Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
22/11.6PFCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO
DEFENSOR
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 48.º DO CP; ARTIGO 113.º, N.º 9, DO CPP
Sumário: Por via do disposto no artigo 113.º, n.º 9, do CPP, e ainda por que a decisão não envolve uma alteração da pena imposta, fixada na sentença, a notificação do despacho que indefere a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, requerida pelo arguido ao abrigo do artigo 48.º do CP, basta-se com a respectiva comunicação ao advogado/defensor.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo sumário n.º 22/11.6PFCBR do 1.º Juízo Criminal de Coimbra, o arguido A..., invocando para tanto o artigo 48.º do Código Penal, requereu a substituição da pena de multa em que foi condenado pela prestação de trabalho a favor da comunidade, pretensão que, por despacho de 08.03.2012, oportunamente notificado à Exma. Defensora oficiosa, viu indeferida.

2. Após a realização de diligências várias no sentido de apurar o paradeiro do arguido, promoveu a Exma. Magistrada do Ministério Público no sentido de, à luz do disposto no artigo 113.º, n.º 9, do CPP, ser, o mesmo, considerado notificado, na pessoa da sua Defensora oficiosa, do despacho de 08.03.2012, com o prosseguimento dos autos com vista a indagar sobre a existência de bens penhoráveis por forma a aquilatar da instauração de execução.

3. Na sequência do que foi lavrado o despacho de 17.01.2013 que, considerando dever o despacho de 08.03.2012 ser objecto de notificação pessoal ao arguido, determinou que os autos ficassem a aguardar a mesma.

4. Não se conformando com o assim decidido recorre o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido, condenado em pena de multa, requereu a substituição de tal multa em trabalho a favor da comunidade, o que lhe veio a ser indeferido por despacho de fls. 35.

2. Não foi possível fazer a notificação pessoal do arguido, tendo, contudo, sido notificada do dito despacho a ilustre defensora oficiosa.

3. Promoveu-se o prosseguimento dos autos para que se averigue se são conhecidos ao arguido bens ou rendimentos por forma a aquilatar da instauração da competente execução, opinando-se que se deveria considerar notificado o arguido do despacho de fls. 35 na medida em que foi notificada a sua defensora oficiosa.

4. Decidiu agora o Exm.º Juiz do processo que «devem os autos aguardar a notificação pessoal do arguido», entendendo que se exige aqui a notificação pessoal do mesmo.

5. É desta posição que discordamos do tribunal recorrido.

6. Parece-nos que nada existe na lei que exija que a notificação, neste caso, passe por um contacto pessoal com o arguido, bastando a notificação à defensora oficiosa do arguido, não cabendo no elenco taxativo das situações do artigo 113º, n.º 9 do CPP.

7. Achamos que o tribunal deveria, sem mais delongas, proferir despacho a deferir ou não a nossa promoção de fls. 55, não devendo ficar os autos a aguardar a notificação pessoal do arguido relativamente à decisão judicial de fls. 35, considerando-se antes ele já notificado.

8. Ao proferir o despacho recorrido, determinando que os autos aguardassem a notificação pessoal do arguido, violou o Mº Juiz, sem fundamento, o estatuído na lei (artigo 113º/9 do CPP).

Termos em que deve dar-se PROVIMENTO ao recurso ora interposto, revogando-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que se pronuncie, sem mais, sobre a nossa promoção de fls. 55, deferindo-a.

5. Não foi apresentada resposta ao recurso.

6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

7. Na Relação, pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto no sentido da procedência do recurso.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP não houve reacção.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

                   De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso, está apenas em causa saber se o despacho que indefere a substituição da pena de multa [aplicada a título principal na sentença] pela prestação de trabalho, requerida pelo arguido ao abrigo do artigo 48.º do Código Penal, para além da sua notificação ao advogado/defensor, carece ser, ainda, notificado ao próprio arguido.

2. A decisão recorrida

É do seguinte teor o despacho recorrido:

«A notificação do arguido, determinada a fls. 35, não se pode bastar com a notificação da respectiva defensora, pese embora o constante do art.º 113.º, 9 do CPP: “as notificações do arguido (…) podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado”.

Este preceito legal não é claro no que concerne à matéria em causa, porquanto contende com a pena concreta fixada na sentença.

A expressão “podem” deixa ao critério do julgador a aferição das notificações (matérias) que se bastam com a notificação do defensor ou advogado e daquelas que aconselham a notificação de ambos, especificando aquelas que considera obrigatoriamente de notificar a ambos;

Assim, atendendo à matéria concernente à notificação em análise, considera-se que exige a notificação pessoal do arguido, porque única forma de garantir efectiva defesa dos respectivos direitos fundamentais, maxime da sua liberdade (art.ºs 61.º, 1 b) do CPP e 32.º, 1, da CRP).

Em sentido idêntico se pronunciou o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.05.2012, Recurso Criminal n.º 1448/07.5GBA – A.C1 – publicado no site respectivo.

Em função do exposto, devem os autos aguardar a notificação pessoal do arguido.»

3. Apreciação

A única questão que urge decidir nos presentes autos de recurso, traduz-se em saber se o despacho que, pronunciando-se sobre requerimento apresentado pelo arguido, solicitando a substituição [ao abrigo do disposto no artigo 48.º do Código Penal] da pena de multa em que foi condenado por trabalho a favor da comunidade, deve ser objecto de notificação ao arguido ou se se basta com a notificação ao defensor.

Não está, pois, em causa, a forma da notificação do arguido – se por contacto pessoal se por via postal simples [cf. artigos 113.º, n.º 1, als. a) e c) e 196.º, n.ºs 2 e 3, al. c) do CPP] –, tratando-se, antes, de problemática que surge a montante e que se prende, tão só, com a necessidade, ou não, de o arguido – ele próprio – ser notificado do despacho judicial que indefere a pretensão, por si formulada, no sentido de lhe vir a ser aplicada uma pena de substituição.

Como tal, o nosso campo de análise não vai incidir sobre essa outra questão [a qual, tendo, embora, vivido tempos conturbados encontra, agora, resposta nas recentes alterações introduzidas ao Código de Processo Penal], cuidando, assim, apenas da dimensão para que somos convocados.

Ora, identificando o sentido útil da decisão sobre a qual recai a discussão da necessidade, ou não, da notificação ao próprio arguido, do despacho que indeferiu o pedido de substituição da pena de multa – a que foi condenado a título principal – por trabalho nos termos do artigo 48.º do Código Penal, afigura-se-nos assistir razão à recorrente já porque a sua posição encontra arrimo no n.º 9 do artigo 113.º do CPP, já porque não se vê que, no caso, procedam as razões que tem sustentado outros entendimentos, não estando, designadamente, em causa, por via da decisão recorrida uma alteração da pena imposta, fixada na sentença, não nos parecendo, assim, dever a situação merecer resposta idêntica àquela outra, trazida à colação no despacho recorrido, que se prende com a notificação ao arguido para, após respectiva liquidação, proceder ao pagamento da pena de multa que lhe foi cominada na sentença, aspecto, esse sim, que respeita directamente à pena cominada na decisão condenatória.

Reconhecendo, embora, tratar-se de domínio em que a interpretação nem sempre tem coincidido, não se encontra razão, tendo em conta a natureza, conteúdo e consequências imediatas da decisão, no caso concreto para que a respectiva notificação não se baste com a sua comunicação ao advogado/defensor, tanto mais que, na situação em apreço, foi o mesmo quem subscreveu o requerimento que veio a ser objecto de indeferimento.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido na parte em que determinou que os autos ficassem a aguardar a notificação [pessoal] do arguido do despacho que indeferiu o requerimento de substituição da pena de multa, cominada na sentença, por dias de trabalho [artigo 48.º do C. Penal], considerando-se, antes, aquele do mesmo notificado, nos termos do artigo 113.º, n.º 9 do CPP, com a respectiva comunicação [notificação] ao Exmo advogado/defensor.

Sem tributação

(Maria José Nogueira - Relatora)

(Isabel Valongo)