Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
136/07.7TASAT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: RECURSO INTERLOCUTÓRIO
RECURSO
DECISÃO FINAL
Data do Acordão: 09/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 399.º, 407.º, N.º 3, E 412.º, N.º 5, DO CPP
Sumário: O recurso interlocutório retido só sobe e é julgado conjuntamente com o recurso da decisão que puser termo à causa se o sujeito que o interpôs recorrer também daquela decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO:

1. No âmbito do Processo Comum[1]  (Singular) nº 136/07.7TASAT do Tribunal Judicial de Sátão, em que é arguido A... (melhor identificado nos autos), finda que tinha sido a fase de instrução (requerida pelo arguido na sequência da acusação do Ministério Público) veio o referido arguido a ser pronunciado pela prática, em autoria matéria e na forma consumada de um crime abuso de poderes, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 1 alínea i) e 26.º, n.º 1 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção introduzida pela Lei nº 108/2001, de 28 de Novembro, com expressa menção à incursão em perda de mandato do cargo de natureza electiva que exerce, nos termos do artigo 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.

2. A fls. 749 a 769 a assistente D..., Lda. aderiu à acusação que tinha sido proferida pelo Ministério Público, e deduziu pedido de indemnização civil contra A...e o Município de B... peticionando, a condenação dos demandados, em regime de solidariedade, no pagamento de € 288.859,13 (duzentos e oitenta e oito mil oitocentos e cinquenta e nove euros e treze cêntimos), acrescido de juros legais desde a citação até efectivo pagamento.

3. Por despacho proferido em 28.02.2013 (despacho esse constante de fls. 1744 a 1748), face às dificuldades que, pelo tribunal, foram sendo encontradas para a pretendida da audição presencial ou por videoconferência da testemunha C.... (testemunha esta que havia sido indicada por todos os sujeitos processuais, mas que à data continuava a residir em Angola e o arguido/demandado mantinha interesse na sua inquirição), foi considerado, por ali se ter entendido que tal testemunha estar primacialmente indicada em relação ao pedido de indemnização civil, estar verificado o pressuposto previsto na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 82.º do Código de Processo Penal, e, nessa medida foi decidido remeter as partes para os tribunais civis no que concerne ao pedido de indemnização formulado contra o arguido e o Município de B....

4. Inconformado com tal despacho, e pugnando pela revogação do mesmo por forma a que o depoimento da referida testemunha fosse atendido na parte criminal, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 1760 a 1764), com a pretensão de que o mesmo subisse imediatamente e com efeito suspensivo, terminando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1º. O requerido depoimento da testemunha C..., arrolada quer pelo Ministério Público quer pelo arguido, reputa-se por essencial à descoberta da verdade material, no concreto processo criminal.

2º O arguido ofereceu aos autos as formas tempestivas e possíveis de tornar efectiva a inquirição da testemunha.

3º Embora o depoimento da testemunha C... deva parcialmente incidir em questões relacionadas com valores monetários alegadamente em dívida, ele destina-se essencialmente à obtenção de prova relacionada com o cometimento de um facto criminal.

4º O depoimento da testemunha C... não tem exclusiva influência na decisão do pedido cível.

5º A averiguação da existência de um benefício ilegítimo, ou a existência de um prejuízo patrimonial para terceiro, enquanto elementos do tipo de crime de que o arguido se encontra acusado, é essencial para se vir a concluir pela existência ou inexistência do crime.

6º. Da eventual existência de uma dívida de terceiro não decorre, necessariamente, que tenha existido um benefício ilegítimo, ou num prejuízo patrimonial, provocados pelo arguido.

7º A eventual existência de “retardamento intolerável” do processo criminal, invocado no douto despacho, não pode ser imputado ao arguido, que colaborou activamente no sentido de se tornar efectivo o requerido depoimento.

8º. O douto despacho conduz à denegação do direito de defesa do arguido, em violação da garantia constitucional do n.º 1 do art.º 32. da Lei Fundamental Portuguesa e dos direitos reconhecidos pelo art.º 60º e al.ª g) do n.º 1 do art.º 61.º do Código do Processo Penal.

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso ser recebido e, por via dele, deverão Vossas Excelências revogar a decisão recorrida, admitindo o depoimento da testemunha C... nos autos de processo criminal, tudo nos termos supra expostos, assim fazendo Vossas Excelências, como sempre, farão,

JUSTIÇA.”

                                                    

5. Apenas o Ministério Público respondeu ao recurso, a fls. 1830 a 1836, concluindo que o mesmo não merece provimento.

6. Por despacho datado de 11.04.2013, tal recurso foi admitido a subir nos próprios autos, a final, e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 1837 e 1838), regime e efeito de subida estes que foram mantidos, após ter sido, por esta Relação (em 05.06.2013), indeferida a Reclamação que havia sido apresentada do arguido em reacção àquele despacho (cfr. decisão de fls. 2022 a 2025).

7. Realizado o julgamento (que perdurou ao longo de várias sessões), no dia 02/12/2013 foi proferida sentença, sentença essa constante de fls. 2261 a 2298, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):

“DECISÃO

Pelo exposto, decido julgar a acusação improcedente, por não provada e, em consequência:

a) Absolver o arguido A...da prática do crime de abuso de poder, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 1 alínea i) e 26.º, n.º 1 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção introduzida pela Lei nº 108/2001, de 28 de Novembro;

b) Condenar assistente D... , Lda. no pagamento das custas penais, fixam-se em 5 UC’s a taxa de justiça.

(…)”

8. Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso (constante de fls. 2371 a 2428), finalizando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

(…)

10. Este recurso foi admitido por despacho de fls. 2429.

11. O arguido, a fls. 2434 a 2449, respondeu ao recurso, manifestando o entendimento de que o recurso deve improceder e terminando com as seguintes, transcritas, conclusões:

(…)

12. Nesta Relação, a fls. 2478 a 1480, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, sufragando e reforçando a argumentação evidenciada pelo magistrado do Ministério Público de 1ª instância, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso e, consequente prolação de decisão condenatória.

13. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

14. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

Havendo um recurso [interlocutório] de despacho intercalar e um recurso da sentença, haverá que começar por aquele, de um ponto de vista lógico e cronológico, na medida em que a sua procedência poderá, ou poderia, prejudicar o conhecimento do recurso da sentença[2].

Todavia, não obstante as conclusões formuladas pelo arguido/recorrente no recurso interlocutório que tinha interposto, é manifesto dos autos que o mesmo não interpôs recurso da sentença - o que levanta a seguinte:

 Questão Prévia

O recurso interlocutório retido só sobe e é julgado com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa se o sujeito que interpôs o recurso interlocutório recorrer também da decisão final - arts 407º, nº 3 e 412º, nº 5, ambos do CPP.

No caso, o arguido não interpôs recurso da sentença. Por tal razão, em conformidade com exposto no antecedente parágrafo, o recurso intercalar que tinha interposto não pode ser conhecido.

Assim, apenas importa conhecer do recurso da sentença.

(…)

III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:

1. Não conhecer do recurso interlocutório que havia sido interposto pelo arguido.

2. Negar provimento ao recurso que havia sido interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas (artigo 522º do Código de Processo Penal).

                                                     *

Coimbra, 10 de Setembro de 2014

(Relator - Luís Coimbra)

(Adjunto - Isabel Silva)


[1] E não “processo sumário” como, por manifesto lapso, foi mencionado logo no inicio do relatório da sentença recorrida.
[2] - O artigo 660.º nº 1 do CPC, aplicável ex-vi artigo 4.º do CPP, estabelece o conhecimento das questões submetidas à apreciação do tribunal segundo a sua precedência lógica.