Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
629/1999.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CASO JULGADO
ACÇÃO DE DESPEJO
TRANSACÇÃO
TERCEIROS
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 3º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 497.º, 498.º, 671.º E 673.º, DO CC
Sumário: I – Condenados os RR. em quantia ilíquida em montante equivalente ao pagamento das rendas a vencidas e a vencer até desocupação de um estabelecimento comercial pela arrendatária, por venda de imóvel com vícios de construção que lhe impedem o uso, a transacção homologada por sentença transitada em julgado em acção de despejo, entre a compradora (senhoria) e a arrendatária e na qual definiram a data de desocupação e as rendas em dívida, não é oponível àqueles, dada a eficácia relativa (inter partes) do caso julgado (art.ºs 497.º, 498.º, 671.º e 673.º, do CC);

II – Sendo os RR. terceiros juridicamente interessados relativamente à transacção homologada, enquanto definidora da sua dívida, não há efeitos reflexos do caso julgado, não se lhes impondo, em consequência, a sentença proferida na acção de despejo em que não intervieram.

Decisão Texto Integral:       Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

A..., Lda.” deduziu contra B... e C... incidente de liquidação dos danos genericamente fixados na sentença de 1.9.05 (fls. 367) confirmada por acórdão desta Relação, concluindo por peticionar o pagamento da quantia certa de € 106.585,99 e que adicionada à quantia então liquidada na sentença, do valor de € 204,26, perfaz a quantia global pedida de € 106.790,25.

Alegou, para tanto, que por aquela sentença os RR. foram condenados a pagar solidariamente à A. a quantia líquida de € 204,26 e na que viesse a liquidar-se, correspondente ao valor das rendas cujo pagamento não fosse satisfeito pela arrendatária “D... , Lda.” até ao montante global de € 10.320,33 no período compreendido entre Dezembro de 1988 e Outubro de 1999, inclusive, e até ao montante mensal de € 944,00 desde Novembro de 1999, inclusive, até efectiva desocupação da loja por parte dessa arrendatária.

Mais alegou que em 9.4.98 a A. requerente e a sociedade “ D ...” outorgaram uma escritura de arrendamento referente à fracção autónoma D – Loja 4, sendo que a arrendatária não pagou à A. as rendas devidas de Dezembro de 1998, inclusive, a Outubro de 1999, inclusive, e daí em diante e até Abril de 2008, sendo que foi no dia 14.4.08 e com referência a esta data que a A. e a arrendatária “ D ...” efectuaram uma transacção homologada por sentença transitada na acção de despejo que as opunha (Sum. n.º 82/99 do 1.ª juízo Cível), acordando ter sido nessa data que se procedeu à entrega do arrendado e que para efeitos da liquidação do valor das rendas a que se reporta a sentença da presente acção declararam não terem sido pagas as rendas de Dezembro de 1998 inclusive a Março de 1999 inclusive, no valor mensal, cada, de € 922,77 e de Abril de 1999 inclusive até Abril de 2008 inclusive.

Juntaram certidão da acta de audiência de discussão e julgamento onde exararam a transacção com a respectiva sentença homologatória.

Os demandados deduziram oposição por excepção, arguindo a nulidade processual decorrente da falta de citação/notificação em suas próprias pessoas e o abuso de direito e por impugnação, fundamentalmente, que foi em 1.3.99 que a arrendatária “ D ...” retirou do locado todo o recheio, sendo nessa data que entregou as chaves do locado à A., ou subsidiariamente, em 4.11.99 manifestou a esta a disposição de lhe entregar o imóvel, sendo que cessou a actividade em 31.12.00, pelo que o valor das rendas não poderia ser superior a Março de 1999 ou Dezembro de 2000 e quanto à transacção entre a A. e a arrendatária na acção de despejo deve-se a conluio entre ambas com vista a extorquir uma elevada quantia aos RR., concluindo pelo pedido de condenação da A. a título de litigância de má fé, pela procedência da excepção e improcedência da liquidação.

A A. respondeu à matéria da excepção e má fé no sentido da sua improcedência, pedindo agora a condenação dos RR. a esse título.

Deferida a alegada nulidade, foi ordenada a citação dos requeridos cuja oposição remeteram para a antes apresentada, o mesmo acontecendo quanto à requerente do incidente no respeitante à resposta.

Foi elaborado despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, de que houve reclamação, parcialmente deferida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto, igualmente sem reclamação.

Proferida sentença, foi a liquidação julgada parcialmente procedente e a quantia liquidada em € 2.832,00 e a A. absolvida do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformada, apelou a A., em cujas alegações formulou as seguintes úteis conclusões:

a) – A resolução do contrato de arrendamento entre a A. e a sociedade “ D ..., Lda.” (“ D...”) só era possível através da via judicial, o que a apelante fez intentando a correspondente acção de despejo (Sum. n.º 82/99 do 1.º Juízo Cível de Leiria;

b) – A resolução do contrato só se verificou válida e eficazmente com a realização de transacção em 14.4.08, data em que deixou de vigorar o arrendamento e ocorreu efectiva desocupação do locado a ter em conta na liquidação;

c) – A autoridade do caso julgado formado pela sentença homologatória dessa transacção, bem como o caso julgado da sentença declarativa impõe-se aos RR.;

d) – A A. logrou provar a existência dos prejuízos no montante peticionado, sem prejuízo de se entender que o montante dado como provado no facto n.º 41 da sentença da acção declarativa já se encontra liquidado;

e) – Nos termos do art.º 712.º, n.º 1, alín. b) do CPC deverá a Relação alterar a redacção das alíns. B) e D) dos Factos Assentes (n.º 2 e 4 da sentença recorrida) face à escritura de arrendamento e do doc. de fls. 553;

f) – Deve ser eliminado o quesito 4.º da base instrutória ou ser alterada a sua resposta para não provado ou para “provado apenas que a D ... encerrou as portas do estabelecimento em 1.3.99”;

g) – Só em 14.4.08 terminou a obrigação da “ D...” pagar as rendas que são da responsabilidade dos RR. por não eliminação dos vícios do locado para efeitos da liquidação;

h) – A sentença recorrida é nula, nos termos do n.º 1, alín. d) do art.º 668.º do CPC, pelo que deve ser revogada e julgada procedente a liquidação.

Não houve lugar a resposta.

Corridos os vistos, cumpre decidir, sendo questão a apreciar:

- A impugnação da matéria de facto;

- A nulidade de sentença;

- O caso julgado;

- Qual a data relevante desde que são devidas as rendas e qual o montante pecuniário a liquidar.


*

2. Fundamentação

 a) - De facto

São os seguintes os factos provados já com a correcção que vai determinar-se quanto ao teor da resposta dada ao art.º 4.º da base instrutória:

 1. Por sentença de 01 de Setembro de 2005, transitada em julgado, foram os Réus condenados, para além do mais, a pagar à Autora a quantia que vier a ser liquidada, correspondente ao valor da rendas cujo pagamento não for satisfeito pela arrendatária “ D ..., Lda.”, até ao montante global de € 10.320,33 (dez mil trezentos e vinte euros e trinta e três cêntimos), no período compreendido entre Dezembro de 1998 e Outubro de 1999, inclusive, e desde esta data até efectiva desocupação da loja por parte da dita arrendatária, até ao montante mensal de € 944,00 (novecentos e quarenta e quatro euros);

2. Em 09 de Abril de 1998, a Autora e a sociedade “ D ...s, Lda.” outorgaram uma escritura de arrendamento referente à fracção autónoma “D”, loja 4, destinada a comércio no rés-do-chão, armazém no piso -1, designado pela mesma letra de fracção, do prédio urbano em propriedade horizontal sito em Leiria, ..., ...;

3. No âmbito da acção n.º 82/99 do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria em que é Autora “ A ... Lda.” e Ré “ D ... Lda.”, foi realizada transacção em 14.04.2008 homologada por sentença transitada em julgado, tendo ficado consignado que:

a) - “Nesta data (14.04.2008) a ré procedeu à entrega do local arrendado e autora, assim sendo toma posse do mesmo, de ora em diante, dando assim por resolvido o contrato dos autos”.

b) - Para efeitos de liquidação do valor das rendas a que alude o ponto 1.4da decisão da sentença proferida na acção ordinária nº 629/1999 a que respeita a certidão de fls 347 e segs, a autora e ré declaram que não foram pagas as rendas referentes aos meses de:

c) - Dezembro de 1998 inclusive até Março de 1999, inclusive, estas no montante mensal de € 922,77 (novecentos e vinte e dois euros e setenta e sete cêntimos) e;

d) - Abril de 1999, inclusive, até ao presente mês de Abril e estas no montante mensal de € 943,99 (novecentos e quarenta e três euros e noventa e nove cêntimos).

4. No âmbito do proc. nº 82/99 do 1º juízo cível do Tribunal Judicial de Leiria, a sociedade “ D ...” deu entrada de um requerimento em 4. 11. 99 no qual declara que:

aa) -  “ D ...Lda.” viu-se obrigada a retirar o equipamento que se encontrava no interior do estabelecimento(..) viu-se obrigada a fechar o estabelecimento no mês de Março do corrente ano(..)

b.a) “ D ...Lda.” não se opõe presentemente a entregar o imóvel arrendado(….).

5. A sociedade “ D ..., Lda.” encerrou as portas do estabelecimento em 1.3.99.


*

b) – De direito

            Começando, por uma questão metodológica, pela impugnação da matéria de facto, quanto à pretendida eliminação do art.º 4.º da base instrutória, vem invocada a destempo, uma vez que nada se reagiu aquando da respectiva selecção da matéria de facto.

            Seja como for e contrariamente ao sustentado pela recorrente, o seu teor está longe de ser conclusivo para que não pudesse ter obtido resposta.

            Outra coisa é saber se tal facto está correctamente julgado.

            Perguntava-se nesse art.º se “A sociedade D ..., Lda.” esteve no locado apenas até 1 de Março de 1999, data em que retirou do locado todo o recheio” e respondeu-se provado, pelo que foi até esta data (e desde Dezembro de 1998) que se contabilizou em € 2.832,00 o montante da renda em dívida (944,00 x 3).

            O tribunal a quo assentou a sua convicção quanto a tal resposta no teor dos docs. já juntos, como o constante do n.º 38 da sentença da acção declarativa (“A D...encerrou as portas a 1.3.99”), no saneador da acção n.º 82/99 em que se deu como provado que em 1.3.99 a aí Ré “ D...” fechou ao público e retirou todo o equipamento e vendeu-o, desde então não mais desenvolvendo qualquer actividade comercial no locado.

            Para além disso, uma diligência de penhora de 30.10.02 constatou que, em 30.10.02, a loja estava vazia.

            O depoimento da testemunha F... (filho dos sócios da A.) confirmou a colocação, no locado, de cartazes com os dizeres “aluga-se ou vende-se”, em 1999 ou 2000, e de G... , a quem a A. mostrou a loja para arrendar (e se o fez é porque tinha a respectiva chave).

            A própria A. em 20.8.01 e 12.6.04 pediu à administração do condomínio autorização para instalar no locado uma pastelaria ou um ATL.

            Daí ter concluído que em 1.3.99 a loja ficara vazia e na total disponibilidade da senhoria A.

            Ouvido o registo fonográfico das audiências de discussão e julgamento, v. g., das testemunhas em cuja depoimento a recorrente giza a impugnação, resulta o seguinte:

            - Não há, em rigor, depoimento de parte da legal representante da A. E... , porque, contrariamente ao preceituado no art.º 563.º do CPC o mesmo não foi objecto de registo em assentada.

            De todo o modo, refugiada na transacção da acção de despejo realizada em 14.4.08, daí não saiu para, com parcialidade, reportar (só) aí a disponibilidade da fracção. Deixando sem resposta os anúncios de “vende-se ou aluga-se” colocados na fracção pela própria A. anos antes dessa data.

            Quanto à testemunha F..., seu filho, esclareceu que a A. dispunha de um jogo de chaves da loja, que em meados de 1999 esta ficou vazia e foi seu pai que, em finais de 1999, meados de 2000, colocou o anúncio “vende-se ou aluga-se”.

            Quanto à testemunha G... reporta a 1977 o contacto com o gerente da A. para tomar de arrendamento a loja, mas referiu-se a uma acção de despejo que só foi intentada em 1999!

            A testemunha H... não conhecia a loja nem nada disse saber, em concreto, sobre quando foi ou não entregue.

            I... , que vive no prédio da loja e chegou a ser administrador do condomínio esclareceu com conhecimento de causa que a loja ficou vazia em 1999 e viu anúncios nela afixados de “vende-se ou aluga-se” em 2000.

            Igualmente estava inteirado dos pedidos de autorização ao condomínio para em 2001 arrendar a loja para uma pastelaria e em 2004 para instalar um ATL, o que foi recusado.

            Quanto à testemunha J... viu a loja com o anúncio de “vende-se/aluga-se” em 99/00 e estava vazia; chegou a ligar para o n.º de telefone aí indicado, então lhe pedindo a A. 200 contos de renda por mês.

            Finalmente, quanto à testemunha L... , limitou-se a constatar que em 2001 a loja tinha um letreiro de “vende-se ou aluga-se”, então se apercebendo encontrar-se vazia.

            Ora bem.

            De todos estes depoimentos e dos elementos documentais juntos, v. g., a sentença proferida na acção declarativa, não pode concluir-se nem pela versão da sentença (1.3.99), nem pela da A. sobre quando a loja ficou disponível para a A. (14.4.08).

            Com efeito, a data de 1.3.99 coincide com a que confessadamente (pela “ D...”) encerrou o estabelecimento, mas encerrá-lo não significa que o tenha disponibilizado à A. nessa data.

            Continuou a ocupá-lo como, aliás, vinha provado já da sentença da acção declarativa pelo menos até Outubro de 1999 (factos n.º 38 e 41 da sentença).

            Daí que se afigure sem sustentáculo probatório a conclusão da resposta dada ao art.º 4.º da base instrutória quanto a ter-se dado como provado que “esteve no locado apenas até 1.3.99”, factualidade esta que assim se considera não provada.

            Em consequência e deferindo a impugnação da matéria de facto nestes termos, altera-se a resposta a tal artigo para:

            - “A sociedade D ...encerrou as portas do estabelecimento em 1.3.99”.

            Já quanto aos acrescentos ao teor das ali.s B) e D) dos Factos Assentes, nenhum aditamento se impõe efectuar, sendo que, tratando-se de docs. constantes dos autos, longamente discutidos o que têm de essencial para a decisão é o que se verteu em tais alín.s de que, oportunamente, não houve, de resto, reclamação.

            Quanto à nulidade de sentença, a arguição versa a dupla vertente de omissão de pronúncia e excesso de pronúncia.

            Todavia, nem uma, nem outra faceta ocorre, nem, aliás, a recorrente minimamente o demonstra, apenas dizendo que a sentença deixou de se pronunciar sobre questões de facto a aditar e de atender a documentos juntos.

            É matéria quer em abstracto respeita à decisão de facto e que ou já teve apreciação ou não releva.

            Em sede de julgamento propriamente dito, o que a sentença tinha para conhecer, conheceu e na exacta medida em que o pedido foi formulado, ele próprio delimitador do thema decidendum: a liquidação da obrigação dos RR.

            Se bem, se mal, logo veremos.

            Indefere-se, portanto, a nulidade.

            Aqui chegados, coloca-se a questão de qual a data, afinal, relevante para a liquidação da obrigação, ou seja, qual é a medida do dano da A., o que coincide com o momento até que os RR. podem ser responsabilizados pela não disponibilidade  da fracção.

            A A. louva-se em 2 fundamentos para prolongar o dano até à data em que na acção de despejo transaccionou com a Ré, arrendatária “F 7”: a resolução do contrato e o acordo das rendas em dívida a pagar, não por ela, mas pelos RR. na sequência da sentença em liquidação.

            O 1.º reporta-se à exigência legal de a própria resolução ter de ser decretada judicialmente.

            O 2.º, ao caso julgado da sentença homologatória, a impender também sobre os RR.

            Ora, nem a uma nem a outra razão é de atender.

            Quanto à resolução, é certo que nos termos do n.º 2 do art.º 63.º do RAU, então vigente, no caso de incumprimento por parte da arrendatária (como era a situação de não pagamento das rendas) a resolução tinha de ser decretada pelo tribunal.

            Trata-se de uma medida protectora ou garantística da considerada parte mais fraca, o arrendatário, desígnio com o que nada têm a ver os RR.

            Não sendo estes partes na acção de despejo, não poderiam ficar à mercê do seu destino.

            Provado que a A. passou a poder dispor do locado muitos anos antes dessa data, obrigar os RR. a assistir passivamente ao seu desfecho, sobre eles, afinal, incidindo a responsabilidade pelo pagamento das rendas que se iam vencendo, era pactuar com o mais incrível enriquecimento sem causa.

            Conclui-se, portanto, que o que releva em sede de dano a liquidar é o tempo em que a A. esteve fora da disponibilidade da loja, não a conceitualização jurídica de a resolução só operar judicialmente.

            Qual é esse tempo, já vamos ver.

            Quanto à 2.ª razão, do caso julgado da sentença homologatória da transacção, somos remetidos aos limites subjectivos do caso julgado.

            A regra geral quanto à eficácia subjectiva do caso julgado é a de que só produz efeitos entre as partes. É o princípio da eficácia relativa.

            Só as partes que intervieram ou tiveram possibilidades de intervir no processo podem ver oposto o caso julgado. Os terceiros, não participando no processo, não tiveram oportunidade de defender os seus interesses, que podem colidir no todo ou em parte com os da parte vencedora, não sendo, por isso, justo que a decisão proferida numa acção em que não intervieram lhes fosse oponível com força de caso julgado, coarctando-lhes o seu direito de defesa e uma gritante violação do princípio do contraditório.[1]

            Pode, contudo, o caso julgado assumir eficácia reflexa em relação a terceiro.

            Neste caso poder-se-ia dizer que os RR. assumiriam aqui uma posição de terceiros juridicamente interessados.

            Como ensina Manuel de Andrade[2], os terceiros não têm que acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando aquela, a valer em face deles, lhes poderia causar um prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática.

            Nessa situação a sentença não pode valer contra eles, nem a favor deles.

            Em suma, a sentença homologatória de transacção exarada na acção de despejo entre a aqui A. e a sua arrendatária “ D...” é para os aqui RR. “res inter alios acta”.

            Finalmente, vejamos até quando é devido o valor da renda, ou seja, até quando a A. esteve na prática privada da posse da sua fracção predial.

            Questão aparentemente simples, navegou entre lapsos temporais vários e inconcludentes: em 14 de Maio, por ex., a A. dispunha dos serviços de água em seu nome (consumindo 28 m3 desde então até 17.4.06 – v. fls. 665), se em 30.10.02 tinha afixada uma placa com os dizeres de “arrenda-se” (conforme comprovado por oficial de justiça em serviço de penhora), para já não falar nos depoimentos testemunhais que situaram em finais de 1999 a posse da A. sobre a fracção e a publicidade afixada de “vende-se ou arrenda-se”.

            Ora, face ao que se considera a coberto do trânsito em julgado da sentença em liquidação, pelo menos desde Dezembro de 1998 até Outubro de 1999, inclusive, a A. esteve no uso da fracção.

            E conforme resulta provado da sentença recorrida em 4.11.99 a arrendatária assumiu em requerimento que juntou à acção de despejo em como “não se opõe presentemente a entregar o imóvel arrendado”.

            Ora, se a A. o não recebeu, sibi imputet!

            Em alternativa à data de 1.3.99 fixada na sentença recorrida fixa-se, pois, em 4.11.99 a data em que a A. pôde passar a dispor da sua fracção.

            Logo e atento o valor mensal de cada renda vencida e não paga, de € 922,77, de Dezembro de 1998, inclusive, a Dezembro de 1999, inclusive (v. sentença na acção declarativa), a importância devida é liquidada, assim, no valor de € 10.150, 47 (922,77 x 11), sendo que a quantia de € 204,26 também peticionada na liquidação seria e será devida independentemente de liquidação.


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            3. Em síntese conclusiva

            I – Condenados os RR. em quantia ilíquida em montante equivalente ao pagamento das rendas a vencidas e a vencer até desocupação de um estabelecimento comercial pela arrendatária, por venda de imóvel com vícios de construção que lhe impedem o uso, a transacção homologada por sentença transitada em julgado em acção de despejo, entre a compradora (senhoria) e a arrendatária e na qual definiram a data de desocupação e as rendas em dívida, não é oponível àqueles, dada a eficácia relativa (inter partes) do caso julgado (art.ºs 497.º, 498.º, 671.º e 673.º, do CC);

            II – Sendo os RR. terceiros juridicamente interessados relativamente à transacção homologada, enquanto definidora da sua dívida, não há efeitos reflexos do caso julgado, não se lhes impondo, em consequência, a sentença proferida na acção de despejo em que não intervieram.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, nos termos assinalados e, revogando parcialmente a sentença recorrida, alteram o valor da liquidação para a importância de € 10.150, 47.

            Custas, em ambas as instâncias, na proporção do vencido.


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Francisco Caetano (Relator)

António Magalhães

Ferreira Lopes


[1] V. A. Varela et al., “Manual de Proc. Civil”, 2.ª ed., pág. 720.
[2] “Noções de Processo Civil”, 1976, pág. 311.