Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1056/15.7T8CLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PEDIDO RECONVENCIONAL
ADMISSIBILIDADE
PROCESSO LABORAL
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – INST. CENTRAL – 2ª SEC. TRABALHO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 30º, Nº 1 DO CPT; 126º, AL. O) DA LEI Nº 62/2013, DE 2608.
Sumário: I – Nos termos conjugados dos artºs 30º, nº 1 do CPT e 126º, al. o) da Lei nº 62/2013, de 26/08, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à ação uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.

II – O sentido da expressão ‘facto jurídico que serve de fundamento à ação’ empregue no primeiro segmento do artº 30º, nº 1 do CPT, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado ‘instância’, em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artº 28º), só pode ser entendido como referindo-se à causa de pedir, ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão.

III – As relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a ação, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor intentou contra a ré a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: a) a título de subsídio de férias, relativas ao mês Dezembro de 2014, a quantia de € 80.63; b) a título de férias vencidas a 01-01-2014, nomeadamente 16 dias não gozados, a quantia de € 572,00; c) a título de proporcionais de férias e subsídio de férias, pelo trabalho prestado pelo autor para a ré no ano 2015 até ao dia 30-11-2015 (inclusive), a quantia de € 885,79+885,79= 1771,58€; d) a título de indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, uma indemnização, que deverá ser determinada em 30 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade, ou seja € 918,00x5 = € 4.590,00; e) a título de horas extraordinárias, relativas ao mês de Novembro, cerca de 80Hx7.5€= € 600,00; f) a título de despesas bancárias com a falta de provisão de um cheque, € 37,26.
Para tanto, alegou ter declarado à ré a resolução do contrato com justa causa em 01-12-2014, invocando os motivos, bem como alegou factos conducentes à existência dos créditos salariais reclamados.

A ré na sua contestação sustentou que o contrato não cessou por resolução com justa causa, mas antes, ao que se percebe, por acordo entre as partes, no qual foi adoptada uma forma que garantisse ao autor subsídio de desemprego, tendo acordado numa compensação pecuniária de natureza global, pedindo a sua absolvição do pedido contra si formulado.

Deduziu reconvenção, alegando para tanto que o autor era responsável pelo desenvolvimento de todos os programas de software, software que, unicamente, detinha e tem na sua posse, um computador portátil com toda a informação inclusa, dois discos rígidos, contendo a informação da empresa relativa aos anos anteriores e um telemóvel contendo uma base de contactos de importância fundamental para a empresa. Para além disso alegou que o autor tem todos os acessos e passwords de registos efectuados em sites que servem a ré através de aplicações ou complemento dos mesmos e é possuidor de documentação em suporte informático, relativo a conversas mantidas com clientes e histórico de dúvidas e explicações fornecidas a clientes, bem como mensagens/e-mails de fornecedores com manuais técnicos e especificações de vários equipamentos e e-mails de teor explicativo, dado por técnicos/fornecedores e conversas mantidas com os mesmos, pertença da ré, detendo ainda na sua posse, documentação técnica e desenvolvimentos, bem como e-mail’s de suporte, que se comprometeu entregar/devolver à ré. Alega que no acordo de cessação do contrato o autor transmitiu que apenas libertaria o que detinha, mediante o pagamento da compensação devida e por tal a ré procedeu à transferência de uma quantia para que o autor libertasse, pelo menos, um software essencial para a conclusão de um negócio encetado, negócio que proporcionaria o pagamento da quantia total acordada com o autor. E que perante o pagamento, o autor entregou o software solicitado, comprometendo-se, ainda a proceder à entrega de todos os demais programas informáticos e restante material que se encontravam na sua posse, mas não o fez, sendo que com a conduta referida causou prejuízos avultados à ré. Por isso, invocando o disposto no art. 483.º n.º 1 do Código Civil, reclamou indemnização dos danos que contabilizou em € 7.800,00. No pedido reconvencional pediu a condenação do autor na devolução dos bens referidos e ainda a pagar-lhe o valor de € 7.800,00.

No final da contestação, a ré requereu “nos termos do art. 466º do CPC, a declaração de parte dos representantes legais da R. B... e C... ”.

Em sede de despacho saneador, a Sr.ª Juíza do tribunal recorrido não admitiu o pedido reconvencional com os seguintes fundamentos:

«A R. deduziu reconvenção contra o A. pedindo a condenação deste:

- na devolução do elencado no pedido reconvencional;

- a pagar-lhe o valor de € 7.800,00, a título de indemnização por prejuízos causados pelo A.

A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do art. 85 da Lei 3/99, 13.1 (actualmente, alínea o) do art. 126 da L 62/2013, de 26.8), desde que, sem qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do Tribunal – art. 30.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.

São, pois, pressupostos de admissibilidade da reconvenção:

- valor da acção superior a € 5.000,00 – cfr. Art. 44, nº 1 da Lei 62/2013;

- ao pedido reconvencional correspondente a mesma espécie de processo que ao pedido do A.;

e

- o pedido reconvencional emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção;

ou

- o pedido reconvencional tem com a acção uma relação de conexão por acessoriedade (o pedido reconvencional está objectivamente subordinado ao pedido principal sendo dele dependente), complementaridade (o pedido reconvencional tem subjacente uma relação que foi controvertida por vontade das partes em complemento do pedido principal) ou dependência (existe uma relação, embora autónoma, entre os dois pedidos, constituindo o pedido o principal o suporte imprescindível do outro);

Ou

- o R. pretende obter a compensação.

O pedido formulado pelo A. assenta numa relação laboral que manteve com a R. e por causa da qual deduz pedido de condenação no pagamento dos créditos que indica, decorrentes dessa mesma relação laboral.

O pedido de indemnização deduzido pela R. pelos prejuízos eventualmente causados pelo A. assenta em responsabilidade extra-contratual o que está, além do mais, fora do âmbito de competência material deste Tribunal.

O mesmo sucede quanto ao pedido de condenação na entrega de certos objectos em que, claramente, o seu fundamento não é a relação laboral.

Por outro lado, a R. não se propõe fazer qualquer compensação de créditos, pagando-lhe o A. o valor residual.

Assim, porque não se encontram preenchidos os pressupostos legais, previstos no art. 30.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, não é processualmente admissível o pedido reconvencional apresentado pela R.

Pelos fundamentos expostos, não admito o pedido reconvencional deduzido pela R.»

Por outro lado, no mesmo despacho saneador, a Sr.ª Juíza decidiu o seguinte:

«Fixo o valor da causa em € 15.450,48, correspondente à soma do valor indicado da acção com o valor indicado da reconvenção (assim se corrigindo o lapso do A. no preenchimento do formulário que acompanhou a petição inicial), - que não foi objecto de contestação, e que, na ausência de outros elementos no processo, se nos afigura conforme aos critérios legais aplicáveis – art. 296, nº 1, 2199, nºs 1 e 2, 305, nº 4 e 306, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi art. 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.»

Ainda no mesmo despacho saneador, foi decidido o seguinte

«O art. 452, nº 2 do Código do Processo Civil ex vi art. 1º, n2 e al. a) do Código de Processo do Trabalho impõe que quando o depoimento de parte (e também das declarações de parte, por força do art. 466.º, nº2) seja requerido por alguma das partes devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre os quais há-de recair.

A R. não cumpre o ónus de discriminação dos factos, pelo que não cabe ao Tribunal face à clareza da norma citada suprir a omissão da R.

Pelo exposto, não admito as declarações de parte da R, requeridas por esta.»

É deste despacho e destas decisões que a ré vem recorrer apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[…]

O autor fez apresentação de contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido no despacho recorrido.

Em parecer, pronunciou-se a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, defendendo que o recurso não deve merecer procedência.


*

II.  As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver são as seguintes:

- se reconvenção era admissível;

- se foi adequadamente fixado o valor da acção;

- se o requerimento para declarações de parte deveria ter sido deferido.

Vejamos:

1. A questão da admissibilidade da reconvenção:
Como ficou dito, a Sr.ª juíza não admitiu a reconvenção por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do art. 30.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.

Nos termos conjugados dos artigos 30.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 126.º alíneas o) da Lei n.º 62/2013, de 26/8, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à acção uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.

Enquanto a alínea a) do nº 2 do artigo 266.º do actual Código de Processo Civil admite a reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, restringe essa admissibilidade à situação em que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, pelo que, no domínio do processo laboral, não é admissível reconvenção com base no facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

Segundo Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, p. 167, in fine), esta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral visa “evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção”.

No caso dos fundamentos da presente acção, quer o contrato de trabalho, quer o alegado circunstancialismo relacionado com a sua cessação por resolução com justa causa, quer os alegado trabalho suplementar, não pagamento de férias e subsídios de férias e despesas com a devolução de cheque, são factos jurídicos, já que consubstanciam eventos que produzem efeitos jurídicos.

No entanto, conforme refere o Ac. do STJ de 3/5/2006 (in www.stj.pt, proc. 06S251), o sentido da expressão “facto jurídico que serve de fundamento à acção” empregue no primeiro segmento do art. 30.º n.º 1 do CPT, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado “Instância”, em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artigo 28.º), só pode ser entendido como referindo-se à causa de pedir, ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão.

Ou seja, no nosso caso, como referindo-se ao alegado quanto à resolução com justa causa, prestação de trabalho suplementar e demais matéria que sustenta o pedido de pagamento dos demais créditos peticionados.

Pelo que, por aqui, podemos ver que o pedido reconvencional não se funda em nenhuma dessas causas de pedir concretas. Funda-se em causa de pedir autónoma, relacionada com o incumprimento de obrigação de restituição de meios de produção e que terá dado origem a prejuízos à ré. Ou seja, não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção

O segundo segmento da norma em causa (art. 30.º n.º 1 do CPT) remete para o caso referido na alínea o) do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013. A alínea o) do citado artigo 85.º reporta-se às questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão. A alínea anterior [a alínea n)], refere-se às questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.

Ora, essas relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a acção, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

A questão está, pois, em estabelecer a relação de conexão da referida questão reconvencional com a acção.

Segundo Leite Ferreira, na obra citada, a conexão pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementariedade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementariedade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.

Revertendo ao caso em apreço e tendo presente as considerações expostas, importa concluir, como entendeu a 1.ª instância, que não existe conexão objectiva entre os pedidos do autor e os pedidos da ré.

A ré fundamentou os pedidos reconvencionais de restituição e de indemnização em factos relativos ao incumprimento contratual do autor que, nem ao de leve, foram mencionados na petição inicial. O pedido reconvencional nada tem a ver com o fundamento da acção. Apesar de ambos os pedidos - da acção e da reconvenção - terem um ponto comum, o contrato de trabalho e a prestação de trabalho, qualquer relação de conexão seria apenas indirecta, porque derivam ambas da existência de um contrato de trabalho.

Ambas as violações contratuais alegadas, quer pelo autor, quer pela ré, têm conteúdo independente na medida em que qualquer dessas violações poderia ocorrer sem o concurso da outra. A causa subordinada - a da reconvenção - não é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal (acessoriedade). Nem se pode afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra (complementaridade). Nem que o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal (dependência); ambas são rigorosamente independentes e um pedido não depende do outro.

Deste modo, não existindo conexão entre os pedidos, tendo o da ré fonte em factos autónomos, importaria concluir também pela inadmissibilidade da reconvenção, pelo lado do segundo segmento do artigo 30.º n.º 1 do C. P. Trabalho, já que por outro lado, ainda, a ré não veio invocar a compensação de créditos.

Por isso, o despacho recorrido não merece censura nesta parte.

2. A questão do valor da causa:

Como se disse acima, no despacho recorrido foi fixado o valor da causa em € 15.450,48, “correspondente à soma do valor indicado da acção com o valor indicado da reconvenção”.

Sustenta a apelante que não sendo admissível a reconvenção não há que somar o valor nela indicado ao indicado na acção.

E nesta parte, cumpre reconhecer que tem razão, não sendo admissível a reconvenção, como já dissemos que não é, seguindo nesta matéria a jurisprudência citada pela apelante, designadamente expressa no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/06/2011 (proc. 400/08.8TTFAR.E1, in www.dgsi.pt)

De acordo com o art. 296.º do CPCivil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.

O artigo 297.º, n.º 1, quanto aos critérios gerais para a fixação do valor, estabelece que, se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário.

E na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta; exceptua-se o caso de o réu deduzir reconvenção ou haja intervenção principal, caso em que o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente, quando distinto do deduzido pelo autor, se soma ao valor deste; mas este aumento de valor só produz efeitos no que respeita aos actos e termos posteriores à reconvenção ou à intervenção – tudo conforme os n.ºs 1, 2 e 3 do art. 299.º.

Do confronto destas normas resulta que o valor da causa necessariamente se reporta ao momento inicial, em que a acção foi proposta e que, como se salienta no Acórdão citado, o valor que resulta da soma do pedido deduzido pelo autor com o pedido reconvencional só produz efeitos no que respeita aos actos e termos posteriores à reconvenção, o que pressupõe que já tenha sido admitido.

Ora, não sendo admitida a reconvenção, por falta dos pressupostos legais para ser deduzida, nesse caso não há que somar o valor dela emergente ao valor do pedido do autor.

Por conseguinte, não havendo que proceder a essa soma o valor da causa não pode ser o de € 15.450,48 fixado pela 1.ª instância, mas antes o de € 7.650,48, aquele que foi indicado pelo autor, pela ré e pelo tribunal a quo como o correspondente ao pedido daquele.

Assim, nesta a apelação deve proceder nesta parte.

3. A questão da admissibilidade do requerimento da ré para declarações de parte dos seus representantes legais:

Como já dissemos, na contestação a ré requereu “nos termos do art. 466º do CPC, a declaração de parte dos representantes legais da R.”.

Não indicou, todavia e de forma descriminada, os factos sobre os quais as declarações deveriam recair.

Ora não há dúvida que do disposto no art. 452.º, n.º 2 do CPC aplicável por força do art. 466.º, n.º 2 resulta que requerendo as partes a prestações de declarações devem indicar logo, de forma discriminada, os factos sobre os quais há-de recair.
E, por isso, a Sr.ª juíza do tribunal a quo não admitiu o requerido.

A ré apelante insurge-se quanto a tal decisão, defendendo que o tribunal “a quo” a deveria ter convidado a fazer a indicação em falta.

Contudo, não vemos que deva haver lugar a tal convite, não obstante reconhecermos divergência com a jurisprudência citada pela apelante.

Não há dúvida que do disposto no art. 452.º, n.º 2 do CPC aplicável por força do art. 466.º, n.º 2 resulta que requerendo as partes a prestações de declarações devem indicar, de forma discriminada, os factos sobre os quais há-de recair. Mas também refere que o devem fazer logo que o requeiram, não prevendo qualquer possibilidade de convite a suprir a omissão. A admitir-se tal convite, então e nosso juízo, estaria aberta a possibilidade, por igualdade de razão, ao suprimento por convite de qualquer omissão na indicação de meios de prova, o que se nos afigura desconforme à disciplina do processo, sem prejuízo da iniciativa oficiosa do tribunal no campo de indagação dos factos em matéria probatória (art. 411.º do CPC) a qual deve ser devidamente justificada em função das necessidades para o apuramento da verdade e da justa composição do litígio, o que só pode ser determinado pelo próprio tribunal em função do que for ocorrendo na fase de produção de prova.

Por conseguinte, o convite pretendido pela apelante apenas poderia ser equacionado no âmbito da oficiosidade determinada pela actividade de gestão processual consentida pelos arts. 6.º e 590.º do CPCivil, nos parâmetros de iniciativa do juiz gestor do processo, efectuada com a devida justificação perante as partes. Ora tal convite não foi efectuado nessa mesma dimensão da gestão processual e se, nos termos do disposto no art. 590.º do CPCivil, não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, também naturalmente não cabe recurso da implícita decisão de não o fazer.

Acresce que nos termos do preceituado no artigo 63º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, é nos articulados que as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol das testemunhas e requerer quaisquer outras provas. Mas, conforme o disposto no art. 466.º n.º 1 do CPC, no caso da prova por declarações de parte, as partes podem requerer a sua prestação até ao início das alegações orais em 1.ª instância. Nesse caso, dispondo dessa maior latitude no tempo de requerer a prestação de declarações nada obsta que renovem o requerimento irregular.

Por conseguinte, não sendo admitidas, como não foram no caso, as requeridas declarações de parte por falta dos pressupostos que se prendem com a indicação dos factos seu objecto e reportado o requerimento aos articulados, nada obsta – a nosso ver - a que, posteriormente, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a parte interessada renove o seu requerimento cumprindo desta vez o ónus de indicação dos factos objecto das declarações. Razão essa suficiente para que, em todo o caso, não seja imprescindível o convite à correcção da irregularidade no interesse dos “os objectivos de prossecução da verdade material e de aproveitamento dos actos das partes que apresentem deficiências”, como defende a apelante.

Por isso, a apelação deve nesta parte ser julgada improcedente


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III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, altera-se a decisão recorrida fixando o valor da acção em € 7.650,48, mantendo o demais decidido do despacho recorrido.

Custas no recurso pelas partes, na proporção de 99% para a apelante e 1% para o autor apelado, considerando a escassa relevância da questão em que a apelante obteve ganho de causa.


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 (Luís Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Paula do Paço)