Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9499/15.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
TERCEIRO GARANTE
AVALISTA
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.17-A, 217 Nº4 CIRE
Sumário: 1. - A intangibilidade pelo plano de recuperação/insolvência dos direitos dos credores sobre co-obrigados/terceiros garantes do devedor, prevista no nº 4 do artº 217º do CIRE, não se reporta apenas à existência ou montante dos créditos mas também a qualquer outro seu condicionamento, como por ex. ao estabelecimento de uma moratória.

2 - A violação de tal segmento normativo, nos estritos termos ora definidos, apenas acarreta uma situação de ineficácia inter partes, não impedindo a homologação do plano na parte não afectada.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

A (…) Lda., apresentou-se a processo especial de revitalização, tendo em vista a promoção da respectiva revitalização através da aprovação de plano de recuperação.

Foi nomeado administrador judicial provisório, que apresentou a lista provisória de créditos a que alude o art. 17º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, objecto de impugnação por parte da devedora relativamente aos créditos reconhecidos aos credores (…), tendo tal impugnação sido julgada procedente.

Pelo credor B (…), foi requerida a não homologação do plano de revitalização, por considerar legalmente inadmissível a condição constante do plano de não executar as garantias existentes (contra os avalistas) enquanto se mantiver o plano de recuperação.

A devedora pronunciou-se sobre este requerimento.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo sido proferida decisão com o seguinte teor:

«homologo por sentença o plano de recuperação da devedora A (…), Lda., prevendo a sua revitalização através da reestruturação do respetivo passivo, declarando, contudo, a respetiva ineficácia relativamente aos credores Autoridade Tributária e Aduaneira e Instituto da Segurança Social, I.P.

3.

Inconformado recorreu o credor B (…

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegou a requerente pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Não homologação do plano de recuperação por conter clausula «não execução das garantias pelos credores enquanto se mantiver o cumprimento do plano de recuperação» que é ilegal perante o estatuído no artº 217º nº4 do CIRE.

5.

Foram considerados os seguintes factos:

1. A (…), Lda. requereu o presente processo especial de revitalização.

2. Apresentada lista provisória de créditos reconhecidos e publicitada no portal Citius, foi a mesma impugnada pela devedora relativamente aos créditos reconhecidos aos credores(…)

3. Na sequência da procedência desta impugnação, foram reconhecidos créditos no valor global de € 1.206.444,67.

4. Tendo-se procedido à reunião da abertura e contagem dos votos no dia 22 de março de 2016, verificou-se que exerceram o direito de voto credores titulares de créditos no valor de € 965.025,86, ou seja, 79,99% dos credores relacionados.

5. Da totalidade dos votantes, votaram favoravelmente à aprovação do plano credores titulares de créditos no montante de € 717.442,76, ou seja, 74,34% dos votantes, e contra a aprovação do plano titulares de créditos no montante de € 247.383,10, ou seja, 25,66% dos votantes.

6. O plano de recuperação apresentado prevê a reestruturação do passivo da empresa, nos seguintes termos:

6.1.Créditos públicos:

6.1.1. Autoridade Tributária:

a) Amortização da totalidade da dívida em 64 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao término do prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE;

b) Não haverá lugar à redução de coimas e custas;

c) Constituição, dentro do mês seguinte ao término do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, de garantia idónea e suficiente a prestar pela Revitalizanda ou por terceiros, junto do órgão de execução fiscal;

d) Ao capital em dívida aplicar-se-á a taxa de juros vincendos resultante da aplicação do disposto nos n.ºs 3 e 5, do artigo 3.º do Decreto-Lei 73/99, de 16/3 e em convergência com a taxa aplicável aos créditos da Segurança Social;

e) Para os efeitos previstos no nº1 do artigo 17º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.

6.1.2. Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP:

a) Manutenção das garantias constituídas;

b) Manutenção do pagamento das contribuições correntes;

c) Cumprimento do previsto no nº 2 do artigo 210º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social;

d) Consolidação da dívida à data de Novembro de 2015, inclusive;

e) Redução de 70% dos juros vencidos mediante manutenção das garantias sobre bens imóveis já constituídas e que se revelam idóneas para garantir o pagamento do plano prestacional;

f) Amortização da totalidade do valor do capital em dívida, acrescido dos juros que resultarem do disposto infra, em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais e sucessivas;

g) Atribuição de progressividade nas prestações;

h) A 1.ª prestação vence-se no mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;

i) Ao capital em dívida aplicar-se-á a taxa de juros vincendos de 3,5%;

j) Manutenção, após a aprovação e homologação do presente Plano, da suspensão das ações executivas pendentes para cobrança de dívidas da Segurança Social, as quais só se extinguirão após o integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado;

k) Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de ações executivas que se encontrem suspensas na respetiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do plano de recuperação devendo tal pagamento ser efetuado junto da secção de processo executivo na qual se encontra suspensa a ação executiva;

6.2.Créditos laborais privilegiados: pagamento da totalidade da dívida em 12 (doze) prestações, mensais, iguais e sucessivas, com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Recuperação

6.3.Créditos comuns:

6.3.1. Créditos bancários:

- Créditos comuns bancários do (…) propõe-se o pagamento da integralidade dos créditos reclamados, carência de capital: 12 meses, no prazo total de 144 meses (a contar do mês seguinte ao da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação); reembolso de capital em prestações mensais, iguais e sucessivas, com vencimento da 1.ª no mês seguinte ao do termo final do período de carência; taxa de juro: Euribor a 12 meses, arredondada nos termos legais, acrescida de spread de 3,5 %, durante o período de carência de capital; manutenção das garantias existentes com garantia de não execução das mesmas pelos credores enquanto se mantiver o cumprimento do plano de recuperação.

- Crédito do (…) proveniente locação financeira, propõe-se o pagamento da integralidade dos créditos reclamados, nos termos seguintes: a) liquidação dos juros que tenham sido contabilizados até a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, no mês seguinte ao da verificação de tal facto;

b) carência de capital (ou seja, no pagamento das rendas) pelo prazo de 6 meses, com início reportado à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano; c) findo o referido período de carência, pagamento das prestações de capital (rendas) nas datas contratualmente previstas (o atual plano de pagamentos deverá ser ajustado em razão da carência); d) isenção de despesas; e) manutenção das demais condições e garantias existentes.

6.3.2. Demais créditos comuns

6.3.2.1. Créditos a fornecedores - pagamento de 70% do crédito reconhecido em 144 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;

6.3.2.2. Crédito a colaboradores - pagamento da totalidade da dívida em 12 prestações, mensais, iguais e sucessivas, com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;

7. A Autoridade Tributária e Aduaneira não votou o plano e o Instituto da Segurança Social, I.P votou desfavoravelmente.

8. O crédito do Banco (…) resulta de um empréstimo concedido à devedora no montante de € 17.000,00 pelo prazo de 72 meses a contar da data da abertura do crédito, no âmbito do qual foi estipulado que o mesmo venceria juros calculados dia a dia sobre o capital em dia à taxa Euribor a 3 meses, publicada no 2.º dia útil anterior ao início de cada período trimestral, acrescido de 9 pontos percentuais.

9. Para garantia do cumprimento do contrato, foi entregue ao banco uma livrança em branco subscrita pela devedora e avalizada por terceiros.

10. E constituída a favor do banco hipoteca sobre os seguintes imóveis, pertencentes a terceiros:

- Fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã sob o n.º 6414 e inscrito na matriz sob o artigo 8999.º;

- Fração autónoma designada pela letra “F” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã sob o n.º 6415 e inscrito na matriz sob o artigo 9071.º;

11. À data da admissão do processo especial de revitalização da devedora a dívida do Banco BPI ascendia ao valor de € 11.666,42.

6.

Apreciando.

6.1.

A julgadora decidiu alcandorada no seguinte discurso argumentativo:

«Defendeu este credor que a homologação do plano deve ser recusado em virtude de o mesmo estabelecer uma condição contrária à lei…Mais invoca que, mercê desta condição, ficaria numa situação de insegurança jurídica, tendo de aguardar o incumprimento incerto do plano pela devedora, não podendo responsabilizar os garantes e executar as garantias prestadas.

(…)

O art. 217.º. n.º 4, dispõe que «as providências previstas no plano de insolvência com incidência sobre o passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou garantes, mas estes credores apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência poderia exercer contra ele os seus direitos.»

….sendo o processo de revitalização um processo especial ínsito no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o respetivo regime deverá ser encontrado não apenas nas regras específicas relativas ao PER e aos planos de recuperação acordados no âmbito de tais processos especiais, mas também, por força do art. 10.º do Código Civil, nas regras constantes do título IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas …e que se justifica pela semelhança estrutural e funcional do plano aprovado no âmbito da revitalização e da insolvência…

Mas perfilha-se também do entendimento que a aplicação da norma não significa, todavia, que ela impeça que o plano afete de todo em todo os direitos do credor relativamente aos garantes.

É que o legislador foi preciso ao delimitar o âmbito dos direitos dos credores contra os condevedores e garantes insuscetíveis de ser afetados pelas providências previstas no plano, circunscrevendo-o, de acordo com a letra do art. 217.º, n.º 4, à existência e montante dos créditos. O que parece sugerir que esta tutela excecional se não estende ao prazo e demais condições de pagamento.

Acompanhamos aqui a posição sustentada por Catarina Serra…9 O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, Almedina, 2016, págs. 113 e 114

(…).

Ora, a condição que o credor considera contrária à lei, por afetar os seus créditos contra os avalistas, não contende com a existência e montante dos créditos mas apenas com a sua exigibilidade. Com efeito, ao clausular que as garantias não seriam executadas pelos credores enquanto se mantivesse o cumprimento do plano de recuperação, mais se não fez do que estabelecer uma moratória a favor dos avalistas, de forma a permitir que estes apenas fossem demandados, pela totalidade do crédito, quando se verificasse o incumprimento da obrigação principal.

Sendo que esta moratória, segundo o entendimento perfilhado, não contendendo com a existência e montante do crédito, não viola a norma imperativa prevista no art. 217.º. n.º 4 …11 Nesse sentido, se considerou nos Acs. da RG de 8.01.2015, proc. n.º 703/14.2TBBRG.G1 e da RE de 13.03.2014, proc. n.º 1327/13.7TBSTR.E1

(…)

Quanto ao derradeiro argumento esgrimido pelo credor, permitimo-nos citar novamente a autora que temos vindo a acompanhar: «Também não pode proceder o argumento de que, por força da solução adotada, o credor garantido é colocado numa posição intolerável ou de excessiva onerosidade. A extensão ao garante das modificações que afetem o crédito pressupõe sempre – deve pressupor sempre – um contexto de recuperação, um contexto em que seja previsível que o credor recuperará, num prazo delimitado e em condições definidas num plano, a capacidade para satisfazer os seus credores. Só aí, naturalmente, faria (faz) sentido que se retirasse (retire) à função-garantia – ao “fim de garantia ou segurança” que se manifesta na “tendencial insensibilidade da responsabilidade do [garante] à sobrevinda impotência económica do devedor – o valor absoluto que lhe é habitualmente reconhecido».

6.2.

Não se acompanha este entendimento.

Começaremos por notar que a redacção do citado 217º, nº 4, sua 1ª parte é praticamente idêntica à do anterior art. 63º, 1ª parte, do CPEREF. Ou seja, os direitos dos credores quanto aos co-obrigados ou terceiros garantes do devedor insolvente/revitalizado são intocáveis.

Apenas se ressalvaram, nas respectivas 2ªs partes, certos efeitos. Na última norma previa-se a possibilidade de os credores aceitarem que as providências tomadas fossem extensíveis aos condevedores e terceiros garantes, e neste caso, na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos. Naquela norma essa possibilidade desapareceu, apenas se tendo regulado o direito de regresso destes últimos sujeitos contra o devedor, mas somente nos termos em que o credor puder exercer contra o devedor insolvente/revitalizado o seu direito.

Ou seja, o paradigma actual é bem diverso. Os credores dos co-obrigados e terceiros garantes ficaram totalmente protegidos; o devedor fica protegido nos termos em que as providências do plano com incidência no seu passivo forem aprovadas; os condevedores ou terceiros garantes ficaram parcialmente desprotegidos, pois só poderão reaver em regresso parte do que eventualmente liquidarem, conforme o que o plano aprovar com incidência sobre o passivo do devedor, e mesmo essa parte se o devedor tiver cabedal financeiro/monetário para isso.

É uma solução que, quanto a esta desprotecção dos condevedores ou terceiros garantes, pode ser questionada quanto à sua justeza mas trata-se claramente de uma opção do legislador que de caso pensado por ela optou e expressis verbis a contemplou (neste sentido Carvalho Fernandes/J. Labareda, CIRE Anotado, 2ª Ed., 2013, nota 12. ao artigo 217º, pág. 838, e Carolina Cunha, Aval em branco e plano de insolvência, RLJ, Março-Abril de 2016, págs. 218/226).

Para mitigar este resultado Catarina Serra (Nótula sobre o art. 217º, nº 4, do CIRE, Estudos Dedicados ao Prof. Dr. Luís A. Carvalho Fernandes, Uni. Católica Editora, Vol. I, págs. 380, 382 e 384), fazendo uma interpretação literal do art. 217º, nº 4, defende que a norma se restringe e tutela apenas os casos de perdão e de redução do montante do crédito, não se aplicando, por exemplo, em situações menos drásticas como o condicionamento do reembolso, a modificação do prazo de vencimento ou a moratória.

Discordando e alargando a imperatividade da norma não só à existência e montante dos créditos mas também aos seus prazos vão C. Fernandes/J. Labareda (ob. cit., nota 14, pág. 839), com o argumento ponderoso que o reescalonamento da dívida potencia resultados perversos contrários ao interesse da generalidade dos credores e do próprio devedor, que o plano de insolvência visa promover, já que se criaria um obstáculo de monta ao apoio a planos de reescalonamento da parte do credor que beneficiasse de garantias pessoais de dívidas e seria de esperar que o mesmo preferisse o perdão à recalendarização, o que redundaria em prejuízo do próprio garante. O que faz sentido, pois apoiando o credor plano que previsse a extinção, total ou parcial, do crédito, então na interpretação daquela autora citada o credor já não ficaria paralisado perante o terceiro garante e poderia exigir a este a prestação integral.

Ademais, não conseguimos acompanhar tal interpretação literal restritiva da norma. Na verdade, na expressão legal “montante dos direitos” dos credores não vai ínsito que se trate do montante quantitativo do crédito, longe disso, antes defendemos que se trata de um determinado conteúdo dos direitos. Assim, se o crédito não compreendia qualquer moratória, condicionamento de reembolso ou outro prazo de vencimento diferente, então ao modificar-se esse conteúdo do crédito está a afectar-se o “montante do direito” do credor.

Razão pela qual, mesmo no caso de moratória, como se prevê no plano em análise nos autos - ao estabelecer-se a não execução das garantias pelos credores enquanto se mantiver o cumprimento do plano de recuperação, designadamente quanto à existência de aval, que é uma obrigação autónoma – não pode considerar-se que o credor/recorrente fique afectado em demandar o terceiro garante (ou condevedor) para lhe exigir o crédito de que dispõe originariamente.    

Por outro lado, com a dita cláusula, o plano apenas é afectado parcialmente, em questão relativa a parte da sua oponibilidade, mantendo valor e eficácia relativos ao devedor revitalizado, atento que em questão relativamente paralela, respeitante a inderrogabilidade de créditos tributários, o STJ defendeu correctamente que “o plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia.” (Ac. de 18.2.2014, Proc.1786/12.5TBTNV, em www.dgsi.pt).

Neste seguimento, considerando as finalidades e os princípios subjacentes ao processo de revitalização, a recuperação da empresa ainda viável, por um lado, e a limitação de eficácia imposta pelo art. 217º do CIRE, intangibilidade dos créditos sobre terceiros, por outro, entende-se não ser de afastar a possibilidade daquela recuperação, pelo que balanceando adequadamente os interesses em jogo o regime jurídico da ineficácia permite a viabilização da empresa nos termos do plano acordado pela maioria dos credores, ao mesmo tempo que dele decorre a inoponibilidade aos créditos sobre condevedores ou sobre terceiros garantes.

No sentido exposto, sobre toda esta problemática, segue a jurisprudência dominante – vide Acds. da Rel. de Guimarães, de 5.12.2013,  Proc.2088/12.2TBFAF-B, desta Relação de 1.7.2014, Proc.1355/13.2TBLRA-A e de 8.3.2016, Proc.4064/14.1T8VIS, da Rel. do Porto, de 9.7.2014, Proc.1213/12.8TBVFR-B e de 16.9.2014. Proc. 1527/13.0TBVNG-A, e da Rel. Lisboa, de 24.11.2015, Proc.339/15.0T8PDL, estes últimos três citados pela recorrente, todos em www.dgsi.pt

 7.

Sumariando:

I - A intangibilidade pelo plano de recuperação/insolvência dos direitos dos credores sobre co-obrigados/terceiros garantes do devedor, prevista no nº 4 do artº 217º do CIRE, não se reporta apenas à existência ou montante dos créditos mas também a qualquer outro seu condicionamento, como por ex. ao estabelecimento de uma moratória.

II - A violação de tal segmento normativo, nos estritos termos ora definidos, apenas acarreta uma situação de ineficácia inter partes, não impedindo a homologação do plano na parte não afectada.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente e, consequentemente, revogando-se parcialmente a decisão recorrida se declara a sua ineficácia relativa ao recorrente BPI relativamente ao seu crédito sobre os seus condevedores/terceiros garantes da dívida.

Custas pela devedora/revitalizada.

Coimbra, 2016.07.6

João Moreira do Carmo ( relator por vencimento)

Fonte Ramos

Carlos Moreira  ( vencido )

Vencido, como relator.

Confirmaria a sentença, pelos motivos, essencialmente nela aduzidos, acolhidos no meu projeto que remataria com o seguinte acervo sinóptico:

I - A intangibilidade pelo plano de recuperação/insolvência dos direitos dos credores sobre  terceiros, condevedores ou garantes do devedor,  prevista no nº4 do artº 217º do CIRE, reporta-se apenas à existência ou montante dos créditos, e não a qualquer outro seu condicionamento, como, vg. a sua inexigibilidade imediata.

II - A violação de tal segmento normativo, nos estritos termos ora definidos, apenas acarreta uma situação de ineficácia inter partes, não impedindo, por via de regra, e salvo se afetar excessiva e intoleravelmente a posição do credor, a homologação do plano na parte não afetada.

Os quais – motivos - escalpelizados, se podem sintetizar nas seguintes, nucleares, ordens de razões.

Primeira:

O  nº4 do artº 217º do CIRE deve ser interpretado nos seus precisos termos, ou seja, apenas se aplica quando o plano afeta a existência ou o montante do crédito e já não noutras situações, como, vg,., a sua exigibilidade imediata.

A interpretação que fez vencimento não tem o mínimo de correspondência verbal na letra da lei, violando o artº 9º nº2 do CC.

Se fosse intenção do legislador ir mais longe, facilmente poderia plasmar, adrede na letra da lei, essa sua pretensão, com menção, vg. do seguinte jaez. «não afetam a existência, o montante, ou a exigibilidade imediata ….».

Segunda:

A interpretação vencedora não atinge uma perspetivação e defesa equilibradas dos interesses em presença: dos credores, do devedor e dos terceiros garantes deste.

É que com esta interpretação desprotegem-se e prejudicam-se, intoleravelmente, os garantes.

Basta pensar que, no regime geral, alguns, vg. o fiador – apenas poderiam ser demandados  subsidiariamente e após a excussão dos bens do devedor.

Já em sede insolvencial, num processo para o qual, em princípio, nada contribuíram, pode ser-lhes exigido  imediatamente  todo o crédito, e, depois, apenas poderão reaver perante o devedor aquilo que o plano concede ao credor e que poderá ser muito pouco, ou nada.

Esta restrição não constava na legislação de pretérito.

O artº 64º do CPEREF permitia o direito de regresso dos garantes nos direitos do devedor pela totalidade do que houvessem pago.

O agravamento da sua posição na lei atual exige, sob pena, repete-se, de intolerável, porque injusta e íniqua, desproteção da qualidade de garante, uma interpretação literal da primeira parte do nº4 citado, a qual transitou para a nova lei.

Senão, com a interpretação que fez vencimento, os credores recebem, dos garantes, imediatamente, tudo.

O devedor fica,  logo, exonerado de tudo e,  depois, se puder pagar – o que por via de regra nem sequer acontece-  paga apenas ao garante o que o plano prevê e que pode ser muito pouco.

E o garante – vg. o fiador-  que se vinculou apenas como responsável subsidiário, e que é alheio ao PER, paga tudo, imediatamente  logo à cabeça, e, depois, recebe  menos do que pagou, ou não recebe nada.

Tudo isto antes de se saber se, no âmbito do plano, o devedor principal poderia, muito ou pouco, pagar.

Nem relevando, se bem intuímos, o argumento  ex adverso aduzido no acórdão de que  perante a vinculação do credor junto dos garantes à não exigibilidade imediata do seu crédito «seria de esperar que o mesmo preferisse o perdão à recalendarização, o que redundaria em prejuízo do próprio garante.»

Desde logo porque, estamos em crer, em termos de normalidade, o credor sempre preferiria a recalendarização ao perdão; e se optasse por este, só ele, que não o garante, ficaria prejudicado.

Nesta conformidade, e para operar aquele justo equilíbrio, na situação do caso concreto, que apenas afetou a exigibilidade imediata do crédito, esta cláusula deveria ser oponível ao credor para, ao menos, se tentar, na medida do possível, o pagamento pelo  recuperando - devedor principal e responsável pelo despoletamento do PER -  no âmbito do plano e nos termos nele previstos, e, apenas se tal se frustrasse, e/ou na respetiva medida, poderia o credor demandar o garante.

Carlos A P Moreira.