Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
285/12.0TBMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
OPOSIÇÃO
CREDOR
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 215.º DO CIRE, APLICÁVEL AO PER POR FORÇA DO N.º 5 DO ART.º 17.º-F (INTRODUZIDO PELA LEI 16/2012, DE 20 DE ABRIL)
Sumário: i. Releva, para efeitos do disposto no art.º 215.º do CIRE, aplicável ao PER por força do n.º 5 do art.º 17.º-F (introduzido pela Lei 16/2012, de 20 de Abril), a prática de acto que a lei não permita ou a omissão de acto que a lei imponha, quer se trate de normas que disponham quanto a aspectos de procedimento, quer de substância, dizendo estas últimas respeito ao conteúdo do plano.

ii. A violação será não negligenciável sempre que a nulidade cometida tenha influência no exame e decisão da causa, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 201.º do CPC.

iii. A forma escrita imposta pelo n.º 4 do art.º 17.º-F é condição de validade do voto.

iv. A consideração de voto comunicado verbalmente consubstancia violação não negligenciável de regra procedimental, com influência no exame e decisão da causa.

v. Sob pena de violação não negligenciável de norma atinente ao conteúdo, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 215º citado, deve ser recusada oficiosamente a homologação de plano sem a anuência do credor tributário sempre que nele se preveja a redução de créditos de natureza tributária, dada a imperatividade do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais.

Decisão Texto Integral: I. Relatório
No Tribunal Judicial da Mealhada,
A..., actividades hoteleiras, Lda., com sede na (...), Mealhada, veio, ao abrigo do disposto no art.º 17.º-C, nº 3, al.s a) e b) do CIRE, introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, comunicar a sua intenção de dar início ao procedimento especial de revitalização aqui previsto, tendo em vista a aprovação de plano de recuperação.
Procedeu à junção das declarações a que aludem os artigos 17.º-A, n.ºs 1 e 2, art.º 17.º-C, n.º 1 e 24.º, n.º 1, todos do referido diploma, e indicou a pessoa a nomear como administradora judicial provisória.
Tendo a nomeação recaído sobre a pessoa indicada, e devidamente publicitada, prosseguiram os autos seus regulares termos, tendo a Sr.ª administradora nomeada feito juntar aos autos a lista provisória dos créditos a que alude o n.º 3 do art.º 17.º-D do CIRE.
Publicitada a lista, deduziram impugnações o Instituto de Segurança Social, ip., pretendendo o reconhecimento de créditos privilegiados sobre a devedora nos valores de € 63 257,75 e € 11 926,53, respeitantes a quotizações em dívida e juros de mora, respectivamente (v. fls. 229/220), e a requerente/devedora, impugnando os créditos (provisoriamente) reconhecidos aos credores B..., C..., SA e Fazenda Nacional, esta representada nos autos pelo M.P. (fls. 227 a 232).
Por acordo entre a Sr.ª administradora e a devedora, comunicado aos autos e devidamente publicitado, foi prorrogado por um mês o prazo para a conclusão das negociações com os credores.
A credora C..., SA deu a conhecer nos autos a sua oposição ao plano proposto (v. fls. 335/336).
Por requerimento entrado em juízo no dia 10/10/2012 (vide fls. 324), informou a devedora ter obtido os votos favoráveis dos credores Fazenda Nacional e B..., perfazendo 85% dos créditos provisoriamente reconhecidos, requerendo a homologação do plano constante de fls. 329 a 331.
Juntou declaração subscrita pelo Il. Mandatário do credor B... no sentido da aprovação do plano apresentado, tendo protestado juntar o voto, também favorável, da Fazenda Nacional.
Mediante o requerimento de fls. 344, a Sr.ª administradora fez juntar aos autos cópia do ofício enviado pela AT (Administração Tributária e Aduaneira) à D. Magistrada do M.P., com conhecimento àquela, com o seguinte teor “Relativamente ao PER em epígrafe, e atendendo ao teor do Novo Plano de Recuperação apresentado pela Administradora Judicial Provisória nomeada, que passou a integrar, excepto quanto aos juros de mora devidos, as condições expressas pela ATA na segunda parte do seu ofício n.º 05755, de 7/9/2012, o credor Fazenda Nacional dá o seu voto favorável, sob condição da exigência expressa pela Fazenda Nacional, quanto à redução dos juros” (é nosso o destaque).
A devedora e a Sr.ª Administradora Judicial provisória fizeram juntar aos autos o resultado da votação obtida, nos termos do quadro constante de fls. 359, evidenciando que os credores concordantes representavam 84% dos créditos reconhecidos.
Notificados os credores, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 17.º-F do CIRE, e nesse âmbito dada vista à D. Magistrada do M.P., declarou esta “Uma vez que o credor Fazenda Nacional já se pronunciou no sentido da aceitação do plano apresentado pelo devedor nos moldes constantes de fls. 351-353, nada a requerer ou a referir relativamente à sua aprovação”.
Por despacho exarado de fls. 416 a 422 foram decididas as impugnações, tendo sido julgada procedente a apresentada pela SS, i.p., e o seu crédito reconhecido nos precisos termos reclamados, e parcialmente procedente a dirigida pela devedora ao crédito reclamado pela credora C..., SA. Na sequência do assim decidido, determinou a Mm.ª juíza “a quo” que a Sr.ª AJ procedesse à apresentação de nova lista de créditos, indicando as percentagens correspondentes a cada um deles, determinação a que foi dado cumprimento nos termos constantes de fls. 432/433 (sem que, todavia, tenha sido considerado o decidido quanto à redução do crédito da reclamante C..., SA).
Ordenada a notificação do plano à SS, cujo crédito havia entretanto sido reconhecido, veio a devedora declarar nada ter a opor à inclusão daquela entidade no plano inicial, a quem propôs as mesmas “condições, garantias e forma de pagamento apresentadas e aceites pela fazenda Nacional” (vide fls. 438/439).
Interpretando tal declaração da devedora como alteração do plano antes apresentado e sujeito a votação, foi pela Mm.ª Juiz endereçado convite à devedora para proceder à sua formal alteração, “estritamente para nele incluir a credora Segurança Social”, assinando-lhe o prazo de 10 doas para proceder à junção aos autos da documentação a que alude o artigo 17.º-F, relativa ao novo plano e nova votação.
Apresentado aos credores o plano reformulado em conformidade, reiterou a sua oposição a C..., SA, tendo a Sr.ª AJ procedido à junção do quadro de fls. 457, reflectindo o resultado da votação, esclarecendo terem votado favoravelmente os credores B..., cuja declaração anexou, e a Fazenda Nacional, esta por contacto telefónico -cf. requerimento de fls. 454/455, enviado ao Tribunal via fax no dia 21 de Janeiro, término do prazo fixado.
Por requerimento apresentado em juízo no dia imediato, a devedora fez saber que, invertendo a sua anterior posição, a Fazenda Nacional tinha emitido voto desfavorável ao plano reformulado -não esclarecendo embora que forma tomara- requerendo todavia fosse tal voto desconsiderado, atendendo à anterior votação desta credora e ao facto de o novo plano conter apenas a alteração determinada pelo reconhecimento do crédito da Segurança Social (vide fls. 470/473).
Com data de 25/1 foi proferida decisão homologatória do plano de recuperação apresentado, considerando e computando o voto da Fazenda Nacional como favorável.
E é da sentença assim proferida que vem interposto o presente recurso pelo M.P., em representação da AT, cujas necessárias alegações rematou com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1.ª O presente recurso visa impugnar a sentença proferida nos presentes autos a 25/1/2013, que homologou o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor “Restaurante A..., Lda.” apresentado nos autos a 11/1/2013;
2.ª A nossa discordância prende-se com o facto de o Tribunal “a quo” ter considerado como favorável à aprovação do plano um hipotético voto da Autoridade Tributária e Aduaneira veiculado à administradora judicial provisória por telefone;
3.ª Ora, ao admitir a votação em tais moldes e, consequentemente, ao aprovar o plano, o Tribunal “a quo” fez tábua rasa do estatuído no art.º 17.º-F, nºs 4 e 5 e 215.º do CIRE e impôs à Autoridade Tributária e Aduaneira um sentido de voto que não corresponde à sua vontade e interesses;
4.ª Mediante a informação prestada pela administradora judicial provisória no sentido que o voto da Autoridade Tributária e Aduaneira tinha sido transmitido pelo telefone, impunha-se ao Tribunal “a quo”, em estrito respeito pelo preceituado nas normas supra referidas, que diligenciasse pela junção aos autos de voto escrito que atestasse o alegado pela administradora judicial provisória no documento que juntou aos autos;
5.ª Este dever de indagação encontrava-se ainda reforçado, pois nos autos constava informação da devedora, que deu entrada no mesmo dia que o resultado da votação apresentado pela administradora judicial provisória, que dava conta da emissão de voto desfavorável por parte da autoridade Tributária e Aduaneira;
6.ª Tal contradição de informações impunha ao Tribunal “a quo” que indagasse se o hipotético voto da Autoridade Tributária e Aduneira veiculado pelo telefone correspondia de facto à real intenção de tal credor;
7.ª Ainda que o tribunal entendesse que não deveria diligenciar nesse sentido, cabendo-lhe apenas tomar posição mediante a documentação que lhe é apresentada pela administradora judicial provisória, sempre teria o Tribunal “a quo” de rejeitar a homologação do plano apresentado por ser patente a ocorrência de uma violação não negligenciável das formalidades de voto, nos termos do art.º 215.º “ex vi” do art.º 17.º-F, n.º 5, ambos da Lei n.º 53/2004, de 18 de Março”.
Com tais fundamentos pretende a revogação da sentença proferida e sua substituição por outra que não homologue o plano apresentado pela devedora em 11/1/2013.
A devedora contra alegou, pugnando naturalmente pela manutenção da decisão recorrida, sustentando dever ser considerado o voto escrito favorável anteriormente prestado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tanto mais que a alteração do plano em nada contendeu com o crédito que àquela foi reconhecido, prazo e modalidade de pagamento propostos e aceites.
*
Sabido que o objecto do recurso se limita -e delimita- em face das conclusões insertas nas alegações da recorrente, como resulta do preceituado nos art.ºs 684 n.º 3 e 685.º-A, ambos do CPC, constitui questão a decidir saber se o Tribunal “a quo” errou ao considerar o voto verbal favorável que a credora AT teria comunicado à Sr.ª Administradora Judicial Provisória, tendo ocorrido vício procedimental relevante nos termos do art.º 215.º CIRE, a impor a rejeição do plano apresentado.
*
II. Fundamentação
Importando à decisão a proferir quanto se deixou relatado em I., cabe referir que o processo especial de revitalização, introduzido no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, destina-se, nos termos ali prescritos, “a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I” (n.º 1 do art.º 17.º-A do CIRE[1], interessando ainda o disposto no art.º 1.º, n.ºs 1 e 2).
A viabilização da empresa é assim suportada pelo acordo dos credores, impondo por isso a lei a respectiva aprovação por uma maioria qualificada dos créditos, em ordem a garantir a eficácia do plano aprovado que, deste modo, se torna vinculativo para os restantes.
Da análise do regime legal consagrado, resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cf. n.º 9 do art.º 17.º-D), cabendo ao juiz, conhecido o resultado das negociações, nas quais não interfere, proferir decisão nos termos previstos no art.º 17.º-F.
Nos termos do n.º 2 do referido art.º 17.º-F, concluídas as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, mas sem unanimidade -quando esta se verifique, rege o n.º 1 do preceito- o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.
Consoante dispõe o n.º 3, considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados, caso considere que há probabilidade séria dos mesmos deverem ser reconhecidos, quando a questão ainda não se encontre decidida.
O n.º 4 impõe que a votação seja feita por escrito, aplicando-se o disposto no art.º 211.º, com as necessárias adaptações, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação.
Em matéria de aprovação e homologação pelo juiz rege o n.º 5, com remissão expressa para as regras homólogas do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º (não homologação oficiosa e não homologação a solicitação dos interessados).
Feito o excurso pelas disposições legais relevantes, relembra-se que no caso em apreço foi proferida sentença homologatória do plano, aceitando para o efeito o Tribunal, e fazendo relevar como favorável à aprovação, o voto expresso pela credora Administração Tributária, comunicado telefonicamente.
Decorre do art.º 211.º, aplicável “ex vi” do disposto no antes citado do art.º 17.º-F, que o voto deve ser dado tempestivamente -o voto fora do prazo não pode ser considerado, devendo ser havido como omitido[2]- e deve exprimir com clareza a aceitação ou rejeição da proposta, uma vez que, contendo qualquer proposta de alteração ou condição, será contabilizado como voto de rejeição, solução consagrada no n.º 2 do preceito.
Face ao assim preceituado, cumpre assinalar que o ofício da AT que a Sr.ª AJ fez juntar aos autos com o requerimento de fls. 344 e que acima se transcreveu, relativo ao plano inicial[3], nunca poderia ter sido entendido como voto favorável, por tal contrariar de forma expressa o citado n.º 2 do art.º 211.º. Aliás, nem sequer tenderíamos a considerá-lo expressão de voto da AT, posto que se encontrava, como deveria, aliás, endereçado à D.ª Magistrada do M.P. junto do Tribunal da comarca da Mealhada, a quem competia expressar o sentido de voto em representação daquela entidade (cf. art.ºs 3.º, n.º 1, al. a) e 5.º, n.º 1, al. a) do Estatuto do Ministério Público e art.º 128.º do CIRE).
De todo o modo, tendo o plano sobre o qual se pronunciaram os credores sido alterado, e determinada pela Mmª juíza a junção da documentação comprovativa da aprovação deste novo plano, a verdade é que o mesmo foi homologado na consideração da declaração prestada pela Sr.ª AJ no sentido de AT haver comunicado via telefone o seu voto favorável, assim irrelevando o voto anterior. E foi homologado, não obstante a aludida informação da Sr.ª AJ ter resultado contrariada pelo teor do requerimento que a própria devedora fez juntar aos autos a 22 de Janeiro, no qual alude ao facto de lhe ter sido comunicado pela credora o sentido desfavorável do seu voto.
Sendo os referidos os factos relevantes a ponderar no âmbito deste recurso, reconduzem-se os mesmos, na sua essência, à consideração pela Mm.ª Juíza “a quo” de um voto verbal como validamente expresso, contrariando a imposição do art.º 211.º, n.º 1 quanto à exigência de forma. Neste contexto, irrelevam quaisquer considerações atinentes à conduta da credora AT, que teria, no dizer da apelante, “dado o dito por não dito” quando, na verdade, e como pretendemos ter demonstrado, nunca tinha prestado voto favorável.
Ocupando-nos então da enunciada questão central, importa ter presente quanto dispõe o já antes mencionado art.º 215.º, aplicável ao processo especial de revitalização por força da remissão constante do n.º 5 do art.º 17.º-F.
Epigrafado de “Não homologação oficiosa”, e prevenindo as situações em que ocorra “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza”, impõe o citado normativo ao juiz que recuse a homologação do plano aprovado pelos credores, assim deferindo “ao tribunal o cargo de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano”[4], estando em causa tanto aspectos de procedimento como de substância, estes atinentes ao conteúdo do plano.
Mas, atente-se, não é qualquer desvio que implica a recusa de homologação, exigindo a lei que se trate de “violação não negligenciável”, deixando ao intérprete a difícil tarefa de concretização do conceito. De todo o modo, do que não há dúvida face à literalidade da disposição legal, é que violações menores deverão ser desconsideradas.
“Normas procedimentais são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo (…).
 Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as relativas à parte dispositiva do plano mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”[5].
Pese embora a categorização dos vícios, submetendo-os a lei ao mesmo regime, esbatido fica o relevo da distinção. Mas qual então o critério que permite a elevação de uma violação de lei à categoria de não negligenciável, permitindo a desconsideração de outra?
Claramente não negligenciável será a violação de norma imperativa que acarrete a produção de um resultado vedado por lei; inversamente, poderá ser menosprezada a infracção que atinja apenas regras de tutela particular, as quais podem ser afastadas com o consentimento do titular do interesse protegido. Tal é o critério avançado Por Carvalho Fernandes e J. Labareda[6], o qual parece impor-se por si mesmo. Todavia, reconhecendo que a violação de lei, pressupondo a prática de acto não admitido ou omissão de formalidade imposta, se reconduz sempre e a final à prática de uma nulidade processual, numa orientação mais geral, defendem os mesmos autores ser de apelar ao critério geral consagrado no n.º 1 do art.º 201.º do CPC, tendo-se assim por desvio relevante aquele que afecta o exame e a boa decisão da causa.
Dada a clara adequação do regime das nulidades à previsão normativa do art.º 215.º, aqui se acolhe o aludido critério.
De volta ao caso dos autos, constata-se ter sido dispensada pela Mm.ª juíza a quo a forma legalmente exigida para a declaração de voto. Tal exigência da lei, seguramente fundada em razões de certeza e segurança, em ordem a evitar que, em matéria tão nuclear, um credor pudesse retratar-se -se dúvidas houvesse quanto ao acerto da imposição legal, o presente caso dissipá-las-ia em definitivo- tendemos a considerá-la como condição de validade do voto. Daqui resulta, pois, ter sido cometida nulidade que influenciou sem dúvida a decisão da causa quando se apele ao critério consagrado no referido art.º 201.º, uma vez que o voto foi contabilizado como válido, sendo certo que a aprovação do plano se encontra em absoluto na dependência da votação favorável dos credores, cumpridas as exigências de quórum formuladas na lei.
E não se argumente que, desconsiderado o voto da AT, tudo se passaria como se esta credora tivesse omitido o seu voto, encontrando-se, ainda assim, reunidos os votos necessários à aprovação do plano, por ser suficiente o voto favorável do credor B..., atendendo a que as abstenções não relevam para o quórum exigido (cf. o n.º 1 do art.º 212.º). Com efeito, estando prevista a redução dos créditos de natureza fiscal e alteração dos prazos de pagamento, suprimido o voto favorável da AT, não poderia o plano ser aprovado, sob pena de violação das regras do conteúdo, a impor oficiosamente, ainda aqui, a recusa oficiosa da homologação. Tal decorre, conforme corrente jurisprudencial consolidada, da imperatividade do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, termos em que, incluindo o plano em apreciação a redução dos créditos desta natureza no tocante a juros e, bem assim, o seu pagamento faseado, não poderia o mesmo ser aprovado sem o voto favorável do credor tributário.[7]
Em suma, e conforme deflui do exposto, ao considerar e contabilizar como favorável o voto verbal da AT, pressuposto em que assentou a decisão homologatória, foi cometida nulidade com manifesta influência na decisão da causa, violação de norma procedimental não negligenciável a impor ao juiz a recusa da aprovação do plano. Daí que a decisão homologatória não possa subsistir.
   *
III. Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes que constituem a 1.º secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida, recusando a homologação do plano apresentado pela devedora A..., actividades hoteleiras, Lda.
Custas a cargo da apelada.
   *
Sumário (art.º 713.º, n.º 7 do CPC)
i. Releva, para efeitos do disposto no art.º 215.º do CIRE, aplicável ao PER por força do n.º 5 do art.º 17.º-F (introduzido pela Lei 16/2012, de 20 de Abril), a prática de acto que a lei não permita ou a omissão de acto que a lei imponha, quer se trate de normas que disponham quanto a aspectos de procedimento, quer de substância, dizendo estas últimas respeito ao conteúdo do plano.
ii. A violação será não negligenciável sempre que a nulidade cometida tenha influência no exame e decisão da causa, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 201.º do CPC.
iii. A forma escrita imposta pelo n.º 4 do art.º 17.º-F é condição de validade do voto.
iv. A consideração de voto comunicado verbalmente consubstancia violação não negligenciável de regra procedimental, com influência no exame e decisão da causa.
v. Sob pena de violação não negligenciável de norma atinente ao conteúdo, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 215º citado, deve ser recusada oficiosamente a homologação de plano sem a anuência do credor tributário sempre que nele se preveja a redução de créditos de natureza tributária, dada a imperatividade do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais.
                                                    *


Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[2] Neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 2005, vol. II, nota 7., pág. 108.
[3] Referimo-nos a plano inicial por facilidade de exposição e para o distinguir daquele que veio a ser alterado com a inclusão da credora SS, embora tenha existido, antes daquele, uma primeira proposta.
[4] Carvalho Fernandes, João Labareda, ob. cit., pág. 117.
[5] Idem.
[6] Ainda no CIRE anotado, pág. 119.
[7] É abundante a jurisprudência recente, destacando-se arestos desta mesma Relação de 25/6/2013 (processo n.º 1802/11.8 TBPBL.C. C1), Rel. do Porto de 28/6/2013 (processo n.º 4944/12.9TBSTS-A.P1), Rel. de Guimarães de 28/4/2013, Rel Lisboa de 15/11/2012 (processo n.º 86/11.1 TYLSB.C.L) e STJ de 15/11/2011 (proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1).