Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1628/18.8T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
SANEADOR
CONHECIMENTO DE MÉRITO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DA SENTENÇA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE FACTO
EXCESSIVA ONEROSIDADE
Data do Acordão: 03/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.6, 10, 195, 199, 547, 591, 592, 593, 615 Nº1 D), 732, 733, 868 CPC, 566 CC
Sumário: I – A situação em que o juiz tencione conhecer do mérito da causa no despacho saneador não está incluída nos casos em que, nos termos previstos no nº 1 do art. 593º do CPC, a audiência prévia pode ser dispensada; nessa situação, a audiência prévia – que, nos termos da lei, se apresenta como obrigatória por não figurar nos casos em que pode ser dispensada – apenas poderá ser dispensada ao abrigo dos poderes de gestão processual que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, devendo essa dispensa ser precedida de audiência das partes.

II – Estando em causa uma situação em que, mediante despacho prévio ao despacho saneador, se anuncia a intenção de conhecer o mérito da causa no despacho saneador sem realização da audiência prévia e em que se determina a notificação das partes para se pronunciarem sobre a matéria em discussão no sentido de evitar “decisão surpresa”, o despacho saneador que, depois disso, vem a ser proferido não enferma de qualquer vício (relacionado com a falta de audiência prévia) que possa determinar a sua anulação ou revogação no âmbito de recurso dele interposto

III – A circunstância de a audiência prévia ter sido dispensada (em decisão anterior ao despacho saneador) sem ouvir previamente as partes configura mera irregularidade/nulidade processual a arguir nos termos previstos no art. 199º do CPC e não constitui fundamento para a procedência do recurso interposto do despacho saneador que veio, posteriormente, a conhecer do mérito da causa depois de dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em discussão.

IV – A omissão de apreciação de determinadas questões suscitadas pelas partes só determina a nulidade da sentença – nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC – se estiverem em causa questões que devam ser aí apreciadas e tais questões são as que se relacionam com o objecto do litígio (delimitado pelas pretensões formuladas e respectivas causas de pedir) que importa resolver, sejam questões processuais (excepções) que obstam à apreciação da pretensão ou sejam questões relacionadas com o fundo e o mérito da pretensão.

V – A pretensão formulada no âmbito de embargos à execução no sentido de ser decretada a suspensão do processo de execução é uma questão lateral ou incidental que se relaciona com o efeito do recebimento dos embargos no processo de execução (cfr. art. 733º do CPC) e que não se relaciona com o objecto dos embargos; tal questão não tem que ser apreciada na sentença que julga os embargos, mas sim em decisão própria que, por regra, será proferida antes da sentença e, como tal, a sentença que julga os embargos não padece de qualquer nulidade pelo facto de não se ter pronunciado sobre essa questão.

VI – A excessiva onerosidade da obrigação de prestação de facto (positivo) em que a executada foi condenada na sentença que constitui o título executivo não constitui fundamento de oposição à execução.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

I (…), melhor identificada nos autos, instaurou contra M (…) melhor identificada nos autos, processo de execução “com diversas finalidades”, com fundamento em sentença que condenou a Executada a reconhecer que a obra que levou a cabo – de construção do muro referido em 8. dos factos provados – o foi sem o consentimento e contra a vontade dos autores e a proceder à demolição desse muro em tijolo e à reposição do terreno nesse local no estado em que se encontrava em momento anterior à referida construção, deixando-o limpo e sem qualquer vestígio da obra realizada.

A Executada veio deduzir oposição por embargos, invocando a ineptidão da petição inicial por falta de indicação da causa de pedir e a ilegitimidade da Exequente por estar desacompanhada de V (…) que também figurava como autor na acção onde foi proferida a sentença. Mais alegou que a sentença não é título exequível e a obrigação não é exigível uma vez que a sentença não fixou prazo para a prestação e tal prazo também não foi indicado no requerimento executivo, sendo que o prazo de dois dias– indicado pelo Mº Juiz – é insuficiente para a demolição do muro, sustentando ainda que a demolição do muro é uma prestação excessivamente onerosa face ao valor do terreno pelo que a reconstituição natural a que se faz referência no artigo 566º do Código Civil deve ser substituída pela fixação de uma indemnização em dinheiro.

A Embargante pediu ainda a suspensão do prosseguimento da execução, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 733º do CPC ex vi n.º 3 do artigo 868 do citado Código, uma vez que impugnou a exigibilidade e a liquidação da obrigação, dado que a Exequente apenas refere o valor de 8.000 Euros, não especificando como chegou a tal montante. Caso assim não se entenda, pede que seja arbitrado o valor da caução de acordo com o valor a atribuir pelo perito.

Na sequência da apresentação dos embargos, foi proferido – em 10/12/2018 – despacho com o seguinte teor:

Tendo em conta que o prazo para prestar o facto foi fixado em 10 dias na execução principal, terminando o mesmo em 17-12-2018, decido:

- admito a oposição mediante embargos da embargante, pelo que determino a notificação da exequente para, dentro do prazo de 20 dias, apresentar a sua contestação quanto à matéria invocada, sob pena de se terem por confessados os factos, salvo os que estiverem em oposição com os expressamente alegados no requerimento executivo pelo exequente sobre a mesma questão, devendo logo oferecer os meios de prova – v. artºs. 868, 732, nºs. 1 a 3, e 733, todos do Novo Código de Processo Civil.

O prosseguimento dos presentes embargos não suspende a execução (v. artº. 733, nº. 1, “a contrario sensu”)”.

A Exequente contestou, sustentando a improcedência das excepções invocadas (não obstante admitir a intervenção de V (…)), alegando que não se verifica a alegada situação de excessiva onerosidade da prestação e dizendo não haver fundamento para a pretendida suspensão da execução.

A Embargante veio, entretanto, apresentar requerimento dizendo que havia impugnado a exigibilidade e a liquidação da obrigação, tendo requerido a suspensão do processo e que o despacho anterior – proferido em 10/12/2018 – havia determinado o prosseguimento do processo sem apreciar essa questão, requerendo, por isso, que fosse apreciada a suspensão que havia requerido.

Em 13/03/2019, foi proferido despacho que, a propósito do requerimento antecedente, dispôs nos seguintes termos:

Requerimento da embargante de 07-02-2019: o prazo para cumprir o facto de acordo com a sentença dada à execução encontra-se já fixado por despacho judicial de 01-12-2018, pelo que a argumentação quanto à inexigibilidade da obrigação não pode ser acolhida, indeferindo-se por carecer de fundamento legal”.

No mais, o aludido despacho, além de admitir a intervenção principal provocada, do lado activo, de V (…) e determinar a sua citação, dispôs nos seguintes termos:

Após compulsar os autos, verificamos que o presente processo dispõe já de todos os elementos necessários à prolatação de decisão final, pelo que, sem audiência prévia, estamos em condições de proferir despacho saneador sentença.

Dê conhecimento às partes para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem – obviando uma decisão surpresa”.

Tal despacho foi notificado às partes por comunicação elaborada em 20/03/2019 e as partes nada disseram na sequência dessa notificação.

O Interveniente veio aos autos declarar que aderia na integra à posição da Exequente, fazendo seus os articulados por ela apresentados.

Na sequência desse facto, em 31/05/2019, foi proferido despacho saneador que, apreciando o mérito da causa, julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

Tal decisão foi notificada às partes mediante comunicação elaborada em 03/06/2019.

Em 17/06/2019, a Embargante apresentou novo requerimento, dizendo ter existido omissão de pronúncia relativamente ao pedido de suspensão da execução que havia formulado e requerendo a apreciação dessa questão.

Sobre tal requerimento incidiu despacho – proferido em 10/07/2019 – onde se considerou que não havia fundamento para suspender a execução e que não existia qualquer omissão de pronúncia uma vez que aquela questão havia sido apreciada em despachos anteriores.

Entretanto, em 08/07/2019, a Embargante veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- O presente recurso restringe-se à apreciação sobre omissão de pronúncia e da apreciação da matéria de direito da sentença que julgou totalmente não provados os embargos de executado, determinando-se o prosseguimento da ação executiva contra a embargante, aqui ré, fruto do seguinte factualismo:

a) a exequente instaurou processo executivo que intitulou “execução com diversas finalidades (cível Local)”, tendo apresentado como título executivo decisão condenatória, transitada em julgado, que “condenou a ré M (…), a reconhecer que a obra que levou a cabo de construção do muro, referido em 8 dos factos provados, o foi sem o consentimento e contra a vontade dos autores”;

b) na liquidação da obrigação indica a exequente como valor líquido 8.000 Euros, não especificando a que se refere tal montante;

c) foi proferido despacho a considerar que o processo já dispunha de todos os elementos necessários à prolação de decisão final e para as partes, querendo, e em 10 dias, se pronunciarem;

d) Posteriormente, e sem realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar totalmente improcedente, por totalmente não provados os embargos de executado

e) e em consequência a referida ré, aqui executada, condenada a proceder à demolição desse muro em tijolo e á reposição do terreno nesse local no estado em que se encontrava em momento anterior à referida construção, deixando-o limpo e sem qualquer vestígio de obra realizada.

2- Ora, e salvo devido respeito por opinião contrária, trata-se, todavia, de uma decisão inaceitável, com a qual a apelante não se pode conformar, e outra devia ter sido a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.

3- Para além de que, na opinião da recorrente, a decisão incorre em falta de pronúncia, não se pode ainda conformar, porquanto, das diligências de prova requeridas e trazidas ao processo, são mais do que suficientes para sustentar uma decisão diferente.

4- Antes de apresentar os fundamentos para a pretensão da recorrente levanta-se uma questão prévia:

a) A recorrente foi notificada do despacho a considerar que o processo já dispunha de todos os elementos necessários à prolação de decisão final e para as partes em 10 dias se pronunciarem, mas as partes não foram notificadas a dispensa da audiência prévia e para alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar.

b) O art. 591.º do CPC estabelece a regra: realização da audiência prévia; os artigos seguintes ocupam-se das exceções: o art. 592.º dos casos em que a audiência prévia não tem lugar, o art. 593.º dos casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.

c) Quando a ação houver de prosseguir (isto é não deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar excepção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.

d) A não realização da audiência prévia nos casos em que a mesma tem lugar e não pode ser dispensada gera uma nulidade processual, não obstando a isso a circunstância de previamente à decisão o juiz ter anunciado às partes que se julgava em condições de decidir de mérito.

e) Mesmo que se admita que se as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre elas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, o juiz poderá, no uso do poder de simplificação e agilização processual e adequação formal, não realizar a audiência prévia, a decisão de não a realizar deverá ser fundamentada e precedida do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e, querendo, alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar.

5- Dos fundamentos da omissão de pronúncia;

6- Padece a presente sentença de nulidade por omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devia apreciar, prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º;

7- Alegou, em suma, a executada que:

a) não foi indicada causa de pedir, sob pena de ineptidão do requerimento executivo por falta da causa de pedir nos termos do artigo 186º n.º 2 alínea a) do CPC;

b) na sentença consta como autora I (…) e ainda V (…) e ré M (…)

c) o autor V (…) não consta como exequente na execução, daí a exequente não ter legitimidade sozinha para instaurar a presente ação executiva;

d) a sentença dada à execução não fixou o prazo para a respetiva execução e, como tal, não é título exequível nem a obrigação ainda exigível;

e) e a destruição do muro é excessivamente onerosa face ao valor do terreno, pelo que deveria ser esta obrigação substituída pela indemnização em dinheiro equivalente ao valor do terreno ocupado

8- Solicitou ainda a embargante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 733º do CPC, ex vi n.º 3 do artigo 868 do citado Código, a suspensão do prosseguimento da execução, uma vez que a mesma impugnou a sua exigibilidade bem como a liquidação da obrigação, dado que a exequente apenas refere o valor de 8.000 Euros, não especificando como chegou a tal montante.

9- Mais, nos embargos de executado a executada indicou prova pericial tendo requerido nos termos do artigo 467º do CPC, que fosse designado pelo Tribunal para proceder à avaliação do custo da construção e demolição do muro que se encontrava a erigido no local bem como o valor do terreno que o mesmo ocupa.

10- De acordo com este preceito artigo615 cpc, temos que a sentença (ou despacho) é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º.

11- Ora o pedido de suspensão da execução solicitada pela embargante, bem como a prova pericial, não mereceu qualquer despacho por parte da Meritíssima Juiz, ou seja, o Meritíssimo juiz não se pronunciou sobre questões que deveriam ter sido objeto de pronunciar.

12- A sentença recorrida está, assim, ferida de nulidade por não ter pronúncia sobre questões que devia apreciar.

13- Ora, as causas de nulidade da Sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil (antigo artº 668º nº 1).

14- De acordo com este preceito, temos que a sentença (ou despacho) é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei

15- Assim, a presente sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devia apreciar, prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º, uma vez que a Meritíssima juiz não se pronunciou sobre questões que deveria pronunciar-se designadamente: a suspensão da execução bem como a prova pericial.

16- Sem prescindir, viola a sentença o artigo 566º Código Civil;

17- O recorrente sustenta que esta condenação deve ser revogada, atendendo, por um lado, ao disposto no artº 566º, nº 1, do CC, e, por outro, ao artº 334º do mesmo diploma.

18- Nos termos do preceito indicado em primeiro lugar, “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor”; e consoante o disposto na norma indicada em segundo lugar “é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

19- Na tese da recorrente, a reconstituição natural é, no caso concreto em apreciação, excessivamente onerosa.

20- O artigo 566º do Código Civil preceitua:“1- A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.2-Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indenização em dinheiro tem como medida a diferença entre a a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existisse danos.3-Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

21- Desta disposição decorre que o legislador previu, em matéria de responsabilidade civil aquiliana, duas modalidades de ressarcimento dos danos:- Por reconstituição natural, que remove o dano real ou prejuízo concreto;- Por indemnização em dinheiro, que funciona como subsidiária ou sucedânea da primeira forma ( ou seja quando a primeira não opere ou na medida em que não possa operar para reparação integral dos danos).

22- Não há qualquer dúvida de que no nosso ordenamento jurídico se dá inteira primazia à reconstituição natural ou indemnização em forma específica como forma de, cumprindo o disposto no artº 562º, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

23- O recorrente foi condenado de acordo com o pedido, a demolir à sua custa o muro que mandou erguer.

24- Admitindo, por hipótese que o preço atual do terreno onde se encontra implantado o muro seja de 10 euros o m2, o valor da faixa de terreno onde se encontra o muro terá o preço de 80 Euros.

25- Conforme se demonstra pelo relatório ora junto a construção de um muro de vedação como o que se encontra erigido no local, designadamente com 1,00 m de altura em blocos de betão furado e vigas de travamento, incluindo a colocação de rede hexagonal com 1,00 de altura ascende ao montante de 4460,00 Euros. Sendo que a demolição do referido muro ascende ao montante de 780,50 Euros. Perfazendo tudo o montante de 5240,50 Euros.

26- Ora a destruição do muro é excessivamente onerosa face ao valor do terreno, pelo que deveria ser esta obrigação substituída pela indemnização em dinheiro equivalente ao valor do terreno ocupado.

27- Por isso a reconstituição natural a que se faz referência no artigo 566 do Código Civil deve ser substituída pela fixação de uma indemnização em dinheiro.

28- Foram violadas entre outras a alínea b) do artigo 591º,n.º 1 do artigo 593 e artigo 592 e artº 615º nº 1, al. d) todo do Código de Processo Civil, 566º do Código Civil etc.

Termos em que se deve dar provimento ao recurso, e por via dele ser revogado a douta sentença.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

- Saber se a decisão de mérito no despacho saneador tem que ser antecedida de audiência e, em caso afirmativo, apurar as consequências resultantes da omissão dessa diligência;

- Saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia por não ter apreciado a questão referente à suspensão do processo de execução por força do recebimento dos embargos de executado e por não se ter pronunciado sobre a prova pericial que havia sido requerida pela Embargante/Apelante;

- Saber se a sentença recorrida violou o art. 566º, nº 1, do CC por se dever considerar que a obrigação exequenda – fixada no título executivo (sentença judicial) – é excessivamente onerosa e que, como tal, deveria ser substituída por indemnização em dinheiro.


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III.

Na 1ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 19 de Fevereiro de 2018, a Exequente I (…) instaurou acção executiva contra M (…), com fundamento em sentença condenatória proferida em 27 de Janeiro de 2017, já transitada.

2. No seu requerimento executivo, a Exequente alegou, na parte dos “FACTOS”, entre o mais, que:

No âmbito dos autos de processo Nº 212/16.5T8CNT, foi proferida sentença que já transitou em julgado, condenou a Ré M (…), a reconhecer que a obra que levou a cabo – de construção do muro referido em 8. dos factos provados – o foi sem o consentimento e contra a vontade dos autores;

Em consequência foi a referida ré, aqui executada,» condenada a proceder à demolição desse muro em tijolo e à reposição do terreno nesse local no estado em que se encontrava em momento anterior à referida construção, deixando-o limpo e sem qualquer vestígio da obra realizada;”.

3. Nessa sentença condenatória não foi estipulado prazo para o cumprimento da prestação de facto nela vertida.

4. Em 11.04.2018, na execução principal, foi proferido despacho de aperfeiçoamento de modo a que a Exequente indicasse o prazo razoável para cumprir o facto.

5. A 11.05.2018, foi proferido despacho liminar de citação da Executada, que instaurou os presentes embargos a 14 de junho de 2018.

6. No dia 1 de Dezembro de 2018, foi proferido, na execução principal, despacho que fixou em 10 dias o prazo para realizar os factos vertidos na sentença apresentada.

7. Os factos não foram cumpridos e a Exequente reiterou o seu pedido de prestação do facto por outrem, tendo sido determinada a realização da avaliação do Custo da prestação exequenda.


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IV.

Analisemos então as questões suscitadas no recurso.

Falta de audiência prévia

A Apelante começa por aludir a uma questão – que qualifica como “questão prévia” – e que se prende com o facto de não ter sido realizada a audiência prévia.

Sustenta a Apelante que, pretendendo o juiz decidir o mérito da causa no despacho saneador, a realização da audiência prévia era obrigatória e que a omissão desse acto gera nulidade processual (nos termos do art. 196º do CPC), a tal não obstando o facto de, previamente, o juiz ter anunciado às partes que se julgava em condições de decidir de mérito. Alega que o despacho proferido nessas condições é ilegal, sendo certo que a ação não podia ser julgada por mero despacho sem antes ser marcada audiência prévia ou, caso se decidisse – fundamentadamente – não realizar a audiência, sem que as partes tivessem sido convidadas para alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar.

Analisemos, então, a questão.

É indiscutível que, no âmbito do processo comum de declaração – cujo regime é aplicável aos embargos de executado, após o termo dos articulados, por força do disposto no art. 732º, nº 2, do CPC –, se instituiu, como regra, a obrigatoriedade de realização da audiência prévia (cfr. art. 591º do CPC), consignando o legislador, como excepção a essa regra, as situações enunciadas no art. 592º do mesmo diploma onde não haverá lugar a tal diligência. Isso mesmo se diz, aliás, no preâmbulo na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII que deu origem ao CPC, onde se refere que “A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas ações não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas ações que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados”.

Mas, não obstante seja essa a regra, permite-se, conforme dispõe o nº 1 do art. 593º, que o juiz possa dispensar a realização de tal audiência, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º, ou seja, quando se destine a um dos seguintes fins: proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º (d); determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º (e) e proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes (f).

À primeira vista, lendo o nº 1 do citado art. 593º em conjugação com a alínea d) do nº 1 do citado art. 591º e o nº 1 do art. 595º, poderíamos ser levados a pensar que o juiz poderia dispensar a audiência quando ela se destinasse a proferir despacho saneador onde se conhecesse do mérito da causa, uma vez que esta situação está prevista na alínea b) do nº 1 do art. 595º e os artigos anteriores – onde se delimitam as situações em que a audiência pode ser dispensada – remetem para o nº 1 do art. 595º sem fazer distinção entre cada uma das alíneas que o compõem. Mas, uma leitura mais atenta conduz-nos a outro resultado. Na verdade, a realização da audiência prévia com o fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa está prevista na alínea b) do nº 1 do art. 591º e, portanto, se o legislador tivesse pretendido consignar a possibilidade de dispensa da audiência em tal situação, também se teria referido a essa alínea no nº 1 do art. 593º e a verdade é que não o fez, aludindo apenas às alíneas d), e) e f).

É certo, portanto, em face do exposto, que, estando em causa uma situação em que o juiz pretendia conhecer do mérito da causa no despacho saneador – como foi o caso – não estava verificada nenhuma das situações em que, nos termos previstos no nº 1 do citado art. 593º, a audiência prévia podia ser dispensada. Isso mesmo se tem entendido em diversas decisões dos nossos tribunais que já se pronunciaram sobre essa questão[1] e assim também entende o Prof. Miguel Teixeira de Sousa em comentário ao Acórdão da Relação do Porto de 12/11/2015 – Jurisprudência (250) – em 21/12/2015 que pode ser consultado no Blog do IPPC[2].

No entanto, uma boa parte da nossa jurisprudência[3] tem entendido  que, apesar de a lei não prever expressamente – na citada disposição legal – a possibilidade de dispensa da audiência prévia nos casos em que o despacho saneador conhece do mérito da causa, tal audiência poderá, ainda assim, ser dispensada pelo juiz no âmbito dos seus poderes/deveres de gestão processual e adequação formal caso entenda que a questão foi suficientemente debatida nos articulados e desde que as partes sejam ouvidas sobre o propósito de dispensar a audiência e lhes seja concedida a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria da causa que irá ser decidida (alegando por escrito aquilo que iriam alegar oralmente na audiência prévia caso esta fosse realizada).

Consagrando o dever de gestão processual atribuído ao juiz, dispõe o nº 1 do art. 6º do CPC que “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. Dispõe, por outro lado, o art. 547º que “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.

  É certo, portanto, que se atribuiu ao juiz o poder de adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. Não se trata, naturalmente, de afastar – a bel prazer do juiz ou das partes – a legalidade das formas processuais e o regime processual legalmente consagrado; trata-se, sim, de proceder a alterações ou desvios pontuais relativamente ao formalismo legalmente consagrado, eliminando ou simplificando alguns formalismos que, no caso, se revelam desnecessários para garantir os direitos das partes e assegurar a justa composição do litígio e que, criando entraves ao normal prosseguimento do processo ou à respectiva celeridade, não contribuem para a obtenção de decisão em prazo razoável.     

Assim sendo, não temos dificuldade em admitir que, no âmbito desses poderes, o juiz possa dispensar a realização de audiência nos casos em que, nos termos da lei, ela seria obrigatória. E foi isso que aconteceu nos presentes autos, quando, por despacho de 13/03/2019, se disse que, sem audiência prévia, se pretendia proferir despacho saneador sentença, determinando-se a notificação das partes para se pronunciarem no sentido de evitar uma decisão surpresa. Tal despacho não admite – pensamos nós – qualquer outra interpretação. Com efeito, contendo a declaração de que se pretendia conhecer o mérito da causa no despacho saneador sem audiência prévia e ordenando a notificação das partes para se pronunciarem no sentido de evitar uma decisão surpresa – ou seja, para dizerem por escrito aquilo que diriam oralmente caso fosse realizada a audiência – tal despacho contém decisão de dispensar a audiência prévia numa situação em que ela era obrigatória em virtude de o juiz ter a intenção de conhecer do mérito da causa no despacho saneador.

É certo, no entanto, que, conforme dissemos, a audiência prévia só poderia ser dispensada ao abrigo dos poderes/deveres – do juiz – de gestão processual e, conforme disposto no art. 6º, nº 1, do CPC, essa decisão tinha que ser precedida de audição das partes, o que aqui não aconteceu.

Nessa medida, foi, de facto, omitida uma formalidade imposta por lei que gerará nulidade, nos termos do art. 195º, caso se considere que pode influir no exame ou na decisão da causa.

Sucede que tal nulidade tinha que ser arguida nos termos previstos no art. 199º, o que, no caso, equivale a dizer que tinha que ser arguida, no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão proferida em 13/03/2019, já que com essa notificação as partes tomaram conhecimento de que a audiência prévia havia sido dispensada sem que tivessem sido previamente ouvidas sobre essa matéria. Tal nulidade apenas poderia ser arguida em sede de recurso – conforme dispõe o art. 199º, nº 3 – se o processo fosse expedido em recurso antes de findar o prazo para tal arguição o que, manifestamente, não aconteceu, sendo certo que esse prazo já havia decorrido há muito quando foi proferida a sentença recorrida.

Com relevância para esta questão, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa faz as seguintes considerações:

O objecto do recurso é sempre uma decisão impugnada. Portanto, ou há vícios da própria decisão recorrida -- hipótese em que o recurso é procedente -- ou não há vícios da decisão impugnada -- situação em que o recurso é improcedente. O tribunal de recurso não pode conhecer isoladamente de nulidades processuais, mas apenas de decisões que dispensam actos obrigatórios ou que impõem a realização de actos proibidos e das consequências noutras decisões da eventual ilegalidade da dispensa ou da realização do acto.

É, aliás, porque o objecto do recurso é sempre a decisão impugnada e porque o tribunal ad quem só pode conhecer desse objecto que se deve entender que uma decisão-surpresa é nula por excesso de pronúncia. A opção é a seguinte: ou se entende que a decisão-surpresa é nula -- isto é, padece de um vício que se integra no objecto do recurso e de que o tribunal ad quem pode conhecer -- ou se entende que não há uma nulidade da decisão, mas apenas uma nulidade processual -- situação em que o tribunal ad quem de nada pode conhecer, porque, então, tudo o que conheça extravasa do objecto do recurso[4].

Na verdade, as nulidades processuais têm o seu modo e tempo próprios de arguição e ainda que, excepcionalmente, possam ser invocadas perante o tribunal superior (quando o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo para a sua arguição) constituem sempre uma realidade diferente do recurso que não se insere no objecto deste e que, como tal, não constituem fundamento para anular ou revogar a decisão visada no recurso. A nulidade processual poderá determinar a anulação da decisão recorrida na medida em que a sua procedência determine a anulação dos actos subsequentes onde se inclua aquela decisão, mas, enquanto nulidade, não constitui fundamento para julgar procedente o recurso interposto de qualquer decisão (posterior à prática da nulidade) e para anular ou revogar a decisão recorrida. O que está em causa no recurso – como refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa no excerto referido – é sempre uma decisão e os vícios – sejam eles de forma ou de substância – de que essa decisão esteja afectada e são apenas estes vícios (da própria decisão) que podem determinar a procedência do recurso e a consequência revogação ou anulação da decisão recorrida.

No que toca à decisão de mérito proferida no despacho saneador sem audiência prévia das partes, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa – no Blog que temos vindo a citar[5] – tem sustentado que é a própria decisão que fica afectada, uma vez que, ao conhecer de mérito sem audiência prévia das partes, o despacho saneador conheceu de questão que, nas circunstâncias em que o fez (com omissão do dever de consulta), não podia conhecer, ficando, por isso, afectado de nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC.

No entanto, ainda que se aceite essa posição, temos como certo que essa solução não se ajusta à situação que está em causa nos presentes autos.

Na verdade, o despacho saneador – sobre o qual incide o presente recurso – foi antecedido de outro despacho que dispensou a audiência prévia e que, anunciando a intenção de conhecer o mérito da causa no despacho saneador, determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a matéria em discussão no sentido de evitar uma “decisão surpresa”.

Significa isso, portanto, que, independentemente das irregularidades processuais que aí tivessem sido cometidas, foi proferido despacho que dispensou a audiência prévia – sem que as partes tivessem reagido contra esse facto – e, ao contrário do que diz a Apelante, as partes foram notificadas, em observância do princípio do contraditório, para se pronunciarem sobre a matéria da causa que estava em discussão e cujo mérito se pretendia conhecer no despacho saneador. Nessas circunstâncias, tendo sido dispensada a audiência prévia (bem ou mal, não interessa) e tendo sido concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em discussão, estavam reunidas as condições necessárias para que o despacho saneador pudesse apreciar o mérito da causa e, portanto, nunca poderia aqui afirmar-se que este despacho era nulo por ter apreciado matéria que, naquelas circunstâncias, não podia apreciar.

O que existiu foi apenas uma irregularidade processual que, conforme referimos, resultou do facto de as partes não terem sido ouvidas antes de ser dispensada a audiência prévia, mas tal nulidade tinha que ser arguida, nos termos previstos no artigo 199º do CPC, no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho que dispensou tal audiência. Tal irregularidade não foi arguida nesse prazo e, como tal, ficou sanada.

Nem se compreenderia que fosse de outro modo.

A Embargante – ora Apelante – foi notificada de um despacho (proferido em 13/03/2019) onde se afirmou, clara e expressamente, que se pretendia conhecer o mérito da causa no despacho saneador sem que tal decisão fosse antecedida de audiência prévia e foi notificada para se pronunciar no sentido de evitar uma “decisão surpresa”. Na sequência dessa notificação, a Embargante/Apelante não disse nada; não invocou qualquer irregularidade e não veio manifestar o seu desacordo relativamente à dispensa da audiência prévia; não o fez no prazo de dez dias subsequentes a essa notificação e não o fez durante o período de cerca de dois meses que decorreu até à data em que foi proferido o despacho saneador, aceitando tacitamente – e criando tal expectativa no tribunal e na parte contrária – que fosse proferida decisão de mérito sem a prévia realização de audiência prévia. Nessas circunstâncias, não seria aceitável que, quando confrontada com uma decisão que lhe foi desfavorável, pudesse vir agora aproveitar aquele facto – contra o qual nunca reagiu e que aceitou tacitamente – para o efeito de por em causa a decisão que veio a ser proferida. Pensamos, aliás, que tal arguição sempre lhe estaria vedada pelo disposto no nº 2 do art. 197º do CPC.

Improcede, portanto, esta questão.

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Sustenta a Apelante que a sentença é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC por ter omitido pronúncia relativamente ao pedido de suspensão da execução e à prova pericial que havia requerido.

Não lhe assiste razão.

A sentença é nula, nos termos da citada disposição legal, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Assim e tendo em conta o disposto no art. 608º, nº 2, do citado diploma legal, a sentença será nula se o juiz não apreciar todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Importa, no entanto, fazer uma outra precisão: a sentença só será nula por omissão de apreciação de questões que tenham sido suscitadas pelas partes desde que tais questões devam ser apreciadas e resolvidas na sentença, já que, como parece claro, a sentença não é o momento e o local próprio para resolver todas as questões de carácter processual ou incidental que se vão suscitando ao longo do processo.

Conforme dispõe o art. 152º, nº 2, do CPC, a sentença é o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa e, portanto, as questões que nela devem ser apreciadas são aquelas que se relacionam com o objecto do litígio (delimitado pelas pretensões formuladas e respectivas causas de pedir) que importa resolver no âmbito da causa principal ou de algum incidente que tenha sido deduzido e que se apresente, estruturalmente, como uma causa, apreciando-se, em primeiro lugar, as questões processuais que possam determinar a absolvição da instância e apreciando-se depois, se nada obstar a tal, o mérito das pretensões formuladas (cfr. arts. 607º e 608º do CPC).

No caso que analisamos, está em causa a sentença que julgou os embargos deduzidos à execução e, portanto, o seu objecto era definir e decidir se a execução devia ser extinta por existir fundamento legítimo para a oposição que lhe havia sido deduzida ou se, pelo contrário, ela devia prosseguir. E era dentro desses parâmetros que a sentença tinha que apreciar as questões suscitadas pelas partes e aquelas cujo conhecimento oficioso lhe fosse permitido com vista à apreciação e decisão da pretensão formulada no sentido de ser extinta a execução, apreciando as eventuais excepções que obstassem à apreciação dessa pretensão e apreciando, se nada obstasse a tal, os fundamentos que eram invocados para a oposição à execução. Ou seja, as questões que a sentença tinha que apreciar – sob pena de nulidade – eram as questões que se relacionavam com a oposição deduzida à execução, fossem elas de forma e relacionadas com eventuais excepções ou fossem elas de mérito e relacionadas com os fundamentos invocados para a oposição.

Ora, a questão da suspensão do processo de execução não faz parte do objecto dos embargos, sendo certo que nada tem a ver com a sua procedência ou improcedência. Tal questão é uma questão lateral ou incidental que se relaciona com o efeito do recebimento dos embargos no processo de execução (cfr. art. 733º do CPC) e que, como tal, não tem que ser apreciada na sentença, devendo sê-lo em decisão própria que, por regra, será proferida antes da sentença e no início dos embargos.

De qualquer forma – dir-se-á – até existiu decisão sobre essa matéria.

Com efeito, logo após a apresentação dos embargos, foi proferido despacho – em 10/10/2018 – que, admitindo os embargos, determinou que o seu prosseguimento não suspendia a execução.

E, se é certo que tal despacho não apreciou as concretas questões/fundamentos que eram invocados pela Embargante, também é certo que esta veio apresentar requerimento requerendo tal apreciação, o que foi feito por despacho proferido em 13/03/2019.

Não interessa apurar a correcção ou incorrecção desses despachos, uma vez que não é esse o objecto do recurso; o que importa reter é que tal questão (bem ou mal) foi apreciada nesses despachos e, de qualquer forma, não era questão que, sob pena de nulidade, tivesse que ser apreciada na sentença.

O mesmo acontece com a admissão (ou não) da prova pericial, já que, como parece evidente, a sentença não tem que se pronunciar sobre a admissão (ou não) de meios probatórios.

Inexiste, portanto, qualquer omissão de pronúncia que seja susceptível de determinar a nulidade da sentença.

Violação do art. 566º, nº 1, do CC

Sustenta a Apelante, a este propósito, que a reconstituição natural – demolição do muro – é excessivamente onerosa e que, como tal, essa obrigação deveria ser substituída pela indemnização em dinheiro equivalente ao valor do terreno ocupado.

Sobre esta matéria, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

A embargante alega que a destruição do muro é excessivamente onerosa face ao valor do terreno, pelo que deveria ser esta obrigação substituída pela indemnização em dinheiro equivalente ao valor do terreno ocupado.

No entanto, tal fundamento, inserido na norma do art.º 876, n.º 2, “in fine”, do CPC, é exclusivo da prestação de facto negativo, mas na sentença que se executa está em causa uma execução para prestação de facto positivo, de “facere”, ou seja, é uma ato que deve ser realizado (e não a prestação de um facto negativo “não pode” ou “non facere”).

Assim sendo, a exequente pode optar, como aliás fez, pelas duas hipóteses legais contidas no art.º 868, n.º 1, do CPC, ou seja, pede a realização coativa da prestação à custa de outrem ou uma indemnização compensatória pela não realização da prestação.

Desta forma, também nesta parte, os embargos estão votados ao insucesso”.

Ou seja, a sentença recorrida indeferiu a pretensão da Apelante relativamente a esta matéria por ter considerado que ela não constituía fundamento para a dedução de embargos no âmbito de uma execução para prestação de facto positivo como é aqui o caso.

Ora, sendo certo que o objecto do recurso é a decisão impugnada, o que faria sentido é que a Apelante contestasse os fundamentos em que ela se baseou de forma a identificar o concreto erro de julgamento em que ela teria incorrido, indicando, nos termos do art. 639º do CPC: as normas jurídicas que foram violadas pela decisão; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ou, caso invocasse erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entender, devia ter sido aplicada.

A Apelante não fez nada disso.

Na verdade, a Apelante nada diz no sentido de contrariar os argumentos/fundamentos da decisão recorrida, limitando-se a reafirmar a alegação que já havia efectuado no requerimento inicial, dizendo que a sentença recorrida violou o art. 566º do CC.

Sucede que a sentença recorrida não chegou a apreciar a questão à luz do disposto no citado art. 566º porque entendeu – foi esse o fundamento da decisão – que essa matéria não constituía fundamento de oposição à execução. Nessas circunstâncias, não faz sentido dizer que a sentença recorrida violou a citada disposição legal; o que faria sentido é que a Apelante recorresse às normas que regulam e enunciam os fundamentos de oposição no sentido de dizer qual dessas normas teria sido violada, mal interpretada ou aplicada pela sentença recorrida (quando entendeu que aquela circunstância não era fundamento de oposição) e qual era a norma que deveria ter sido aplicada e na qual se poderia fundamentar um decisão diversa da que foi proferida, ou seja, qual era a norma de onde resultava que aquela circunstância era fundamento de oposição à presente execução.

 De qualquer forma e ainda que a Apelante nada tenha dito sobre essa matéria, diremos que aqueles factos ou circunstâncias não constituem, de facto, fundamento de oposição à execução, conforme se considerou na sentença recorrida.

Na verdade, a presente execução baseia-se em sentença judicial que condenou a Ré – ora Embargante e Apelante – a proceder à demolição de um muro (ali identificado) e à reposição do terreno nesse local no estado em que se encontrava em momento anterior à referida construção, deixando-o limpo e sem qualquer vestígio da obra realizada.

É indiscutível, portanto, que não estamos perante uma execução para prestação de facto negativo no âmbito da qual as circunstâncias invocadas pela Apelante poderiam ter alguma relevância (cfr. art. 876º, nº 2, do CPC); estamos, na verdade, perante uma execução para prestação de facto (positivo) baseada em sentença judicial, no âmbito da qual apenas são admitidos como fundamentos de oposição os que estão enunciados no art. 729º e 868º, nº 2, do CPC e onde não se inclui a excessiva onerosidade da prestação que é invocada pela Embargante/Apelante.

Tal questão deveria ter sido suscitada no âmbito da acção declarativa onde foi proferida a sentença que constitui o título executivo, para que, na sequência da sua apreciação e eventual procedência, fosse proferida decisão que condenasse a Ré – aqui Apelante – ao pagamento de determinada indemnização em dinheiro.

Tal não aconteceu. A sentença proferida – que constitui o título executivo da presente execução – condenou a Embargante a demolir o muro e a repor o terreno no estado em que se encontrava em momento anterior à referida construção e, portanto, é essa a prestação que, com base nesse título, pode ser exigida, tendo em conta que, conforme dispõe o art. 10º, nº 5, do CPC, é pelo título que se determinam o fim e os limites da acção executiva.

Improcede, portanto, esta questão.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A situação em que o juiz tencione conhecer do mérito da causa no despacho saneador não está incluída nos casos em que, nos termos previstos no nº 1 do art. 593º do CPC, a audiência prévia pode ser dispensada; nessa situação, a audiência prévia – que, nos termos da lei, se apresenta como obrigatória por não figurar nos casos em que pode ser dispensada – apenas poderá ser dispensada ao abrigo dos poderes de gestão processual que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, devendo essa dispensa ser precedida de audiência das partes.

II – Estando em causa uma situação em que, mediante despacho prévio ao despacho saneador, se anuncia a intenção de conhecer o mérito da causa no despacho saneador sem realização da audiência prévia e em que se determina a notificação das partes para se pronunciarem sobre a matéria em discussão no sentido de evitar “decisão surpresa”, o despacho saneador que, depois disso, vem a ser proferido não enferma de qualquer vício (relacionado com a falta de audiência prévia) que possa determinar a sua anulação ou revogação no âmbito de recurso dele interposto

III – A circunstância de a audiência prévia ter sido dispensada (em decisão anterior ao despacho saneador) sem ouvir previamente as partes configura mera irregularidade/nulidade processual a arguir nos termos previstos no art. 199º do CPC e não constitui fundamento para a procedência do recurso interposto do despacho saneador que veio, posteriormente, a conhecer do mérito da causa depois de dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em discussão.

IV – A omissão de apreciação de determinadas questões suscitadas pelas partes só determina a nulidade da sentença – nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC – se estiverem em causa questões que devam ser aí apreciadas e tais questões são as que se relacionam com o objecto do litígio (delimitado pelas pretensões formuladas e respectivas causas de pedir) que importa resolver, sejam questões processuais (excepções) que obstam à apreciação da pretensão ou sejam questões relacionadas com o fundo e o mérito da pretensão.

V – A pretensão formulada no âmbito de embargos à execução no sentido de ser decretada a suspensão do processo de execução é uma questão lateral ou incidental que se relaciona com o efeito do recebimento dos embargos no processo de execução (cfr. art. 733º do CPC) e que não se relaciona com o objecto dos embargos; tal questão não tem que ser apreciada na sentença que julga os embargos, mas sim em decisão própria que, por regra, será proferida antes da sentença e, como tal, a sentença que julga os embargos não padece de qualquer nulidade pelo facto de não se ter pronunciado sobre essa questão.

VI – A excessiva onerosidade da obrigação de prestação de facto (positivo) em que a executada foi condenada na sentença que constitui o título executivo não constitui fundamento de oposição à execução.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante por ter decaído no recurso.
Notifique.

Coimbra, 3 de Março de 2020.

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora )

Maria João Areias

Ferreira Lopes


[1] Cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 09/10/2014 (processo nº 2164/12.1TVLSB.L1-2), de 05/05/2015 (processo nº 1386/13.2TBALQ.L1-7) de 19/10/2017 (processo nº 155421-14.5YIPRT.L1-8) e de 08/02/2018 (processo nº 3054-17.7T8LSB-A.L1-6); Acórdãos da Relação do Porto de 24/09/2015 (processo nº 128/14.0T8PVZ.P1), de 12/11/2015 (processo nº 4507/13.1TBMTS-A.P1) e de 27/09/2017 (processo nº 136/16.6T8MAI-A.P1); Acórdão da Relação de Guimarães de 10/07/2018 (processo nº 910/13.5TBVVD-L.G1) e Acórdão da Relação de Évora de 10/05/2018 (processo nº 2239/15.5T8ENT-A.E1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[2] https://blogippc.blogspot.com/2015/12/jurisprudencia-250.html#links

[3] Acórdãos da Relação de Lisboa de 09/10/2014, 05/05/2015 e 08/02/2018 (supra referidos na nota 2); Acórdãos da Relação do Porto de 24/09/2015, 12/11/2015 e 27/09/2017 (também já referidos na nota 2) e o Acórdão da Relação de Évora de 30/06/2016, proferido no processo nº 309/15.9T8PTG-A.E1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Blog do IPPC em comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa de 23/10/2018 – Jurisprudência 2018 (163) – de 28/01/2019 que pode ser consultado em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html#links
[5] Cfr. Dispensa da audiência prévia e observância do dever de consulta, de 03/06/2014, que pode ser consultada em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html#links; comentário ao Acórdão da Relação do Porto de 12/11/2015 – Jurisprudência (250) – 21/12/2015, que pode ser consultado em https://blogippc.blogspot.com/2015/12/jurisprudencia-250.html#links e comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa de 23/10/2018 – Jurisprudência 2018 (163) – de 28/01/2019 que pode ser consultado em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html#links.