Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1026/13.0TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DOS FACTOS
PODER-DEVER
INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
DANO BIOLÓGICO
CRITÉRIOS
FIXAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – C. BRANCO – JC CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º, 562º A 566º DO C. CIVIL; 5º, NºS 1 E 2, E 411º NCPC.
Sumário: I – Da formulação do preceito constante do art. 411º resultará que ao juiz mais do que um “poder” (eventualmente discricionário) foi cometida uma “incumbência” que se configurará como o exercício de um “poder-dever” de indagação oficiosa. Assim sendo, constituirá nulidade a injustificada e ostensiva omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento a verdade dos factos; tratando-se, contudo, de nulidade secundária cumprirá à parte interessada reclamá-la tempestivamente, reiterando ao juiz a essencialidade das diligências probatórias pretensamente omitidas, nos termos dos arts. 195º, 197º e 199º do Código de Processo Civil, sob pena de a mesma se considerar naturalmente precludida.

II - Por outro lado, de acordo com o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil vigente, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo, mediante a alegação das partes, ou através de iniciativa oficiosa do juiz, o que deverá ocorrer até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo.

III - Na determinação da indemnização devida a lesados em acidente de viação os tribunais regem-se pelas disposições do Cód. Civil (art.ºs 562º a 566º), não se encontrando limitados pelos critérios orientadores (ainda que os possam levar em conta) previstos noutros diplomas legais que visam regular as bases referenciais de proposta para indemnização do dano corporal a apresentar aos lesados pelas seguradoras.

IV - Ou seja, a questão da aplicação dos critérios da portaria n.º 679/2009, de 25/06, já foi muito discutida jurisprudencialmente e nunca foi admitido que os critérios da mesma fossem aplicados na determinação, pelos tribunais, dos montantes indemnizatórios, ou que ela tivesse qualquer carácter interpretativo do regime civilístico da obrigação de indemnizar.

V - Cabe aos tribunais, dentro dos limites de discricionariedade, no recurso à equidade, mormente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CCiv., fixar o montante indemnizatório.

VI - Cabe referir que entendemos que o valor a ter em conta na atribuição da indemnização é o valor que o recorrente auferia, desde logo, por o dano real que o lesado sofre em consequência do acto lesivo pode reflectir-se sobre a sua situação patrimonial, compreendendo o prejuízo causado, o dano emergente (correspondente à situação em que alguém em consequência da lesão vê frustrada uma utilidade que já tinha adquirido), e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes (correspondentes à situação em que é frustrada uma utilidade que o lesado iria adquirir se não fosse a lesão). Podendo o Tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis.

VII - A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação é hoje considerada, em si, um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário” do qual podem derivar incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária e outras como a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária.

VIII - Nesta linha, o dano corporal ou dano à saúde é considerado como autónomo (tertium genus para alguns), mas independentemente disso é inegável que é fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou actuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza, sendo que a sua avaliação tem que ser realizada de modo a evitar indesejáveis sobreposições ou duplicações indemnizatórias.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                       1. Relatório

1.1. C... veio propor a presente acção declarativa, que segue a forma de processo comum, contra a Companhia de Seguros A..., S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:

i. A quantia total no valor de €349.042,38, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento, sendo:

a) a título de danos patrimoniais (danos emergentes / lucros cessantes), a quantia de € 289.042,38;

b) a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 60.000,00;

ii. A quantia, cuja liquidação relega para momento posterior, correspondente à diferença que vier a ser apurada entre o valor actual da sua pensão de reforma e o valor que a mesma teria caso o autor não fosse obrigado à sua aposentação, em resultado do acidente, referente ao período de vida do autor compreendido entre os 70 e os 77 anos; e

iii. A pagar o valor de todas as intervenções cirúrgicas, incluindo despesas hospitalares de internamento e outras, a que o autor eventualmente tenha que ser sujeito em virtude das lesões resultantes do acidente dos autos.

Alega para o efeito, em síntese, que, quando circulava num motociclo, numa avenida em Castelo Branco, foi surpreendido pelo veículo, com a matrícula ...OM, conduzido por G... (que o fazia por conta de F..., proprietário do mesmo), que estava estacionada nessa via, o qual realizou uma manobra, que descreve, sem que previamente tenha verificado quem circulava na mesma, ocupando a quase totalidade da via, o que determinou o embate do motociclo na traseira do veículo.

Em consequência desse embate o autor sofreu danos diversos, que descreve, o que se projectou, em definitivo, na sua vida actual, conforme relata.

Assim, discriminadamente, quantifica os danos patrimoniais e não patrimoniais nos termos em que peticiona, cuja responsabilidade da ré advém de contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

1.2. A ré, citada para o efeito, aceita a existência do contrato de seguro e as circunstâncias em que ocorreu o embate, porém, sustenta não haver fundamento para o pagamento das quantias defendidas pelo autor para ressarcimento dos danos, nos termos em que explica, pelo que defende a procedência parcial da acção.

1.3. O objecto do litígio em causa nos autos é o direito do autor a ser indemnizado pela ré nos termos peticionados na sequência do acidente de que foi vítima.

1.4. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após foi proferida sentença, onde se elencaram as questões a decidir, como sendo:

a) - Em primeiro lugar, apurar a responsabilidade pelo embate e, em função disso, apreciar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;

b) - Em segundo lugar, quantificaremos os montantes pelos quais a ré seguradora deve responder e em que termos (o quantum indemnizatório).

Julgou-se parcialmente procedente a acção e consequentemente, decidiu-se:

I) - Condenar a ré Companhia de Seguros A..., S.A., a pagar ao autor C... o valor de todas as intervenções cirúrgicas, incluindo despesas hospitalares de internamento e outras, a que o autor eventualmente tenha que ser sujeito em virtude das lesões resultantes do acidente dos autos, a fixar, se necessário, em incidente de liquidação de sentença;

II) - Condenar a ré Companhia de Seguros A..., S.A., a pagar ao autor a quantia de 919,80 € (novecentos e dezanove euros e oitenta cêntimos), acrescido de juros mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

III) - Condenar a ré Companhia de Seguros A..., S.A., a pagar ao autor a quantia de 229.389,30 € (duzentos e vinte e nove mil trezentos e e oitenta e nove euros e trinta cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até integral pagamento; e

IV) - Absolver a ré do demais peticionado.

1.7. Inconformada com tal decisão dela recorreu a R. terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

...

1.6. – O recorrido respondeu terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem.

...

2. Fundamentação

2.1. Factos provados.

...

                                               3. Apreciação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

As questões a decidir são:

            I – Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

            II - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a recorrente em 48.086,10€ por danos patrimoniais e em 10.000,00€ pelo dano biológico.

            Tendo presente que são duas as questões a decidir, por uma questão de método, iremos analisar em 1.º lugar o recurso da matéria de facto e depois o recurso de direito.               Porém, antes de entrarmos na análise do recurso da matéria de facto cabe apreciar a questão levantada pelo recorrido, saber se o recurso é extemporâneo.

Segundo o recorrido a apelante apresentou o recurso fora de prazo, na medida em que a pretexto de um invocado erro de julgamento não pode beneficiar de prazo suplementar de dez dias, porquanto aquele (erro) por um lado não teve qualquer incidência na decisão impugnada e por outro resulta do ponto 40) [agora 2.1.40] da matéria de facto julgada provada, não impugnado, que a convicção do Tribunal “a quo”, sobre esta factualidade, foi baseada nos relatórios periciais que referem que o recorrido contínua a necessitar de efectuar sessões de fisioterapia.

Vejamos

Impugnando a decisão sobre a matéria de facto e socorrendo-se para tanto de prova que tenha sido gravada, o recorrente dispõe de um prazo suplementar de dez dias para interpor o recurso e apresentar as suas alegações –  (cfr.  nº 7 do art.º 638 do C.P.C.).

 E para que o recurso sobre tal matéria possa ser objecto de apreciação tem o recorrente de fazer determinadas especificações, que a lei processual exige, sob pena de não ultrapassar o crivo da admissão liminar e ser rejeitado – (cfr. art.º 640 do mesmo diploma).

Assim, tem de enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. n.ºs 1 e 2 do citado art.º 640).

E quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cfr. al. a) do n.º 2 do preceito).

Não procedendo a estas obrigatórias especificações, o recurso sobre a matéria de facto será rejeitado.

Tendo em consideração o regime legal exposto, duas situações distintas podem ocorrer.

O recorrente embora faça uso do prazo alargado próprio do recurso que abranja a decisão proferida sobre os factos, nenhuma crítica dirige a essa mesma decisão, ou dirigindo-a, não inclui nas conclusões o seu propósito de a ver alterada em qualquer ponto, sendo assim manifesto que a não põe em causa, sendo neste caso indiscutível a intempestividade do recurso que, pura e simplesmente, não deve ser admitido.

Dissemelhante será o caso em que o apelante, apesar de ter usado aquele prazo e de manifestar o inequívoco propósito de impugnar a decisão proferida sobre os factos, não o faz, porém, em moldes que permitam apreciar o seu mérito, por não ter dado cumprimento às exigências de natureza formal impostas por lei, como sejam as mencionadas especificações.

Neste quadro não se estará perante uma interposição fora de prazo geradora da inadmissibilidade do recurso, mas perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objecto de rejeição  (cfr. neste sentido Ac.s da Rel. de Lisboa de 12 de Abril de 2011, proc. n.º 1182/09.1TVLSB e de 26/6/2011, proc. n.º 2095/08.0TVÇSB, em que foram relatoras as Desembargadoras Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho e Graça Amaral, respectivamente, ainda que tirados na vigência do Código de Processo Civil, revogado, mantêm-se actualizados).

No caso em apreço, não restavam dúvidas que o recorrente tinha em mente impugnar a decisão da matéria de facto, tanto assim que refere onde assenta o seu ponto de vista, ao aludir ao depoimento da testemunha ..., esposa do recorrido, prestado na sessão de julgamento de 02/05/2016 e gravado no sistema de gravação habilus media studio, com início às 09:59:07h e fim 10:55:32h e ao depoimento de parte do A. bem como os pontos de facto que entende mal apreciados pelo tribunal “a quo”, como refere da motivação e conclusões de recurso.

Pelo que, em nossa opinião, o recurso é tempestivo, improcedendo nesta vertente a pretensão do recorrido.

I – Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

Cabe referir que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta vertente, porquanto a recorrente observou os pressupostos do art.º 640 do C.P.C.

Com é sabido, o princípio da livre convicção do julgador, estatuído no art.º 607.º, n.º 5, do C.P.C., é aquele que vigora no domínio da valoração da prova testemunhal, bem assim como na valoração da prova documental, neste último caso, claro está, nas hipóteses em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena.

Com efeito, salvaguardadas as excepções que consigna na 2ª parte do n.º 5 do preceito o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Analisadas as provas à luz das regras de experiência e da lógica, gerou-se no juiz o convencimento - fundado, não arbitrário - sobre a probabilidade séria da conformação dos factos a uma determinada realidade. A prova idónea a alcançar um tal resultado, é a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza.

A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...” (in. Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245).

A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420).

Ou seja, o tribunal de 2.ª instância só deve alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância quando os meios de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante, tanto mais que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas antes verificar se o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo”, conjugados com outros elementos de prova, mormente documental, lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348).

A apelante, critica a valoração da prova por parte do Tribunal “a quo” e sustenta que por erro de julgamento deu como provado o ponto 23 da matéria de facto, (agora 2.1.23.), quando o mesmo deveria ter obtido resposta não provado, na medida em que a testemunha ..., esposa do recorrido, na sessão de julgamento de 02/05/2016 referiu que o marido não fez mais fisioterapia desde 2012.

...

Assim, face ao exposto não vemos motivo para alterar a matéria dada como provada pelo tribunal “a quo” quanto a este ponto.

...

Operando à leitura dos articulados não vislumbramos que tal matéria tenha sido alegada pelas partes.

            Assim, a questão que se nos coloca, consiste em saber se este tribunal da relação, pode aditar tal matéria como pretende a recorrente, ou remeter os autos à 1.ª instância para o efeito.

            Por regra, os poderes cognitivos do juiz estão limitados pela matéria de facto alegada pelas partes, dentro do funcionamento dos ónus de alegação que sobre cada uma impendem. Daí que se afirme que as partes têm o monopólio da alegação dos factos principais da causa (cfr. Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, pág. 130 e segs. Coimbra Editora, 1996.

            Este princípio que se encontrava rigidamente instituído no processo civil, recebeu relevantes inflexões com a nova redacção do art.º 264 do C.P.C. revogado, introduzido pela reforma de 1995/96, na medida em que passaram a ser atendíveis os factos instrumentais ou circunstanciais resultantes da instrução e discussão da causa, bem como os factos essenciais que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes que resultem da instrução e discussão da causa, desde que, neste último caso, a parte interessada manifeste vontade de se aproveitar deles e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Lisboa de 22/1/213, Proc. n.º 10922/11.8TBOER.AL1-7, relatado por Maria do Rosário Morgado), princípio que hoje, ainda com maior amplitude se encontra plasmado nos art.ºs 4.º, 6.º, 411.º e 5.º do Código Processo Civil vigente, como veremos adiante.

As regras procedimentais, não sendo um fim em si mesmo, procuram o equilíbrio e igualdade de armas entre os litigantes e visam a obtenção da verdade material (art. 4º do CPC vigente). No entanto, esse desiderato não se alcança anarquicamente, sem respeito por quaisquer regras. De acordo com os arts. 6º e 411º do citado diploma incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é licito conhecer.

Da formulação do preceito constante do art. 411º resultará que ao juiz mais do que um “poder” (eventualmente discricionário) foi cometida uma “incumbência” que se configurará como o exercício de um “poder-dever” de indagação oficiosa. Assim sendo, constituirá nulidade a injustificada e ostensiva omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento a verdade dos factos; tratando-se, contudo, de nulidade secundária cumprirá à parte interessada reclamá-la tempestivamente, reiterando ao juiz a essencialidade das diligências probatórias pretensamente omitidas, nos termos dos arts. 195º, 197º e 199º do Código de Processo Civil, sob pena de a mesma se considerar naturalmente precludida (neste sentido, Lopes do Rego, «Comentários ao Código de Processo Civil», 1999, pags. 207-208, tendo em consideração o anterior art.º 256º do CPC).

Por outro lado, de acordo com o artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil vigente, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo, mediante a alegação das partes, ou através de iniciativa oficiosa do juiz, o que deverá ocorrer até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo (cfr. este propósito, Mariana França Gouveia, O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, Estudos em Homenagem aos Profs. Palma Carlos e Castro Mendes”, 595-617, acessível também em: http://www.oa.pt.

Da audição da prova verificamos que a testemunha ... refere que o A., seu marido, recebe da segurança social portuguesa cento e qualquer coisa de euros, há cerca de 2 anos, sendo que tal matéria é corroborada pelo A. em depoimento de parte, ainda que designe por ajuda.

A R. na audiência de discussão e julgamento mostrou interesse em aproveitar tal matéria, tanto assim, que o Mm.º Juiz, após o contraditório, referiu ir oficiar à segurança social sobre tal matéria, o que realmente consta da ata datada de 2/5/2016, a fls. 259

com seguinte teor “Solicite à Segurança Social que nos informe o valor actual da reforma paga ao A. C..., e ainda desde quando tal ocorre …” 

 A fls. 262 encontra-se junta aos autos tal informação onde refere « De acordo com o solicitado no ofício 27533325, de 2/5/2016, cumpre-nos informar que C..., desde 2011/11/01, é pensionista de velhice do Centro Nacional de Pensões, recebendo uma pensão mensal no valor de 174,16€. Mais se informa que é, igualmente, paga por França uma pensão à qual foi atribuído o valor de 88,84€»

Tendo presente o exposto e ao preceituado na alínea c) do n.º 2 do art.º 662 do C.P.C. este tribunal adita à matéria de facto provada um novo ponto com o n.º 2.1.50. com a seguinte redacção “ O A. aufere uma pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões desde 1/11/2011, no montante mensal de 174,16x14 meses”, que se coloca a negrito no respectivo local.

Pelo que nesta vertente e quanto a este ponto a pretensão da recorrente procede.

O mesmo não se diga quanto à pretensão da recorrente em ver aditado o facto “que o recorrido arrendou um estúdio em França, onde vivia sozinho, pagando pelo arrendamento e aquecimento a quantia mensal de 400,00€”, porquanto muito embora o A. em depoimento de parte o afirme, não consta da gravação nem da ata qualquer vontade manifestada nesse sentido.

Ora, não tendo a recorrente oportunamente lançado mão do preceito citado, nem arguido qualquer nulidade relativa à falta de ampliação dos factos, fazendo-o apenas em sede de apelação da sentença final, a pretensão em causa está irremediavelmente perdida (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Lisboa de 3/12/2014, proc. n.º 58/12.0TTVF.L1-4, relatado por Duro Mateus Cardoso, tirado na vertente laboral).        

            Assim, face ao exposto esta pretensão da recorrente não pode proceder, quanto a este ponto.

II - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene a recorrente em 48.086,10€ por danos patrimoniais e em 10.000,00€ pelo dano biológico.

Pretende a recorrente que a sua condenação por danos patrimoniais seja de 48.086,10€, assentando na idade de 70 anos para o cálculo da indemnização, no salário liquido anual até essa idade [1- Salário liquido anual que auferiria até aos 70 anos (18.200,00x9anos)= 163.800,00 - 2 – Abatimentos:- 25% por recebimento antecipado do capital - 40.950,00; Pensões recebidas e a receber da S. Social francesa, 82,22x13mesesx9anos= 9.619,74; Pensões recebidas e a receber da S. Social Portuguesa,(1.714,16x14mesesx9anos)= 43.200,00, um TOTAL de 48.086,10]- (cfr. conclusão 30.ª).

Sobre esta matéria refere a sentença recorrida « Perante o exposto, temos que rendimento anual do autor era de 18.200,00 € (13 meses x 1.400,00 €).

A incapacidade para o trabalho é praticamente total, conforme referimos supra e pelas razões aludidas supra, porém, o rendimento anual perdido pelo autor tem de ter presente que o mesmo aufere uma pensão mensal de aposentação por incapacidade para o trabalho líquida de € 82,22, sendo que, pelo período de 4.09.2009 a 31.10.2011, pela paralisação de trabalho em resultado de doença, recebeu a quantia de € 20.268,70 (785 dias, à taxa diária de € 25,82), à qual foram deduzidas as seguintes quantias: para a CSG € 1.256,00, e para a RDS € 102,05.

Portanto, actualmente, durante 13 meses, desde 1.11.2011, o autor aufere a quantia global de 1.146,86 € (82,22 € X 13), quando antes auferia 18.200,00 € anuais.

Estamos perante uma perda anual de rendimento de cerca de 17.053,14 €, o que se verifica desde o recebimento da pensão de reforma (desde 1.11.2011), já que até 31.10.2011, recebeu o valor líquido de 18.910,70 € (€ 20.268,70 - € 1.256,00 - € 102,05).

Assim, tais valores recebidos (este último mesmo suportado pela ré, que pagou à Segurança Social Francesa), serão tidos em consideração como rendimento obtidos pelo autor neste período.

Nestes termos, calcularemos a perda de rendimentos como iniciada no dia 1.11.2011 e apuraremos a perda de valores desde a data do embate até essa data.

Ora, começando pelo último cálculo, verificamos que desde 4.09.2009 até 11.10.2011, decorreram 25 meses, período durante o qual o autor receberia 35.000,00 € (25 meses X 1.400,00 €), a que acresce o valor de 2 subsídios de férias, num total de 37.800,00 €, de onde decorreu uma perda de rendimentos no valor de 18.889,30 €, que a ré, enquanto seguradora responsável pelo causador de tal dano, deve indemnizar o autor.

Importa, agora, apurar o rendimento anual perdido a partir de 1.11.2011. Para esse efeito, não há que proceder à dedução (em geral, de 1/3) correspondente ao valor que o sinistrado gastaria consigo, já que o lesado não morreu, porém, há que deduzir o montante equivalente a 35 % (que julgamos adequado) para evitar o enriquecimento injusto, tendo presente o recebimento antecipado desse valor e o rendimento que daí resulta, mas também, em contraposição, a evolução natural do rendimento em causa durante 10 e tal anos – recordo e tenho presente também as expectativas de o autor ver aumentado o seu salário com a evolução na carreira e ainda as taxa de juros do rendimento e taxa de inflação, bem como o aumento do custo de vida. E ainda – também – o facto de o autor ter alguma capacidade de trabalho que poderá explorar autonomamente, bem como o facto de, residindo em Portugal, não ter que se deslocar para França para obter tal rendimento (com os custos daí advenientes) (cerca de 15% do incluindo supra).

Assim, encontramos o valor anual de cerca de 11.084,541 €, o que, durante 16 anos [calculamos desde Novembro de 2011 (quanto o autor tinha os 61 anos até aos 77 anos], perfaz 177.352,656 €.

Este valor (que apenas incluiu a perda de ganho e não, por exemplo, o dano biológico, calculado infra autonomamente), arredondado para o montante de 178.000,00 € em termos de estrita lógica de equidade, afigura-se-nos perfeitamente justo, proporcional e adequado.

O valor em causa é fixado tendo em linha de conta o critério actualista definido no n.º 2 do art.º 566.º do CC, ou seja, a avaliação dos danos reporta-se à data desta decisão.

A esse valor acresce o montante da perda de rendimentos até 1.11.2011 no valor de 18.889,30 €, o que perfaz o valor global da perda de rendimento no montante de 196.889,30 €».

Vejamos.

Importa assinalar que na determinação da indemnização devida a lesados em acidente de viação os tribunais regem-se pelas disposições do Cód. Civil (art.ºs 562º a

566º), não se encontrando limitados pelos critérios orientadores (ainda que os possam levar em conta) previstos noutros diplomas legais que visam regular as bases referenciais de proposta para indemnização do dano corporal a apresentar aos lesados

pelas Seguradoras (cfr. Acs. do S.T.J. de 06 de Outubro de 2016, onde foi relator, António Piçarra, de 18/12/2013 ( proc. nº 150/10) e  Acs. Rc de 12/4/2011 ( proc. nº 756/08) e de1/3/2016, disponíveis em www.dgsi.pt).

Ou seja, a questão da aplicação dos critérios da portaria n.º 679/2009, de 25/06, já foi muito discutida jurisprudencialmente e nunca foi admitido que os critérios da mesma fossem aplicados na determinação, pelos tribunais, dos montantes indemnizatórios, ou que ela tivesse qualquer carácter interpretativo do regime civilístico da obrigação de indemnizar (cfr. Ac.s 20/01/2009 do Tribunal da Relação de Coimbra, na Colectânea de Jurisprudência de 2009, tomo I, págs. 17 a 19, 15/02/2011 (291/07.6TBLRA.C1), de 21/09/2011, (794/04.4GBILH.C1), de 21/12/2010 (1601/08.4TBVIS.C1), 9/01/2012 do (153/11.2TJCBR.C1), do STJ de 9/09/2010 (2572/07.0TBTVD.L1, de 7/07/2009, (205/07.3GTLRA.C1), 1/07/2010 (457/07.9TCGMR.G1.S1 e do Tribunal da Relação do Porto de 17/03/2011 (2993/08.0TBPVZ.P1), 7/02/2011 (2942/08.6TBVCD.P1), 7/02/2011 (2942/08.6TBVCD.P1) e Prof. Menezes Cordeiro (Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 753 e 759, Prof. Paulo Mota Pinto (Interesse contratual

negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, notas 1639 a 1641, págs. 568/571).

Cabe aos tribunais, dentro dos limites de discricionariedade, no recurso à equidade, mormente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC., fixar o montante indemnizatório.

Como se assume no recente acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, onde foi relator Lopes do Rego, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj  «Não poderá deixar de ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.»

Será, pois, esta a linha de orientação a seguir aqui no tratamento das questões que envolvem juízos de equidade.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, no que ora interessa, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda, ou diminuição, de capacidade de ganho do lesado.

No que toca à avaliação da perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual tem a jurisprudência (cfr. o acórdão do STJ, de 19-04-2012, proferido no processo n.º 3046/09. 0TBFIG.S1, relatado por Serra Baptista, acessível na Internet - www.dgsi.pt.), considerado como parâmetros a atender os seguintes:

a) – o capital produtor do rendimento que a vítima deixará de auferir e que se extinguiria no período de vida profissional provável;

b) – no cálculo a equacionar de forma equitativa, o relevo das regras da experiência que, segundo o curso normal das coisas, seja razoável atentar;

c) – as tabelas financeiras como mero instrumento auxiliar, sem substituição da equidade;

d) – o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.

Cabe referir que entendemos que o valor a ter em conta na atribuição da indemnização é o valor que o recorrente auferia, desde logo, por o dano real que o lesado sofre em consequência do acto lesivo, pode reflectir-se sobre a sua situação patrimonial, compreendendo o prejuízo causado, o dano emergente (correspondente à situação em que alguém em consequência da lesão vê frustrada uma utilidade que já tinha adquirido), e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes (correspondentes à situação em que é frustrada uma utilidade que o lesado iria adquirir se não fosse a lesão). Podendo o Tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis (cfr. neste sentido Ac. do STJ, de 19-04-2012, proferido no processo n.º 3046/09. 0TBFIG.S1, relatado por Serra Baptista, in  www.dgsi.pt.).

Seguindo o critério da sentença recorrida calcularemos a perda de rendimento como iniciada em 1/11/2011, sem esquecer a perda de rendimento desde a data do acidente até 1/11/2011.

Sobre a perda de rendimento desde a data do acidente 4/9/2009 até à data de 1/11/2011, temos:

a)-Não fora o acidente o A. teria recebido um total de 37.800,00€ = [1.400,00€ mês x 25meses + 2 subsídios de férias, (cfr. ponto 2.1.30.onde resulta provado o valor mensal líquido de cerca de 1.400,00 €, acrescido de subsídio de férias (13 remunerações anuais)].

b)- Durante tal período recebeu o montante de 18.910,65€= [20.268,70€ – 1256,00€ – 102,05€, ( cfr. ponto 2.1.34. onde resulta provado que a Segurança Social Francesa, pelo período de 4.09.2009 a 31.10.2011, pela paralisação de trabalho em resultado de doença, pagou ao autor a quantia de € 20.268,70 (785 dias, à taxa diária de € 25,82), à qual foram deduzidas as seguintes quantias: para a CSG € 1.256,00, e para a RDS € 102,05)].

c)- Operando ao diferencial temos 37.800,00€ - 18.910,65 = 18.889,35€, que corresponde ao que o A. deixou de auferir.   

A partir de 1/11/2011 o A. passou a auferir um rendimento anual de 3.424,38€ (cfr. pontos 2.1.33. e 2.1.50) em vez dos 18.200,00€ (cfr. ponto 2.1.30).

Nesta conformidade, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas serem causa de sofrimento físico e limitação funcional - um Défice Funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica de 30 pontos, que se repercute na sua actividade profissional, incapacitando-o em absoluto de a exercer, sendo a sua capacidade residual para as demais profissões de 65 pontos, sendo que o A. pela sua idade, pelas suas habilitações literárias, 4.ª classe, dificilmente conseguirá outro tipo de trabalho, tendo presente estes factos, bem como a esperança média de vida, que, segundo as estatísticas, no nosso país se situa – em 77 anos (cfr. Tábua Completa de Mortalidade para Portugal 2013/2015, in Instituto Nacional de Estatística), para os homens e como tem vindo a salientar a jurisprudência do STJ, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum ( cfr. a titulo de exemplo os Ac.s do STJ de 16/3/99, C.J. ano VII, tomo I, pág.167, de 25/7/2002, C.J. ano X, tomo II, pág.128 ), tendo presente que o A. à data do acidente tinha 58 anos de idade, tendo à data em que se parte para este cálculo, 61anos de idade, temos para nós com justo, tendo presente os critérios de equidade, fixar ao recorrente o montante de 150.000,00€, a título desta indemnização, de perda de capacidade de ganho.

Assim, a titulo dos danos supra temos 150.000,00€+18.889,35€ = 168.889,35€, pelo que nesta vertente se julga parcialmente procedente a pretensão da recorrente.

Refere a recorrente que a título de dano biológico deve ser fixada uma indemnização no montante de 10.000,00€, em vez dos 20.000,00€, fixados na sentença recorrida.

Vejamos

Como se sabe, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação é hoje considerada, em si, um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário” do qual podem derivar incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária e outras como a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária (cfr. Ac.s S.T.J. de 06 de Outubro de 2016, do qual foi relator - António Piçarra, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1 e de 16/6/2016, do qual foi relator Manuel Tomé Soares Gomes, acessíveis na Internet - http://www. dgsi.pt/js).

Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respectivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva.

Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, por exemplo no acórdão de 30/10/2008 (Proferido no proc. nº 07B2978) e acessível através de www.dgsi.pt.) citando outras suas decisões, que «os danos decorrentes de uma lesão física não [se] reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução».

Nesta linha, o dano corporal ou dano à saúde é considerado como autónomo (tertium genus para alguns), mas independentemente disso é inegável que é fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou actuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza, sendo que a sua avaliação tem que ser realizada de modo a evitar indesejáveis sobreposições ou duplicações indemnizatórias (cfr. Ac. do S.T.J. de 6/10/2016, supra citado).

Antes de mais, convém ter presente que a determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos para que está vocacionado o tribunal de revista (cfr. a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ, de 04/06/2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt).

Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça -, têm vindo a

reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado (cfr. Ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt.

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1 (Relatado por Lopes do Rego, in www.dgsi.pt., considerou que: “… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

         Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …

Podemos mesmo dizer na esteira do artigo doutrinário de 2011 da autoria Maria da Graça Trigo, sob o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet; e ainda o aprofundamento desse tema pela mesma Autora, sob o título Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, pp. 69 e seguintes, Universidade Católica, 2015, que o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.

 Dos factos provados com interesse para a questão em apreço resulta que em Fevereiro de 2010 o autor deslocou-se a França, para verificação médica da baixa ao trabalho, uma vez que se encontrava e encontra inscrito na Segurança Social Francesa, onde prosseguiu o tratamento de fisioterapia que iniciara aqui em Portugal, fazendo ao todo sessões distribuídas pelos anos de 2010, 2011 e 2012, exercia a actividade profissional de pedreiro/ladrilhador, em França, trabalhando mediante contrato de trabalho desde 22.10.2007, por conta, sob a autoridade e direcção da firma M..., sendo beneficiário da Segurança Social Francesa n.º ..., foi considerado, pela Segurança Social Francesa, totalmente incapacitado para desenvolver a sua profissão habitual de pedreiro, tendo o perito médico da ré, confirmando a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atribuiu-lhe as seguintes lesões: dismetria dos membros inferiores (imperfeição na realização de movimentos); pseudoartrose do fémur; e joelho doloroso, padecendo de uma incapacidade absoluta para o seu trabalho habitual de pedreiro.

Face a tais factos, parece-nos justo o valor indemnizatório fixado na sentença recorrida.

Assim, face ao exposto esta pretensão da recorrente terá de improceder.

                                                4. Decisão

Pelo exposto, acorda-se:

a)- Julgar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto como supra referido.

b)- Julgar parcialmente procedente a apelação e em consequência, condenar a R. a pagar ao A. a titulo de danos patrimoniais, como supra referido o montante de 168.889,35€, em vez do montante de 196.889,30 fixado na sentença recorrida, mantendo no mais a mesma.    

Custas a cargo de recorrente e recorrido na proporção do decaimento.

            Coimbra 9/5/2017

Pires Robalo (Relator)

Sílvia Pires (Adjunta)

Maria Domingas Simões (adjunta)