Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
646/09.1TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: DANO BIOLÓGICO
PERDA DE GANHO
CONCEITO JURÍDICO
INDEMNIZAÇÃO
DUPLICADO
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE – 2.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 566º/2 E 3 DO CCIVIL
Sumário: 1 - Tendo o lesado 29 anos na data da alta, tendo uma retribuição anual de cerca de € 18.000,00 e tendo ficado com uma IPG de 5%, é equitativo fixar (por reporte à data da sentença de 1.º Instância, proferida 5 anos após a data da alta) a indemnização pelo dano biológico em € 25.000,00.
2- Montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da actividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “B... Companhia de Seguros, S.A.”, com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 120.205,01 (€ 25.000, referentes à incapacidade física que o afecta; € 4.634,09, relativos a despesas que efectuou por causa do acidente; € 9.342,44, correspondentes às remunerações que deixou de auferir por ter estado incapacitado para trabalhar; € 26.228,48, atinentes à perda parcial da capacidade de ganho por si sofrida; € 25.000, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos; e € 30.000, a título de indemnização do quantum doloris, dano estético e do prejuízo de afirmação pessoal), montante este acrescido de juros legais de mora, contados desde o dia 02-08-2007 e até integral e efectivo pagamento (computando os vencidos em € 11.036,46).

Alegou, em síntese, que, no dia 21 de Outubro de 2005, pelas 13 horas e 5 minutos, no IP5, ao Km. 107,350, foi embatido, quando conduzia o veículo automóvel matrícula ...SJ, pertencente ao seu pai, pelo veículo automóvel matrícula ...TI, pertencente e conduzido por C... ; embate esse que ocorreu totalmente na hemi-faixa de rodagem do A. (sentido Guarda-Viseu), onde o veículo conduzido pelo C..., que circulava totalmente fora da sua mão de trânsito, o foi colher; causando-lhe os danos, de índole patrimonial e não patrimonial, que descreve e cujo ressarcimento peticiona da R., responsável, em face do contrato de seguro existente, pela indemnização.

A R. contestou, assumindo a sua responsabilidade pelo acidente, impugnando, porém, os valores reclamados pelo A., que reputa de excessivos; concluindo, a final, que o pedido seja julgado de acordo com o que invoca e se vier a provar.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.

Após o que, realizada a audiência, o Exmo. Juiz de Circulo proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…) pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, condeno a ré “ B... Companhia de Seguros, S.A.” no pagamento ao autor A...: - da quantia indemnizatória de € 11.633,26, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde o dia 23-11-2009 e até efectivo e integral pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano; - da quantia indemnizatória de € 45.000, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a data da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano. Absolvo a ré do demais peticionado. (…)”

Inconformado com tal decisão, interpôs o A.. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que lhe conceda uma indemnização no montante de € 25.000,00 a título de perda de ganho; e que lhe incremente (de € 15.000,00 para € 25.000,00) a indemnização a título de dano biológico.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

4. Não obstante tal, o recorrente centra as suas alegações e, assim, a razão de ser da sua discordância com a sentença recorrida, em dois aspetos. Ou seja, no facto de o Meritíssimo Juiz não lhe ter arbitrado qualquer indemnização a título de perda de ganho e mo facto de a indemnização atribuída a título de dano biológico, na sua opinião, pecar por ser diminuta face aos danos e demais factores de cálculo provados e aplicar;

Assim,

5. Quanto à não atribuição da indemnização a título de perda de capacidade de ganho, entende o recorrente, salvo o devido respeito, que mal andou o Tribunal a quo nesta sua decisão e consideração;

6. Considerou o Tribunal a quo, que as sequelas sofridas pelo Autor, em consequência do malogrado acidente, não obstam a que o Autor desempenhe a sua atividade profissional habitual, de guarda prisional, embora esteja provado e seja aceite que necessita de empreender mais esforço para desempenho da sua atividade profissional – vide ponto 7.14 da sentença recorrida;

7. Considerou ainda o Tribunal que, atentos os factos, fundamentos e razões aí elencadas, não é previsível a perda da capacidade de ganho por parte do Autor;

8. Não concorda o Autor com tal consideração/decisão, entendendo que a mesma é errada;

9. Como ficou demonstrado, em sede de audiência de julgamento, e até como consta dos factos dados como provados, as sequelas de que padece o Autor, causa direta do referido acidente, importam uma repercussão permanente nas suas atividades físicas diárias, bem como, podem limitar a sua progressão na carreira profissional. Vide a este propósito, os factos dados como provados e que constam da sentença recorrida: 5.19. Em consequência do acidente, o autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos (numa escala até 100 pontos), sendo de perspetivar a existência de dano futuro; 5.20. As sequelas de que o autor padece em consequência do acidente são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional de guarda prisional, mas implicam esforços suplementares, e podem limitar a sua progressão na carreira profissional; 5.21. Em consequência do acidente, o autor sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente).

10. Resulta ainda, da matéria de facto dada como provada, que as sequelas de que o Autor padece limitam-no fisicamente, sendo que, consabidamente, tal terá impacto direto e necessário na possibilidade de o mesmo progredir na carreira, porque limitadores de tal. E, tanto assim é que, atentas as sequelas que tem, encontra-se automaticamente excluído de qualquer possibilidade de progredir na carreira por não poder sequer realizar as necessárias provas físicas destinadas a esses fins, já que, está limitado e não pode, nem poderá mais, correr e saltar;

11.Pelo que, atentas as limitações físicas de que passou a padecer, o Autor não pode sequer candidatar-se a concursos de progressão na carreira, estando automaticamente excluído em função das limitações físicas de que passou a padecer e, por isso, porque não existe, legalmente, outra forma de progredir nessa carreira, o mesmo é dizer que, está completamente impossibilitado de progredir na carreira;

12.O mesmo é dizer, que padece de imediata perda de ganho;

13.Aliás, é entendimento assente e a nosso ver, é assim que se tem de decidir, que, fixada que seja uma incapacidade permanente, existe, de imediato, perda de ganho a considerar;

14.Ademais, quando, essa incapacidade tem repercussões no futuro, certas, como é o caso presente, atentos os factos dados como provados;

15. Ora, ao considerar o Tribunal a quo, que o Autor se encontra permanentemente afetado nas suas atividades desportivas e ainda que as mesmas importam a sua limitação no âmbito profissional, temos que não poderia nem deveria ser negada ao Autor a atribuição da competente indemnização a título de perda de capacidade de ganho;

16.O Autor não aceita, pois, que o Tribunal considere que, pelo simples facto de o mesmo deter a profissão de guarda prisional, não venha a sofrer qualquer diminuição de ganho;

17.Quando, é evidente que, a sua própria retribuição depende da sua capacidade de resistência física, como é, por exemplo, o facto de ser mista e de nela se incluírem ganhos mensais certos, mas variáveis, de remuneração por prestação de trabalho suplementar;

18.Entende o recorrente, com o devido respeito que nos merece o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que, a sua decisão é errada, no que a este facto diz respeito, pois que, pese embora as sequelas do acidente pareçam que não comportam diminuição do ganho atual, o que não é verdade, mas se o fosse, tal nunca poderia significar que o Autor não venha a ter perda de ganho futuro, já que, como se disse, as sequelas que o mesmo apresenta, importam a sua limitação física actual e futura e, assim, a sua impossibilidade objectiva e certa de progressão na carreira profissional;

19.Termos em que entende o Autor, ora recorrente, que a decisão recorrida, na parte em que considerou improcedente o pedido da indemnização peticionada pelo Autor a título de danos resultantes da perda de ganho se encontra errada, devendo a Douta Sentença recorrida, ser assim substituída, nessa parte, por uma nova Decisão, que decida atribuir a esse título e como compensação por tal dano, o quantitativo peticionado na PI, ou caso, assim não se entenda o quantitativo justo que vier a ser arbitrado por Vªs Exªs , aferido de acordo com as regras de equidade que se exigem e devem aplicar-se;

20.Sempre, sem prescindir, que, por exemplo e por comparação com os casos de acidentes de trabalho, a mera fixação e uma incapacidade permanente, importa a imediata atribuição de indemnização por perda de ganho futuro, por esta ser certa e independente de quaisquer considerandos;

21.Quanto à indemnização atribuída a título de dano biológico, também aqui, (contrariamente ao que foi decidido quanto ao ressarcimento dos demais danos e com o que nos conformamos e por isso não apresentamos qualquer critica a essa parte da Decisão e, sempre, com o devido respeito e salvo melhor opinião) não se pode conformar o Autor, ora recorrente, com a Douta Sentença recorrida;

22.Ora, decidiu o Tribunal, nesta sede, atribuir ao lesado, a quantia de apenas 15.000 euros (Quinze mil euros), a título de indemnização para ressarcimento do dano biológico, sendo que, tal montante inclui, segundo o Tribunal recorrido, o previsível agravamento das lesões físicas de que o Autor venha a padecer – vide ponto 7.15 da Douta Sentença recorrida;

23.Tendo em conta que a indemnização a título de dano biológico, visa compensar o lesado pela violação da sua integridade físico-psíquica, enquanto pessoa, desde que tal violação tenha tradução médico-legal, ou como diminuição funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais e, que deve ser fixada de forma equitativa e justa, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto, entendemos que o valor atribuído é muito diminuto e portanto insuficiente para a compensação devida pelos danos sofridos, já que, a reconstituição natural não é possível;

24.De facto, no caso em apreço, para que o Autor se conforme com a justeza da indemnização arbitrada a título de dano biológico, sempre teremos de considerar que releva, de modo especial, que o Autor, ora recorrente, à data do acidente tinha apenas a idade de 27 anos, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos, sendo de admitir agravamento futuro e implicando esforços suplementares no exercício da atividade profissional -vide nº 5.20 da matéria de facto provada;

25.Ora, visando o escopo da indemnização/compensação pelo dano biológico sofrido pelo lesado, a atribuição da justa compensação, quer pela restrição ou limitação às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego enquanto fonte actual de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, quer pela acrescida penosidade e esforço necessários e certos no exercício da sua actividade profissional actual e qualquer outra futura, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, por forma a garantir um mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido;

26.sempre se terá de considerar que, à data do acidente, o Autor tinha 27 anos, o que, se considerarmos a vida activa até aos 65 anos, significa que o Autor tem ainda pela frente 38 anos de vida profissional, a sofrer permanentemente das apontadas limitações e até eventuais restrições na progressão na carreira profissional, por causa do malogrado acidente, tendo vedada a ascensão na carreira e, assim, está impedindo de vir a obter melhor retribuição;

27.Sem prescindir, e de acordo com o entendimento vigente, as lesões de que o Autor padece permanecem para além do termo da denominada vida activa, pelo que, se deverá atender à esperança média de vida para fixação de um quantitativo justo a título de indemnização pelo dano biológico;

28.Sendo certo porém que tal quantitativo, correspondente ao montante indemnizatório correspondente a este dano, na ausência de outro critério delimitador, será fixado com recurso à equidade, sendo entendimento dominante que as tabelas financeiras existentes apenas funcionam como meros auxiliares;

29.Ainda que no presente caso, a decisão recorrida se baseasse na aplicação da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, alterada pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho, aplicável jurisprudencialmente de acordo com a ponderação do julgador em alguns casos, ainda que destinada expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, ainda assim, entende o recorrente, que a indemnização concedida a título de dano biológico é substancialmente diminuta ,tendo em conta as especificidades do caso concreto e todos os factos dados como provados e a ponderar na Decisão e, que a nosso ver, não foram devidamente sopesados;

30.É que, independentemente deste valor, obtido de acordo com o cálculo aritmético, constante da portaria supra referida, sempre teriam de acrescer, necessariamente, outros factores condicionantes e determinantes daquela indemnização, nomeadamente, o facto de o Autor como causa directa e adequada das sequelas de que ficou a padecer, ter de empreender maior esforço para desempenho da sua atividade profissional. E, por isso, o cálculo efectuado não prevê nem contabiliza quaisquer aumentos de vencimento;

31.Não obstante entende o recorrente, como aliás a maioria da jurisprudência, que aquela portaria é de aplicação meramente indicativa, sendo que o julgador deve optar por seguir outros critérios, porventura, mais justos e equitativos e menos matemáticos;

32.Pelo que, e tendo em conta tudo quanto se disse, bem como, todas as especificidades que o caso comporta, entende o Autor que lhe deve ser concedida/fixada uma indemnização, a título de ressarcimento do dano biológico, superior à concedida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, fixando-se o referido quantitativo em quantia não inferior a 25.000 euros (Vinte e cinco mil euros), a atribuir ao Demandante/lesado, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido;

33.O recorrente é assim do entendimento que lhe são devidas as indemnizações supra peticionadas, isto é, a título de perda de ganho e a título de dano biológico, esta de valor superior ao fixado;

34. E, ainda que se seguisse o caminho minoritário, fixado por alguma jurisprudência, nomeadamente, que a indemnização devida a título de perda de ganho terá de ser englobada na indemnização devida a título de dano biológico, (no que se não concede e, entendemos que, nesta senda, também o Meritíssimo Juiz a quo, embora não haja fixado indemnização para um dos danos, concorda com a nossa posição, já que as apreciou separadamente) ainda assim, deve a decisão recorrida ser reformulada, cumulando-se as indemnizações peticionadas pelo Autor a esses níveis e para ressarcimento desses dois danos, aumentando-se substancialmente a indemnização a atribuir ao Autor, agora e segundo este entendimento, apenas a título de dano biológico, mas, nela se englobando os valores peticionados na P.I., também a título de perda de ganho, num valor nunca inferior a 50.000,00 euros, perto da soma dos dois valores peticionados na P.I.;

35. E assim entente o recorrente que a decisão recorrida, nos aspectos ora colocados em crise – e somente quanto a esses – encontra-se errada, não configurando a decisão mais justa e equitativa que o caso em apreço merece;

36.E por todos os fundamentos supra elencados, temos que a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não convence totalmente o recorrente, esperando este ter a douta retificação por parte de Vªs Exªs, nos termos supra sugeridos, isto é, através da atribuição e uma indemnização para ressarcimento da perda de ganho igual à peticionada na P.I. ou quando muito não inferior a 25.000,00 euros e, ainda, através da alteração da quantia fixada para ressarcimento da dano biológico, dos 15.000,00 euros fixados pela Decisão recorridas, para os 25.000,00 euros agora entendidos como justos e, tudo face aos factos dados como provados, assim se aplicando o devido Direito aos mesmos; (…)”

A R. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas substantivas referidas pelo A/recorrente, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1-O Tribunal Recorrido ao não considerar a indemnização pelo dano patrimonial futuro quando o Apelante no seu trabalho não teve qualquer redução no vencimento, ajuizou corretamente.

2-O valor de 15.000,00 € pelo dano biológico baseado na equidade ao abrigo do disposto no art. 566 nº 3 C. Civil, é acertivo, criterioso, ponderado e justo, e engloba o dano patrimonial futuro decorrente dele por perda de faculdades físicas/intelectuais decorrentes do avanço da idade.”

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II. – Fundamentação de Facto:

Resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 21 de Outubro de 2005, pelas 13 horas e 5 minutos, no concelho de Mangualde, mais precisamente no Itinerário Principal 5 (IP5), ao quilómetro 107,350, ocorreu um acidente;

2. No sentido Guarda-Viseu, passando pelo referido I.P., na localidade de Mangualde, circulava o veículo ligeiro de mercadorias, marca Seat, modelo Ibiza, matrícula ...SJ, conduzido pelo autor A..., e pertencente a D..., pai daquele;

3. Em sentido contrário, isto é, no sentido Viseu-Guarda, circulava o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula ...TI, pertencente ao condutor C...;

4. No local o trânsito faz-se nos dois sentidos, e a estrada possui a largura de 6,40 metros;

5. Na altura do acidente estava a chover, estando o piso escorregadio, pese embora em estado de conservação razoável;

6. A rodovia, por onde circulavam os veículos SJ e TI no local do acidente, é uma recta, e a travessia, atentos ambos os sentidos de marcha, é plana;

7. Acontece que ao quilómetro 107,350, no referido IP5, o autor, enquanto conduzia o veículo do seu pai, foi embatido pelo veículo conduzido pelo C..., veículo este que, de forma desgovernada, invadiu a hemi-faixa de rodagem do autor, ou seja, a do sentido contrário ao seu, e embateu no veículo que aí circulava, o conduzido pelo autor, de forma violenta e impetuosa, tudo de forma inesperada e imprevisível;

8. O autor tentou ainda evitar o embate, travando assim que se apercebeu que, em sentido contrário, circulava um veículo totalmente desorientado e fora da sua hemi-faixa de rodagem, não tendo, porém, conseguido evitar o incidente;

9. O acidente deu-se dentro da hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha do “SJ”, sendo que após o embate o veículo conduzido pelo autor ficou completamente imobilizado e destruído na berma do lado direito, atento o sentido de marcha do “SJ”;

10. O autor, quando se viu vivo, após desfalecer, sentiu dores e logo ali notou e percebeu que teria de ser submetido a tratamentos médicos complexos e demorados e que, nos próximos anos, teria de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas;

11. Em consequência do acidente, o autor foi imediatamente transportado para o Hospital de Viseu e, atento ao seu débil estado de saúde, foi internado e operado de urgência;

12. Foi submetido a diversos exames, tendo-lhe sido diagnosticados diversos ferimentos, graves, no braço esquerdo e na perna direita, designadamente fractura da rótula direita e dos ossos do antebraço esquerdo;

13. Esteve em regime de internamento no Hospital de Viseu durante cerca de 4 dias, tendo sido operado;

14. Após essa data, foi transferido para o Hospital Distrital de Lamego, onde permaneceu em regime de internamento durante mais 4 dias, e após passou a frequentar a consulta externa desse Hospital, para curativos;

15. O autor realizou tratamentos de fisioterapia e, em 3 de Maio de 2007, foi de novo operado para extracção de material de osteossíntese;

16. O autor frequentou também, e por diversas vezes, os serviços de consultas externas do Hospital Distrital de Lamego para curativos e outros exames, bem como os diversos serviços médicos da companhia de seguros, e teve de ser submetido a tratamento fisiátrico e RX;

17. O autor sofreu uma repercussão temporária na actividade profissional total de 343 dias (correspondendo aos períodos temporais decorrentes entre os dias 21-10-2005 e 27-06-2006, e entre os dias 02-05-2007 e 02-08-2007), e uma repercussão temporária na actividade profissional parcial de 308 dias (correspondendo ao período temporal decorrente entre os dias 28-06-2006 e 01-05-2007);

18. Tendo sido durante tais períodos tratado pelos Serviços Médicos da Seguradora, aqui ré;

19. Em consequência do acidente, o autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos (numa escala até 100 pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro;

20. As sequelas de que o autor padece em consequência do acidente são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional de guarda prisional, mas implicam esforços suplementares, e podem limitar a sua progressão na carreira profissional;

21. Em consequência do acidente, o autor sofreu uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente);

22. Em consequência do acidente, e das sequelas por este geradas, o autor necessitou da ajuda de terceira pessoa para quase toda a sua actividade quotidiana durante cerca de 45 dias;

23. O autor deslocou-se, por diversas vezes, aos serviços clínicos da companhia de seguros em Coimbra, em Viseu e no Porto;

24. Por causa do acidente, o autor efectuou despesas em reboque da viatura, medicamentos, taxas moderadoras, deslocações, fisioterapia, correio, e consultas médicas, no valor global de pelo menos € 2.357,74;

25. Por causa do acidente, o autor deixou de auferir, no período temporal de 21-10-2005 a 31-05-2008, a quantia global de € 9.275,52, a título de vencimento, suplemento por serviço nas forças de segurança e seu acréscimo, suplemento de segurança prisional, horas extraordinárias e subsídio de refeição;

26. Durante os períodos em que esteve com incapacidade absoluta, o autor esteve impedido de participar e concorrer a cursos de formação e a concursos para ascensão na carreira, visto que é, logo e ab initio, eliminado por falta de condições físicas;

27. O autor sofreu dores em consequência dos ferimentos e das fracturas provocados pelo acidente;

28. O quantum doloris sofrido pelo autor é de grau 6 numa escala crescente de 0 a 7 graus;

29. Na actualidade, o autor apresenta a rótula direita aumentada de tamanho, longitudinal e transversalmente (7 centímetros a direita/5 centímetros a esquerda), e com menor mobilidade nos dois planos de deslizamento, com mais evidência no plano longitudinal, joelho com sofrimento femuro patelar, com crepitação grosseira na sua face anterior, e atrofia da coxa direita de 1 centímetro (relativamente à coxa esquerda);

30. O autor apresenta várias cicatrizes e bastante nítidas, quer no braço, quer na perna, que lhe desfiguram essas regiões, fazendo-o sentir frustrado, abatido, deprimido e triste, por não ter o aspecto e saúde que possuía antes do acidente;

31. O dano estético sofrido pelo autor é de grau 2 numa escala de 0 a 7;

32. E todas estas circunstâncias fazem-no sentir-se triste, frustrado com a vida, derrotado e não auto confiante;

33. O autor esteve matriculado na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda no ano lectivo de 2005/2006;

34. O autor nasceu no dia 23 de Março de 1978;

35. A Junta Médica da ADSE considerou o autor apto para o trabalho, ainda que com incapacidade parcial permanente, a partir de 02-08-2007, inclusive, o que foi do conhecimento da ré;

36. No mês de Outubro de 2005, a autor auferiu o vencimento mensal de € 693,83, acrescido de € 76,60 a título de subsídio de refeição, € 232,61de horas extraordinárias, € 101,15 a título de suplemento por serviço nas forças de segurança, € 28,68 a título de acréscimo do suplemento por serviço nas forças de segurança, € 104,68 a título de renda de casa, € 5,49 a título de subsídio de fardamento, € 57,62 a título de suplemento de segurança prisional, totalizando o valor global de € 1.304,66.

37. À data do acidente, o C... mantinha em vigor o contrato de seguro que validamente havia celebrado com a aqui ré “ B... Companhia de Seguros, S.A.”, e titulado pela apólice 002749259, e assim o referido C... transferiu para a ré a responsabilidade infortunística resultante da circulação do seu veículo;

38. A ré expressou claramente ao autor a assunção da sua responsabilidade civil emergente do acidente quando, em 24 de Julho de 2008, propôs um valor de indemnização ao autor de € 37.500;

39. Desde a data do acidente até ao momento da propositura desta acção, foram várias as tentativas de acordar com a seguradora/ré o ressarcimento de todos os danos sofridos pelo autor.


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III – Fundamentação de Direito

A apreciação e decisão da presente apelação, delimitada pelas respectivas conclusões (cfr. art. 684º/3 e 685º-A/1 do CPC), circunscreve-se aos danos, mais exactamente ao montante indemnizatório a atribuir ao A. pelas sequelas de que, em consequência do acidente, ficou a padecer.

Efectuando um muito breve e “tabelar” enquadramento jurídico, diremos que a acção se funda nas regras da responsabilidade civil; e, em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.

Competia assim ao A. alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (cfr. 483º e ss. do C. C.).

Ónus que cumpriu quanto à alegação; e que, quanto à prova, a decisão recorrida também considerou cumprido, pelo menos parcialmente.

O que significa – delimitando o recurso (interposto pelo A) a partir do confronto entre o pedido formulado na PI, o decidido na sentença recorrida e o âmbito do recurso interposto – que não estão minimamente em causa nem a questão da culpa pela eclosão do acidente – que a sentença recorrida atribuiu em exclusivo ao condutor do veículo segurado na R[1] – nem a responsabilidade do R. Seguradora; ademais, ainda em termos de delimitação do recurso, poder-se-á acrescentar que também não está verdadeiramente em causa saber se os danos, que foram indemnizados na sentença recorrida, o são ou não; a questão – toda a questão – está em saber o modo como pode/deve ser juridicamente configurada/construída a indemnização dos danos/sequelas em causa e, em função disso, a que montantes indemnizatórios, incrementados ou não, se pode/deve chegar.

Concretizando o que acaba de SE dizer, confrontando os montantes indemnizatórios pedidos com os atribuídos, temos: pelas despesas efectuadas pelo A. por causa do acidente (dano patrimonial), dos € 4.634,09 pedidos foram atribuídos € 2.357,74; das remunerações que o A. deixou de auferir por ter estado incapacitado para trabalhar (dano patrimonial), dos € 9.342,44 pedidos foram atribuídos € 9.275,52; por danos não patrimoniais, dos € 55.000,00 pedidos (€ 25.000,00, a “título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos” e € 30.000,00 a “título de indemnização do quantum doloris, dano estético e do prejuízo de afirmação pessoal”) foram atribuídos € 30.000,00; e, finalmente, em relação aos € 25.000 pedidos com “referência à incapacidade física que o afecta” e em relação aos € 26.228,48 “atinentes à perda parcial da capacidade de ganho”, foram atribuídos, global e unitariamente, a título de dano biológico, € 15.000,00.

Ao que o A/apelante contrapõe que deve ser feita a autonomização indemnizatória do dano da “incapacidade física” e do dano da “perda da capacidade de ganho” e que devem ser indemnizados, cada um deles, com € 25.000,00.

Explicada fica pois a afirmação inicial do âmbito do recurso (e da divergência recursiva) se circunscrever ao montante indemnizatório a atribuir ao A. pelas sequelas de que, em consequência do acidente, ficou a padecer; tudo o mais decidido – todos os restantes montantes indemnizatórios concedidos ou não – na sentença recorrida está pois estabilizado nos autos e não faz parte da presente reapreciação recursiva.

Debrucemo-nos pois sobre o estrito objecto do recurso:

E a 1.ª nota que importa efectuar consiste em dizer e observar que o tribunal não está vinculado à configuração/construção jurídica que a parte haja feito dos danos; os únicos limites são os danos “realmente” invocados e o pedido global formulado – neste momento, circunscrito aos termos do recurso (entre os € 15.000,00 “aceites” pela R e os € 50.000,00 pretendidos pelo A.) – limites em que se acomodará, até onde for possível, a relevância jurídica dos factos provados.

Ou seja, encurtando razões, bem andou, a nosso ver, a decisão recorrida, ao qualificar como dano biológico os danos que o A. designou como dano da “incapacidade física” e como “perda da capacidade de ganho” e ao conceder, a tal título (como “dano biológico”), um único montante indemnizatório; a nossa divergência, como iremos explicar, está unicamente no montante indemnizatório concedido, que, antecipando desde já a solução final, entendemos ser de fixar em € 25.000,00.

Vejamos:

Hoje[2] – e o “hoje” não se iniciou com o preambulo da Portaria 377/2008, de 26-05[3] – fora dos danos não patrimoniais, não só a diminuição da actividade profissional é geradora de danos indemnizáveis; hoje, fala-se em “dano biológico” para aludir ao dano causado ao corpo e à saúde do lesado; ao dano causado à integridade física e psíquica que a todos assiste.

Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respectivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva.

E, nesta linha, afirma-se o dano corporal ou dano à saúde como um dano autónomo – tertium genus para alguns – com um lugar próprio que não se esgota nem é totalmente assimilado pelo clássico dualismo patrimonial (em sentido estrito) - não patrimonial.

Acrescenta-se ainda, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos; pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional, tenha ou não havido qualquer rebate anátomo-funcional.

Porém, também se refere e avisa, “a fim de evitar super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado)” e “no intuito de pôr cobro à autêntica anarquia que se instalou nas decisões judiciais[4], que os únicos 3 tipos de danos existentes são, respectivamente, o dano à saúde, o dano patrimonial em sentido estrito (decorrente de incapacidade com incidência no desempenho profissional) e o dano moral; e que, sendo o dano à saúde alheio a quaisquer incidências sobre a capacidade de ganho do lesado, importa não esquecer “que há zonas de tangência e até de intersecção entre vectores diferenciados e autonomizados duma mesma realidade[5].

Tradicionalmente, a análise dualista – patrimonial / não patrimonial – abarcava todo o campo da discussão que os danos corporais comportavam, situando-se toda a discussão em volta da parametrização ressarcitória de tal tipo de danos e da autonomização de um ou outro parâmetro de avaliação, sempre inserido num dos termos da referida dualidade. Agora, ao erigir-se em categoria autónoma de dano (dano biológico) o que, antes, não passava dum parâmetro de avaliação doutro dano, importa que avaliação global não dê lugar a duplicações.

Em síntese, a lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo – quer o consideremos como um verdadeiro “tertium genus”, quer como uma “nova” faceta e perspectiva do dano patrimonial, como parece ser a inclinação do STJ[6] – fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou actuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza; mas a sua avaliação tem que ser acompanhada duma correcta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições.

Isto dito, regressando ao caso dos autos, temos que o dano indemnizável sob apreciação – olhado na expressão patrimonial da lesão ao corpo e à saúde – decorre do A., em consequência do acidente, ter ficado, como se refere nos factos deste acórdão, com um coeficiente de desvalorização, em termos de incapacidade permanente geral, de 5 pontos, exigindo as sequelas com que ficou esforços acrescidos/suplementares no exercício da sua actividade profissional[7].

E temos, como único critério legal para a sua fixação – nunca é demais enfatiza-lo, para que não paire a menor dúvida – tão só a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil).

O que não significa ou impede que em situações como a presente – isto é, sempre que se visa encontrar um capital que se vai diluir ao longo de vários anos – se rejeite a ajuda da lógica matemática; que não se usem, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que podem ter o mérito de impedir involuntárias discricionariedades e subjectivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização[8].

Permita-se-nos pois, sempre cientes que o único critério legal é a equidade e não ignorando que estamos “apenas” perante uma IPG (e não perante uma IPP) – compatível com o exercício da sua profissão, exigindo “esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional” – e não perante uma incapacidade com actual repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho da A., que façamos um “ensaio/estimativa” do que seria a indemnização caso estivéssemos perante esta última hipótese.

Então:

Tinha o A. 29 anos na data da alta (em 02/08/2007); era guarda prisional com uma retribuição mensal (global) de € 1.304,66 (à data do acidente, isto é, cerca de 2 anos antes), pelo que, naturalmente, face à previsibilidade provada (art. 564.º/2 do CC), deve ser esta, pelo menos, a base de cálculo – € 1.304,66 X 14 vezes = € 18.265,24, por ano –; e tem mais 40 anos de vida activa[9]. Isto pressuposto, “funcionemos” com a referida incapacidade de 5 pontos e recorramos, instrumentalmente, ao auxílio de fórmulas e cálculos matemáticas que, encontrada a prestação anual a que o lesado teria direito e conhecido o número de anos por que a mesma se deve manter, nos dizem qual o capital que será necessário deter no ano inicial para, esgotando-se totalmente no final, obter em cada um dos anos a prestação anual[10].

E, tudo considerado, chegamos ao valor (aplicando a fórmula matemática referida em nota[11]) de € 25.742,467 (factor de 28.187385 X a hipotética pensão anual de € 913,262, correspondente a 5% X € 18.265,24).

Assim, não esquecendo nunca que o que estamos a indemnizar é “apenas” o dano biológico (com os contornos supra traçados e sem “duplicações” e “sobreposições”) e não, como no ensaio/estimativa feito, um dano com rebate e repercussão na actual perda de ganho, admitindo que tal dano biológico se prolongará além da vida activa (até ao termo da esperança de vida), reputamos num julgamento “ex aequo et bono” – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[12] – como inteiramente justo e equilibrado, como a boa justiça do caso concreto, fixar a indemnização (actualizada ao momento da sentença de 1.ª Instância) por tal dano em € 25.000,00.

Explicitando um pouco mais o nosso ponto de vista, o resultado de € € 25.742,467 que a fórmula matemática nos deu – uma vez que a fórmula está apenas vocacionada para auxiliar no cálculo de incapacidades com repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho – merece e suscita, num julgamento “ex aequo et bono”, uma compressão/redução não inferior a 1/3 ou 1/4 do seu valor.

Porém, em sentido oposto – no sentido de anular tal compressão/redução – importa ter em atenção que o raciocínio da fórmula, como se referiu, tem em vista encontrar um capital inicial que, está também pressuposto, vencerá, ano após ano, os respectivos juros do capital (que só se esgotará totalmente no final), isto é, o raciocínio da fórmula pressupõe que todo o capital inicial foi entregue ao lesado no ponto/momento de partida do cálculo (que, no caso presente, foi o dia da alta[13]), o que, encurtando razões, não é o que está a acontecer, sendo justamente tal “atraso”, de quase 5 anos (que é a distância temporal a que a sentença da 1.ª Instância está da data da alta), que cala/abafa/aplaca a inicial “tensão” no sentido da compressão/redução dos € 25.742,467[14].

No mesmo sentido – de não haver qualquer compressão/redução (do resultado da fórmula matemática) – importa ter bem presente, além da indemnização pelo dano causado ao corpo e à saúde do A., a vertente patrimonial do concreto dano sob indemnização; isto é, a circunstância de ter ficado provado que as sequelas de que o A. padece (o défice funcional permanente de que padece) “podem limitar a sua progressão na carreira profissional” (cfr. facto 20 deste acórdão), ou seja, importa ter presente a limitação às oportunidades profissionais futuras.

O que – os dois aspectos acabados de referir – inutiliza a inicial “tensão” no sentido da compressão/redução (do resultado da fórmula matemática); “inutilização” que, naturalmente, encontra o seu fundamento jurídico nos art. 566.º/2 e 3 e que conduz, como já antecipámos, à referida quantia indemnizatória (do dano biológico) de € 25.000,00, quantia esta que corresponde e incorpora a actualização à data da sentença de 1.ª Instância.

Enfim, quanto à indemnização pela IPG (dano biológico) revoga-se o decidido (incrementando-se o montante indemnizatório em € 10.000,00). Quanto ao mais, quanto à concessão duma indemnização autónoma pelo dano futuro da perda de ganho, julga-se o recurso totalmente improcedente; efectivamente, conceder uma qualquer indemnização a tal título – independentemente da argumentação que se adoptasse para tal – configuraria, como de várias maneiras se procurou explicar, uma duplicação indemnizatória para a mesma realidade/dano[15].


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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se o decidido quanto à indemnização pelo dano biológico, em função do que se substitui a decisão recorrida, sobre a indemnização do dano biológico, pela condenação da R. B...no pagamento ao A. da quantia de € 25.000,00; mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida[16].

Quanto a custas: a cargo do A. e da R., em partes iguais, na 1.ª instância; e, na proporção de 5/7 e 2/7, respectivamente, nesta instância.


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Coimbra, 14/01/2014

(Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)



[1] A R/seguradora havia assumido explicitamente, como se referiu no relatório, ser o acidente imputável ao condutor do veículo ...TI.
[2] Seguimos de perto o que já escrevemos noutros e diversos recursos sobre a mesma questão.

[3] Preambulo da Portaria em que, vale a pena aqui mencioná-lo, se diz que “só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra”, para logo a seguir se acrescentar que “ainda que o lesado não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
[4] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 138/139.
[5] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 395.

[6] A expressão “dano biológico”, traduzindo o dano à saúde, terá surgido jurisprudencialmente em Itália, o que, segundo alguns, aconteceu por o art. 2059.º da lei italiana apenas permitir (ao contrário do nosso art. 496.º do C. Civil) o ressarcimento do dano não patrimonial “nos casos determinados na lei”; ou seja, terá surgido em Itália para ampliar o conceito de dano patrimonial e permitir a indemnização de danos e lesões que doutro modo não seriam abrangidos pelo referido art. 2059.º.

Assim, segundo Calvão da Silva (in Compra e venda de Coisa Defeituosa, pág. 215), “em face do art. 496.º do nosso C. Civil, o jurista português não precisa de qualificar o dano à saúde em si e por si como dano patrimonial: Em si e por si, no seu aspecto essencial e na sua estática, o direito à saúde é um direito fundamental, um direito de presonalidade (art. 64.º). E, como em todas as lesões dos direitos de personalidade, os danos resultantes da sua lesão são de natureza não patrimonial e os danos patrimoniais são indirectos ou consequenciais, pelo que o jurista português não tem de lançar mão do expediente de considerar um membro do corpo humano bem patrimonial em si e por si, coisificando-o, para ressarcir a utonomamente a sua perda”.

Seja como for, sem qualquer menosprezo pelos tradicionais conceitos de dano patrimonial e não patrimonial, não se pode deixar de reconhecer toda a pertinácia às observações feitas no Ac. do STJ de 01/07/2010, in CJ, STJ, Tomo II, pág. 75/8, em que se diz: I - A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida - representa uma verdadeira capitis diminutio do lesado (uma substancial restrição ou limitação às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição), constituindo assim fonte actual de futuros lucros cessantes, a indemnizar como verdadeiro dano patrimonial. II - Ao mesmo tempo, tal perda relevante de capacidades funcionais representa ainda uma degradação do padrão de vida do lesado - quer nos aspectos não directamente associados ao exercício da profissão, quer na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar - a compensar como dano não patrimonial. III - É pois nesta dupla vertente que a ressarcibilidade do dano biológico - independentemente do seu enquadramento ou qualificação jurídicas (ou como dano patrimonial ou como dano não patrimonial ou, ainda, como um "tercium genus", como um dano de natureza autónoma e específica) - consistente na perda genérica de potencialidades laborais e funcionais, deve ser perspectivada e satisfeita.
[7] Como claramente consta das conclusões do Relatório do INML – fls. 426 a 434 dos autos. Relatório em que se explica a dado passo – fls. 432 – a mudança de terminologia; dizendo-se que o que, antes, se designava como “incapacidade permanente geral” e como “dano biológico” passou a designar-se, em termos de relatórios do INML, como “défice funcional permanente da integridade físico-psíquica” (mudança “apenas” terminológica – mas que exprime a mesma realidade – explicitamente explicada, insiste-se, no último § de fls. 432).
[8] O que não significa ou impede que se lance um olhar pela Portaria 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho) – mesmo nos casos em que tal diploma legal não cubra temporalmente os factos em análise (como é o caso: o acidente ocorreu em 21/10/2005 e a Portaria foi publicada em 26/05/2008) – sem embargo de se entender, como começa a ser uniformemente decidido nos nossos Tribunais (Cfr., v. g. Ac. STJ de 26/01/2012, in CJ Online Ref. 308/2012; de 25/03/2012, in CJ Online, Ref. 4254/2010; de 11/03/2010, in CJ Online, Ref. 4241/2010; de 26/01/2012, in CJ Online, Ref. 308/2012), que a Portaria só vale, só contém regras juridicamente vinculantes e obrigatórias, numa fase anterior, de regularização amigável e extra-judicial dos danos, uma vez que – será, a nosso ver, o sentido útil da Portaria – a mesma pode funcionar como standard mínimo indemnizatório, ou seja, como o limite mínimo de indemnização de que os tribunais não devem baixar.
[9] Parece um exagero, porém, é um dado não escamoteável que estamos e vamos continuar a assistir a sucessivas subidas na idade da reforma; por outro lado, tratando-se duma IPG, dum dano biológico, o dano no corpo, na saúde, na integridade física, vai perdurar, para além da vida activa, até ao termo da esperança de vida; daí, no cálculo, se “trabalhar” com 40 anos.

[10] Acrescentando-se, como é hoje mais ou menos pacífico, que tais fórmulas devem garantir, ano após ano, a manutenção em termos reais da prestação (e não em termos meramente nominais), para o que é forçoso que as fórmulas contemplem a inflação anual, os ganhos de produtividade e as evoluções de rendimentos.

C = capital a depositar logo no 1º ano;

P = prestação a pagar no 1º ano;

N = Número de anos (40) porque a prestação se há-de manter

r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (4,0% - taxa ajustada à média ponderada dum longo período temporal);

k = taxa anual de crescimento de P (2 % - taxa de crescimento que, no longo prazo – pese embora as vicissitudes do momento – se afigura razoável/expectável para o crescimento do PIB).

Fórmula esta que, salienta-se, é a mesma que a Portaria 377/2008 utiliza (assim como, v. g., o Ac. desta Relação de 1995, in CJ, Tomo II, pág. 23); porém, como a seguinte diferença: em vez da taxa de 5%, utilizamos a taxa de 4% como taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (sem prejuízo de reconhecermos que, nos últimos 13 anos, desde a nossa entrada no euro, até tal taxa de 4% poder pecar por excesso; dizemos “excesso”, uma vez que, quanto maior é a taxa, menor é o valor do capital a que chega a final).
[12] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.
[13] Via de regra, o ponto/momento de partida do cálculo deve coincidir com a data da alta clínica, uma vez que, como é o caso, até à alta clínica são pedidas indemnizações pelo período de incapacidade temporária geral e/ou profissional.

[14] O raciocínio da fórmula, como se referiu, tem em vista encontrar um capital inicial que, está também pressuposto, vencerá, ano após ano, os respectivos juros do capital (que só se esgotará totalmente no final), isto é, no raciocínio da fórmula está pressuposto que todo o capital inicial é/foi entregue ao lesado no ponto/momento de partida do cálculo (que, no caso e normalmente, é o dia da alta clínica).

Assim, quando tal não acontece – mais exactamente, quase sempre – quando há uma dilação entre o ponto/momento de partida do cálculo e a data da entrega do capital inicial, tal “atraso”, normalmente de vários anos, cala/abafa/aplaca a referida inicial “tensão” no sentido da compressão/redução; o que – inutilização da inicial “tensão” no sentido da compressão/redução – pode/deve ser juridicamente feito ao abrigo e nos termos do art. 566.º/2 do C. Civil, dizendo-se que o montante indemnizatório (a que se chegou pela fórmula) se mantém sem qualquer redução, uma vez que se está a proceder à sua actualização ao momento presente/sentença.

O que significa, quando se diz/decide que os juros são desde a citação, que não se faz a actualização ao momento presente/sentença (mas ao momento da citação) e que os juros concedidos (desde a citação) “compensam” a circunstância do capital inicial não estar em poder do lesado no ponto/momento de partida do cálculo (como é pressuposto de raciocínio da fórmula); razão porque, nesta hipótese, em face do termo inicial dos juros “dados”, não há qualquer “tensão” que se oponha à citada compressão/redução não inferior a pelo menos 1/4 do seu valor.

Neste ponto – sobre a actualização ou não da indemnização, sobre o momento para a efectuar e sobre o termo inicial dos juros – concordamos plenamente com o que o Prof. Calvão da Silva expende na RLJ, ano 134, pág. 125/8. Ou seja, não obstante o sentido do Acórdão Uniformizador 4/2002, entendemos ser possível não efectuar (e verbalizá-lo) a actualização da indemnização por danos futuros à data da sentença e, então, não se fazendo a actualização, conceder juros, não desde a própria sentença, mas desde a citação; assim como entendemos – no pólo oposto – que a sentença de 1.ª Instância não é necessariamente a data mais recente atendível e, por conseguinte, fazer a actualização à data do Acórdão da Relação.

Como é evidente, sendo a equidade manejada com perícia, a indemnização a conceder, em termos úteis e práticos, há-de ser exactamente a mesma com ou sem actualização à data da sentença (ou do acórdão proferido em recurso); isto é, ao actualizar-se a indemnização à data da sentença/acórdão, o quantum indemnizatório não pode deixar de reflectir/incorporar os juros (frutos civis) da quantia que, segundo as premissas do raciocínio (que visa encontrar um capital que se vai diluir – e vencer juros – ao longo de todos os anos por que a prestação se irá manter), já estariam creditados ao lesado se o quantum indemnizatório estivesse nas suas mãos desde a data inicial das premissas do raciocínio.

Efectivamente – é ocioso repeti-lo – num cálculo em que o capital encontrado é por reporte a uma data anterior – data da citação – e numa lógica, é este o ponto relevante, de que é logo nessa data que o capital (quantum indemnizatório) é disponibilizado (e começa a dar “frutos civis”) ao lesado e não passados quase 5 anos, pelo que é “preciso” compensar estes quase 5 anos, o que pode/deve ser feito ou através da actualização da indemnização ou através da concessão de juros desde a citação.

É que a indemnização em dinheiro – dir-se-á para terminar – é o exemplo típico da chamada dívida de valor (devido é o valor do dano, a diferença entre o valor actual do património do lesado e valor que teria se o facto lesivo não se tivesse verificado – cfr. 566.º/2 do CC), em que o objecto originário da prestação reside no dano, não ligado a uma expressão ou soma pecuniária; não constituindo (a indemnização) uma dívida pecuniária, em que o objecto originário da prestação é dinheiro e em que vale o princípio nominalista (550.º do C. Civil), com o credor a correr o risco da desvalorização da moeda.

Daí que estejamos autorizados – com o auxílio do “metro especial” que é o montante do dano – a ajustar/actualizar, ao momento da prolação da decisão, a soma final em dinheiro que o há-de indemnizar; como estamos autorizados a reportar o montante indemnizatório (do dano biológico) à data da PI e, em função disso, a fixar o seu montante indemnizatório, acrescidos de juros desde a citação.

[15] “Duplicação” que também se verificava no pedido dos danos não patrimoniais – ao pedir-se € 25.000,00 a “título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos” e € 30.000,00 a “título de indemnização do quantum doloris, dano estético e do prejuízo de afirmação pessoal” – o que a sentença recorrida também não acolheu, ao atribuir uma única quantia (€ 30.000,00) para compensar a totalidade dos danos não patrimoniais.

[16] Razão pela qual, em termos consolidados, a condenação passa a ter o seguinte conteúdo: “ (…) condeno a ré “ B... Companhia de Seguros, S.A.” no pagamento ao A.: - da quantia indemnizatória de € 11.633,26, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde o dia 23-11-2009 e até efectivo e integral pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano; - da quantia indemnizatória de € 55.000, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a data da presente decisão (da 1.ª Instância) e até efectivo e integral pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano”.i = taxa de juro, sendo i = [11]