Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46598/17.5YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DE ADVOGADO
DOENÇA
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J.L. CÍVEL DE CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 140º, Nº 1, 151º E 603º, Nº 1, DO NCPC.
Sumário: I- No atual regime do CPC a falta de advogado só poderá constituir causa/fundamento de adiamento da audiência final do julgamento se: 1) a sua data não tiver sido marcada com o acordo prévio do mesmo; 2) ou então quando ocorrer situação de justo impedimento.

II- Tendo a situação de doença configuradora de justo impedimento, envolvendo o mandatário de uma das partes, ocorrido em dia anterior à data designada para a audiência de julgamento, e não tendo a mesma sido comunicada (acompanhada do respetivo atestado médico já então emitido) ao tribunal, por culpa/imprevidência do próprio advogado, até à hora em que se deu inicio à mesma à audiência, inexiste fundamento legal para o seu adiamento.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. A requerente/autora P..., Lda. instaurou (em 08/05/2017) contra a requerida/ré, S..., ambas com os demais sinais dos autos, procedimento de injunção (agora ação para cumprimento de obrigação pecuniária) reclamando desta o pagamento da quantia de €6.457,50, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Que no exercício dessa sua atividade, celebrou com a requerida/ré um contrato de mediação imobiliária, no âmbito do qual se comprometeu, em regime de exclusividade, a diligenciar no sentido de encontrar/angariar um interessado na compra do imóvel urbano, ali identificado, que a última pretendia vender, e como contrapartida esta obrigou-se a pagar à ora autora, a título de remuneração desses seus serviços, a quantia correspondente a 5% do valor do preço pelo qual o negócio viesse ser concretizado, mas nunca inferior a €5.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

O preço de venda do referido imóvel foi inicialmente estipulado em €117.500,00, e a duração do contrato foi fixada em 6 meses, a contar da data da assinatura do contrato, podendo, todavia, ser renovado por iguais e sucessivo períodos, caso não fosse denunciado por nenhuma das partes.

No período da vigência do aludido contrato a autora veio a angariar uma pessoa interessada na compra do dito imóvel pelo preço de €105.000,00, cuja proposta (devidamente concretizada), após lha ter comunicada, veio a ser aceite pela ré.

Porém, inexplicavelmente, a ré veio depois a denunciar o contrato celebrado com a autora, sem que tivesse concretizado/formalizado o aludido negócio e pago a remuneração devida à ultima.

2. Na oposição que apresentou, a requerida/ré defendeu-se por exceção e por impugnação motivada, nomeadamente, e em síntese, invocando a ineptidão do requerimento de injunção (por alegada ininteligibilidade e insuficiente concretização dos factos que suportam a causa de pedir), ter sido coagida pelos representantes da autora na celebração e redução a escrito do contrato, e particularmente no que concerne à assunção da sua exclusividade com a ela, contraditando ainda o essencial da versão dos factos aduzidos pela demandante.

3. Após ter sido exercido do contraditório, por despacho de 20/06/2018 (referência ...) foi julgada improcedente a nulidade arguida pela ré com o fundamento na ineptidão do requerimento/petição inicial.

4. Depois já ter sido dada sem efeito dada por duas vezes (a primeira delas, na sequência de requerimento apresentado pelo ilustre mandatário da ré no qual informou estar impossibilitado de comparecer por motivos de doença, o que foi julgado depois constituir uma situação de justo impedimento, e a segunda delas por suspensão da instância, na sequência de requerimento/pedido formulado para efeito pelos ilustres mandatários das partes alegando estarem a ultimar diligências com vista a obtenção de acordo sobre o litígio), veio a ser designado o dia 17/09/2019, pelas 10 horas, para a realização da audiência de julgamento (por despacho de 09/05/2019, do qual foram notificados, além dos mais, os ilustres mandatários das partes).

5. Nessa data, na ata de audiência de discussão e julgamento – após a abertura desta e depois de se dar conta dos intervenientes processuais convocados presentes e não presentes, encontrando-se entre estes as testemunhas arroladas pela ré, e por esta a apresentar, e do seu ilustre mandatário – fez-se constar o seguinte:

Iniciada a diligência, pelas 10:30 horas, e não antes em virtude de se ter estado a aguardar pela chegada da Ilustre Advogada da Autora, e ainda foi contactado o escritório do Ilustre Advogado da Ré e foi informado o mesmo que se encontrava doente e que iriam fazer chegar ao processo um requerimento a dar conta da situação e que foi pelo aqui signatário da presente ata dado conhecimento á Mmª. Juiz, tendo proferido o seguinte DESPACHO:

Não obstante não se encontrar presentes o Ilustre mandatário da Ré, tal não é motivo para adiamento da presente diligência pelo que se dá inicio à mesma, considerando que nada foi dito ou requerido quanto à sua falta.

Notifique

5.1 Nos termos do que ali se encontra ainda exarado procedeu-se depois à produção de prova (com a prestação de declarações de parte do legal representante da autora – que ali foi requerido pela ilustre mandatária da mesma – e da única testemunha ali presente arrolada por aquela).

No final, após a produção de prova foi proferido o seguinte despacho a designar o dia 04/10/2019, pelas 10 horas, para continuação da audiência com a leitura da sentença, tendo sido ali ficado exarado que a audiência foi declarada encerrada quando eram 11:17 horas.

6. Com data de envio (via Citus) de 17/09/2019, pelas 10:33:55 horas, veio a ser junto aos autos requerimento com o seguinte teor:

A..., Mandatário nos autos à margem identificados, vem por justo impedimento informar V. Exa. que não pode estar presente na Diligência agendada para dia 17.09.2019, em virtude de lhe ter sido acometido de doença inesperada. Mais respeitosamente se requer que atendendo á complexidade do caso em concreto, ao facto de se encontrarem pendentes questões prejudiciais complexas e bem assim, ao facto de se dever assegurar ao Arguido uma defesa condigna, respeitosamente se requer que não seja nomeado um advogado oficioso, em prol da douta justiça

Protesta juntar: Atestado médico

P’ lo Advogado

A Secretária

...

7. Através do requerimento enviado/remetido pela mesma via, em 23/09/2019, pelas 19:46.08 horas, a ré, através de requerimento subscrito pelo seu ilustre mandatário (dr. A...) e com vista a comprovar o justo impedimento antes invocado, juntou documento do seguinte teor:

Atestado Médico

..., licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de (…), (…), atesta pela sua honra profissional que A... (…) se encontra impossibilitado de trabalhar no período de 5 dias.”

Documento esse que no se encontra assinado e datado de 16/09/2019.

8. No dia de designado para a continuação de audiência (04/10/2019), reaberta a mesma (com a ausência dos ilustres mandatários das partes), foi proferido seguinte despacho:

« Na sequência da sua falta à audiência de julgamento veio o mandatário da Ré juntar atestado médico, para comprovar o “justo impedimento comunicado ao tribunal.”

Ora, antes de mais, afigura-se que nenhum “justo impedimento” foi devidamente comunicado uma vez que apenas foi informado que o mandatário da Ré se encontrava doente, e após contacto estabelecido pelo tribunal, sendo que o requerimento com a refª ..., foi remetido já a audiência se havia iniciado, sendo que não se compreende claramente o requerido, atento o teor do mesmo.

Por outro lado, o atestado médico ora apresentado é datado do dia 16/9, isto é, em data anterior à audiência de julgamento, nenhum fundamento tendo sido invocado para a impossibilidade da sua apresentação, e consequente comunicação atempada da falta.

Assim, entende-se que nada mais há a apreciar.

Notifique. »

9. Seguiu-se, de imediato, a prolação da sentença que, no final, decidiu julgar a ação procedente e condenar a “Ré no pagamento à Autora da quantia de €5.250 (cinco mil duzentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal, e a que acrescerão juros desde 16/3/2017, à taxa legal prevista para os juros civis, os quais se contabilizam na presente data em €656,72, no total de €7.114,22 (sete mil cento e catorze euros e vente e dois cêntimos).”

10. Inconformada com tal sentença, dela apelou a ré, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

« 1. No âmbito dos presentes autos, veio a ser proferida sentença, com a qual não pode a recorrente colher entendimento.

2. No dia 17.09.2019 pelas 10h33.55, a mandatária forense do escritório do mandatário signatário, fez chegar aos autos requerimento no qual invocava em nome deste Justo Impedimento.

3. No entanto, veio a ser entendimento do douto Tribunal que: “Na sequência da sua falta à audiência de julgamento veio o mandatário da Ré juntar atestado médico, para comprovar o “justo impedimento comunicado ao tribunal.” Ora, antes de mais, afigura-se que nenhum “justo impedimento” foi devidamente comunicado uma vez que apenas foi informado que o mandatário da Ré se encontrava doente, e após contacto estabelecido pelo tribunal, sendo que o requerimento com a refª ..., foi remetido já a audiência se havia iniciado, sendo que não se compreende claramente o requerido, atento o teor do mesmo. Por outro lado, o atestado médico ora apresentado é datado do dia 16/9, isto é, em data anterior à audiência de julgamento, nenhum fundamento tendo sido invocado para a impossibilidade da sua apresentação, e consequente comunicação atempada da falta. Assim, entende-se que nada mais há a apreciar.”

4. A audiência que não foi adiada não obstante ter sido invocado justo impedimento, encontrava-se agendada para o dia 17.09.2019, iniciando-se a mesma pelas 10h30.

5. No aludido atestado médico que veio a ser junto lê-se que o mandatário se encontrava impedido de exercer as suas funções profissionais pelo período de cinco dias, com data de 16 de Setembro de 2019, não tendo sequer a veracidade do mesmo sido colocada em causa.

6. A primeira questão douto Tribunal a quo é a de que, segundo este, o requerimento datado de dia 16.09.2019 não enforma nenhum justo impedimento, não obstante no mesmo ler-se: “ vem por justo impedimento informar V. Exa. que não pode estar presente na Diligência agendada para dia 17.09.2019, em virtude de lhe ter sido acometido de doença inesperada.”.

7. É assim notório que o Justo Impedimento foi invocado, tendo-se esclarecido o motivo: acometido de doença inesperada.

8. O próprio douto Tribunal admite que o referido requerimento deu entrada em Tribunal em data anterior ao julgamento agendado.

9. O documento – atestado médico - tem a data aposta de 16.09.2019, determinando repouso absoluto por cinco dias, i e, 16.09.2019 mais cinco dias perfaz a data de 21.09.2019.

10. Assim surge como elementar que no dia 17.09.2019, data da diligência, o mandatário da recorrente se encontrava impedido de se deslocar para realizar a diligencia, ao contrário do que uma vez mais parece seguir o entendimento do douto Tribunal a quo.

11. No quanto concerne à comunicação atempada da falta, a mesma ocorreu 3 minutos após o inicio da audiência, na verdade, três minutos e cinquenta e cinco segundos, sendo que na verdade, previamente ao envio do referido requerimento, a administrativa forense cuidou de telefonicamente informar a secretaria do douto Tribunal a quo do sucedido, pelo que, em bom rigor, o douto Tribunal a quo, tinha conhecimento prévio ao inicio da diligência, de que o mandatário se encontrava impossibilitado de estar presente.

12. É ainda entendimento do douto Tribunal que nenhum fundamento foi invocado para a impossibilidade da apresentação prévia do atestado médico.

13. Ora decorre do mesmo, uma vez mais, que o mandatário da recorrente, se encontrava impossibilitado de exercer as suas funções profissionais por cinco dias, sendo que era o impossibilitado mandatário da recorrente que tinha na sua posse o atestado médico e não a administrativa forense, veio o atestado médico a ser junto aos autos, quando o justo impedimento cessou, isto é,

14. Em 21.09.2019 (Sábado) cessou o justo impedimento, no dia imediatamente seguinte (em, que se praticam actos processuais), segunda feira, dia 23.09.2019, veio a ser junto aos autos, o comprovativo do justo impedimento, i e, atestado médico.

15. Assim ao abrigo da mais elementar aplicável jurisprudência e doutrina, ao abrigo da mais elementar aplicação ao caso concreto da Lei Processual e mesmo, dos princípios processualista, em caso e em particular, ao abrigo do mais elementar Princípio da Cooperação, tinha como prerrogativa o douto Tribunal a quo, na iminência do justo impedimento verificado, adiar a audiência final,

16. Porquanto inexistiam indícios sérios por parte do douto Tribunal a quo de que se trataria de um expediente meramente dilatório para adiar a diligência, tanto mais que tal referência nem tão-pouco consta da decisão.

17. Termos em que mal andou o douto Tribunal a quo, na decisão final proferida, pelo que desde já se requer a procedência por provado do presente recurso e a revogação da decisão ora em crise, tudo em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA! »

11. Contra-alegou a autora (fls. 98/100 do processo físico) pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.

12. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

II- Fundamentação
A) De Facto.

Na sentença foram dados, pelo tribunal da 1ª. instância, como provados os seguintes factos:

A) A Autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária, estando para tal habilitada com a licença nº ... – AMI, do INCI – Instituto da Construção e do Imobiliário;

B) No âmbito daquela actividade, no dia 20/9/2016 a Autora e Ré acordaram nos termos do Contrato de Mediação Imobiliária nº..., junto a fls.55, que se dá por reproduzido;

C) Nos termos da cláusula 2ª do referido contrato a Autora obrigava-se a diligenciar no sentido de encontrar interessado na venda do imóvel com as seguintes características – fracção autónoma sita na Rua ...;

D) O negócio seria realizado pelo preço de €117.500 (clausula 2ª);

E) Nos termos da cláusula 4ª do contrato referido em B) as partes acordaram que “o segundo contraente (ora Ré) contrata a mediadora em regime de exclusividade”;

F) Pela prestação dos serviços descritos em C), a Ré obrigou-se a pagar à Autora a título de remuneração a quantia de 5% sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, não sendo inferior a €5.000 (cinco mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor à data da outorga do contrato definitivo (clausula 5ª);

G) O contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos, caso não fosse denunciado por nenhuma das partes (clausula 8ª);

H) Em 18/10/2016 a Autora e Ré acordaram no aditamento ao contrato referido em C), alterando o preço fixado para €115.000;

I) Após a celebração do referido contrato a Autora promoveu a venda do imóvel aí referido através de publicidade inserida na Internet, na montra do local de atendimento e através de contacto com potenciais clientes;

J) Na sequência de tais esforços a Autora conseguiu angariar pessoa interessada na aquisição do imóvel, A..., que aceitou adquirir o imóvel pelo preço de €105.000;

K) Nessa sequência a Autora entrou em contacto com a Ré a quem transmitiu a proposta de compra pelo indicado preço;

L) A Ré aceitou a proposta por email enviado a 15/2/2017;

M) Pelo que a Autora solicitou à proponente que formalizasse a proposta por escrito no dia 17/2/2017, na qual se comprometeu a adquiri a fracção pelo preço de €105.000, a pagar a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de €5.000 na data da assinatura do contrato promessa e a outorgar o contrato definitivo no prazo máximo de 90 dias;

N) A Autora remeteu à Ré uma carta datada de 14/2/2017 a denunciar o contrato com efeitos a 20 de Março de 2017;

O) Contactada pela Autora a Ré referiu que havia denunciado porquanto queria deixar de ter regime de exclusividade no final do contrato, mantendo a aceitação da proposta que foi efectuada;

P) Por email de 21/2/2017 a Ré, invocando falta de confiança profissional na Autora reiterou a denuncia do contrato feita por carta de 14/2/2017, recusando-se a celebrar a venda da fracção objecto do contrato;

Q) E exigiu a devolução das chaves do imóvel;

R) A Autora em 1/3/2017 enviou carta registada com aviso de recepção a solicitar o pagamento da comissão acordada, a qual foi devolvida;

S) No dia 10/3/2017 a Autora remeteu carta registada com aviso de receção à Ré, para a sua morada fiscal, e no dia 16/3/2017 remeteu nova carta para a morada constante do contrato de mediação e para a morada fiscal;

Factos não provados (dados pelo mesmo tribunal)

1) A Ré recusou a celebração do contrato com exclusividade, o que foi aceite pelo representante da Autora;

2) A Requerida indicou como valor do imóvel €115.000;

3) Apercebendo-se que a Ré não estava com vontade de celebrar o negócio ou sequer outorgar o referido contrato de exclusividade, é pelo “vendedor” dito que já tem um cliente para comprar o imóvel;

4) Apenas nesse momento e perante as razões expostas, em particular a urgência para vender o imóvel por questões de saúde e o desespero para vender o imóvel a Ré acaba por assinar o contrato;

5) O Agente imobiliário tinha conhecimento de que a Ré tinha compromissos com o banco e estava com muito receio de entrara em incumprimento;

Não se deu resposta aos demais artigos da petição inicial ou da contestação por se tratar de matéria conclusiva ou de direito.

B) De Direito

1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2 – fine -, do CPC).
Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso da Ré./apelante (que estão em plena consonância com o alegado no corpo das alegações que as precedem), verifica-se que ela não ataca diretamente a sentença – quer em termos da sua fundamentação (de facto e/ou de direito), quer em termos da sal decisão – mas tão só o facto de audiência de discussão e julgamento não ter sido adiada com base no justo impedimento do seu ilustre mandatário. Delas decorre, assim, – pelo menos implicitamente – e desse modo se entenderá, que a apelante vem (à luz do disposto no artº. 644º, nº. 3, do CPC) impugnar os despachos referenciados nos pontos 8 (este de forma mais expressa e direta) e 5 (este de forma mais implícita/indireta ou por arrastamento) do Relatório, que, desatendendo à situação de justo impedimento por si invocada em relação àquele seu ilustre mandatário, não adiou a audiência de discussão e julgamento.
Sendo assim, a única questão que aqui nos cumpre apreciar, e decidir, traduz-se em saber se a audiência de discussão e julgamento realizada nestes autos, deveria, ou não, ter sido adiada, por ocorrência de situação de justo impedimento do ilustre mandatário da ré, e, em caso de resposta afirmativa, quais as consequências daí decorrentes ao não ser adiada.
Apreciemos então.

Na sequência do movimento legislativo que já vinha sendo encetado nesse sentido no domínio do anterior CPC, e com a finalidade/preocupação de imprimir maior celeridade processual na resolução dos litígios, o legislador do nCPC afunilou/restringiu ainda mais as causas de adiamento das audiências de julgamento.

Preocupação essa que começou logo com a forma como disciplinou, no artº. 151º do CPC, (sob a epígrafe “marcação e início pontal das diligências”), a marcação das diligências processuais, estabelecendo, como regra, que tal deve acontecer mediante prévio acordo entre os mandatários das partes e o tribunal (evitando, assim, sobreposição de agendas suscetíveis de desencadear adiamentos das diligências), ao estatuir em tal normativo que:

« 1 - A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.

2 - Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.

3 - O juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no ato após o decurso do prazo a que alude o número anterior.

4 - (…)

5 - Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença. (sublinhado nosso)

6 - (…).»

Preocupação essa que depois fez refletir no artº. 603º, nº. 1, do CPC, ao plasmar ali, sob a epígrafe “realização da audiência”, que “Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.(sublinhado nosso)

Resulta, assim, de tal normativo a excecionalidade dos adimentos da audiência de julgamento, os quais só podem ocorrer nas circunstâncias/situações ali expressamente referidas.

Daí que a matéria das causas que motivam o adiamento da audiência final do julgamento se encontre ali especificamente regulada e prevista.

E dentre essas, restritivas, causas de adiamento ali consagradas consta (naquilo que aqui releva para apreciação da questão em sub judice) a falta do advogado das partes.

Porém, conforme ressalta do aludido preceito legal, a falta de advogado só poderá constituir causa/fundamento de adiamento da audiência final do julgamento se: 1) a sua data não tiver sido marcada com o acordo prévio do mesmo; 2) ou então quando ocorrer situação de justo impedimento.

Ora, e revertendo-nos ao caso em apreço, é somente a segundas das referidas causas de adiamento que aqui se discute (pois que quanto à 1ª. dessas causas ela não é sequer invocada nas alegações/conclusões do recurso).

E será que, in casu, se verificou aquela segunda causa geradora do adiamento da audiência final (ocorrência de situação de justo impedimento)?

Vejamos.

O artº. 146º, nº. 1 do anterior CPC de 61, na sua redação vigente antes da reforma de 95, definia o justo impedimento como o “evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário”, e perante esta noção, a doutrina restringia a respetiva previsão legal àquelas hipóteses em que “a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligências normais não fariam prever.” (cfr. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil, vol. 1º, pág. 32”).

Na sua posterior redação (introduzida àquele código pelo DL nº. 328-A/95, de 12/12, na reforma de 95) o nº. 1 do citado artº. 146º passou a considerar como justo impedimento “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.”

E foi essa definição e regime que transitou para o nCPC.

Na verdade, noção legal do conceito de justo encontra-se plasmada no artº. 140º, nº. 1 do atual CPC, onde se estabelece, além do mais, considerar-se justo impedimento “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato” (nº. 1) - ou seja, no caso, o evento não imputável ao mandatário que o impede de estar presente à audiência -, sendo que a parte que o alegar deverá oferecer logo a respetiva prova (nº. 2). (sublinhado nosso)

A reforma operada pelo citado DL nº. 328-A/95, ao anterior CPC, veio introduzir uma flexibilização na definição conceitual de “justo impedimento” - como se acentua no respetivo preâmbulo, - “em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração e densificação e concretização, centrados essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”

Segundo a nova conceção (que o NPC decidiu, como vimos, manter), para o justo impedimento basta que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por não ter tido culpa na sua produção.

O núcleo do conceito de “justo impedimento” passou, assim, da normal previsibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário, e daí que um evento previsível possa agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão.

Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o ato processual ou não compareceu a diligência judicial alegar e provar a sua falta de culpa, (artº. 799º, nº. 1, do Código Civil) (Vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código Processo Civil Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, 3ª ed. 2014, págs. 274/275”). Por conseguinte, na atual lei é suficiente a verificação de um ato não culposo por parte do “retardatário” ou faltoso.

Discorrendo sobre tal conceito, e num esforço de enunciação de causas capazes de concretizar o mesmo, aqueles mesmos autores  (in Ob. Cit., págs. 275/276”) escrevem que “as situações de doença súbita da parte ou do mandatário constituem justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objetivo à prática do ato, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa (…).”

Tendo presentes os considerandos de cariz teórico-técnico que se deixaram expostos, voltemo-nos, agora, de forma mais incisiva, para o caso em apreço e para a sua solução.

Para esse efeito, e em termos de materialidade factual, importa considerar o que se deixou assinalado nos pontos 5. a 8. do Relatório e das respetivas atas da audiência de julgamento – cujo teor não foi colocada em causa, nomeadamente arguido a sua falsidade.

E dessa materialidade ressalta, naquilo que para aqui importa, que a audiência de julgamento (para qual, além dos mais intervenientes, estavam notificados os ilustres mandatários das partes) estava designada para o dia 17/09/2017, às 10 horas.

Nesse dia e a essa hora feita a chamada verificou-se, e naquilo que para aqui importa, que o ilustre a mandatário da ré se não encontrava presente, tendo o tribunal aguardado pela sua chegada.

Nesse entretanto, e como o mesmo não chegasse, o sr. oficial de justiça, encarregue de secretariar a audiência de julgamento, contactou escritório daquele ilustre advogado (certamente para apurar das razões desse atraso), tendo então sido informado que o mesmo se encontrava doente e que iriam fazer chegar ao processo um requerimento a dar conta da situação.

Fornecida tal informação ao tribunal, às 10h30 a srª. juíza, que a ela presidia, deu inicio à audiência de julgamento (considerando não haver então fundamento legal para o seu adiamento), com a produção de prova.

Depois de iniciada a audiência de julgamento, é remetido ao tribuna/processo (via Citius, e com data de envio pelas 10:33:55 horas daquele mesmo dia) o requerimento referenciado no ponto 6. do Relatório, subscrito, por uma tal A (…) (funcionária forense do ilustre mandatário da ré, como o mesmo reconhece/afirma nas suas alegações de recurso) dando conta de o mesmo não poder comparecer a julgamento por ter sido acometido de doença inesperada, protestando juntar o respetivo atestado médico comprovativo dessa alegada doença.

Atestado médico esse que veio ser junto aos autos (através do requerimento subscrito pelo próprio ilustre mandatário da ré, enviado/remetido, via Citius, em 23/09/2019, pelas 19:46.08 horas), assinado e datado de 16/09/2019, e no qual a médica sua subscritora atesta que aquele se “encontra impossibilitado de trabalhar no período de 5 dias.” (Refira-se que esse prazo de 5 dias terminava no dia 20/09/2019, que os dias 21 e 22 desse mês coincidiram, respetivamente, com um sábado e um domingo, sendo o dia 23 uma segunda feira, e portanto o primeiro dia útil após terminus daquele prazo de 5 dias).

Como bem, a nosso ver, se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 06/12/2017 (in “proc. 1734/13.5TBTVD.L1.7”, disponível em www.dgsi.pt”) “o atestado não tem de indicar a doença concreta da pessoa em menção, até porque se o fizesse sem autorização expressa do doente, o médico estaria a violar deveres deontológicos de reserva e sigilo profissional que se lhe impõem. Basta assim que o médico especifique de forma suficiente as limitações à capacidade de trabalho. Sendo que, salvo se for invocada a falsidade do atestado ou das declarações dele constantes, se um médico atesta por sua honra que determinada pessoa está doente e não pode por isso cumprir com as suas obrigações profissionais, é porque por razões de saúde ela não o pode efetivamente fazer. Um atestado médico tem a força probatória própria que a lei atribui a um juízo pericial sobre os factos que atesta (Art. 388º do C.C.) e, mesmo sendo certo que esse juízo está sujeito à livre apreciação do tribunal (Art. 389º do C.C.), só se o juiz tiver especiais conhecimentos técnicos sobre a matéria e se encontrar devidamente habilitado a julgar doutro modo é que poderá afastar as conclusões duma prova assim produzida.”

Extrai-se, assim, do aludido atestado médico (cujo conteúdo não temos razão para questionar), que o ilustre mandatário da ré foi acometido de doença (cuja natureza se ignora), que o impossibilitava de trabalhar durante o período de 5 dias, no dia 16/03/2017, ou seja, no dia anterior àquele em que se encontrava agendada a audiência de julgamento.

Doença essa que, de per si, é suscetível de configurar uma situação de justo impedimento, pois que impossibilitando o referido ilustre mandatário de trabalhar por cinco dias, deve concluir-se que o impedia de se deslocar ao tribunal e de participar nos trabalhos da audiência de julgamento que se encontrava agendada.

Porém, e como decorre do acima citado nº. 5 do artº. 151º do CPC, em conjugação com nº. 2 do artº. 140º do mesmo diploma, estando agendado para o dia seguinte uma audiência de julgamento, para a qual estava convocado, o ilustre mandatário estava obrigado a comunicar prontamente essa sua situação de impedimento ao tribunal (juntando a respetiva prova desse impedimento, vg. atestado médico).

Desconhecendo-se a natureza dessa doença (pois que não foi alegada), é de extrair (pois que apenas se atesta que estava impedido de trabalhar) que ela não o impediria de ele próprio de fazer essa comunicação, mas mesmo não estivesse em condições de ele próprio o fazer deveria então providenciar para que essa comunicação fosse feita ao tribunal pelo pessoal administrativo/forense do seu escritório. Pessoal esse que existia e tinha conhecimento dessa sua doença, pois que, como decorre do assinalado no ponto. 5. do Relatório, quando o sr. funcionário de justiça contactou o escritório do referido do ilustre advogado (no dia da audiência, e perante a falta do mesmo) foi informado que o mesmo se encontrava doente.

Ora, essa comunicação de impedimento não foi feita. Nem no dia anterior (no atestado médico emitido nesse mesmo dia, não consta a hora da sua emissão, e nem a mesma sequer foi depois sequer alegada), e nem até à hora do dia seguinte (10 horas) para qual se encontrava agendada a audiência de julgamento.

Comunicação essa que só veio a ser feita depois de o tribunal ter dado início à audiência de julgamento (com a produção de prova) - e após ter retardado o mesmo por mais 30 minutos aguardando pela chegada do referido ilustre mandatário -  e através de requerimento é remetido ao tribunal/processo (via Citius), com data de envio pelas 10:33:55 horas daquele mesmo dia, subscrito por uma funcionária forense daquele, protestando-se nele vir a juntar atestado médico comprovativo da ali alegada doença que o impossibilitava de estar presente (o que veio acontecer na data acima referenciada de 23/09/2019).

É certo que antes de dar início à audiência de julgamento - que fora retardada aguardando a chegada do referido ilustre mandatário – o tribunal recebeu a informação do sr. oficial de justiça que a secretariava de que teria contactado o seu escritório (depreendendo-se num gesto de cortesia e de preocupação que terá visado inteirar-se da razão do seu atraso) e que daí recebera a informação de que se encontrava doente e que iria chegar ao processo um requerimento a dar conta da situação. Mas somente perante tal informação, que não se encontrava sustentada documentalmente, e depois de ter retardado por 30 minutos o seu inicio, o tribunal não dispunha de fundamento legal para adiar o julgamento, tanto mais que não sabia ou poderia adivinhar então se aludida informação prestada àquele sr. funcionário de justiça corresponderia ou não à realidade, se o alegado requerimento seria ou não formalizado, e em que termos e quando é que chegaria ao tribunal, sendo certo que se encontravam presentes diversos intervenientes processuais convocados para a audiência de julgamento designada (e depois de a mesma já ter sido a adiada/desconvocada por duas vezes pelos motivos referenciados no ponto 6. do Relatório. Recorde-se que na primeira dessas vezes tal foi motivado também por doença de que o ilustre mandatário da ré fora acometido no dia 12 de outubro de 2018. Situação que essa que foi então dada a conhecer ao tribunal através de requerimento que lhe foi enviado nesse mesmo dia, acompanhado de atestado médico comprovativo dessa doença emitido nessa mesma data, subscrito pela mesma funcionária forense daquele ilustre causídico, sendo certo que a audiência de julgamento se encontrava então designada para o dia 16/10/2018 – cfr. fls. 34 a 40 do processo físico).

Perante tudo o que se deixou exposto, extrai-se a conclusão de que a situação suscetível de configurar um justo impedimento (doença do ilustre mandatário da ré) não foi comunicada atempadamente ao tribunal.

E tal deveu-se, saldo o devido respeito, ao comportamento imprevidente/negligente do referido ilustre mandatário, que não providenciou por essa comunicação, como podia e devia ter feito (quer por ele próprio, quer, não podendo fazer, através do pessoal forense a quem dera já então conhecimento dessa sua doença).

Daí que a realização da audiência de julgamento só a ele lhe poderá ser imputável, pois qua aquando da sua realização o tribunal a quo não dispunha de fundamento legal para o seu adiamento.

E nesses termos não nos merecem censura os despachos impugnados acima referidos, não vendo motivo para anular o julgamento e a consequente sentença que se lhe seguiu.

E sendo assim, e não tendo, como vimos, a Ré/apelante atacado diretamente sentença (quer em termos da sua fundamentação, de facto e/ou de direito, quer em termos do mérito sua decisão final), para ela nos remetemos, julgando-se, desde modo, improcedente o recurso.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença proferida pela 1.ª instância (e bem assim como os despachos supra referidos que a precederam).

Custas pela Ré/apelante (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC), embora sendo de tomar em conta que a mesma goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário em tal modalidade.

Sumário:

I- No atual regime do CPC a falta de advogado só poderá constituir causa/fundamento de adiamento da audiência final do julgamento se: 1) a sua data não tiver sido marcada com o acordo prévio do mesmo; 2) ou então quando ocorrer situação de justo impedimento.

II- Tendo a situação de doença configuradora de justo impedimento, envolvendo o mandatário de uma das partes, ocorrido em dia anterior à data designada para a audiência de julgamento, e não tendo a mesma sido comunicada (acompanhada do respetivo atestado médico já então emitido) ao tribunal, por culpa/imprevidência do próprio advogado, até à hora em que se deu inicio à mesma à audiência, inexiste fundamento legal para o seu adiamento.
Coimbra, 2020/05/11