Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3140/21.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
DIREITO DE DEFESA
DIREITO DE AUDIÊNCIA
PRINCÍPIO GERAL DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Data do Acordão: 02/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, N.º 10 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGO 50.º DO RGCO, CONSTANTE DO DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO
ARTIGO 121.º, N.º 1 E 2, E 122.º, N.º 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário: I – A norma do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa – introduzida pela revisão constitucional de 1989 quanto aos processos de contra-ordenação e alargada pela revisão de 1997 a quaisquer processos sancionatórios – implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia.

II – O processo de contra-ordenação está sujeito ao reconhecimento de um conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, mas tal não o equipara ao processo penal não conduzindo, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição de todas e quaisquer regras expressamente previstas para este.

III – Os direitos de defesa e de audiência, concretizados para o processo contra-ordenacional no artigo 50.º do RGCO, determinam que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

IV – O processo contra-ordenacional não exige que seja assegurado o princípio geral de audiência prévia aplicável aos procedimentos administrativos, de acordo com o regime ditado pelo respectivo código.

V – Quando, no cumprimento do artigo 50.º do RGCO, a autoridade administrativa introduz no final da notificação o projecto de decisão, a vigorar em caso de inexistência de impugnação, realiza algo que tem paralelo nas citadas normas que regulam o procedimento administrativo, dando a conhecer à arguida o sentido provável da decisão final, que acresce a tudo o mais que indicou na notificação.

VI – Não se trata da afirmação de uma presunção de culpabilidade da arguida, nem da cominação de um efeito não permitido para o silêncio da visada, mas apenas que, face aos elementos recolhidos, considera que cometeu a infracção imputada.

VII – A decisão administrativa comporta um modo sumário de fundamentar, sendo suficiente desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. Por decisão do Senhor Comandante Distrital da Polícia da Segurança Pública de ..., proferida no processo de contra-ordenação n.º ..., no uso das competências subdelegadas pelo Senhor Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, foi aplicada à arguida P..., S.A., uma coima no valor de 500,00 € (quinhentos euros), pela prática de uma infracção ao disposto no artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, conjugado com o artigo 7.º, n.os 1 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros 88-A/2020, de 14 de Outubro.

Por decisão da mesma entidade, proferida no processo de contra-ordenação n.º ..., foi também aplicada à arguida P..., S.A., uma coima no valor de 500,00 € (quinhentos euros), pela prática de uma infracção ao disposto no artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, conjugado com o artigo 7.º, n.os 1 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros 88-A/2020, de 14 de Outubro.

Inconformada, a arguida P..., S.A., veio impugnar judicialmente as referidas decisões administrativas.

Os recursos de contra-ordenação foram recebidos, de harmonia com o disposto nos artigos 59.º e 63.º, n.º 1, a contrario, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro   [doravante RGCO].

Foi determinado que aos presentes autos fosse apensando o recurso de contra-ordenação n.º ...1..., relativo ao processo n.º ..., com o fundamento em razões de conexão processual (a mesma recorrente, factos idênticos e ambos os autos na mesma fase processual).

As partes não se opuseram à decisão da causa por despacho judicial, sem audiência de julgamento.

O Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., proferiu, então, decisão na qual julgou improcedentes as impugnações judiciais e consequentemente:

- Manteve as decisões recorridas …

- Fixou a coima única no montante de 700,00 € (setecentos euros): artigo 19.º do RGCO.

2. Inconformada, a arguida P..., S.A., interpôs recurso da sentença, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões …

«… 2. Olhando aos processos apensados se verificará que as notificações ao abrigo do art. 50.º do RGCO, extrapolam o objecto e fim da mesma notificação, sendo inválidas e atentatórias da Constituição por violarem os mais básicos direitos de defesa do arguido em direito sancionatório.

3. As notificações/decisões em apreço apresentavam-se, nos termos do art. 50.º do RGCO, fazendo enquadramento factual sumário e remetendo para auto de notícia, conferindo à Arguida o prazo para, querendo, se pronunciar, porém, equacionando a ausência de apresentação de defesa ou pronúncia pela Arguida, proferiam, no imediato, decisão condenatória.

4. Decisões essas que afirmavam que no silêncio da Arguida (…) considera-se, face aos elementos já recolhidos, que o arguido cometeu a infração que lhe vem imputada, a título de negligência …

5. Tais notificações e consequentemente todo o procedimento contra-ordenacional mostra-se inválido, sendo atentatório dos direitos constitucionais de defesa do arguido em processo sancionatório, concluindo-se pela existência para a entidade notificante de um pré-conceito ou uma presunção de culpabilidade do arguido …

6. Ao decidir antecipadamente ao exercício de direito de defesa verifica-se a subtracção do mesmo direito. A este propósito afirma a douta sentença que não se mostra violado o direito de defesa e que tal procedimento encontra paralelo nos processos sumaríssimos previstos em Processo Penal, entendimento que não deverá ser acolhido, porque o processo sumaríssimo assume a forma de processo especial, encontrando-se impedida, por princípio, a analogia em direito penal.

7. Acresce que o processo sumaríssimo pressupõe a concordância do arguido, importando, além do mais, a aceitação da factualidade pelo mesmo. Não se afigurando, sequer similitude de situações entre o processo contra-ordenacional e a sua tramitação e o processo penal. Não se vislumbrando nestas decisões a procura de concordância da Recorrente.

8. O procedimento e notificações recebidas no âmbito dos processos em apreço, apresentam-se incompatíveis com o Estado de Direito e com todo o sistema legislativo nacional, porquanto importam a subtracção da presunção de inocência constitucionalmente prevista no art. 32.º, retirando qualquer significado ao exercício de pronúncia e defesa do Arguido, reduzindo-o a mera sequência formal enxertada em procedimento administrativo.

9. As decisões proferidas incorrem ainda em nulidade, porquanto valoram o silêncio em contravenção ao disposto no art. 61º do CPP e ao disposto no art. 32.º da Constituição que determina que todo o arguido se presume inocente.

10. Falha-se em alcançar em que medida o silêncio da Arguida pode ser valorado como evidência de culpa

11. A inclusão de decisão em sede de notificação para exercício de direito de defesa é violadora do art. 50º do RGCO …

12. Fazer constar da notificação para defesa a decisão condenatória, presumindo a negligência, no silêncio do Arguido é manifestamente violador de todas as garantias constitucionais de defesa.

13. Ao declarar a validade de tal notificação crê-se, muito respeitosamente, incorreu o douto Tribunal a quo em erro na aplicação do Direito, mormente da Constituição, assumindo-se assim a douta sentença recorrida como nula …

14. As decisões condenatórias proferidas pela entidade autuante não procederam a qualquer apreciação das defesas apresentadas pela Arguida, limitando-se, de forma sintéctica, a mencionar que a Arguida apresentou defesa na qual alegou a nulidade da notificação.

15. As entidades com poder sancionatório encontram-se legalmente vinculadas ao dever de fundamentação, o qual inclui a análise, ainda que para eventual afastamento dos argumentos, da defesa, sendo que analisando as decisões impugnadas crê-se forçoso concluir que não foi efectuada qualquer análise dos fundamentos das defesas, sequer para os afastar.

16. Omitindo o seu dever de fundamentação, o que gera invalidade, sob a forma de nulidade da decisão proferida, tanto mais que ao omitir a fundamentação, se afigura agravada a invalidade por decisão prévia à audição do arguido, resumindo o direito de audição a mera formalidade enxertada no procedimento.

…».

*

3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pela improcedência …

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto … emitiu parecer em que partilha do entendimento do Ministério Público na 1ª instância …

*

II – Fundamentação

… atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada … as questões a apreciar são as de saber se:

- Nulidade das notificações efectuadas para os efeitos do disposto no artigo 50.º RGCO e consequente invalidade de todo o procedimento contra-ordenacional, por violação dos direitos constitucionais de defesa do arguido em processo sancionatório.

- Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.

*

2. A sentença recorrida.

Na sentença recorrida, a 1.ª instância entendeu que das decisões administrativas impugnadas resulta assente, para além do mais …

«No RCO n.º 3141/21....:

» No dia 21.10.2020 pelas 15h40m, no estabelecimento de supermercado, denominado «P...», sito na Quinta ..., Lote ... (Loja ...96) ... ..., explorado pela recorrente, aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo pela PSP, foi verificado que era inexistente qualquer pessoa e ou sistema de controlo e de acesso do público e contagem de pessoas que por ali se encontravam e entravam; igualmente não havia informação acerca da lotação máxima de pessoas no local.

RCO n.º 3140/21....:

» No dia 27.10.2020 pelas 15h05m, no estabelecimento de supermercado, denominado «P...», sito na Quinta ..., Lote ... (Loja ...96) ... ..., explorado pela recorrente, aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo pela PSP, foi verificado que o vigilante que presta serviço inerente à sua atividade de vigilância faz a contagem e o registo no seu telemóvel da entrada e saída de pessoas/clientes para o supermercado não se encontrava no local, não sendo substituído por qualquer outra pessoa ou sistema de contagem.

…».

Na sentença recorrida, o tribunal a quo entendeu que as notificações questionadas pela recorrente não padeciam da nulidade invocada … tendo fundamentado a sua decisão do seguinte modo:

«Da análise das notificações enviadas à recorrente em ambos os processos, verificamos que a entidade administrativa e policial (P.S.P.), adiantou à recorrente todos os necessários fundamentos de facto e de direito, que tornariam a decisão definitiva com aplicação da coima pelo mínimo legal aplicada à conduta negligente “caso não seja apresentada defesa (…), concedendo-se – como imposto por imperativo legal – o prazo de 20 dias, para o exercício do contraditório.

Cremos que com esta conduta não foi violado o direito de defesa da recorrente.

Pelo contrário, conhecendo de antemão o entendimento proposto pela entidade decisória melhor poderia, querendo, exercer a sua defesa e esgrimir os pertinentes factos e o direito que obstariam ao entendimento proposto.

Aliás, o trilho plasmado tem paralelo em processo penal, concretamente no âmbito dos processos sumaríssimos (artigos 395.º a 398.º do Código de Processo Penal), em que o arguido é notificado para se opor, querendo, no prazo de 15 dias, à pena concreta considerada adequada – aos factos – proposta pelo Ministério Público e aceite pelo Juiz do processo, sendo que, em caso de oposição o processo “volta atrás” e segue v.g. a forma comum prosseguindo para julgamento, sem que os direitos de defesa saiam beliscados.

Em síntese, no caso vertente, as notificações não padecem de nulidade e para além do que ficou exposto as decisões administrativas contêm todos os elementos essenciais exigidos pelo mencionado art.º 58.º, o que resulta notório pela sua simples leitura …

Não ocorre, pois, a arguida nulidade do procedimento e da decisão administrativa, pelos invocados fundamentos».

*

*

Está em causa a notificação que a autoridade administrativa levou a cabo em cada um dos processos de contra-ordenação em análise – 04COVID2021/PCO e 07COVID2021/PCO –, destinada à arguida P..., S.A., para que esta exercesse o direito de audição e defesa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º do RGCO.

Notificação que … apresenta o seguinte teor:

«07COVID2021/PCO

NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO E APRESENTAÇÃO DE DEFESA

DESPACHO

Conforme ... com o NUI/CO 002065/20...., de 02 de novembro de 2020, elaborado pelo Inspetor da ASAE, AA, que constitui o Anexo Único do presente despacho, verifica-se que:

No dia 27 de outubro de 2020, pelas 11h15, junto à entrada do supermercado da cadeia “P...”, sito na Rua ... em ..., não existia qualquer informação relativa à lotação máxima do estabelecimento nem sobre a sua área …

Junto à entrada da loja encontra-se um pequeno balcão/púlpito onde um vigilante da empresa “L...” que presta serviço para o agente económico, que para além de efetuar o serviço inerente à sua atividade de vigilância, faz a contagem e o registo no seu telemóvel da entrada e da saída de pessoas/clientes para o supermercado. Perante a ausência, mesmo que momentânea, do vigilante/segurança do seu posto de controlo, BB informou que não colocava qualquer pessoa a substitui-lo que assumisse a contagem e o controlo da entrada de pessoas/clientes …

Assim, verificou-se uma descontinuidade do controlo/contagem das entradas e das saídas do público, não sendo efetivamente possível aferir, em tempo real, o número de pessoas existentes no interior da loja, acrescida da falta de informação correta da lotação máxima no estabelecimento, constatando-se a inexistência ou deficiente gestão equilibrada dos acessos ao espaço, infringindo desta forma as regras impostas pela al. a) do artigo 2º, do Decreto-Lei 28B/2020, na sua redação atual, conjugado com o n.º 3, do artigo 7º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020 (RCM), de 14 outubro …

Nos termos das disposições conjugadas nos artigos 5.º a 7.º, do DL 28-13/2020 de 26 de Junho, no uso da competência que me foi subdelegada por Despacho n.º ...20, de 14 de setembro, alt. pelo Despacho n.º ...21, de 01 de fevereiro, determino que se notifique o representante legal da sociedade P..., SA, com a denominação comercial “Supermercado ...”, com o NIPC ... (Pessoa Coletiva), arguido nos autos.

1. Dando-lhe conhecimento de que cometeu a infração prevista no artigo 2º, al. a), do Decreto-Lei 28B/2020, de 26 de julho, na sua redação atual, conjugado com o n.º 3 do artigo 7.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020 (RCM), de 14 outubro, a título de negligente;

2. Para, querendo, proceder ao pagamento voluntário da coima, pelo valor mínimo – 500,00 euros, para pessoas coIetivas – no prazo de 20 dias contados nos termos dos artigos 60.º do RGCO …

3. Para, no mesmo prazo, apresentar defesa, querendo, nos termos do artigo 50.º, do RGCO;

Notifique-se ainda o Arguido da seguinte;

DECISÃO

Caso não seja apresentada defesa nem efetuado o pagamento voluntário da coima no prazo fixado, considera-se, face aos elementos já recolhidos, que o Arguido cometeu a infração que lhe vem imputada, a título de negligência, por não ter promovido as ações a que estava obrigado, não agindo com o cuidado devido e de que era capaz. Por isso, no termo daquele prazo de 20 dias, considera-se o Arguido condenado ao pagamento da coima de 500,00 euros [uma vez que não há notícia da prática de infração idêntica nos últimos cinco anos [(artigo 18.º, do RGCO e 71.º, do Código Penal, ex vi artigo 32.º, do RGCO)].

Caso não seja judicialmente impugnada naquele prazo, a decisão torna-se exequível, devendo o Arguido, nos termos do artigo 88.º, do RGCO efetuar o pagamento da coima, no prazo de 10 dias (contados nos termos do artigo 60.º do mesmo RGCO), sob pena de ser imediatamente promovida a execução, com o envio do processo ao Ministério Público, nos termos do artigo 89.º, n. os 3 e 4, do RGCO.

Notifique-se o Arguido, com observância do comando dos artigos 46.º e 47.º ambos do RGCO».

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Pois bem.

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O artigo 50.º do RGCO, com a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, estabelece que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

Esta norma dá cumprimento ao comando do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual, nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

Ora, como se assinala no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009, «a norma do artigo 32.º, n.º 10, da CRP – introduzida pela revisão constitucional de 1989 quanto aos processos de contra-ordenação e alargada pela revisão de 1997 a quaisquer processos sancionatórios – implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. Ac. n.º 659/06 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363)».

Assinala ainda o mesmo aresto que, conforme resulta da jurisprudência constitucional, o alcance atribuível à norma do artigo 32.º, n.º 10 é apenas o que acima se deixou exposto, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, a proposta que visava consagrar o asseguramento ao arguido, «nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios», de «todas as garantias do processo criminal» (artigo 32.ºB do Projecto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. ainda o Acórdão do TC n.º 659/06).

Assim, segundo a configuração constitucional que o caracteriza, o processo de contra-ordenação está sujeito ao reconhecimento de um conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, mas tal não o equipara ao processo penal, não conduzindo, por isso, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição para o primeiro de todas e quaisquer regras expressamente previstas para o segundo, designadamente em termos de os elementos que o processo penal particularmente inclui se tornarem, só por isso, comuns ao processo contra-ordenacional.

Daí que o Tribunal Constitucional tenha já afirmado em vários dos seus arestos que «não é constitucionalmente imposta a equiparação de garantias do processo criminal e do processo contraordenacional», uma vez que a diferença de «princípios jurídicoconstitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contraordenações» se reflecte «no regime processual próprio de cada um desses ilícitos», não se exigindo, por isso, que a este seja assegurado «um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal» (Acórdão do TC n.º 344/93).

As garantias constitucionalmente impostas no âmbito do processo contra-ordenacional corresponderão, assim, a um standard representativo e concretizador dos limites constitucionais ao exercício do poder estadual sancionatório, sendo que no epicentro de tais garantias se encontram, assim, os direitos de defesa e de audiência correlativa assegurados no artigo 32.º, n.º 10, da CRP e concretizados, para o processo contra-ordenacional, no artigo 50.º do RGCO, o qual, sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, estabelece que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

Esta redacção do artigo 50.º, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, veio enfatizar e incrementar o direito de audição e de defesa do arguido de modo a assegurar-lhe a faculdade de se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada e a sanção correspondente, atribuindo-lhe um alcance mais abrangente do que aquele que resultava da primitiva versão do preceito (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 433/82 e mantida pelo Decreto-Lei n.º 356/89), o qual se limitava a assegurar ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre o caso.

Assim, segundo conclui o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 99/2009, «dos direitos de audição e de defesa consagrados no artigo 32.º, n.º 10 da CRP e densificados no artigo 50.º do RGCO, extrai-se com toda a certeza que qualquer processo contra-ordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão; que este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate» …

 Ou seja, de acordo com a fórmula utilizada pelo Assento do STJ n.º 1/2003, de 16-10-2002, os direitos de defesa e audiência assegurados no âmbito do processo contra-ordenacional implicarão que ao arguido seja dada previamente a conhecer «a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito».

*

Tendo presente o sentido e alcance fixado para o direito de audição e defesa em sede contra-ordenacional, nos termos acima expostos, verifica-se que na notificação que foi efectuada em cada um dos processos aqui em causa, com o teor acima transcrito, a autoridade administrativa forneceu à arguida P..., S.A., todos os elementos necessários para que esta ficasse a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito que os casos de cada um dos autos suscitava.

É certo que, a par de um conteúdo que abarca, em toda a sua extensão, os fundamentos de facto e de direito e a coima aplicável à infracção, a notificação em apreço contempla ainda o que aí se intitula de Decisão, a respeito da qual a autoridade administrativa fez constar que Caso não seja apresentada defesa nem efectuado o pagamento voluntário da coima no prazo fixado, considera-se, face aos elementos já recolhidos, que a arguida cometeu a infracção que lhe vem imputada, a título de negligência, por não ter promovido as acções a que estava obrigada, não agindo com o cuidado devido e de que era capaz. Por isso, no termo daquele prazo de 20 dias, considera-se a arguida condenada ao pagamento da coima de 500,00 euros [uma vez que não há notícia da prática de infracção idêntica nos últimos cinco anos [(artigo 18.º, do RGCO e 71.º, do Código Penal, ex vi artigo 32.º, do RGCO)].

O que naturalmente não constituiu um elemento cuja presença se exija na notificação a efectuar ao arguido, nos termos do artigo 50.º do RGCO.

Na verdade, no processo contra-ordenacional, regulado pelas normas que lhe são próprias, previstas no regime do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, não se exige que seja assegurado o princípio geral de audiência prévia aplicável aos procedimentos administrativos, de acordo com o regime ditado pelo respectivo Código, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro. Neste, o artigo 121.º n. os 1 e 2 dispõe que os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta, e que, no exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

E o artigo 122.º, n. os 1 e 2 do mesmo diploma estabelece que a notificação a efectuar aos interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer, fornece o projecto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado (sublinhado nosso).

No caso dos autos, o que a autoridade administrativa introduziu no final da notificação realizada foi algo que tem paralelo nas citadas normas que regulam o procedimento administrativo, dando a conhecer à arguida o sentido provável da decisão final, fornecendo-lhe para tanto o que parece ser um projecto de decisão, a acrescer a tudo o mais que indicou na notificação, consubstanciando informação sobre os aspectos de facto e de direito relevantes para a decisão.

Ao fornecer o sentido da sua decisão final, a autoridade administrativa teve por base o que disse serem os elementos já recolhidos no processo.

Não se tratou, pois, da afirmação de uma presunção de culpabilidade da arguida, nem da cominação de um efeito não permitido para o silêncio da visada, resultante do decurso do prazo sem a apresentação de defesa.

Não se tratou, pois, da afirmação de uma presunção de culpabilidade da arguida, a cuja natureza ilidível tivesse associado a cominação de um efeito, não permitido, ao silêncio da visada, caso no prazo fixado esta não apresentasse defesa.

Repete-se, o que a autoridade administrativa fez constar no aludido segmento da notificação foi que, face aos elementos já recolhidos, considerava que a arguida cometeu a infracção que lhe vem imputada, a título de negligência, por não ter promovido as acções a que estava obrigada …

O elemento intitulado “Decisão” que a autoridade administrativa assim introduziu na notificação pode até ser reputado de descabido, espúrio e que se presta a equívocos.

Contudo, a notificação efectuada não deixou de assegurar a comunicação de todos os aspectos relevantes para a decisão, englobando as necessárias matérias de facto e de direito, delimitando o objecto do processo na fase administrativa em que insere e permitindo à arguida exercer os direitos de defesa antes da decisão final.

Tanto é assim que a arguida veio apresentar defesa …

Por outro lado, em cada uma das decisões finais que proferiu (processos 3140/21.... e 3141/21....), a autoridade administrativa fez constar que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º do RGCO, a arguida foi regularmente notificada dos factos verificados, da contra-ordenação em que incorre e da correspondente moldura sancionatória, tendo apresentado defesa à notificação, …

Argumentos que a autoridade administrativa considerou na ponderação de facto e de direito que efectuou, tendo para tanto feito constar a seguinte parcela de fundamentação: na defesa apresentada não se prova que a empresa arguida, no acto da fiscalização, estava a cumprir com o dever de observância das regras de ocupação, permanência e distanciamento físico, conforme definido na situação de calamidade, contingência e alerta; quanto à notificação enviada à arguida, a mesma contém todos os dados objectivos e subjectivos que lhe permitem defender-se, conforme estipulado no artigo 50.º do RGCO; assim, a defesa não apresenta factos que sustentassem o arquivamento do processo (cf. decisão de fls.43 a 47 dos presentes autos e de fls.41 a 44 dos autos apensos n.º 3141/21....).

… o apuramento dos factos imputados à arguida baseou-se no conjunto das provas constantes dos autos, tendo a autoridade administrativa destacado o auto de notícia elaborado em 02-11-2020, o qual disse fazer prova dos factos materiais neles constantes, nos termos conjugados dos artigos 369.º do Código Civil e 169.º do Código de Processo Penal, tratando-se de factos que o autuante constatou, no exercício de acção de fiscalização que o mesmo realizou, no âmbito das competências que lhe foram atribuídas pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, no quadro da situação de calamidade, contingência e alarme, derivada da doença Covid-19.

A autoridade administrativa proferiu duas decisões que se encontram fundamentadas, de facto e de direito, as quais a arguida veio impugnar judicialmente …

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Em suma, face ao acima exposto, é forçoso concluir que não houve violação do direito de defesa da arguida, nem violação da presunção de inocência ou qualquer valoração ilegal do seu silêncio.

As decisões proferidas não valoraram o silêncio da arguida em contravenção do disposto no artigo 61.º do CPP nem em violação da presunção de inocência, aplicável ao processo contra-ordenacional em decorrência do artigo 32.º, n. os 2 e 10 da Constituição.

Não se presumiu que, no silêncio da arguida, esta praticou os factos, actuando com negligência.

Não se tratou de fazer constar da notificação para defesa a decisão condenatória e, a par dela, a cominação de um efeito não permitido para o silêncio da arguida, pelo que não houve violação das garantias constitucionais de defesa.

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3.2. Segundo alega no recurso, nas decisões que proferiu nos presentes autos e seu apenso a autoridade administrativa não procedeu a qualquer apreciação da defesa trazida pela arguida, limitando-se a mencionar de forma sintética que aquela apresentou defesa em que alegou a nulidade da notificação que lhe foi dirigida.

Sustenta-se, assim, … que não foi efectuada qualquer apreciação dos fundamentos da defesa, sequer para os afastar.

Concluindo, deste modo, a recorrente que a autoridade administrativa omitiu o seu dever de fundamentação, o que gera nulidade das decisões que proferiu nos processos contra-ordenacionais mencionados.

Vejamos, então.

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Na sentença recorrida o tribunal a quo julgou improcedente a invalidade que a recorrente invocou, ao deduzir impugnação judicial contra as decisões da autoridade administrativa, improcedência que fundamentou do seguinte modo:

«Procedendo à análise das questões suscitadas pela recorrente, importa desde logo ter presente o disposto no artigo 58º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: “a) A identificação dos arguidos; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias”.

Como sabemos, a fundamentação das decisões, processualmente expressa no artigo 97º nº5 do Código de Processo Penal, tem consagração Constitucional no artº 205º da C.R.P.

O artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, dispõe nos seguintes termos: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Com naturalidade, a importância da fundamentação das decisões judiciais no Estado de Direito Democrático é reconhecida pela generalidade da doutrina e jurisprudência.

Por outro lado, como dispõe o artº 374º nº2 do Código de Processo Penal, a sentença deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” Daí que a sentença cumpra o seu dever de fundamentação da matéria de facto, quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base fáctica da prova produzida – e não produzida - em julgamento e da

respetiva valoração da mesma.

Este imperativo legal e constitucional da fundamentação visa não apenas possibilitar o direito ao contraditório, designadamente pela via recursiva, como assenta também na legitimação da decisão permitindo a existência de um processo de controlo interno, de razoabilidade e racionalidade, do próprio decisor.

Contudo, tais exigências não podem ser avaliadas em sede de direito de mera ordenação social e do processo contra-ordenacional, a mesma sob a mesma perspectiva, exigência ou com o mesmo crivo do processo penal e da respectiva uma sentença criminal.

Efectivamente, a exigência de “descrição dos factos” plasmada no artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do RGCO “não exige a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão (…) como a que é exigida para as sentenças proferidas em processo criminal.

Este regime radica na menor gravidade das sanções contra-ordenacionais” (…) a descrição factual exigível em sede de decisão administrativa pelo artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do RGCO é tão só a factualidade “suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados, e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente” – Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-ordenações Anotações ao regime geral, Vislis, 4.ª edição, pág. 419.

Neste tipo de processos “o que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial possibilitar ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa» (Ac.Tribunal da Relação de Coimbra de 04/06/2003, in CJ, 2003, Tomo III, p. 41).

O que de facto interessa e o que “de qualquer forma deverá ser patente para o arguido as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação” (A.Oliveira Mendes e J.A.Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, Almedina, 2003, p.155)

É, de resto, neste sentido, que a jurisprudência dos tribunais superiores tem convergido: cfr. Ac.TRC de 09/01/2019, Proc n.º 257/18.0T8SRT.C1, (consult. in dgsi) ao dispor que “A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal (…) é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu».

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As razões da 1.ª instância, acima expostas, são também as nossas, entendendo a Relação que, na senda do que assinala o Acórdão de 09-01-2019 (que a aqui relatora subscreveu como adjunta), a decisão administrativa comporta um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu, assumindo-se, pois, que as exigências de fundamentação são menos profundas do que as impostas para os processos criminais, já que aquela não é uma sentença, nem tem de obedecer ao formalismo da sentença penal.

Com efeito, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1 do RGCO, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas [alínea b)], e a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão [alínea c)], isto é, a discussão das razões de facto e de direito que fundamentam a condenação na coima ou na sanção acessória, havendo de considerar-se que tais exigências são satisfeitas quando as indicações contidas na decisão se revelam suficientes para permitir ao arguido o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente a decisão.

No caso dos autos, a ausência de fundamentação que a recorrente invocou como causa de nulidade da decisão administrativa, diz respeito à apreciação da defesa que aquela apresentou na sequência da notificação que lhe foi feita …

Ora, conforme foi dito em 3.1., em cada uma das decisões finais que proferiu (processos n. os 3140/21.... e 3141/21....), a autoridade administrativa fez constar que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º do RGCO, a arguida foi regularmente notificada dos factos verificados, da contra-ordenação em que incorre e da correspondente moldura sancionatória, tendo apresentado defesa com os seguintes argumentos …

Argumentos que a autoridade administrativa considerou na ponderação de facto e de direito que efectuou, tendo para tanto feito constar na sua decisão a seguinte fundamentação relativa à concreta temática trazida aos autos pela arguida: na defesa apresentada não se prova que a empresa arguida, no acto da fiscalização, estava a cumprir com o dever de observância das regras de ocupação, permanência e distanciamento físico, conforme definido na situação de calamidade, contingência e alerta; quanto à notificação enviada à arguida, a mesma contém todos os dados objectivos e subjectivos que lhe permitem defender-se, conforme estipulado no artigo 50.º do RGCO; assim, a defesa não apresenta factos que sustentassem o arquivamento do processo …

Sendo, pois, claramente revelado pelo teor da referida fundamentação que, ainda que de forma sumária, a autoridade administrativa decidiu da nulidade que a arguida suscitou na defesa, não admitindo a sua procedência por entender que a questionada notificação que lhe foi enviada continha todos os dados objectivos e subjectivos que lhe permitiam defender-se, conforme estipulado no artigo 50.º do RGCO.

Por outro lado, conforme resulta das decisões proferidas … no apuramento dos factos imputados à arguida a autoridade administrativa basou-se no conjunto das provas constantes dos autos, tendo destacado o auto de notícia elaborado em 02-11-2020, o qual disse fazer prova dos factos materiais nele constantes, nos termos conjugados dos artigos 369.º do Código Civil e 169.º do CPP, tratando-se de factos que o autuante constatou no exercício de acção de fiscalização que o mesmo realizou, no âmbito das competências que lhe foram atribuídas pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, no quadro da situação de calamidade, contingência e alarme, derivada da doença Covid-19.

Assim, tendo presente que o critério em sede contra-ordenacional é o de que a decisão administrativa comporta um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu, verifica-se que no caso sub judice a autoridade administrativa proferiu duas decisões que se encontram fundamentadas, de facto e de direito, que a arguida revelou ter compreendido, ao deduzir as impugnações judiciais julgadas pelo tribunal a quo …

Em suma, atendendo ao acima exposto, é forçoso concluir que foi observada a imposição legal de fundamentar a decisão administrativa e, por conseguinte, a pretensão da recorrente que a ela diz respeito deve também improceder.

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III – Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.º 1, alínea b), do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Coimbra, 22 de Fevereiro de 2023

(Elaborado pela primeira signatária, revisto e assinado electronicamente por todas as signatárias – artigo 94.º, n. os 2 e 3 do CPP)

Helena Bolieiro – relatora

Rosa Pinto – adjunta

Alice Santos – adjunta