Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
240/11.7GAOBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
CONEXÃO DE PROCESSOS
COMPETÊNCIA
TRIBUNAIS COM SEDE NA MESMA COMARCA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
TRIBUNAL SINGULAR
TRIBUNAL COLECTIVO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 06/25/2014
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE (1.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14.º, N.º 2, ALÍNEA B), 16.º, N.º 3, 24.º, N.º 2, 25.º, 28.º, ALÍNEA A), E 29.º, DO CPP
Sumário: I - Ante a apensação de processos conexos, no caso previsto no artigo 16.º, n.º 3, do CPP, o Ministério Público deve ter oportunidade de se manifestar sobre que concreto tribunal (singular ou colectivo) é competente para a realização do julgamento.

II - Porém, o uso da prerrogativa a que alude aquele normativo tem de se verificar antes de o juiz do tribunal singular declarar a sua incompetência.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No processo 240/11.7GAOBR, a correr termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, o Magistrado do Ministério Público, fazendo uso da prerrogativa prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (doravante apenas designado por CPP), deduziu acusação contra A..., com os demais sinais dos autos, a quem imputa a prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal (a partir daqui, apenas referenciado por CP).

No desenvolvimento da dinâmica processual adequada, foi declarada a conexão daquele processo com o de n.º 334/11.9GBCNT, no qual o MP havia formulado acusação - em processo comum, perante tribunal singular, nos termos do disposto no referido artigo 16.º, n.º 3, do CP -, descrevendo factos constitutivos do cometimento, pelo arguido acima identificado, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º, n.ºs 1, e 2, e 23.º, por referência ao artigo 203.º, n.º 1, todos do CP.

O Sr. Juiz do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, por despacho de 17-10-2013, declarou-se incompetente para o julgamento e competente o tribunal colectivo.

O Sr. Juiz de Círculo de Figueira da Foz a quem o processo foi distribuído declarou-se, de igual modo, incompetente e competente o tribunal singular.

Ambas as decisões em confronto transitaram em julgado.

Pelo primeiro dos dois Magistrados Judiciais foi então suscitado o conflito negativo de competência.

Foram cumpridas as normas dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 36.º do CPP; porém, apenas o Sr. Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal da Relação emitiu pronúncia, manifestando-se no sentido de a competência pertencer ao tribunal singular.


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II. Fundamentação:

1. Elementos relevantes:

A. No domínio do processo 240/11.7GAOBR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, o MP acusou o arguido A..., imputando-lhe a autoria material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições legais acima referenciadas;

B. Após o recebimento do libelo acusatório, constatada a existência de outro processo também pendente na comarca de Cantanhede - o já referido 334/11.9GBCNT -, no qual o mesmo arguido fora acusado da prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, subsumível aos preceitos incriminadores supra descritos, o Sr. Juiz daquele tribunal, visto o disposto nos artigos 24.º, n.º 2, 25.º, e 29.º, do CPP, proferiu decisão a determinar a apensação daquele processo ao de n.º 240/11.7GAOBR.

C. Em ambas as acusações, o MP usou da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 16.º do CPP.

D. Verificada a apensação, e depois de o respectivo despacho, com data de 13-05-2013, ter sido notificado, em 20-05-2013, ao MP, o Sr. Juiz daquele tribunal proferiu, no dia 17-10-2013, decisão deste teor (transcrição parcial):

«O arguido A... encontra-se acusado no âmbito dos presentes autos principais e apenso pela prática dos seguintes crimes:

Nos autos principais n.º 240/11.9GBCNT:

(….);

Nos autos apensos 334/11.9GBCNT:

(….).

Considerando as penas abstractamente aplicáveis, verifica-se que a soma das penas máximas excede os 5 anos de prisão, pelo que é competente para a audiência de julgamento o tribunal colectivo, nos termos do disposto no art. 14.º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal, julgando-se o presente tribunal incompetente.

Notifique e, após trânsito, autue como processo comum colectivo.

(…)».

E. Remetido o processo ao Círculo Judicial de Figueira da Foz, tendo vista dos autos, o MP, baseando o pedido tardio num “manifesto lapso”, só em 29-01-2014 veio requerer a intervenção do tribunal singular para o julgamento do processo decorrente da apensação.

F. Em seguida, o Sr. Juiz de Círculo lavrou decisão cujo conteúdo se reproduz:

«Salvo o devido respeito pelo despacho do Juiz de Comarca a fls. 206, o mesmo não deve impor-se ao Tribunal Colectivo, pois não cabe ao Meret.º Juiz do processo enviar os autos para marcação de julgamento pelo Juiz Presidente sem ouvir o MP, a quem compete requerer que o julgamento se efectue perante Tribunal Singular, se entender não dever ser, em concreto, aplicada pena de prisão superior a 5 anos, nos termos do art. 16.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal.

O MP foi ouvido para esse efeito, pronunciando-se a fls. 231 pelo julgamento por Tribunal Singular, ao abrigo daquela norma.

Termos em que julgo incompetente o Tribunal Colectivo para a realização do julgamento e determino a devolução dos autos à Comarca de Cantanhede, para os fins que o Juiz do processo, do 1.º Juízo, julgar convenientes».


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2. Cumpre decidir:

O conflito negativo de competência configurado nos autos radica fundamentalmente na questão de saber até que momento o MP pode fazer intervir a disposição legal do artigo 16.º, n.º 3, do CPP, quando, por força das prescrições normativas dos arguidos 24.º, n.º 2, 25.º, 28.º, alínea a), e 29.º, do CPP, se verifica uma situação de conexão de processos a exigir a apensação de todos àquele que diz respeito o crime determinante da competência assim alargada.

Salienta-se que, no caso, nos dois processos conexos (n.ºs 240/11.7GAOBR e 334/11.9GBCNT), o MP solicitou, nas acusações deduzidas em ambos, o julgamento do arguido em tribunal singular, por recurso ao n.º 3 do artigo 16.º do CPP.

Porém, como é bem de ver - e isto nem sequer vem discutido -, perante o conhecimento superveniente do concurso dos dois crimes de furto qualificado - um consumado e o outro na forma tentada - que se evidencia e a moldura penal abstracta, quer de um, quer do outro ilícito penal, e ainda da pena única, a manter-se a pretensão no sentido do uso da enunciada prerrogativa, o MP há-de expressá-la. Caso assim não suceda, aplicar-se-ão as regras gerais da competência (material/funcional), sendo o tribunal colectivo o competente para o julgamento, em conformidade com a regra fixada no artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do CPP.

Ante a apensação de processos conexos, obviamente o MP deve ter oportunidade de se manifestar sobre que concreto tribunal (singular ou colectivo) intervirá na realização do julgamento.

Mas esse ensejo pode ser revelado, indefinidamente, a todo o tempo, em qualquer fase processual, antes da audiência de julgamento?

A resposta só pode ser negativa.

A declaração a que alude o artigo 16.º, n.º 3, do CPP, tem se surgir antes de o juiz se pronunciar sobre a competência do tribunal. Na acusação, antes de o Juiz proferir o despacho a que se reporta o artigo 311.º do mesmo diploma legal; em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, em requerimento, apresentado antes de o Juiz do tribunal singular declarar a sua incompetência. Proferida esta decisão de incompetência, a única forma de reacção é o recurso. Transitada em julgado, torna-se obrigatória para todos os sujeitos processuais[1].

Aplicando estas considerações genéricas ao caso concreto dos autos, o MP, quando notificado do despacho determinante da apensação dos dois processos por força da conexão verificada, quedou-se pelo silêncio. Só depois de proferido e transitado em julgado o despacho que declarou a incompetência do Tribunal Judicial de Cantanhede, aquele Magistrado tomou iniciativa, requerendo - tardia e, assim, sem qualquer relevância - a intervenção do tribunal singular.


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III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo competência para o julgamento do processo em causa ao tribunal colectivo do Círculo Judicial de Figueira da Foz.

Sem tributação.


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Coimbra, 25 de Junho de 2014

(Doc. elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra)

(Alberto Mira)  


[1] Neste sentido, v.g., Ac. da Relação do Porto de 15-10-2003, proferido no processo n.º 03133340.