dr. José Sacadura Botte – Arrifana, Seia.

2 – O arguido sabia que não podia conduzir veículos a motor na via pública, como conduziu, sem estar legalmente habilitado para o efeito.

3 – Agiu em todas as circunstâncias descritas voluntária e conscientemente.

4 – Sabia que as descritas condutas o faziam incorrer em responsabilidade criminal.

5 – O arguido foi condenado:

a) Por sentença proferida em 13/02/1986, transitada em julgado, pela prática de um crime de furto qualificado e introdução em casa alheia, p. e p. pelos artigos 297.º, n.º 2, al. d) e h) e 176.º, n.º 2 do Código Penal, na pena única de 32 meses de prisão.

b) Por sentença proferida em 11/12/1993, transitada em julgado, pela prática em 10/12/1993 de um crime de condução sem carta, p. e p. pelo artigo 1 do Decreto-Lei n.º 123/90, de 14/4, com referência ao arguido 46.º, n.º 1 do Código da Estrada, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 300$00, o que perfaz 27.000$00, ou em alternativa 60 dias de prisão.

c) Por acórdão proferido em 06/10/1998, transitado em julgado em 21/10/1998, pela prática em 29/08/1997, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01 e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

- Por sentença proferida em 10/12/1999 foi concedida a liberdade condicional ao arguido até 29/01/2002 e, por sentença proferida em 07/04/2005, foi revogada a liberdade condicional que lhe havia sido concedida.

- Por sentença proferida em 16/12/2008 foi concedida a liberdade condicional ao arguido até ao termo das penas previsto para 19/02/2012, tendo sido libertado em 16/12/2008.

d) Por sentença proferida em 25/05/2001, transitada em julgado, pela prática em 28/04/1999 de um crime de recusa a depor, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1 e 2 do Código Penal.

e) Por sentença proferida em 27/04/2004, transitada em julgado em 12/05/2004, pela prática em 07/04/2004 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/1 e artigos 121.º e seguintes do Código da Estrada, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 3,00€, perfazendo 330,00€ ou, subsidiariamente, 73 dias de prisão.

A referida pena foi extinta pelo cumprimento.

f) Por sentença proferida em 30/06/2009, transitada em julgado em 31/07/2009, pela prática em 14/06/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/1, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º do Código Penal, na pena única de 350 dias de multa, à taxa diária de 6,50€, o que perfaz o total de 2.275,00€.

A referida pena foi convertida em prisão subsidiária (232 dias), por decisão proferida em 20/05/2010, transitada em julgado em 16/06/2010, tendo vindo a ser declarada extinta pelo cumprimento.

g) Por sentença proferida em 19/10/2009, transitada em julgado em 18/11/2009, pela prática em 05/06/2009 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/1, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, o que perfaz 960,00€.

h) Por sentença proferida em 19/11/2010, transitada em julgado em 20/12/2010, pela prática em 11/11/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão.

i) Por sentença proferida em 10/12/2010, transitada em julgado em 17/01/2011, pela prática em 16/10/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 meses de prisão.

j) Em cúmulo jurídico das penas referidas em h) e i), na pena única de 11 meses de prisão.

k) Por sentença proferida em 17/01/2013, transitada em julgado em 03/06/2013, pela prática em 29/12/2012 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 meses de prisão.

- Por decisão proferida em 18/05/2016, transitada em julgado em 20/06/2016, foi concedida a liberdade condicional ao arguido com efeitos a 24/05/2016, encontrando-se o seu termo previsto para 15 de Outubro de 2017.

6 – O arguido é oriundo de uma família de etnia cigana numerosa. O agregado de origem viveu durante bastantes anos em (...) , onde o arguido se manteve até aos 15 anos e onde frequentou a escola até ao 2.º ano do ciclo preparatório.

Ainda em jovem foi viver para (...) , tendo casado segundo a tradição cigana com B..., da qual teve duas filhas – uma com 27 anos e com vida já autonomizada e outra com 17 anos – e da qual se veio a separar.

O arguido dedicou-se durante vários anos à venda ambulante de artigos têxteis, sendo que o agregado familiar do arguido foi sendo apoiado pelas entidades locais (Segurança Social, Serviços de Habitação Social da Câmara Municipal e Serviço Social do Centro Comunitário de (...) ).

Sensivelmente desde os 29 anos, o arguido vem apresentando um percurso de vida marcado por vários e recorrentes períodos de detenção, tendo sido acompanhado, por diversas vezes, pela DGRSP, existindo sinais de vários incumprimentos.

O arguido veio a completar no Estabelecimento Prisional o 9.º ano. Após período de reclusão, frequentou um curso de formação profissional em hotelaria, através da Associação Cigana do (...) . Na sua última reclusão frequentou um “Projecto de Formação Rodoviária” e um curso técnico de jardinagem que lhe conferiu equivalência ao 12.º ano de escolaridade.

Durante os períodos de acompanhamento pela DGRSP (Equipa do (...) ) o arguido tem apresentado um padrão de comportamento marcado por adesão inicial ao cumprimento de injunções impostas, evidenciando, contudo, fraca capacidade para efectuar uma adequada consciencialização do desvalor dos seus actos, nomeadamente no que respeita ao crime de condução sem habilitação legal.

Após o último período de reclusão, saiu em liberdade condicional em 24 de Maio de 2016, tendo ido residir com a sua filha mais velha e a família desta. Em liberdade condicional iniciou trabalho, no ramo da jardinagem, junto de uma pessoa amiga, situação que não se manteve por desentendimento entre ambos.

Em Novembro de 2016 passou a habitar um apartamento arrendado, pagando de renda 250,00€/mês, beneficiando de rendimento social de inserção (180€/mês).

Desde Janeiro de 2017 passou a residir com a sua actual companheira, a qual tem duas filhas de anterior relação, com 7 e 4 anos de idade, beneficiando a mesma de rendimento social de inserção no valor de 350,00€, acrescido de 120,00€ de abonos de família das filhas.

O arguido efectua pequenos trabalhos de jardinagem para particulares, com maior incidência no período do Verão.

7 – O arguido encontra-se inscrito em escola de condução desde 16/09/2016, a fim de obter a carta de condução de veículos automóveis ligeiros, tendo efectuado com assiduidade a formação mínima exigida para requerer o exame teórico, o qual foi marcado para o dia 01/03/2017”.

2.2. Em relação aos factos não provados, consignou-se na sentença recorrida que “Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos supra descritos, designadamente que:

a) O arguido conduziu nas circunstâncias referidas em 1) para prestar auxílio à filha da sua companheira de quatro anos, que se encontrava com febre”.

2.3. No que respeita à escolha da pena aplicada ao recorrente pela prática do imputado crime de condução sem habilitação legal, determinação da medida concreta e ponderação da sua substituição, a sentença recorrida apresenta a seguinte fundamentação:

Escolha da Pena

Quanto à natureza da sanção a aplicar ao arguido, importa referir que o crime em apreço é punível com pena de prisão de um mês a dois anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias (cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal).

A este propósito estabelece o artigo 70.º do Código Penal que, quando o crime seja punido, em alternativa com pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve optar pela não privativa quando for de concluir que esta assegura de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

As finalidades da punição estão previstas no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal e são exclusivamente preventivas, de prevenção geral positiva (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial positiva (reintegração do agente na sociedade).

No caso em apreço, são acentuadas as exigências de prevenção geral positiva, considerando os elevados níveis de sinistralidade rodoviária do nosso País.

Também as exigências de prevenção especial, sob a forma de ressocialização do arguido, são muito elevadas, uma vez que, aquando da prática dos presentes factos, o arguido já havia sofrido sete condenações pela prática do mesmo crime, para além de outras condenações sofridas por crimes de diversa natureza, não tendo as anteriores condenações em penas de multa, de prisão substituída e de prisão efectiva lhe servido de suficiente advertência e o desmotivado de conduzir.

O arguido, de resto, cometeu os presentes factos no período de liberdade condicional.

Assim, tem-se por manifesto que uma pena de multa há muito deixou de traduzir uma forma adequada e suficiente para a punição do comportamento delitivo que temos em presença.

Daí que deva ser aplicada ao arguido uma pena de prisão.

Determinação da Medida Concreta da Pena

O ilícito em cuja prática incorreu o arguido é punido com pena de prisão de 1 mês a 2 anos (cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e artigo 41.º, n.º 1 do Código Penal).

De acordo com o artigo 71.º n.º 1 do Código Penal “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. A função desempenhada por cada um destes critérios é definida de acordo com a chamada “teoria da moldura de prevenção”.

Deste modo, a prevenção geral fornece a moldura que oscila entre o ponto óptimo de defesa dos bens jurídicos e o ponto abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina de Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora 2007-2008, p. 25).

Por sua vez, a culpa fornece, nos termos do artigo 40.º n.º 2, o limite máximo da pena. Dentro dessa moldura e, com o limite da culpa, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta.

Em face do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, teremos que atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do agente ou contra ele.

No caso em apreço, afigura-se-nos ser o grau de ilicitude mediano, depondo contra o arguido, logo ao nível do tipo-de-ilícito, o dolo directo com que agiu e os seus antecedentes criminais, bem como as elevadas exigências de prevenção geral positiva presentes.

De relevar, em favor do arguido, a sua inserção familiar e o facto de se encontrar a diligenciar pela obtenção da carta de condução.

Considerando tudo o exposto, entende-se adequado aplicar ao arguido uma pena de 14 (catorze) meses de prisão.

Da substituição da pena de prisão:

Uma vez determinada a pena concreta a aplicar ao arguido, impõe-se ai Tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou pena detentiva prevista na lei.

Atenta a pena de prisão aplicada ao arguido, encontram-se verificados os pressupostos formais das penas de substituição previstas nos artigos 50.º e 58.º do Código Penal.

O nº 1 do artigo 58º do Código Penal estabelece que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, acrescentando o nº 2 deste normativo que “a prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público, ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade”.

Por seu turno, de acordo com o prescrito no artigo 50º do Código Penal, haverá lugar à suspensão da execução da pena de prisão quando se puder concluir que a simples censura do facto e a ameaça de pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades punitivas, sejam elas de prevenção geral ou prevenção especial.

Desde já se adianta que, no caso que nos ocupa, as elevadas exigências de prevenção especial e geral presentes, supra enunciadas, obstam à suspensão da execução da pena de prisão ou à sua substituição por trabalho a favor da comunidade.

É que do percurso criminal do arguido é manifesto que as penas aplicadas não constituíram suficiente prevenção contra o crime, não logrando produzir o efeito pretendido, pois o arguido não alterou o seu comportamento, pelo contrário, tem persistido no cometimento do crime de condução sem habilitação legal, não obstante as penas, designadamente, em prisão efectiva, que lhe têm vindo a ser aplicadas. O arguido revela, assim, uma tendência para a reiteração de condutas contrárias à segurança da circulação rodoviária, bem como uma manifesta dificuldade em se conformar com as regras que enformam a referida circulação.

Efectivamente, o juízo de prognose é-lhe altamente desfavorável em face da forte probabilidade de voltar a delinquir, sendo que se desconhece se o arguido irá concretizar a sua intensão de obter a carta de condução.

As elevadas exigências preventivas levam-nos, em suma, a concluir que não serviria de suficiente advertência ao arguido a suspensão da execução da pena de prisão ou a substituição da prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, para além de que tais penas não deixariam ainda de afectar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada. Com efeito, tais formas de reacção penal não se mostram adequadas à forma como o arguido tem reiterado na sua conduta delituosa, já que o seu comportamento recidivo revela uma falta de preparação da sua personalidade para se abster da prática de tais ilícitos.

Por sua vez, no que concerne às penas de substituição detentivas: regime de permanência na habitação (artigo 44.º do Código Penal), prisão por dias livres (artigo 45.º do Código Penal) e regime de semidetenção (artigo 46.º do Código Penal), não estão, desde logo, verificados os pressupostos formais da sua aplicação, face à pena concretamente aplicada (superior a um ano de prisão), sendo certo que também se entende que as exigências de prevenção especial que no presente caso se fazem sentir não se compadecem com a sua aplicação.

De facto, o arguido tem averbadas sete condenações anteriores pela prática do mesmo crime, sendo que nem as três últimas condenações em penas de prisão efectiva o afastaram da prática de tal ilícito, permanecendo insensível às consequências da sua conduta criminalmente ilícita, tendo vindo inclusivamente a praticar os presentes factos durante o período de liberdade condicional e nem decorridos oito meses dessa concessão.

Pelo exposto, entendendo-se que a execução da pena de prisão efectiva é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novas infracções, não será a mesma substituída”.

                                                               *

3. Apreciando.

3.1. Resulta das conclusões formuladas no recurso, conjugadas com o teor do corpo da motivação, que o recorrente considera excessiva a pena de catorze meses de prisão em que foi condenado pelo tribunal a quo, sustentado que a medida adequada corresponde a um ano de prisão, que deve ficar suspensa na respectiva execução ou então, subsidiariamente, deverá ser cumprida em regime de permanência na habitação.

Vejamos, pois.

O crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal é punível com pena de prisão de um mês a dois anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias (artigo 3.º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal, respeitando estes dois últimos preceitos aos limites mínimos da prisão e da multa).

Segundo o critério geral que rege a operação de escolha da pena, o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade aplicável ao caso, quer a título subsidiário, quer como pena de substituição, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

São as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração e especial de socialização que justificam e impõem a opção pela pena não privativa de liberdade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal). A culpa, enquanto limite da pena (artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta, como prevê o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, não estando, pois, subjacente à escolha da pena qualquer finalidade de “compensação da culpa”.[3]

Importa aqui sublinhar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial a prosseguir com a pena, funcionando como limite à prevenção especial de socialização. Caso conflituem, o conteúdo mínimo de prevenção geral positiva deverá prevalecer, pelo que mesmo que a pena não privativa da liberdade se mostre compatível com a reintegração do agente na sociedade, o tribunal não lhe dará preferência se não realizar de forma adequada e suficiente a finalidade de protecção do bem jurídico violado que caracteriza a apontada necessidade preventiva geral.[4]

Ora, analisada a decisão recorrida à luz dos critérios acima indicados, verifica-se que o tribunal a quo optou justificadamente pela prisão, observando as exigências de fundamentação consubstanciadas na formulação expressa das razões específicas que o levaram a afastar a preferência por pena não privativa de liberdade, por a mesma não realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na verdade, o historial de condenações anteriores à prática dos factos objecto dos presentes autos, pelos crimes de condução sem habilitação legal [sete condenações, no âmbito das quais foram aplicadas penas de multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, prisão suspensa na execução e prisão efectiva] por condução perigosa de veículo rodoviário e ameaça agravada [uma condenação em multa por cada um dos ilícitos indicados], furto qualificado, introdução em casa alheia e recusa a depor [uma condenação em pena de prisão por cada um dos referidos crimes] revelam uma postura avessa aos valores ético-jurídicos tutelados pelo direito penal, com menosprezo pelos bens jurídicos preservados pelos ilícitos em questão, dos quais se destacam os apontados crimes rodoviários. Realidade que se adensa ainda mais se atentarmos à circunstância de o arguido ter praticado os factos dos autos no período de liberdade condicional que lhe havia sido aplicada.

Por sua vez, as exigências de prevenção geral na vertente positiva de tutela dos bens jurídicos, suscitada pela dimensão que a sinistralidade rodoviária assume no nosso país, são também obstativas da opção pela pena de multa.

A pena escolhida para o crime julgado nos autos mostra-se, pois, ajustada, face à insuficiência da multa para satisfazer os fins preventivos de ordem geral e especial.

                                                          *

No que respeita à medida concreta (catorze meses de prisão), o tribunal a quo invocou os seguintes fundamentos para justificar a determinação realizada:

- O grau de ilicitude mediano;

- O dolo directo com que o arguido agiu;

- Os antecedentes criminais;

- As elevadas exigências de prevenção especial;

- A inserção familiar (militando a favor do arguido) e

- A circunstância de se encontrar a diligenciar pela obtenção da carta de condução (militando a favor do arguido).

Como é sabido, a prevenção e a culpa constituem os critérios a que deve obedecer a determinação da medida concreta da pena (artigos 40.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal), tendo presente que a prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e que a culpa, dirigida ao agente do crime, funciona como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências de ordem preventiva[5].

A medida da pena deverá, pois, resultar da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – prevenção geral positiva ou de integração –, conjugada com a necessidade de prevenção especial positiva ou de socialização, destinada a evitar que, no futuro, o agente cometa novos crimes, que reincida, sendo que as apontadas finalidades deverão operar dentro do limite inultrapassável ditado pela culpa.

Recordando-se ainda o que atrás foi dito que a prevenção geral destinada à tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da nova violada constitui a finalidade primordial a prosseguir e funciona como limite à prevenção especial positiva ou de socialização.

No processo de determinação da pena concreta há, pois, que ponderar as circunstâncias apuradas no caso concreto que relevam para a culpa e para a prevenção e que funcionam, assim, como factores de medida da pena.

Nessa determinação a efectuar dentro dos limites da moldura abstracta estabelecida para o crime praticado, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o respectivo modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando se destina a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, tudo conforme previsto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.

Revertendo ao caso dos autos, pese embora se deva considerar que a ilicitude do facto praticado se situou num grau médio e que o arguido revela integração familiar, para além de resultar provado que se inscreveu em escola de condução, tendo exame teórico agendado, certo é que agiu com dolo directo e apresenta um significativo passado criminal, com particular incidência em relação ao crime de condução sem habilitação legal, a que acresce que os factos em causa foram praticados durante o período de liberdade condicional, que se encontra em curso desde 24-05-2016 e com terminus previsto para 15-10-2017, aplicada precisamente no âmbito do cumprimento de pena que envolve também o mesmo ilícito rodoviário.

As exigências de prevenção especial são, pois, muito elevadas, face às condenações anteriores por crimes de idêntica natureza, o que denota indiferença pelo sistema judicial e as respostas penais que lhe foram aplicadas, revelando-se as mesmas ineficazes na finalidade dissuasora da prática de novos ilícitos. Acresce que com o cometimento do crime durante o período de liberdade condicional a que estava sujeito, o arguido revela uma postura contrária os objectivos preventivos associados a tal instituto, pondo em causa a confiança nele depositada no sentido de não cometer mais ilícitos. Ademais, embora permita perspectivar um sinal positivo, a circunstância de o arguido se encontrar inscrito em escola de condução desde 16-09-2016, estando agendada a realização de exame teórico, não assume a relevância atenuativa reclamada no recurso: na verdade, trata-se de uma inscrição com exame agendado, logo, ainda não se traduziu na obtenção da exigida habilitação legal para conduzir veículos a motor, sendo certo que, não obstante ter frequentado a formação que lhe permitia efectuar aquele exame teórico (o chamado “exame do código”), da qual normalmente decorre para os formandos conhecimento e sensibilização relativamente às exigências legais que o acto de condução supõe, a que acresce a frequência, durante a última reclusão, de um projecto de formação rodoviária, o arguido realizou a condução objecto dos presentes autos, revelando com isso e mais uma vez total indiferença em relação ao comando legal violado e reduzida susceptibilidade de ser influenciado pelas penas em que já foi condenado, realçando-se que nem o cumprimento de prisão o levou a interiorizar o desvalor da sua conduta e a não praticar outros crimes, nem a liberdade condicional a que se encontrava sujeito o demoveu de voltar a delinquir. Aspecto da personalidade que se mostra, aliás, bem espelhado no facto dado como provado de que durante os períodos de acompanhamento pela DGRSP o arguido tem apresentado um padrão de comportamento marcado por adesão inicial ao cumprimento de injunções impostas, evidenciando, contudo, fraca capacidade para efectuar uma adequada consciencialização do desvalor dos seus actos, nomeadamente no que respeita ao crime de condução sem habilitação legal (cf. facto provado n.º 6).

Por outro lado, as necessidades de prevenção geral são elevadas, face à frequência com que este tipo de crime é praticado[6] e o alarme que provoca na comunidade, num quadro caracterizado pelos elevados índices de sinistralidade nas nossas estradas e em que é posto em causa o princípio geral de confiança na segurança da circulação rodoviária, bem jurídico protegido pelo ilícito em questão e que indirectamente também tutela os bens preservados pela referida segurança rodoviária, como a vida, a integridade física e o património. Há, pois, que sublinhar as reforçadas expectativas da comunidade no sentido de ver reposta a confiança na validade da norma violada com o sancionamento do arguido.

Em suma, a dosimetria concreta de catorze meses de prisão satisfaz a exigências de prevenção geral e especial concretamente manifestadas, constituindo uma medida que é plenamente suportada pela culpa do arguido e respeitando, assim, os parâmetros legais a observar e sem que se detecte qualquer violação das regras da experiência ou desproporção que demandem correcção da quantificação na presente sede recursória.

                                                        *

3.3. Sustenta o recorrente que a pena de prisão que lhe foi aplicada deve ser substituída pela suspensão da respectiva execução, ao contrário do que foi determinado pelo tribunal a quo, que optou pela não substituição da referida pena, fundamentando do modo atrás transcrito em 2.3.

Vejamos, então.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.

Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respectivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal).

O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.

Levando-se aqui em linha de conta que a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da execução da pena reside no “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novo crimes”, sendo, pois, decisivo “o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização traduzida na «prevenção da reincidência»”.[7]

Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir. O tribunal deverá correr um risco prudente – esperança não é seguramente certeza –, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa”.[8]

Diga-se ainda que para o decretamento da suspensão da execução da pena não basta apenas a formulação de um juízo de prognose favorável assente, em exclusivo, em considerações de prevenção especial de socialização. Assim, ainda que razões de socialização imponham ou aconselhem tal pena de substituição, a mesma não será aplicada se a ela se opuserem necessidades de prevenção geral, “sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”.[9]

Se é certo que à sociedade é possível tolerar uma certa “perda” de efeito preventivo geral, conformando-se com a aplicação de uma pena de substituição, não é menos verdade que nenhum ordenamento jurídico se pode colocar a si mesmo em causa, ignorando as exigências impostas para a sua defesa, sob pena de deixar de existir na normatividade que o caracteriza. Assim, em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências de prevenção geral, naquele conteúdo mínimo de defesa do ordenamento jurídico, funcionarão como limite ao que a prevenção especial poderia aconselhar. [10]

In casu, os antecedentes criminais do recorrente, em que sobressaem, só no âmbito rodoviário, sete condenações pela prática de crime de condução sem habilitação legal e uma por condução perigosa de veículo rodovário, para além de outras por crimes de diversa natureza (mormente por ameaça agravada, furto qualificado e tráfico de estupefacientes), revelam uma personalidade claramente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à ameaça das respectivas sanções.

As sucessivas penas impostas ao arguido (multa, prestação de trabalho a favor da comunidade e prisão) não lograram concretizar o fim visado com a sua aplicação, revelando aquele com o seu comportamento posterior uma personalidade indiferente ao direito e com total desaproveitamento de tais penas criminais.

Note-se que, como atrás foi referido, o arguido praticou o crime de condução sem habilitação legal julgado nos presentes autos em pleno período de liberdade condicional, aplicada em processo que envolve também o mesmo ilícito rodoviário, o que é bem revelador da atrás referida indiferença em relação aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à possibilidade de aplicação das respectivas sanções, sendo, pois, manifesto que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Temos, assim, que no caso vertente se mostra justificada a não opção pela suspensão da respectiva execução, porquanto as exigências de prevenção especial não permitem efectuar um juízo de prognose favorável à socialização em liberdade.

Por outro lado, apresentando-se a prevenção geral positiva ou de integração como finalidade primordial a prosseguir com as penas, e tendo particularmente em conta a frequência com que é cometido o crime de condução sem habilitação legal e as repercussões que essa condução pode ter nos elevados índices de sinistralidade rodoviária, nos termos atrás referidos (como se refere na sentença recorrida, a razão da incriminação reside precisamente na “acrescida perigosidade que advém da conduta de conduzir um veículo a motor sem a necessária formação técnica, teórica e prática”), é de notar que no caso as exigências de prevenção geral revestem acentuada relevância, afigurando-se-nos que a comunidade não consideraria reposta a confiança na validade da norma violada com o sancionamento do arguido através da pretendida pena de substituição.

Razões de prevenção geral e de prevenção especial impedem, pois, a substituição da pena de prisão imposta pela suspensão da respectiva execução, mostrando-se esta incapaz de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

                                                       *

3.4. Como também não satisfaz tais finalidades a prestação de trabalho a favor da comunidade, que se trata igualmente de pena de substituição em sentido próprio pela qual se deve optar quando se verifiquem os seguintes pressupostos:

- A aplicação ao agente de pena de prisão não superior a dois anos;

- O consentimento do condenado; e

- A sua adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição (artigo 58.º do Código Penal).

O primeiro pressuposto indicado mostra-se preenchido, face à pena de catorze meses de prisão que foi fixada nos autos.

Em relação ao segundo pressuposto, o recorrente não prestou qualquer consentimento, sendo certo que nem refere tal pena de substituição no recurso que interpôs.

Ainda assim, sempre se dirá que ao nível do pressuposto material atinente à adequação e suficiência para a realização das finalidades da punição, as razões que acima enunciámos a propósito da suspensão da execução da pena de prisão se aplicam igualmente à prestação de trabalho a favor da comunidade, afastando deste modo a possibilidade de opção por tal solução substitutiva.

Com efeito, para além do que acima ficou dito (cf. 3.3.), importa ainda assinalar que ao recorrente também já havia sido aplicada uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, precisamente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal [cf. facto n.º 5, alínea g)], sendo que as condutas posteriores reveladas nos processos elencados no ponto 5, alíneas h), i), k) e nos presentes autos evidenciam a incapacidade daquele em entender e assumir a verdadeira oportunidade de ressocialização proporcionada pela referida pena de substituição.

Face ao exposto, mostra-se inelutavelmente arredada a possibilidade de formulação de uma prognose favorável no sentido de que a censura do facto e ameaça da prisão bastarão para afastar o recorrente da prática de novos crimes, no quadro da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo certo que a frequente prática da condução sem o necessário título legal, os elevados índices de sinistralidade estradal e a personalidade do arguido, que não revela sinais de interiorização do desvalor da conduta, antes evidenciando indiferença pelo juízo de censura que necessariamente terá de ser exercido sobre o mesmo, a comunidade não consideraria satisfeitas as suas expectativas em ver reposta a confiança na validade das normas violadas se aquele fosse sancionado com a aludida pena de substituição.

Em suma, razões de prevenção geral atinentes à defesa do ordenamento jurídico e razões de prevenção especial impedem também a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, pois que esta se revela incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Sendo, pois, a pena de prisão a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção geral e especial que o presente caso impõe.

                                                        *

3.5. No âmbito das penas de substituição detentivas previstas na lei, o regime de permanência na habitação definido no artigo 44.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na versão ainda vigente[11], estabelece como pressupostos formais de aplicação que a pena de prisão seja em medida não superior a um ano e que o condenando preste consentimento.

Ora, atendendo à medida concreta aplicada nos autos (14 meses de prisão), forçoso se torna concluir que a referida solução substitutiva, com os contornos que ainda vigoram na presente data, não é aplicável ao caso.

Ainda assim, sempre se dirá que mesmo que os pressupostos formais se mostrassem preenchidos o pressuposto de ordem material consubstanciado na adequação e suficiência do referido regime às finalidades da punição, sendo, portanto, a sua escolha determinada exclusivamente por razões de prevenção, não permitiria que a substituição operasse no caso sub judice.

Isto porque as prementes razões de prevenção especial já atrás assinaladas não permitem concluir que execução da pena única de prisão fixada nos presentes autos em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, em particular as de ressocialização.

Na verdade, para além das penas de prisão que já cumpriu, no decurso da liberdade condicional a que se encontrava sujeito o recorrente praticou os factos dos autos e isso é claramente revelador de que não se deixa intimidar pela possibilidade de vir a cumprir uma pena de prisão efectiva, o que, em nome das exigências de prevenção que cumpre observar, inviabiliza um juízo favorável à substituição da execução da pena em meio institucional pelo indicado regime de permanência na habitação.

Para além de que, em sede de prevenção geral, não só ressaltam as exigências que se fazem sentir em matéria de criminalidade rodoviária, já atrás explanadas, como também o passado criminal com condenações em pena de prisão efectiva e a circunstância de o recorrente se mostrar indiferente à situação de liberdade condicional em que se encontrava, cometendo novos factos, o que nos leva a concluir que a comunidade não consideraria reposta a confiança na validade da norma violada na presente situação, caso a pena de prisão aqui aplicada viesse a ser cumprida num regime que não o da efectividade em meio institucional. As finalidades de protecção do bem jurídico violado são, pois, aqui também determinantes para considerar que no caso concreto o regime de permanência na habitação se revelaria insuficiente, o que impediria o preenchimento do pressuposto de ordem material de que depende a sua aplicação.

                                                          *

Em suma, face ao acima exposto conclui-se que não merece censura a decisão da 1.ª instância, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso.

                                                          *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Coimbra, 15 de Novembro de 2017 

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

(Helena Bolieiro - relatora)

(Brízida Martins - adjunto)

                                                       

                                                                                                            


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
  
  
[3] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora (reimp.), 2005, §§ 497 e 498, págs.331 e 332, e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág.80.
[4] Cf. Maria João Antunes, op. cit., pág.81.
[5] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág.109.
[6] Os dados estatísticos constantes dos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI) confirmam a representatividade que o crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal mantém no cômputo global de ilícitos praticados no nosso país (cf. os RASI disponíveis na Internet, entre outros sítios, em <http://www.parlamento.pt/Fiscalizacao/Paginas/RelatoriosSegurancaInterna.aspx>).
[7] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 519, pág.343.
[8] Cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Noções de Direito Penal, 5.ª ed., Rei dos Livros, 2016, pág.210.
[9] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, op. cit., §520, pág.344.
[10] Cf. Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena”, anotação ao Acórdão do STJ de 21 de Março de 1990 (3.ª Secção – Processo n.º 40 639), in RPCC, ano I, n.º 2, Abril - Junho de 1991, págs. 256 e 257.
[11] De referir que a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, vem introduzir alterações no regime de permanência na habitação estabelecido no Código Penal, que à data em que se profere o presente acórdão ainda não se encontra em vigor.