Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOSÉ AVELINO GONÇALVES | ||
Descritores: | PROCESSO DE EXECUÇÃO DESERÇÃO DA INSTÂNCIA FALTA DE IMPULSO PROCESSUAL NEGLIGÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 02/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 281.º, N.º 5, DO CPC. | ||
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Sumário: | I) No domínio do processo executivo, a deserção da instância opera automaticamente, independentemente de qualquer decisão judicial que a declare. II) Tal deserção não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, sendo necessário que essa circunstância se deva a falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, ou seja, a uma omissão passível de um juízo de inadimplemento e censura. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório
Resulta dos autos, com interesse para esta instância de recurso, o seguinte: 1.O Agente de Execução no dia 29.03.2021 presta a seguinte informação ao Tribunal: “tendo-lhe sido comunicada a localização do veículo penhorado, continua a aguardar informação, por parte da exequente, da disponibilidade para remoção e subsequente aparcamento da mesma. 2.Por requerimento do dia 2.6.2021 a exequente informa de que tem “disponibilidade para mobilizar meios necessários à remoção e subsequente aparcamento do veículo penhorado nos autos” 3.A executada, AA, por requerimento datado de 23.6.2021, vem aos autos de execução que lhe move G... Lda., informar o Juízo de Execução de Soure - na parte que interessa para a presente instância de recurso -, que “o processo se encontra a aguardar impulso processual, há mais de seis meses, por inércia da exequente, conforme, notoriamente, resulta dos autos”. Pede, por isso, que seja declarada a deserção da instância. 4.Na sequência, vem o Agente de Execução, informar – 16.9.2021 - o tribunal do seguinte: 1 – Parece não estarem os autos a aguardar impulso por parte da exequente; 2 – Além do mais, o signatário tem efectuado inúmeras diligências no sentido da localização da viatura penhorada, respeitando, contudo, desde o início de 2020, as limitações impostas e circunstancialismos próprios e decorrentes da pandemia; 3 – Inclusive na morada indicada pela própria executada como sendo na mesma que a viatura se encontrava aparcada; 4 – Tudo sem sucesso, por constante falta de colaboração e entendimento da própria executada; 5 - Desconhece o signatário, e não tem que conhecer, aliás, as alusões que a executada faz; Ademais, reitera a informação já prestada a fls. , ficando a aguardar notificação do Douto Despacho que, sobre o requerimento apresentado pela executada, vier a recair”. 5.Pelo Juízo de Execução de Soure foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento da executada de 23-06-2021: Conforme resulta dos presentes autos e mencionado pelo AE na sua comunicação de 16-09-2021, o Sr. AE tem efetuado diversas diligências no sentido da localização da viatura penhorada, respeitando, contudo, desde o início de 2020, as limitações impostas e circunstancialismos próprios e decorrentes da pandemia, inclusive na morada indicada pela própria executada como sendo na mesma que a viatura se encontrava aparcada. No entanto, tais diligências foram infrutíferas, nomeadamente por falta de colaboração e entendimento da própria executada. Pelo exposto, não estando este processo parado há mais de seis meses por falta de impulso processual da exequente, decido indeferir o solicitado no requerimento de 23-6-2021, por carecer de fundamento legal. Notifique”. A executada AA, não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: (…) 2. Do objecto do recurso
(…)
2.Encontra-se (ou não) deserta a instância executiva por falta de impulso processual da exequente? Como é sabido, no domínio do processo executivo, a deserção da instância – artigo 281.º n.º 5 do CPC – opera automaticamente, ou seja, independentemente de qualquer decisão judicial que a declare - não é necessário que exista uma decisão judicial a declarar a deserção para que ela exista, desde que, claro está, tenham ocorrido os seus pressupostos. Mas, tal deserção da instância não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses. É necessário que essa circunstância se deva a falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes - subjaz sempre a falta de impulso processual de uma das partes, um estado de omissão que não dispensa um juízo de inadimplemento e censura. Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável - as partes, ou alguma delas, não praticaram, durante aquele período de tempo, acto processual que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo. Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo. Por isso, no actual direito processual executivo, é irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual apenas imputável ao agente de execução - é a ele que a lei vincula o impulso processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 719.º e 720.º do CPC. De facto, antes desta formidável alteração - a figura do solicitador de execução surge com o Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, que implementou a reforma da ação executiva -, as diligências processuais eram levadas a cabo pelos funcionários judiciais e, em certos casos, por intervenientes acidentais. Naturalmente, neste sistema pretérito, a postura do exequente era muito mais interventiva, porquanto tinha dado causa à existência do processo e este destinava-se a satisfazer o seu interesse como credor do executado, pelo que tinha o ónus de promover, de impulsionar, o andamento do processo. Com a introdução da figura processual do agente de execução, a posição do exequente alterou-se neste aspecto, pois passou a existir uma entidade cuja função e competências residem precisamente na agilização do processo executivo realizando o agente de execução “todas as diligências do processo executivo” necessárias ao seu êxito. Neste novo paradigma, a partir do momento em que o exequente instaura a acção executiva deixou claro o que pretende com a acção e existindo um agente de execução deixou de ser necessário o impulso processual do exequente, salvo em aspectos logísticos, como no caso do pagamento das quantias necessárias a assegurar a atividade do agente de execução e outros que a lei preveja expressamente. Neste novo paradigma, a partir do momento em que o exequente instaura a acção executiva deixou claro o que pretende com a acção e existindo um agente de execução deixou de ser necessário o impulso processual do exequente, salvo em aspetos logísticos, como no caso do pagamento das quantias necessárias a assegurar a atividade do agente de execução e outros que a lei preveja expressamente. Ao agente de execução compete verificar não só se o processo se encontra a aguardar impulso processual por mais de seis meses, como se tal paralisação se deve a negligência das partes, pois só nesta assenta a consequência de se declarar extinta a instância, por deserção, sendo que, daí não decorre que esteja absolutamente vedado ao juiz declarar tal deserção em qualquer situação. Por isso, a inércia do Agente de Execução, operador judiciário, no cumprimento do seu dever de pontualmente promover o andamento da execução, em especial na sua fase de venda dos bens penhorados, ponderando na sua devida medida a posição das partes e/ou solicitando a decisão do Tribunal em caso de obstáculos colocados pelas mesmas, não pode ser, sem mais, considerada imputável às partes para esse efeito. Ora, verificados os autos - a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos -, considerando, ainda, os constrangimentos provocados pela Pandemia – facto notório -, teremos de concluir que não existiu negligência por parte do exequente. Por conseguinte, bem andou a 1.ª instância ao não declarar que a instância executiva se encontrava deserta. Por isso, com todo o respeito pela alegação da apelante, mantemos intacta na ordem jurídica, o despacho da 1ª instância que não declarou a deserção da instância executiva, em consequência do que se tem, também, que julgar improcedente o presente recurso de apelação. (…)
3. Decisão Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Execução de Soure - Juiz 2.
Custas pela apelante. Coimbra, 15 de Fevereiro de 2022
(José Avelino Gonçalves - Relator)
(Paulo Brandão – 1.º adjunto)
(Arlindo Oliveira - 2.º adjunto) |