Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/13.4TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
Data do Acordão: 11/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 72.º DO CP; ARTIGO 32.º DO RGCO
Sumário: É subsidiariamente aplicável no domínio do processo contra-ordenacional a atenuação especial prevista no art. 72.º do CP, ex vi do art. 32.º do RGCO.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No âmbito dos processos de contra-ordenação nºs CO/002612/10 e CO000152/12, da outrora IGAOT, hoje IGAMAOT – Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o arguido A... foi condenado, por decisão de 16/11/2012, pela prática de:

- uma contra-ordenação p. e. p. pelo n° 1 do artigo 23° e pela alínea b) do n" 1 e n? 3 do artigo 67° do Decreto lei n" 178/2006 de 5 de Setembro;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 20° n" 1 e 24° n" 1 alínea d) do Decreto lei n? 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n" 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 4 do artigo 22° da lei n? 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n" 89/2009 de 31 de Agosto;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 9° n° 2, alínea a) do n° 1 e n° 2 do artigo 32° do Decreto lei n" 230/2004 de 10 de Dezembro;

- uma contra-ordenação p. e p. artigos 5°, alínea c) do n" 1 e n° 2 do artigo 17° do Decreto lei nº 111/2001 de 6 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n° 43/2004 de 2 de Março e;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 5° n° 3 e 24° n" 2 alínea a) e n° 4 do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n.º 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 3 do artigo 22° da lei n° 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n° 70/2009 de 1 de Outubro;

- em cumulo jurídico, na coima única de € 20.000,00 e ainda no pagamento da quantia de € 50,00, a título de custas do processo.

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O arguido, notificado da decisão administrativa, impugnou-a judicialmente, em 14/1/2013, ao abrigo do disposto nos artigos 59.º e seguintes do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, defendendo a aplicação de uma admoestação oral.

O recurso foi admitido, em 8/4/2013, já no âmbito do Processo de Recurso (Contra-Ordenação) n.º 60/13.4TBALD, do Tribunal Judicial de Almeida, Secção Única, tendo sido designada data para audiência de julgamento.

Esta veio a ter lugar, com observância do formalismo legal.

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Na sequência, foi, em 27/6/2013, proferida decisão na qual foi decidido revogar parcialmente a decisão da IGAMAOT, mantendo, porém, esta quanto a uma das contra-ordenações em causa.

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Inconformada com a decisão judicial, dela recorreu o arguido, em 4/7/2013, ao abrigo dos artigos 73.º e seguintes do RGCO, pedindo que viesse a ser revogada a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que, simplesmente, o admoeste, ou, caso assim se não entenda, que o condene na coima mínima especialmente atenuada, apresentando as seguintes conclusões:

1. Na sentença recorrida, tendo em consideração a matéria provada, deveria ter sido aplicada a sanção de admoestação e não manter a decisão administrativa e condenar o arguido na coima de dois mil euros.

            2. Deveria a Sra. Juiz a quo ter lançado mão da atenuação especial da coima, condenando o arguido na coima mínima especialmente atenuada.

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            O recurso, em 8/7/2013, foi admitido.

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            O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, em 11/7/2013, defendendo a sua improcedência, com a consequente manutenção da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a, na douta decisão ora recorrida, não incorreu em qualquer erro de direito quando negou ao arguido a possibilidade de aplicação da admoestação e da coima especialmente atenuada.

            2. A decisão recorrida encontra-se bem fundamentada, com aplicação correcta dos normativos legais aplicáveis e com justa dosimetria da coima concreta em que o arguido foi condenado

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Já neste Tribunal da Relação de Coimbra, em 6/9/2013, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual defendeu a improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Decisão Recorrida:                                                                                                         “1. RELATÓRIO:

A..., residente em Rua (...), Pinhel, interpôs recurso da decisão proferida em 16/11/2012, no âmbito dos processos nº CO/002612/10 e CO/000152/12, pela Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que o condenou pela prática de:

- uma contra-ordenação p. e. p. pelo n° 1 do artigo 23° e pela alínea b) do n" 1 e nº 3 do artigo 67° do Decreto lei n" 178/2006 de 5 de Setembro;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 20° n" 1 e 24° n" 1 alínea d) do Decreto lei n? 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n" 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 4 do artigo 22° da lei n? 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n" 89/2009 de 31 de Agosto;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 9° n° 2, alínea a) do n° 1 e n° 2 do artigo 32° do Decreto lei n.º 230/2004 de I0 de Dezembro;

- uma contra-ordenação p. e p. artigos 5°, alínea c) do n" 1 e n° 2 do artigo 17° do Decreto lei nº 111/2001 de 6 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n° 43/2004 de 2 de Março e;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 5° n° 3 e 24° n" 2 alínea a) e n° 4 do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei nº 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 3 do artigo 22° da lei n° 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n° 70/2009 de 1 de Outubro;

- em cumulo jurídico, na coima única de € 20.000,00 e ainda no pagamento da quantia de € 50,00 a título de custas do processo.

Para tanto alegou, em síntese, o Recorrente que deve ser absolvido de todas as infracções de que vem acusado, na medida em que por um lado, no que respeita à contra­-ordenação relativa à realização de operações de gestão de resíduos sem a respectiva licença, os objectos de que era detentor não se enquadram na definição de resíduo constante da alínea u) do decreto lei n° 178/06 de 5 de Setembro e por outro lado, no que se refere às restantes  contra-ordenações relativas aos veículos em fim de vida, equipamentos eléctricos e electrónicos e armazenamento de pneus, o arguido desconhecia por completo as normas legais que prevêem as referidas contra-ordenações, tendo por isso agido em erro sobre a ilicitude e não lhe sendo o erro censurável por não lhe ser exigível o conhecimento de tão vasta e complicada legislação.

Por último e para o caso de assim se não entender, alega o arguido que a coima que lhe foi aplicada no valor de € 20.000,00 é excessiva e não pode proceder ao seu pagamento atentas as precárias condições económicas em que reside. Mais afirma que a ilicitude da sua conduta é reduzida, não tendo causado quaisquer danos ao ambiente, razão pela qual deve ser­-lhe aplicada uma admoestação oral.

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Por despacho de 08/04/2013, a fls. 291 e 292, foi admitida a impugnação judicial.

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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do formalismo

legal.

                                                                      

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3. FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. FACTOS PROVADOS:

Com interesse para a decisão do recurso, provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 2 de Setembro de 2010, pelas 10 horas e 45 minutos, no local sito no (...), aldeia de (...), Nacional (...), foi realizada uma operação conjunta entre o NP A e os NIC, ambos pertencentes ao Destacamento de Vilar Formoso, tendo-se procedido à fiscalização de um armazém de venda de lenha, pertencente ao arguido.

2. Durante a fiscalização verificou-se que, no exterior e no interior do armazém, se procedia à realização de operações de desmantelamento de viaturas e ao armazenamento das peças provenientes dos automóveis desmantelados - Auto de Notícia n" 55/10.

3. Não detinha o arguido licença para a realização de operações de gestão de resíduos.

4. Depois de realizada a inspecção a todo o exterior envolvente do armazém foi possível concluir que as condições para armazenamento e tratamento dos VFV não estavam a ser cumpridas, nomeadamente por faltar uma zona de armazenagem com solo impermeabilizado, uma zona coberta para efectuar o desmantelamento dos VFV, um sistema de controlo dos documentos dos VFV e registo de quantidades de componentes retirados e encaminhados, assim como por faltar um sistema de recolha e tratamento de águas pluviais, de limpeza e de derramamentos. - Auto de Notícia n" 56/10.

5. Durante a fiscalização verificou-se que, no exterior do armazém, se procedia à realização de operações de armazenamento de equipamentos Eléctricos e Electrónicos (EEE), designadamente pedaços e peças de frigoríficos e máquinas de lavar. -Auto de Notícia n" 57/10

6. O arguido procedia ao armazenamento de tais objectos com o objectivo de proceder ao seu desmantelamento e posterior venda de peças.

7. Durante a fiscalização verificou-se que, no exterior do armazém, se procedia à realização da operação de armazenamento de pneus. - Auto de Notícia n" 59/10

8. Tais pneus eram provenientes dos veículos desmantelados.

9. No dia 21 de Dezembro de 2011, pelas 11 horas e 10 minutos, no decorrer de uma acção de patrulhamento/fiscalização, a Equipa da CNR de Vilar Formoso deslocou-se ao local referido em 1., a fim de proceder a nova fiscalização da já referenciada sucata.

10. No local estava presente o arguido, proprietário do terreno, o qual informou a Equipa da GNR ter deixado a actividade de comércio de sucata e neste momento dedicar-se apenas ao comércio de lenhas para lareiras.

11. No decorrer da fiscalização foi visualizado pelo menos um veículo em fim de vida

(VFV).

12. Questionado o arguido sobre qual o motivo de possuir na sua propriedade tal veículo, o mesmo afirmou estar a limpar o terreno de toda a sucata ali existente, mas ainda não tinha tido oportunidade de retirar aquele veículo.

13. Em 2 de Setembro de 2010, o arguido desconhecia a obrigatoriedade de deter licença para realizar operações de gestão de resíduos e para efectuar operações de tratamento de VFV.

14. Desconhecia igualmente o arguido, os requisitos técnicos mínimos constantes dos nºs  2 e 3 do Anexo IV do Decreto-Lei n° 196/2003, de 23/08.

15. Desconhecia também a necessidade de obtenção de licença ou autorização para proceder à gestão/armazenamento de pneus.

16. Desconhecia que sendo o último detentor dos resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos os devia entregar nos locais adequados para a sua recolha selectiva.

17. No dia 21 de Dezembro de 2011, o arguido sabia que devia proceder ao encaminhamento do veículo em fim de vida de que era proprietário/detentor para centro de recepção ou para um operador de desmantelamento, incumprindo normas ambientais, não tendo o mesmo agido com a diligência a que estava obrigado e de que era capaz.

18. Só não tinha ainda o arguido procedido ao encaminhamento de tal viatura por dificuldades em agendar a recolha da mesma com o Centro de Recepção, o que veio a realizar alguns dias depois.

19. O encaminhamento dos veículos para o Centro de Recepção não tem para o arguido qualquer custo, deduzindo-se o preço do serviço ao preço da viatura.

20. Em 2 de Setembro de 2010 o arguido tinha como actividade principal o comércio de madeiras e lenhas, dedicando-se nos tempos livres ao desmantelamento dos veículos e comércio dos mesmos, o que fazia há pelo menos um ano.

21. O arguido declarou em sede de IRS, relativamente ao ano de 2010, rendimentos profissionais no montante de 15.660,55 € e relativamente ao ano de 2011 no valor de € 13.789.70.

22. O arguido procedeu à limpeza da quase totalidade do terreno identificado nos autos, no local sito no (...), aldeia de (...), Nacional (...), após a fiscalização de 2 de Setembro de 2010.

23. O arguido procedeu ao encaminhamento de resíduos (ferro) descritos nas guias juntas à defesa do Processo n° CO/000152/12 (Guia de Acompanhamento de Resíduos n? 16786303; Guia de transporte n° 10904; Guia de Acompanhamento de Resíduos n? 16913478; Guia de Acompanhamento de Resíduos n° 16913477).

24. O arguido é solteiro e dedica-se actualmente ao comércio de lenhas e madeiras retirando dessa actividade quantia mensal equivalente ao salário mínimo.

25. Reside com uma companheira que trabalha com ele na supra referida actividade em

casa da mãe desta e com a ajuda económica da sua mãe.

26. Não tem empréstimos bancários nem filhos.

27. Possui como habilitações literárias o 6° ano de escolaridade.

28. O arguido trabalha desde os 17 anos de idade, laborando cerca de 10 a 12 horas diárias de segunda-feira a domingo, não tendo por hábito ver televisão nem aceder à Internet.

29. É considerada pelos familiares como uma pessoa humilde e muito trabalhadora.

3.2. FACTOS NÃO PROVADOS:

Dos que teriam interesse para a decisão do recurso, não se provaram os seguintes factos:

1. No dia 2 de Setembro de 2010, o arguido, ao proceder a operações de tratamento e armazenamento dos resíduos identificados nos autos sem ser detentor de licença para o efeito, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

2. Ao proceder a operações de tratamento de VFV em local não licenciado para o efeito, o arguido, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

3. Ao proceder a operações de tratamento de VFV incumprindo os requisitos técnicos mínimos constantes dos nOs 2 e 3 do Anexo IV do Decreto-Lei n? 196/2003, de 23/08, o arguido, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

4. O arguido, ao proceder à gestão de pneus sem ser detentor de licença ou autorização para o efeito, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

5. O arguido, sendo o último detentor dos resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos e ao armazená-los naquele local não os tendo entregue nos locais adequados para a sua recolha selectiva, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

6. O arguido exercendo uma actividade específica, da qual resulta necessariamente impactos no meio natural, tinha obrigação de procurar conhecer todos os enquadramentos legais em que a mesma poderia de facto ser exercida.

7. O arguido não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida e de que era capaz.

3.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E ANALÍSE CRITÍCA DA PROVA

A convicção sobre os factos provados nºs 1 a 12 formou-se com base na documentação constante destes autos e do processo administrativo de contra-ordenação, designadamente do teor da decisão administrativa de fls. 244 e ss., autos de notícia de fls. 5 a 15 e 161 e 162 e fotografias anexas e do depoimento dos agentes autuantes, B..., C..., D... e E... , militares da GNR, tendo os dois primeiros efectuado a fiscalização em 2 de Setembro de 2010 e os dois últimos a fiscalização de 21 de Dezembro de 2011. Os referidos agentes prestaram o seu depoimento de forma isenta, coerente e objectiva, tendo confirmado os factos constantes da decisão administrativa quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo do cometimento das referidas infracções. Relataram a forma como realizaram as referidas fiscalizações, os objectos que lá encontram e as conversas que iam tendo com o arguido à medida que iam fiscalizando o armazém. Mais vai orou o Tribunal as declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento que confirmou integralmente os factos tal como eles vêm descritos na decisão administrativa, negando apenas o conhecimento de que a prática de tais factos consubstanciasse contra-ordenação.

No que se refere aos factos descritos em 13 a 19 o Tribunal valorou as declarações do arguido que negou desconhecer as normas e os diplomas legais em causa, tendo o mesmo referido que ficou muito surpreendido quando os agentes autuantes o informaram da necessidade de obter as referidas licenças e deter determinadas condições e características técnicas para desmantelar os VFV, pois que sempre viu muitas sucatas nas mesmas condições que a sua e nunca ninguém lhe tinha referido da necessidade de tais documentos e requisitos. Referiu que não vê habitualmente televisão e nem tem Internet em casa.

Ora tais declarações revelaram-se verosímeis para o Tribunal, desde logo quando conjugadas com os depoimentos prestadas pelos agentes B... e C..., os quais efectuaram a fiscalização em 2 de Setembro de 2010 e referiram que o arguido logo lhes disse que desconhecia tais normas, tendo as testemunhas referido ao Tribunal que ficaram com a convicção pessoal de tal desconhecimento pelo arguido. O próprio agente C... referiu que iam fiscalizando e explicando ao arguido o que estava mal, o qual dizia que não sabia mas que ia melhorar, tendo ele mesmo referido que eram "muitos pormenores técnicos". Também a testemunha F..., companheira do arguido que o ajudava à data na sucata, referiu que ambos desconheciam na altura a necessidade de todas aquelas regras e licenças tendo o arguido comentado consigo a sua surpresa por haverem tantas sucatas nas mesmas condições que as dele.

Cremos pois que se fez prova que o arguido em 2 de Setembro de 20 I O, não conhecia a necessidade de deter as licenças para proceder à gestão de resíduos, gestão de pneus bem, como os requisitos técnicos para proceder ao armazenamento e desmantelamento de VFV ou que não pudesse armazenar os resíduos de EEE tendo de os entregar em locais destinados à sua recolha. É claro que tendo sido o arguido fiscalizado em 2 de Setembro de 2010, não ignorava e não podia ignorar, em 21 de Dezembro de 2011 a necessidade de proceder ao encaminhamento do VFV para o centro de recepção não o podendo continuar a deter no seu armazém.

Para prova dos factos vertidos 21 a 23, valorou o Tribunal o teor das fotografias de fls. 113 a 116, declarações de IRS de fls. 85 e ss e 316 e ss. e guias de acompanhamento de fls. 177 a 180 dos autos, devidamente conjugadas com as declarações prestadas pelo arguido.

No que toca à situação económica e social do arguido descrita em 20 e 24 a 29, o Tribunal considerou as declarações do mesmo, produzidas em sede de audiência de julgamento, que nessa parte mereceram a nossa credibilidade bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas F..., companheira do arguido, G... e H... , respectivamente mãe e avó da companheira do arguido, as quais prestaram o seu depoimento de forma coerente e imparcial, tendo explicado ao Tribunal as precárias condições económicas em que o arguido reside e os hábitos de trabalho do mesmo, tendo descrito o arguido como uma pessoa muito humilde e trabalhadora.

Os factos não provados resultaram de não se ter produzido prova cabal, suficiente e convincente dos mesmos, tendo antes se provado outros de sinal contrário já devidamente fundamentados.

4.ENQUADRAMENTO JURÍDICO CONTRA-ORDENACIONAL

4.1: Da Actividade de Gestão de Resíduos Sem Licença

O arguido mostra-se acusado pela prática de uma contra-ordenação p. e. p. pelo n° I do artigo 23° e pela alínea b) do n° 1 e n° 3 do artigo 67° do Decreto lei n° 178/2006 de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-lei n° 7312011 de 17 de Junho.

De acordo com a noção legal contida no art. 1.0, do R.G.C.O. "Constitui contra-­ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine  uma coima.".

Por seu lado, o artigo 1.0, n." 2, da Lei n." 50/2006, de 29 de Agosto, veio estabelecer o seguinte: "Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima".

Preceitua o artigo 23° nº 1 do Decreto-lei n" 178/2006 de 5 de Setembro que "As operações de armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos estão sujeitas a licenciamento nos termos do presente capítulo". E preceitua o artigo 67° n° 1 que "Constitui contra-ordenação, punível com coima de (euro) 1500 a (euro) 3740, no caso de pessoas singulares, e de (euro) 7500 a (euro) 44890, no caso de pessoas colectivas: ( ... ) b) O exercício não licenciado das operações de gestão de resíduos a que se refere o artigo 23. (M

Refere a entidade administrativa que o arguido procedia à realização da operação de gestão de resíduos, na forma de tratamento e armazenagem dos resíduos resultantes da sua laboração. Ora o artigo 3° do referido decreto-lei define:

(. . .)

b) «Armazenagem» a deposição temporária e controlada, por prazo determinado, de resíduos antes do seu tratamento, valorização ou eliminação;

(. .. )

u) «Resíduo» qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer, nomeadamente os identificados na Lista Europeia de Resíduos ou ainda:

(. . .)

fJ) «Tratamento» o processo manual, mecânico, físico, químico ou biológico que altere as características de resíduos de forma a reduzir o seu volume ou perigosidade bem como a facilitar a sua movimentação, valorização ou eliminação após as operações de recolha;

O art. 2° n? 1, definindo o âmbito de aplicação deste diploma, consagra que o mesmo se aplica "às operações de gestão de resíduos, compreendendo toda e qualquer operação de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos, bem como às operações de descontaminação de solos e à monitorização dos locais de deposição após o encerramento das respectivas instalações".

O supra referido diploma legal estabelece o regime geral da gestão de resíduos, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n. ° 2üÜ6112/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e a Directiva n." 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro (art. 1°).

Efectivamente, como pode ler-se no Preâmbulo daquele diploma legal: «A necessidade de minimizar a produção de resíduos e de assegurar a sua gestão sustentável transformou-se, entretanto, numa questão de cidadania. Existe uma consciência cada vez mais clara de que a responsabilidade pela gestão dos resíduos deve ser partilhada pelo todo da colectividade: do produtor de um bem ao cidadão consumidor, do produtor do resíduo ao detentor, dos operadores de gestão às autoridades administrativas reguladoras. No que diz respeito aos custos inerentes à gestão de resíduos, a afirmação crescente do princípio do «poluidor-pagador» tem vindo a determinar a responsabilização prioritária dos produtores de bens de consumo, dos produtores de resíduos ou dos detentores».

Ora como bem se refere no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/02/2011, Proc. N° 1.252/1Ü.3TALRS.LI-9, disponível em www.dgsi.pt: "Tendo em conta todos estes elementos, entendemos ser de concluir que o armazenamento sujeito à licença ... é a deposição temporária e controlada de resíduos, por prazo determinado, antes do seu tratamento, que exclui as operações de apanha, selectiva ou indiferenciada, de triagem e ou mistura de resíduos com vista ao seu transporte, que constituem a recolha de resíduos."

Não temos dúvidas que as peças dos veículos desmontados que o arguido armazenava no referido local, se integram no conceito de resíduo. Aliás é o próprio artigo 20° n? 1 do Decreto lei n? 196/2003 de 23 de Agosto que consagra que "As operações de tratamento de VFV estão sujeitas a licenciamento nos termos do disposto no Decreto-Lei n." 178/2006, de 5 de Setembro (. . .)". Pelo que estão preenchidos os elementos objectivos do ilícito contra­ordenacional em causa.

Quanto ao elemento subjectivo será o mesmo analisado mais adiante.

4.2: Da Actividade de tratamento de Veículos em Fim de Vida sem Licença

Vem o arguido acusado pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 200 n° 1 e 24° n° 1 alínea d) do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo decreto lei n° 6412008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 4 do artigo 22° da lei n" 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto; Preceitua então o artigo 20° n° 1 do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto que "As operações de tratamento de VFV estão sujeitas a licenciamento nos termos do disposto no Decreto-Lei n." 178/2006, de 5 de Setembro, bem como aos requisitos técnicos mínimos constantes dos nos 2 e 3 do anexo iv do presente diploma, sem prejuízo da demais legislação aplicável ".

E consagra o artigo 24° n° 1 que "Constituem contra-ordenações ambientais muito graves nos termos da Lei n." 50/2006, de 29 de Agosto: (. .. ) d) O exercício da actividade em violação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 19. o e nos nºs 1, 2, 3, 7, 8 e 9 do artigo 20. O"

É o seguinte o teor do anexo IV, nºs 2 e 3:

ANEXO IV

Requisitos mínimos para a armazenagem e tratamento de VFV

"2 - Instalações de desmantelamento de VFV: Sistema de controlo dos documentos dos VFV recepcionados e de registo da data da sua recepção, dos seus dados (matrícula, número de chassis, categoria, marca e modelo), dos dados do último proprietário/detentor (nome, endereço e nacionalidade) e dos dados do centro de recepção de proveniência (nome e endereço); Sistema de registo de quantidades de componentes e materiais retirados e encaminhados, por tipo de materiais ou componentes, e do respectivo destinatário  (incluindo, em particular, a parte remanescente da carroçaria ou chassis); Vedação que impeça o livre acesso às instalações; Equipamento de combate a incêndios; Zona de armazenagem de VFV impermeabilizada, com área suficiente para que os VFV não sejam colocados uns em cima dos outros ou de lado, equipada com sistema de recolha e tratamento de águas pluviais, águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais; Zona de desmantelamento devidamente coberta de forma a proporcionar protecção suficiente contra a chuva e contra o vento, com superfície impermeável e equipada com sistema de recolha e tratamento de águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais; Zona de armazenagem de componentes e materiais retirados, devidamente coberta de forma a proporcionar protecção suficiente contra a chuva e contra o vento, com superfície impermeável e equipada com sistema de recolha e tratamento de águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais. Esta zona deverá estar equipada com recipientes adequados e devidamente identificados para o armazenamento separado de acumuladores (com neutralização dos electrólitos no próprio local ou noutro local), filtros, condensadores contendo pes, fluidos (separados de acordo com as classes referidas no n. o 2. I deste anexo) e de componentes destinados a reutilização. As operações de armazenagem são realizadas de forma a evitar danos nos componentes que contenham fluidos, nos componentes recuperáveis ou nos sobressalentes; Zona de armazenagem de pneus usados (sem empilhamento excessivo), com superflcie impermeável e equipada com sistema de recolha e tratamento de águas pluviais, águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais.

2.1 - Operações de tratamento para despoluição dos VFV: Remoção dos acumuladores e dos depósitos de gás liquefeito (GPL); Remoção ou neutralização dos componentes pirotécnicos (por exemplo, air-bags e pré tensores dos cintos de segurança); Remoção do combustível (incluindo o GPL), do óleo do motor, do óleo da transmissão, do óleo da caixa de velocidades, do óleo dos sistemas hidráulicos, dos líquidos de arrefecimento, do anticongelante, do fluidos dos travões, dos fluidos dos sistemas de ar condicionado e quaisquer outros fluidos contidos no VFV, a menos que sejam necessários para efeitos de reutilização das peças visadas; Remoção, na medida do possível, de todos os componentes identificados como contendo mercúrio; Remoção de todos os componentes e materiais rotulados ou de outro modo indicados nos termos do anexo i, no caso dos VFV das categorias MI, NI e veículos a motor de três rodas, com exclusão dos triciclos a motor.

2.2 - Operações de tratamento a fim de promover a reutilização e a reciclagem: Remoção de todos os componentes susceptíveis de reutilização como peças em segunda mão, quando técnica e economicamente viável; Remoção dos catalisadores; Remoção dos componentes metálicos que contenham cobre, alumínio e magnésio, se esses metais não forem separados no acto de fragmentação; Remoção de pneus; Remoção de grandes componentes de plástico (por exemplo, pára-choques, painel de bordo, reservatórios defluidos, etc.) se estes materiais não forem separados no acto de fragmentação; Remoção dos vidros.

3 - Instalações de fragmentação de VFV: Sistema de registo da data de recepção do VFV, dos seus dados (matrícula, número de chassis, categoria, marca e modelo), dos dados do último proprietário/detentor (nome, endereço e nacionalidade) e dos dados do desmantelador de proveniência (nome e endereço). Nos casos em que os VFV chegam compactados, é apenas exigível o registo, em peso, das quantidades recebidas e os dados do desmantelador de proveniência; Sistema de registo de fracções resultantes da fragmentação, por tipo de materiais, e dos respectivos destinatários; Vedação que impeça o livre acesso às instalações; Equipamento de combate a incêndios; Zona de armazenagem de VFV impermeabilizada, com área suficiente para que os VFV não sejam colocados uns em cima dos outros ou de lado, equipada com sistema de recolha e tratamento de águas pluviais, águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais; Zona de armazenagem de fracções resultantes da fragmentação impermeabilizada, equipada com sistema de recolha e tratamento de águas pluviais, águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais ".

E preceitua o artigo 22 n? 4 da lei 50/2006 de 29 de Agosto que "Às contra­ordenações muito graves correspondem as seguintes coimas: a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 20 000 a (euro) 30 000 em caso de negligência e de (euro) 30 000 a (euro) 37 500 em caso de dolo".

Efectivamente, compulsada a factual idade provada o arguido procedia ao desmantelamento dos VFV no seu armazém sem que reunisse as condições técnicas para o efeito, pelo que se têm também por preenchidos os elementos objectivos inerentes à prática desta contra-ordenação.

Quanto ao elemento subjectivo será o mesmo analisado mais adiante.

4.3: Da obrigação de proceder à entrega dos Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE) nas instalações de recolha selectiva

Vem também o arguido acusado de ter incorrido na prática de uma contra-ordenação p. e p. artigos 9° n° 2, alínea a) do n° I e n? 2 do artigo 32° do Decreto-lei n" 230/2004 de 10 de Dezembro.

Consagra o artigo 9 ° sob a epígrafe "Responsabilidades pela recolha de REEE provenientes de utilizadores particulares" no seu ° 2 que "Sobre os utilizadores impende a obrigação de proceder à entrega gratuita dos REEE que detenham nas instalações de recolha selectiva a tal destinadas, de acordo com as informações fornecidas".

E preceitua o artigo 32° n? 1 que "Constitui contra-ordenação, punível com coima de E 250 a E 3700, no caso de pessoas singulares, e de E 500 a E 44 800, no caso de pessoa colectiva: a) A não entrega de REEE nos locais adequados para a sua recolha selectiva, por parte do último detentor, em violação da obrigação estabelecida no n. o 2 do artigo 9(JJ'. E refere também o n? 2 que "A negligência é punível, sendo neste caso reduzidos a metade os montantes máximos das coimas".

Ora analisando a definição de EEE e de resíduos de EEE constante do artigo 3° do referido Decreto-lei e tendo-se provado que o arguido detinha nas suas instalações pedaços e peças de frigoríficos e máquinas de lavar (facto provado n" 5), não temos dúvidas que o mesmo era considerado o ultimo detentor e tinha por isso a obrigação de entregar os resíduos de EEE nas instalações de recolha selectiva a tal destinadas, o que não fez, mantendo-os depositados no referido armazém. Estão também por isso, em concreto, preenchidos os elementos objectivos inerentes à prática desta contra-ordenação.

Quanto ao elemento subjectivo será o mesmo também analisado mais adiante.

4.4: Da actividade de gestão de pneus sem a Licença

No que se refere ainda ao dia 2 de Setembro de 2010, encontra-se ainda o arguido acusado da prática de uma contra-ordenação p. e p. artigos 5° e alínea c) do n" 1 e n" 2 do artigo 17° do Decreto lei n° 11112001 de 6 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n° 43/2004 de 2 de Março.

Preceitua o artigo 5° que "É proibida a combustão de pneus sem recuperação energética, nomeadamente a queima a céu aberto, e o abandono de pneus usados, bem como a sua gestão por entidades não autorizadas e ou licenciadas para o efeito".

E consagra depois o artigo 17° n° 1 que "Constitui contra-ordenação, punível com coima de € 50 a € 3740, no caso de pessoa singular, e de € 500 a € 44891, no caso de pessoa colectiva: (. . .) c) A violação do disposto nos artigos S" e 1jD". Também o n" 2 refere que "A tentativa e a negligência são puníveis".

Resultou igualmente provado que o arguido nas suas instalações procedia ao armazenamento de pneus provenientes dos VFV (facto n" 7 e 8), sem que estivesse devidamente licenciado para o efeito. Ora preceitua o artigo 1 ° n'' 3 do decreto-lei 196/2003, de 23 de Agosto relativo aos VFV que "O presente regime não prejudica a aplicação da legislação relativa a segurança, emissões para a atmosfera, controlo do ruído, protecção do solo e das águas e gestão de óleos usados, de acumuladores usados e de pneus usados ".

Assim sendo mostram-se também preenchidos os elementos objectivos inerentes à prática desta contra-ordenação.

4.5: Do elemento subjectivo relativo às contra-ordenações cometidas em 02/09/2010

No que se refere ao elementos subjectivo inerente à prática de todas estas contra­ordenações, provou-se que em 2 de Setembro de 2010, o arguido desconhecia a obrigatoriedade de deter licença para realizar operações de gestão de resíduos e para efectuar operações de tratamento de VFV; que desconhecia igualmente o arguido os requisitos técnicos mínimos constantes dos nºs 2 e 3 do Anexo IV do Decreto-Lei n° 196/2003, de 23/08; que desconhecia a necessidade obter licença para proceder à gestão e armazenamento de pneus e que desconhecia que sendo o último detentor dos resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos os devia entregar nos locais adequados para a sua recolha selectiva (factos provados descritos em 13 a 16).

No caso em apreço, estamos perante a existência de um erro sobre os elementos do tipo previsto no art. 8° n" 2 do RGCC e que encontra o seu paralelo no art. 16° n" 1 do C. Penal. Preceitua o artigo 8° n° 2 do RGCC que "O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o dolo". No mesmo sentido vai o artigo 9° n° 3 da Lei n° 50/2006 de 29 de Agosto.

Trata-se de uma situação de erro sobre o facto típico que ocorre quando o agente desconhece ou tem um falso conhecimento sobre os elementos objectivos do tipo, quer se trate de um elemento normativo (de facto ou de direito, como expressamente consta do texto do número 1 do artigo 16° do Código Penal), isto é, quando o agente erra por não conhecer todos os elementos do tipo legal de crime - ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES E JOSÉ SANTOS CABRAL, em "Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas", 33 edição, pág. 46. Ora tal erro, a existir exclui o dolo, ficando sempre ressalvada a punibilidade a título de negligência (art. 80 n" 2 do RGCC).

No caso em apreço, queremos que a conduta do arguido se insere logo no erro sobre os elementos do tipo ou mesmo em erro sobre a proibição por desconhecer por completo ou parcialmente as normas legais que prevêem os comportamentos puníveis. É verdade que fica sempre ressalvada a punibilidade a título de negligência nos termos gerais sendo que todas as contra-ordenações em causa são puníveis a título de negligência, por se tratarem de contra­ordenações ambientais.

Para se verificar o tipo de culpa inerente à negligência é necessário que se verifiquem três elementos: 1) A possibilidade de prever o perigo de realização do tipo; 2) A actuação que não observe o cuidado objectivamente requerido; 3) A produção do resultado típico. É, assim, necessário que o agente tenha omitido um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em SI previsível. Existe previsibilidade quando o agente nas circunstâncias em que se encontrava podia e devia, tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, ter representado como possível o resultado ocorrido. Assim sendo, em sede do tipo de culpa a negligência pressupõe o não uso da diligência devida, segundo as circunstâncias em concreto exigíveis, para evitar o resultado. A negligência consiste, pois, em qualquer das suas modalidades, consciente e inconsciente na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar.

Assim o tipo de culpa negligente consiste, precisamente, na atitude pessoal descuidada ou leviana perante o dever - ser jurídico - contra-ordenacional. Ora, este necessário juízo de culpa só poderá ser afirmado se puder reconhecer-se naquele que actua uma capacidade pessoal para prever e para cumprir o dever objectivo de cuidado bem como o concreto processo causal, o nexo entre a inobservância desse dever e o resultado punível, tendo em conta as suas faculdades e qualidades (capacidade de culpa e previsibilidade pessoal).

Cremos que resulta de toda a matéria de facto provada que não era exigível ao arguido que devesse ter indagado e se informado previamente acerca das referidas normas legais e dos concretos requisitos ali exigidos. Na verdade, em Setembro de 2010, a actividade principal do arguido era a da venda de lenhas e madeiras, sendo que só nos tempos livres se dedicava aos desmantelamento dos veículos e à gestão da sucata, só o fazendo há cerca de 1 ano desde a data em que foi interceptado pela primeira vez. A legislação ambiental é vasta e entroncada, sendo difícil de analisar e perceber até para o cidadão com elevado grau de instrução, quanto mais para o arguido que apenas tem o 6° ano de escolaridade, é pessoa humilde, trabalha de sol a sol e não vê habitualmente televisão nem tem acesso à Internet.

Cremos por isso que não era exigível ao arguido que tivesse conhecimento da legislação em causa e que se tivesse informado sobre a mesma, não podendo por isso o mesmo ser punido pelas contra-ordenações cometidas em 2 de Setembro de 2010, por não se verificar qualquer culpa do arguido, nem sequer na forma negligente.

4.6: Do não encaminhamento do VFV para o Centro de Recepção

Diferente é, naturalmente a questão relativa à contra-ordenação cometida em 21 de Dezembro de 20 11. Vem então o arguido acusado de ter incorrido na prática de uma contra­ordenação p. e p. pelos artigos 5° n" 3 e 24° n" 2 alínea a) e n" 4 do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo decreto lei n° 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n" 3 do artigo 22° da lei n" 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n° 70/2009 de 1 de Outubro;

Preceitua o artigo 5° n° 3 do Decreto-lei 196/2003 de 23 de Agosto que "Os proprietários e ou detentores de VFV são responsáveis pelo seu encaminhamento para um centro de recepção ou para um operador de desmantelamento ",

E dispõe o art. 24° n" 2 alínea a) daquele Decreto-lei, na versão que lhe foi atribuída pela Decreto-lei n° 64/2008 de 08/04, que "Constituem contra-ordenações ambientais graves nos termos da Lei n. o 50/2006, de 29 de Agosto: a) A violação do disposto nos n's 2, 3 e 6 do artigo 5. "". E refere o n° 4 que "A tentativa e a negligência são puníveis ". Ora a referida Lei n° 50/2006 de 29 de Agosto (L.Q.C.A) estipula no seu artigo 22° n" 3 que "Às contra­ordenações graves correspondem as seguintes coimas: a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 2000 a € 10 000 em caso de negligência e de € 6000 a € 20 000 em caso de dolo".

Como resulta do preâmbulo do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, o referido diploma veio «transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n. o 2000/53/CE e estabelecer um conjunto de normas de gestão que visa a criação de circuitos de recepção de VFV, o seu correcto transporte, armazenamento e tratamento, designadamente no que respeita à separação das substâncias perigosas neles contidas e ao posterior envio para reutilização ou reciclagem, desencorajando, sempre que possível, o recurso a formas de eliminação tais como a sua deposição em  aterros».

De acordo com o disposto no art. 2° alínea t) do referido Decreto lei "« Veículo em fim de vida (VFV)>> "um veículo que constitui um resíduo de acordo com a definição constante da alínea u) do artigo 3. o do Decreto-Lei n. o 178/2006, de 5 de Setembro". E o referido art. 30 alínea u) do referido Decreto lei 178/2006 de 5 de Setembro, define resíduos «Resíduo» como sendo "qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer, nomeadamente os identificados na Lista Europeia de Resíduos", ou ainda os ali melhor identificados nas alíneas i) a xvi). A Lista Europeia de Resíduos foi transposta para o Direito Nacional através da Portaria n.? 209/2004, de 3 de Março. Ora os veículos em fim de vida constam do código 16 da Lista Europeia de Resíduos" (Resíduos não especificados em outros capítulos desta lista - 16 01 - Veículos em fim de vida de diferentes meios de transporte (incluindo máquinas todo o terreno) e resíduos do desmantelamento de veículos em fim de vida e da manutenção de veículos (excepto 13, 14, 1606 e 1608)": - vide Lista Europeia de Resíduos de acordo com a portaria n° 20912004 de 3 de Março disponível para consulta em H'.VW. ccdrc.pt - (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro).

Também o art. 2° alínea r) do Decreto-lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, define « Veículo» como "qualquer veículo classificado nas categorias MI (veículos a motor destinados ao transporte de passageiros com oito lugares sentados, no máximo, além do lugar do condutor) ou NI (veículos a motor destinados ao transporte de mercadorias, com peso máximo em carga tecnicamente admissível não superior a 3,5 t) definidas no anexo ii do Decreto-Lei n. o 72/2000, de 6 de Maio, bem como os veículos a motor de três rodas definidos no Decreto-Lei n. ° 30/2002, de 16 de Fevereiro, com exclusão dos triciclos a motor".

Por sua vez o artigo 2° define, na sua alínea a), «Centro de recepção», como "a instalação destinada à recepção e à armazenagem temporária de VFV, com o objectivo do seu posterior encaminhamento para desmantelamento" e na alínea b) «Desmantelamento» como a "operação de remoção e separação dos componentes de VFV, com vista à sua despoluição e à reutilização, valorização ou eliminação dos materiais que os constituem" E ainda na alínea f) define «Operadores» como "os fabricantes, os importadores e os distribuidores de veículos, os fabricantes e fornecedores de materiais e componentes, as entidades que procedem à reparação e manutenção de veículos, os municípios, as autoridades policiais, as companhias de seguro automóvel, os transportadores de VFVe seus componentes, os operadores de centros de recepção, de desmantelamento, de fragmentação, de valorização e de outras instalações de tratamento de VFV, incluindo os seus componentes  e materiais ",

No caso sub judicie resultou provado que efectivamente o arguido mantinha em 21 de Dezembro de 2011 no referido armazém pelo menos um veículo em fim de vida (facto n° 11), não tendo procedido ao encaminhamento do mesmo para o centro de recepção ou operador de desmantelamento, bem sabendo e não podendo ignorar que o deveria fazer, pelo que não agiu o arguido com o cuidado devido e que naturalmente lhe era exigido, atenta a fiscalização a que tinha já sido submetido em Setembro de 2010, tendo ali tomado conhecimento desta sua obrigação (facto provado n° 17). Actuou pois o arguido com negligência, sendo que de acordo com o disposto nos artigos 9° n? 2 da L.Q.C.A. e 24° n° do Decreto-lei n? 196/2003 de 23 de Agosto, a negligência é punível.

Estão portanto preenchidos os elementos objectivos e subjectivos inerentes ao ilícito em causa, tendo pois o arguido incorrido na prática da contra-ordenação grave p. e p. pelos artigos 5° n" 3 e 24° n" 2 alínea a) e n° 4 do Decreto-Lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 3 do artigo 22° da Lei n" 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto.

5. DA COIMA

5.1: Da Admoestação

Em sede de impugnação judicial o arguido veio requer a aplicação da sanção de admoestação, por considerar preenchidos os pressupostos previstos no art. 51º do R.G.C.C.

Efectivamente dispõe o art. 51º do RGCC:

« 1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra­ordenação. »

Sustenta o recorrente que a sua culpa é diminuta porquanto é primário e actuou de forma negligente, sendo também a ilicitude diminuída, não tendo causado qualquer dano para o ambiente. Mais refere que não retirou qualquer benefício económico da prática da contra-ordenação.

A admoestação a que se refere o artigo 51º do R. G. C. O. não trata apenas de uma sanção/acto susceptível de ser aplicado na fase administrativa do processo mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, aplicada na fase judicial, desde que verificados determinados pressupostos, pressupostos que decorrem da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente. (sublinhado nosso) - (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/03/2010, Proc. N° 918/09.5TBCR.Cl, disponível na base de dados do ITU em www.dgsi.pt).

No que se refere à natureza da admoestação, tem esta sido amplamente discutida na doutrina, nomeadamente se trata de uma «sanção de substituição» aproximativa à «dispensa da pena», entendendo-a como o equivalente à "dispensa de coima" (SANTOS CABRAL E OLIVEIRA MENDES, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Coimbra Editora, 2009, p. 174), como uma sanção autónoma de substituição da coima (ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 83 edição Coimbra, 2009, pp. 27 e 129) ou antes como um «acto preparatório do arquivamento dos autos ditado pelos princípios da oportunidade e da proporcionalidade e não recorrível» (FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano VII, fase. 1 p.92).

Assim sendo e tecidas estas considerações de carácter geral, pese embora a culpa do arguido seja diminuta, desde logo por ter actuado de forma negligente e por só não ter ainda o arguido procedido ao encaminhamento da viatura por dificuldades em agendar a recolha da mesma com o Centro de Recepção, o que veio a realizar alguns dias depois (facto n" 18), tal não nos parece por si só suficiente para se aplicar àquele uma simples sanção de admoestação, porquanto a gravidade da contra-ordenação é elevada. O Decreto-lei n° 196/2003 de 23/08, ao transpor para a ordem jurídica nacional a Directiva n.? 2000/53/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Setembro, visa a prevenção da produção de resíduos provenientes de veículos e a promoção da reutilização, da reciclagem e de outras formas de valorização de VFV. Tais objectivos, sendo genericamente válidos para a globalidade dos resíduos, constituem, também, uma condição indispensável para um desenvolvimento sustentável. E a importância deste desiderato assume-se como tanto mais relevante quanto os veículos incorporam, pela sua própria natureza, uma grande variedade de materiais, componentes e substâncias cuja adequada gestão e tratamento se toma imperioso implantar, no mais breve prazo possível, no nosso país - (Exposição de motivos do referido diploma legal). E se dúvidas houvesse acerca da gravidade desta contra-ordenação, sempre estas seriam dissipadas com a redacção conferida ao art. 24° n° 2 alínea a) daquele Decreto-lei na versão que lhe foi atribuída pela Decreto-lei n° 64/2008 de 08/04: "Constituem contra-ordenações ambientais graves nos termos da Lei n. ° 50/2006, de 29 de Agosto: a) A violação do disposto nos nOs 2, 3 e 6 do artigo 5.0>'.

A este propósito cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/09/2012, Proc. n° 29/12.6TBARL.EI, disponível na base de dados do ITU em www.dgsi.pt em cujo sumário se refere que "A admoestação, prevista no artigo 51° do R.G.C.O., tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra­ordenações leves ou simples".

Pelo que, pese embora seja perfeitamente possível a aplicação da admoestação na fase judicial do processo de contra-ordenação, entendemos não estarem reunidos, no caso concreto, os pressupostos para se proceder à sua aplicação.

5.1: Determinação da Medida da Coima

Resta agora tão só analisar a medida da coima aplicável ao arguido pela contra­ordenação cometida em 21 de Dezembro de 2011.

Dispõe o art. 20.º n" 1 da L.Q.C.A. que "A determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto". Estatui ainda o n° 2 daquela mesma disposição legal que "Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção".

Ora como vimos referindo, a gravidade da referida contra-ordenação é elevada. Todavia, a culpa do arguido encontra-se sensivelmente diminuída na medida em que actuou de forma negligente, em violação dos deveres de cuidado que ao caso cabiam, sendo certo que apenas ali se encontrava apenas um VFV e o arguido ainda não tinha procedido ao encaminhamento da viatura por dificuldades em agendar a recolha da mesma com o Centro de Recepção, o que veio a realizar alguns dias depois (factos n° 11 e 18).

No que se refere à situação económica do arguido, efectivamente resultou provado que durante o ano de 2010, o mesmo teve rendimentos profissionais no montante de 15.660,55 € e relativamente ao ano de 2011 no valor de € 13.789.70. Mais se provou que o arguido é solteiro e retira do comércio de lenhas e madeiras a que se dedica quantia mensal equivalente ao salário mínimo, com o qual sustenta o seu agregado familiar, composto por si e pela sua companheira. Provou-se que ambos residem em casa da mãe da companheira com a ajuda económica da mesma e que o arguido trabalha desde os 17 anos de idade, laborando cerca de 10 a 12 horas diárias de segunda feira a domingo, sendo considerado pelos familiares como uma pessoa humilde e muito trabalhadora (factos descritos em 20 e 24 a 29).

No que se refere ao benefício económico retirado da prática da infracção, provou-se que o arguido não teria de suportar qualquer custo pelo encaminhamento do VFV para os adequados centros de recepção e desmantelamento, pelo que o mesmo é inexistente (facto n° 19).

Por último, há que considerar também a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção, de acordo com o já citado n° 2 do art. 20° da L.Q.C.A.

Efectivamente, resultou provado que o arguido já tinha sido objecto de anterior fiscalização em Setembro de 2010 ao referido armazém mas para além disso, não tem o Tribunal conhecimento da prática de qualquer outra contra-ordenação pelo arguido. De salientar a atitude do arguido que após Setembro de 2010 limpou todo o terreno em causa, só tendo ficado o referido VFV (facto provado n° 22) e procedeu ao encaminhamento dos resíduos (facto n° 23).

Já no que respeita às exigências de prevenção, sempre se diga que neste tipo de contra­ordenações, aquelas são relativamente elevadas, porquanto toma-se cada vez mais frequente o cometimento deste tipo de ilícitos de carácter ambiental sem que os infractores tenham consciência da gravidade das suas condutas, infelizmente considerando que se tratam de meras exigências burocráticas.

Pelo que, tendo em conta a gravidade da infracção cometida, a intensidade da culpa do recorrente, a ausência de benefício económico por ele obtido com a prática da contra-ordenação, a sua conduta anterior e posterior ao ilícito, bem como as exigências de prevenção a ter em conta no caso concreto, afigura-se-nos adequado e justo condenar arguido pela prática de uma contra-ordenação grave p. e p. pelos artigos 5° n" 3 e 24° n? 2 alínea a) e n° 4 do Decreto lei n? 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo decreto lei n" 6412008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 3 do artigo 22° da lei n° 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n" 89/2009 de 31 de Agosto na coima de € 2.000,00, situada no mínimo legal, tal como efectuou a entidade administrativa, pelo que nesta parte nenhuma censura merece aquela decisão.

6. DISPOSITIVO:

Pelo exposto, julgo o recurso parcialmente procedente, e, em consequência, decido:

a) revogar parcialmente a decisão proferida em 16/11/2012, no âmbito dos processos n° COI002612/1 O e COIOOO 152/12, pela Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, e absolver o arguido A..., da prática, em concurso efectivo de;

- uma contra-ordenação p. e. p. pelo n° 1 do artigo 23° e pela alínea b) do n° 1 e n° 3 do artigo 67° do Decreto lei n° 178/2006 de 5 de Setembro;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 20° n° 1 e 24° n" 1 alínea d) do Decreto lei n° 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n° 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 4 do artigo 22° da lei n" 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 9° n° 2, alínea a) do n° 1 e n" 2 do artigo 32° do Decreto lei n° 230/2004 de 10 de Dezembro;

- uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 5°, alínea c) do n° 1 e n° 2 do artigo 17° do Decreto lei n" 11112001 de 6 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n" 43/2004 de 2 de Março;

b) manter a decisão proferida em 16/11/2012, no âmbito dos processos n.º  CO/002612/10 e CO/000152/l2, pela Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, na parte em que condenou o arguido A..., pela prática de uma contra-ordenação grave p. e p. pelos artigos 5° n° 3 e 24° n° 2 alínea a) e n° 4 do Decreto-Lei n" 196/2003 de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 64/2008 de 8 de Abril e alínea a) do n° 3 do artigo 22° da Lei n° 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 89/2009 de 31 de Agosto na coima de € 2.000,00 (dois mil euros);

c) Condenar arguido A..., no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC (artigo 93° n° 3 e 94° n° 3 do Decreto-Lei n° 433/82, de 27.10 e art. 8° n" 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Notifique e deposite (artigos 373° n" 2 e 372° n" 5 do C.P.P. aplicáveis ex vi artigo 41 ° n° 1 do Decreto lei n° 433/82, de 27.10).

Comunique à entidade administrativa competente (artigo 55° n° 3 da Lei n° 50/2006, de 29 de Agosto).”

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III. Apreciação do Recurso:

Nos termos do artigo 75.º do Decreto-Lei 433/82, de 27.12, nos processos de contra-ordenação, a segunda instância conhece apenas, por regra, da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal, no caso, funcionará, como tribunal de revista.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), a questão que vem colocada pelo recorrente é a seguinte:         

- Saber se a sanção aplicada é adequada.

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            - Da sanção aplicada:

            O recorrente, em resumo, defende que a sanção aplicada deve ser substituída por uma mera admoestação ou, caso assim se não entenda, considera que deve haver lugar à atenuação especial da coima.

            Os critérios para a determinação da medida da sanção em processo de contra-ordenação encontram-se estabelecidos no artigo 18.º, do RGCOC.

Assim, há que ponderar a gravidade da contra-ordenação, a culpa do agente, a sua situação económica e o benefício económico obtido com a prática da infracção.

Na decisão recorrida foram ponderados: a) a natureza grave da contra-ordenação; b) a negligência do recorrente; c) os seus rendimentos profissionais em 2010 e 2011, assim como a sua inserção social; d) a inexistência de benefício económico; e) a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.

A gravidade da contra-ordenação depende, sem dúvida, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, ainda, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.

Contudo, além disso, a gravidade da contra-ordenação pode, também, depender ou aferir-se a partir directamente da lei.

É o caso, por exemplo, das contra-ordenações estradais em que o legislador as qualifica, em função da sua gravidade, como simples, graves e muito graves.

Pois bem, em sede de contra-ordenações ambientais, também a lei as qualifica, nos termos referidos, como leves, graves e muito graves.

No caso em apreço, estamos perante uma contra-ordenação considerada grave.

            Aqui chegados, é preciso ter presente que o artigo 51.º, n.º 1, do RGCOC consagra o seguinte: “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”

Assim, a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.

Como já referimos, a infracção cometida pelo recorrente é qualificada como grave, o que exclui a possibilidade de aplicação da admoestação nos presentes autos.

            Por consequência, a sentença recorrida não merece, nesta parte, qualquer reparo.

                                                                       ****

            Avancemos.

O artigo 18.º, n.º3. do RGCOC preceitua que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.

Consideramos ser aplicável em processo contra-ordenacional o artigo 72.º, do Código Penal – ver, neste sentido, Acórdão do TRE, de 17/9/2009, Processo n.º 693/08.0TBPTG.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador António Latas, e Acórdão do TRC, de 5/12/2012, Processo n.º 598/12.0TBTMR.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira.

Conforme ensina a doutrina, o legislador sabe estatuir, à partida, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir.                

Porém, entende, ainda, a doutrina, que o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança, vendo estas como circunstâncias modificativas.

            Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.

Resumindo a tendência dominante na nossa jurisprudência, que segue a par a mencionada doutrina, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.

Há que ver, então, se se justifica, no caso concreto, a atenuação especial da coima.
  Conforme resulta dos factos dados como provados (nºs 17 e 18), a conduta, negligente, do arguido traduziu-se na falta de encaminhamento do veículo em fim de vida para centro de recepção ou para operador de desmantelamento, tendo isso decorrido por dificuldades em agendar a recolha da mesma com o Centro de Recepção, o que veio a realizar alguns dias depois.
Ainda que estejamos na presente de uma infracção qualificada como grave, como já vimos, temos de convir que aquilo que esteve na origem da omissão do recorrente e a sua conduta no sentido de repor a legalidade da situação, o mais breve possível - algo pouco vulgar nos dias de hoje -, traduzem uma acentuada diminuição da ilicitude ínsita no comportamento do arguido e, como tal, impõem a redução da coima.
Em face do exposto, a moldura punitiva normal ora em causa é manifestamente desproporcionada, justificando-se, por isso, a atenuação especial da coima.

A moldura abstracta cominada para a coima praticada pelo arguido situa-se, agora, entre € 1000 (limite mínimo) e € 5000 (limite máximo).

Levando em linha de conta os parâmetros de determinação do valor concreto da coima considerados pelo tribunal a quo, fixamos esse montante no limite mínimo legalmente admissível, ou seja, em € 1000.

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            IV. Decisão:

Desta sorte, e pelos fundamentos expostos, decidem os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra conceder provimento ao recurso, indo, por conseguinte, o arguido condenado, pela prática de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelos artigos 5.º, n.º 3, e 24.º, n.º 2, alínea a), e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de Abril, e alínea a), do n.º 3, do artigo 22.º, da Lei n° 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, na coima, especialmente atenuada, no valor de € 1.000,00 (mil euros).
Não é devida taxa de justiça - artigo 513.º, n.º 1, do CPP, na redacção que lhe foi dada pelo Dedreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
             

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Coimbra, 6 de Novembro de 2013

 

 (José Eduardo Martins - Relator)
 (Maria José Nogueira)