Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
477/12.1TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
RENOVAÇÃO
PRESTAÇÃO FRACIONADA
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.277, 849, 850 CPC
Sumário: Extinta ação executiva, por inutilidade superveniente da lide, face ao pagamento das prestações vencidas e em dívida do mutuário no âmbito contratual de crédito à habitação, com retoma do contrato de mútuo e do plano prestacional, no quadro protetivo legal do devedor, já perante um subsequente/novo incumprimento do plano acordado/renegociado pode o exequente obter a renovação da execução extinta a que alude o art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv., à luz das exigências de proporcionalidade e equidade, presentes em todas as latitudes do sistema, e em sintonia com o princípio da economia, da celeridade e do aproveitamento processual.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

B (…), S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou execução comum ([1]), para pagamento de quantia certa, contra

O (…), também com os sinais dos autos,

reportando-se o pedido executivo ao montante de € 51.708,02, bem como juros de mora vincendos (sobre o capital de € 45.242,07), desde 25/02/2012 e até integral pagamento.

Invocou o Exequente:

- ter concedido um empréstimo bancário a A (…) no montante de € 50.000,00, a ser amortizado em prestações mensais e sucessivas, que o devedor deixou de pagar, pelo que o empréstimo se venceu na íntegra;

- a dívida encontra-se garantida por hipoteca registada sobre imóvel, propriedade da aqui Executada, indicado à penhora;

- daí que a execução seja movida contra terceiro (a garante) em relação ao empréstimo bancário, por o Exequente pretender acionar a garantia hipotecária.

Realizada a penhora, veio o Exequente requerer a adjudicação do imóvel penhorado, após o que foi designada data para abertura de propostas e ordenado o cumprimento de formalidades legais quanto à requerida adjudicação.

Posteriormente, veio o Exequente requerer a suspensão da instância, nos termos do disposto no art.º 279.º, n.º 4, do CPCiv., o que lhe foi deferido.

Após o que o mesmo Exequente veio requerer a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, visto que “os executados efectuaram o pagamento das prestações em atraso (…), encontrando-se, neste momento, a cumprir pontualmente (…)” (cfr. fls. 56).

Por comunicação da Agente de Execução (AE), datada de 11/06/2014, foi prestada informação da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art.º 277.º do CPCiv. (cfr. fls. 58), do que foram notificadas as partes, a que se seguiu visto em correição.

Porém, em 20/06/2018, o Exequente (BCP) veio requerer o prosseguimento dos autos, ao abrigo do disposto no art.º 850.º, n.º 1, do CPCiv., invocando que:

- a extinção da instância executiva apenas foi requerida face ao pagamento parcial da quantia exequenda, correspondente ao valor das prestações vencidas e não pagas, retomando o empréstimo;

- em 25/02/2015, voltou a haver incumprimento, com um montante de capital em dívida que ascendia a € 36.431,72, acrescido de juros moratórios e cláusula penal, estes totalizando € 4.678,85;

- por isso, pretende o prosseguimento da execução, para pagamento da quantia em dívida de € 41.110,57 (cfr. fls. 63 v.º e segs.).

Seguidamente, foi proferido despacho, datado de 04/09/2018, com o seguinte teor:

«A presente execução encontra-se extinta por inutilidade superveniente da lide mas com base em fundamento não elencado no art. 849.º, n.º 1, alínea c), do CPC (cfr. requerimento ref. 1370040), pelo que se entende não ser aplicável a possibilidade de renovação prevista no art. 850.º, n.º 5, do CPC, que apenas abrange as hipóteses enquadráveis nas alíneas c), d) e e) do art. 849.º, n.º 1, do CPC, não aplicáveis ao caso. Por outro lado, entende-se [que] não ser aplicável a situação prevista no art. 850.º, n.º 1, do CPC, visto que a execução não foi configurada pela exequente com base em título com trato sucessivo e existindo prestação vincenda à data (conforme alegado no r.e., a exequente considerou o empréstimo vencido na íntegra, afigurando-se que a posterior reformulação ou renegociação do empréstimo, admitindo o retomar do plano prestacional, não pode agora conformar diversamente a presente execução). Assim, entende-se que caberá à exequente, se verificados os pressupostos legais para o efeito, intentar nova execução para o efeito.

Notifique e oportunamente arquivem-se novamente os autos.».

É desta decisão que, inconformado, recorre o Exequente, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([2]):

«A. O tribunal ad quo indeferiu, ainda que de forma implícita, o requerimento de renovação apresentado com fundamento no incumprimento de prestações que se venceram em data posterior à extinção da execução por inutilidade superveniente da lide.

B. Ora, a extinção desta execução foi requerida com base na pontual retoma do contrato de mútuo, mediante o pagamento do valor em incumprimento à data.

C. O Banco, Exequente nos autos, está adstrito à retoma do contrato nos seus exatos termos e condições, constituindo esta prerrogativa de retoma do empréstimo um efetivo direito dos mutuários dos contratos de créditos à habitação.

D. No plano de direito material, o exercício deste direito determina que a resolução do contrato seja dada sem efeito e que seja retomada a plena vigência do contrato, repristinando todos os seus efeitos e obrigações decorrentes.

E. Entre elas, a retoma do plano de amortização em prestações mensais e sucessivas, com obrigação periódica de pagamento do capital e dos juros devidos – caraterística típica de um título com trato sucessivo.

F. Nestes termos, a renovação da execução extinta, com fundamento no número 5 do artigo 850.º do CPC, é o meio processual que melhor se coaduna com o princípio de economia processual, tanto com a necessária compatibilização entre o direito substantivo e o direito adjetivo.

G. De igual modo, também não se pode concordar com o entendimento de que a renegociação do empréstimo e posterior renovação determina uma conformação diversa da execução, porquanto o título executivo é o mesmo, com a mesma causa de pedir e fundado num novo incumprimento, alegado e documentalmente provado nos autos.

H. Não se compreende, face ao supra exposto, a necessidade de intentar nova ação executiva, com o mesmo título executivo, as mesmas partes, face à pré-existência de uma anterior execução com os mesmos fundamentos.

I. Razão pela qual a instância a quo violou, com o douto despacho recorrido, as disposições legais constantes do artigo 850.º, número 1, do CPC por, erradamente, desconsiderar a qualificação jurídica do título nos autos como título com trato sucessivo, face ao artigo 23.º-B, número 2 da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro e, nestes termos, limitar o direito do credor em exigir judicialmente o seu cumprimento, nos termos do artigo 817.º do Código Civil.

J. Ora, conclui-se que a interpretação sistemática destas normas impõe a admissibilidade de renovação da execução, ainda que inicialmente configurada a quantia exequenda sem prestações vincendas, mas com retoma do plano de amortização, por exercício do direito de retoma do contrato, posteriormente novamente incumprido.

K. Termos em que a douta decisão recorrida erra na qualificação jurídica dos factos e viola as disposições legais mencionadas.

Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e declarado que o título executivo constitui título com trato sucessivo e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, nos termos requeridos.».

Sem contra-alegação recursória, foi o recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo ([3]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, está em causa na presente apelação, limitada a matéria de direito, saber se estão verificados os pressupostos legais de admissibilidade de renovação da execução, tendo em conta o disposto no art.º 850.º, n.ºs 1 e 5, do NCPCiv..

III – Questão prévia

          Nulidade da sentença

É bem sabido que são as conclusões formuladas pela parte recorrente que (excetuadas questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso (nos termos dos aludidos nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv.), de tal sorte que o que constar do corpo alegatório sem transposição para o acervo conclusivo não será considerado pelo Tribunal ad quem.

É também sabido que, em matéria de nulidade da sentença, não estamos perante questões de conhecimento oficioso.

Com efeito, as causas de nulidade da sentença, não constituindo matéria de conhecimento oficioso, devem sempre ser invocadas, pela forma adequada, pelas partes, tanto mais que o Recorrente tem o ónus de, ao alegar e formular conclusões, indicar em tais conclusões quais as normas jurídicas violadas (art.º 639.º, n.º 1 e 2, do NCPCiv.).

Cabia, pois, ao ora Apelante, socorrendo-se de adequada técnica jurídica, não só invocar a nulidade em causa, como ainda, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na decisão apelada o vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito, de forma sucinta, nas conclusões da apelação (depois de desenvolvido na alegação), já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Ora, o Apelante invoca a nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., sob os art.ºs 13.º e 14.º da sua peça alegatória. Porém, nada refere sobre a matéria nas suas conclusões de recurso (cfr. conclusões A. a K. e respetivo pedido recursivo).

Por isso, por total falta de transposição para as conclusões do recurso, não se conhecerá da matéria de nulidade da decisão recorrida.

IV – Fundamentação

          A) Matéria de facto

A materialidade fáctica a considerar, para decisão adequada do recurso, é a que consta do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

          B) O Direito

O Tribunal a quo, contando com o inconformismo do Exequente/Apelante, julgou no sentido da inadmissibilidade da renovação da execução anteriormente extinta por via de inutilidade superveniente da lide.

Entendeu-se na decisão recorrida não ser aplicável ao caso o disposto no n.º 5 do art.º 850.º do NCPCiv. ([5]), por este preceito apenas abranger as hipóteses das al.ªs c), d) e e) do art.º 849.º, n.º 1 (quando o motivo de extinção anterior desta execução não assenta em qualquer dos fundamentos destas al.ªs), o que o Apelante aceita no recurso.

Mais se entendeu – e é aqui que dissente o Recorrente – que também não é aplicável o preceito do n.º 1 do mesmo art.º 850.º, por a execução não ter sido configurada com base em título executivo com trato sucessivo e existir prestação vincenda ao tempo – sublinhou-se que, no requerimento executivo, a Exequente considerou o empréstimo vencido na íntegra, sendo que a ulterior reformulação/renegociação do empréstimo bancário, com retoma do plano prestacional, não pode agora conformar diversamente a execução.

E, efetivamente, dispõe o art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv.:

«A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a ação executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.» (itálico aditado).

Quer dizer, a economia do preceito parece apontar para uma dupla realidade: (i) um título executivo de trato sucessivo; (ii) o recurso à via executiva para pagamento de prestações de vencimento posterior.

Assim, se foi necessário, quanto a título de trato sucessivo, intentar execução para pagamento de prestações já vencidas, a extinção da execução (pelo pagamento dessas prestações em dívida), não impede, no futuro, a renovação dessa execução extinta para pagamento de outras prestações, de vencimento posterior.

É esta, salvo o devido respeito, a hipótese típica da norma, norma esta, aliás, de cariz excecional, posto que a regra é, consabidamente, a da não renovação de processos executivos extintos.

Porém, argumenta o Apelante com a invocação de legislação protetiva do mutuário em incumprimento (alude ao art.º 23.º-B, n.º 2, da Lei n.º 59/2012, de 09-11, que considera em vigor ao tempo do regularização do incumprimento e da extinção da anterior execução, preceito legal correspondente ao atual art.º 28.º do Regime dos Contratos Crédito Relativos a Imóveis, na versão alterada pela Lei n.º 32/2018, de 18-07), conferindo ao mutuário o direito à retoma do contrato (dito art.º 23.º-B), mediante o pagamento das prestações vencidas e não pagas, com juros de mora e despesas, até certo momento temporal, caso em que fica sem efeito a resolução pelo mutuante, mantendo-se o contrato em vigor nos termos e condições do negócio original (com eventuais alterações, mas sem novação contratual).

Há, pois – prossegue o impugnante –, “renovação” contratual por imposição legal, mediante um regime legal protetivo do mutuário em incumprimento no crédito à habitação ([6]).

A questão que se deve colocar é, então, a de saber se este regime legal, protetivo do mutuário, de “renovação” contratual, impõe ou justifica um reverso direito de renovação da execução extinta, em caso de novo/ulterior incumprimento do mesmo mutuário.

Pode, nesse caso, aproveitar-se a anterior ação executiva (apesar de extinta), motivada por um anterior incumprimento e uma decorrente resolução contratual tornada ineficaz?

Ou impõe-se a instauração de um novo processo de execução, com referência ao novo quadro fáctico e a diverso incumprimento contratual (quanto a outras prestações)?

O Apelante esgrime que está configurado, num tal âmbito, um “título com trato sucessivo” ([7]), para além de a renovação pretendida ter a mesma causa de pedir (o contrato de mútuo com hipoteca e o seu incumprimento), ocorrendo, simplesmente, uma redução do pedido (primitivo), que é livre a todo o tempo, devendo prevalecer razões de celeridade e economia processual, não se compreendendo a necessidade de intentar novos autos de execução.

Que dizer?

Quanto ao invocado “título com trato sucessivo” (no plano processual/executivo), parece poder dizer-se, prima facie, que um tal título executivo será o que contenha, incorporando-a, uma obrigação exequenda que se comporte, quanto às prestações e sua execução/cumprimento, em modo de trato sucessivo.

Realmente, o art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv., alude ao pagamento de prestações vincendas, as “que se vençam posteriormente”, o que implica que haja um plano prestacional, com divisão temporal, podendo dar-se o caso de um primeiro incumprimento do plano, levando à instauração de execução (pelas prestações vencidas e não pagas), a qual venha a extinguir-se (por exemplo, pelo pagamento voluntário/extrajudicial), dar lugar a um (novo) incumprimento posterior (quanto a prestações subsequentes), admitindo, então, a lei que a execução extinta se renove (nos mesmos autos) para pagamento coercivo de prestações de vencimento posterior.

Neste âmbito, refere Abílio Neto ([8]) que, dispondo o credor de sentença que condene o devedor em prestações vincendas ou de documento com convenção “de prestações periódicas, a execução instaurada para realização coactiva de uma prestação vencida, mas não paga, pode ser ulteriormente renovada (no mesmo processo), se se verificar um novo incumprimento. Tratar-se-á, então, de uma nova execução, com todas as consequências daí decorrentes.”.

Antunes Varela classifica, quanto ao tempo de realização da prestação obrigacional, as prestações em instantâneas – as que são de cumprimento num só momento ou período de duração praticamente irrelevante, como, por exemplo, o pagamento do preço numa só prestação –, fracionadas/repartidas – nestas o cumprimento prolonga-se no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, apesar de o objeto da prestação estar fixado ab initio, sem dependência temporal, como no caso do preço pago em diversas prestações –e duradouras – a prestação estende-se no tempo, com influência temporal na sua conformação global. Estas últimas (as duradouras), a poderem subdividir-se, por sua vez, em prestações de execução continuada (o cumprimento prolonga-se ininterruptamente no tempo, como, por exemplo, a do locador, do depositário ou do comodante), ou prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo (aquelas que se renovam, em prestações singulares sucessivas, no final de períodos temporais consecutivos, como, por exemplo, a do locatário, quanto ao pagamento da renda ou aluguer, o do consumidor de água ou eletricidade) ([9]).

Também M. J. Almeida Costa distingue entre prestações instantâneas e, por outro lado, prestações duradouras, incluindo nestas últimas as (i) divididas, fracionadas ou repartidas [uma única prestação a realizar por partes, como no caso do pagamento do preço em prestações] e as (ii) contínuas ou de execução continuada [uma atividade/abstenção que se prolonga ininterruptamente, como a obrigação do senhorio quanto ao gozo do locado ou a do depositário de guardar a coisa depositada]. Mas pode ocorrer uma só relação obrigacional com diversas prestações repartidas a satisfazer regularmente, como a obrigação do inquilino de pagamento da renda – são “as chamadas prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas” ([10]).

E acrescenta este último Autor: «A distinção tem ainda interesse no domínio processual, em que se admitem sentenças de trato sucessivo. Com efeito, estando em causa prestações periódicas, consente a lei que o credor peça em juízo a condenação do devedor, se este deixar de pagar, tanto nas prestações já vencidas como nas que se vençam enquanto subsistir a obrigação (…). O devedor fica, desde logo, condenado em todas as prestações, posto que o credor só possa reclamar as prestações futuras à medida que elas se forem vencendo.» ([11]).

Como visto, as prestações periódicas (ou com trato sucessivo) são as que se renovam, pelo decurso do tempo de duração do contrato, em diversas prestações singulares sucessivas, no final de períodos temporais consecutivos, como o pagamento da renda mensal pelo arrendatário. Há, pois, uma só relação obrigacional com diversas prestações repetidas/sucessivas, a satisfazer regularmente, aquando do vencimento de cada uma delas.

Já nas fracionadas ou repartidas há, para além de uma só relação obrigacional, uma única prestação a realizar por partes, como no caso do pagamento do preço em prestações, em que ocorre uma só dívida, de montante predeterminado, mas a pagar em forma repartida/prestações (cumprimento por partes), normalmente em benefício do devedor (que não terá de pagar a totalidade de uma só vez, mas ao longo do tempo de um plano prestacional, que o favorece, suavizando o esforço de cumprimento).

No domínio processual/executivo, extinta a execução por via do pagamento de prestações anteriormente vencidas e em dívida, mas voltando posteriormente a verificar-se incumprimento quanto a prestações subsequentes, haverá diferença relevante, para efeitos de renovação de execução extinta, entre uma situação titulada de prestações repetidas não pagas [no âmbito, pois das chamadas prestações periódicas (ou com trato sucessivo)] e um caso de (novo) incumprimento de uma única prestação, como tal pré-determinada, a realizar por parcelas (plano prestacional), no que tange a partes/“prestações” só mais tarde vencidas?

Não se vê, salvo o devido respeito, que o benefício (de cariz processual, para o credor/exequente) previsto no n.º 1 do art.º 850.º do NCPCiv. só possa valer para prestações repetidas, portanto, referentes as prestações periódicas (ou com trato sucessivo), e não também para prestações repartidas/fracionadas, aquelas em que os montantes parcelares a prestar diferidamente estão pré-determinados ab initio, com o decurso do tempo a importar apenas para efeitos de vencimento (não para formação da prestação e seu quantum).

Concorda-se, assim, com o referido na fundamentação do Ac. TRL de 17/03/2011 [Proc. 26802/06.6YYLSB.L1-2 (Rel. EZAGÜY MARTINS), disponível em www.dgsi.pt], apoiado em doutrina autorizada, segundo o qual:

«Como referem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, diz-se que o título executivo tem trato sucessivo quando dele constar uma obrigação periódica – v.g. a obrigação de pagamento de juros de um empréstimo – ou a pagar em prestações – v.g. do preço de uma compra e venda.».

Assim sendo, crê-se que a situação dos autos tem cabimento na previsão do art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv..

Resta a objeção atinente à causa de pedir da execução.

Refere-se na decisão recorrida ter sido alegado em sede de requerimento executivo que o empréstimo foi considerado integralmente vencido, pelo que uma sua posterior renegociação/reformulação, com retoma do plano prestacional, não pode conformar diversamente a presente execução.

Ora, como vem sendo entendido – e o Exequente cita jurisprudência nesse sentido –, “O regime previsto no art.º 23.º B da Lei n.º 59/2012 de 9 de novembro destina-se a salvaguardar a posição dos mutuários de crédito à habitação que poderão exercer o direito à retoma do contrato, impedindo os efeitos da sua resolução mesmo que já declarada (…)” ([12]).

E trata-se, como também já escrito, de uma nova execução, no aproveitamento do (anterior) processo executivo, instaurado para realização coativa de uma prestação vencida, mas não paga, a poder ser objeto de renovação (nos mesmos autos, a posteriori), por se verificar um novo incumprimento.

Claro que, havendo um novo incumprimento ou, nos termos da lei, impondo-se o “pagamento de prestações que se vençam posteriormente” (art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv.), algo tem de ser aditado (ou alterado) à causa de pedir originária.

Mas nem isso inibiu o legislador, em tradição legislativa que já se formou no nosso sistema jurídico e que no atual NCPCiv. foi integralmente mantida ([13]), ao que acresce, como refere o ora Exequente/Apelante, que é o mesmo o núcleo da causa de pedir da execução (não difere o título executivo nem, em substância, o crédito exequendo, apenas sendo alegado agora um novo incumprimento, dentro do âmbito da relação contratual/obrigacional originária).

Concorda-se, pois, que não parece dever ser exigível, em termos de proporcionalidade e equidade (com exigências presentes em todas as latitudes do sistema), ao Exequente/Apelante, para nova execução (por um novo incumprimento), a interposição de uma nova/repetida ação judicial, podendo, ao invés, renovar-se a execução anterior – apesar de extinta por inutilidade superveniente da lide, por motivo legal, e para permitir ao devedor, em proteção do mesmo, retomar o cumprimento contratual e o plano prestacional em seu benefício –, com o que, sem prejuízo da contraparte, se homenageia o princípio da economia, da celeridade e do aproveitamento processual ([14]), perante a existência invocada, agora, de outras prestações (vincendas) em dívida, por o negócio jurídico haver sido retomado/reatado (voltado à fase de execução contratual) e ter, nesse novo âmbito, suportado segundo incumprimento.

Em suma, e com todo o devido respeito pelo entendimento oposto, procedem as conclusões do Apelante, devendo, por isso, revogar-se a decisão recorrida, para renovação, como pretendido, da execução extinta (art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv.).


***

V – Sumário (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

Extinta ação executiva, por inutilidade superveniente da lide, face ao pagamento das prestações vencidas e em dívida do mutuário no âmbito contratual de crédito à habitação, com retoma do contrato de mútuo e do plano prestacional, no quadro protetivo legal do devedor, já perante um subsequente/novo incumprimento do plano acordado/renegociado pode o exequente obter a renovação da execução extinta a que alude o art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv., à luz das exigências de proporcionalidade e equidade, presentes em todas as latitudes do sistema, e em sintonia com o princípio da economia, da celeridade e do aproveitamento processual.

***
VI – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando, em substituição ao Tribunal a quo, a renovação, nos termos legais, da execução extinta (art.º 850.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Custas pela parte vencida a final.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 12/03/2019

         

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 24/02/2012 (cfr. fls. 22 dos autos em suporte de papel).
([2]) Que se deixam transcritas, com negrito e sublinhado retirados.
([3]) Exarou-se ainda, em matéria de nulidade da decisão, que: «Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC, e quanto à invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia – arts. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC –, com o devido respeito, afigura-se que existe uma pronúncia expressa sobre o peticionado pela exequente, estando patente na decisão que se julgou inadmissível e não se admitiu a renovação da execução por se considerar não estarem verificados os pressupostos para o efeito, ainda que não conste a aparentemente sacramental expressão “indefere-se”. Assim, afigura-se inexistir a invocada nulidade da decisão ora em crise (…).».
([4]) Cfr. art.ºs 6.º, n.ºs 1 e 4, e 8.º, daquela Lei n.º 41/2013.
([5]) Com o seguinte teor: “O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.”.
([6]) O Apelante cita o Ac. TRL, de 17/05/2018, Proc. 5273/16.4T8FNC.L1 (Rel. Maria de Deus Correia), em www.dgsi.pt, aresto que – citando o aludido art.º 23.º B (com a epígrafe “Retoma do crédito à habitação”), da Lei 59/2012, com o seguinte teor: «1- No prazo para a oposição à execução relativa a créditos à aquisição ou construção de habitação e créditos conexos garantidos por hipoteca ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do crédito à aquisição ou construção de habitação, caso não tenha havido lugar a reclamações de créditos por outros credores, tem o mutuário direito à retoma do contrato, desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que a instituição de crédito incorreu, quando as houver. // 2- Caso o mutuário exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições do contrato original, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento. // 3- A instituição de crédito mutuante apenas está obrigada à retoma do contrato duas vezes durante a vida do mesmo.» – apresenta o seguinte sumário: “O regime previsto no art.º 23.º B da Lei n.º59/2012 de 9 de novembro destina-se a salvaguardar a posição dos mutuários de crédito à habitação que poderão exercer o direito à retoma do contrato, impedindo os efeitos da sua resolução mesmo que já declarada ao abrigo do disposto no art.º 91.º n.º1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), em caso de insolvência da co-mutuária”.
([7]) Mediante a retoma do plano de amortização em prestações mensais e sucessivas, com obrigação periódica de pagamento do capital e dos juros devidos (caraterística típica de um tal título).
([8]) No seu Código de Processo Civil Anotado, 20.ª ed., Ediforum, Lisboa, 2008, p. 1313 (com referência o art.º 920.º, n.º 1, do anterior CPCiv., norma semelhante ao atual art.º 850.º, n.º 1).
([9]) Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 92 a 96.
([10]) Vide Direito das Obrigações, 11.ª ed. rev., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 699 e seg.. 
([11]) Op. cit., p. 702, acrescentando em nota (nota 1) que, de acordo com o art.º 920.º, n.º 1, do anterior CPCiv. (atual 850.º, n.º 1), a extinção da execução, tratando-se de título com trato sucessivo, não obsta à renovação da execução no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.
([12]) Cfr. Ac. TRL de 17/05/2018, Proc. 5273/16.4T8FNC.L1 (Rel. MARIA DE DEUS CORREIA), em www.dgsi.pt.
([13]) Cfr., no mesmo sentido, o anterior art.º 920.º, n.º 1, do CPCiv. revogado.
([14]) Apesar de, como também admite o Apelante, ter inicialmente sido “configurada a quantia exequenda sem prestações vincendas, mas com retoma do plano de amortização, por exercício do direito de retoma do contrato, posteriormente novamente incumprido” [conclusão J)].