Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1979/15.3T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO DE EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
FALTA DE IMPULSO PROCESSUAL
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 281.º, N.º 5, DO CPC.
Sumário: I) No domínio do processo executivo, a deserção da instância opera automaticamente, independentemente de qualquer decisão judicial que a declare.

II) Tal deserção não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, sendo necessário que essa circunstância se deva a falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, ou seja, a uma omissão passível de um juízo de inadimplemento e censura.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

Resulta dos autos, com interesse para esta instância de recurso, o seguinte:

1.O Agente de Execução no dia 29.03.2021 presta a seguinte informação ao Tribunal: “tendo-lhe sido comunicada a localização do veículo penhorado, continua a aguardar informação, por parte da exequente, da disponibilidade para remoção e subsequente aparcamento da mesma.

2.Por requerimento do dia 2.6.2021 a exequente informa de que tem “disponibilidade para mobilizar meios necessários à remoção e subsequente aparcamento do veículo penhorado nos autos”

3.A executada, AA, por requerimento datado de 23.6.2021, vem aos autos de execução que lhe move  G... Lda., informar o Juízo de Execução de Soure - na parte que interessa para a presente instância de recurso -, que “o processo se encontra a aguardar impulso processual, há mais de seis meses, por inércia da exequente, conforme, notoriamente, resulta dos autos”. Pede, por isso, que seja declarada a deserção da instância. 

4.Na sequência, vem o Agente de Execução, informar – 16.9.2021 - o tribunal do seguinte:

1 – Parece não estarem os autos a aguardar impulso por parte da exequente;

2 – Além do mais, o signatário tem efectuado inúmeras diligências no sentido da localização da viatura penhorada, respeitando, contudo, desde o início de 2020, as limitações impostas e circunstancialismos próprios e decorrentes da pandemia;

3 – Inclusive na morada indicada pela própria executada como sendo na mesma que a viatura se encontrava aparcada;

4 – Tudo sem sucesso, por constante falta de colaboração e entendimento da própria executada;

5 - Desconhece o signatário, e não tem que conhecer, aliás, as alusões que a executada faz;

Ademais, reitera a informação já prestada a fls. , ficando a aguardar notificação do Douto Despacho que, sobre o requerimento apresentado pela executada, vier a recair”.

5.Pelo Juízo de Execução de Soure foi proferido o seguinte despacho:

“Requerimento da executada de 23-06-2021:

Conforme resulta dos presentes autos e mencionado pelo AE na sua comunicação de 16-09-2021, o Sr. AE tem efetuado diversas diligências no sentido da localização da viatura penhorada, respeitando, contudo, desde o início de 2020, as limitações impostas e circunstancialismos próprios e decorrentes da pandemia, inclusive na morada indicada pela própria executada como sendo na mesma que a viatura se encontrava aparcada.

No entanto, tais diligências foram infrutíferas, nomeadamente por falta de colaboração e entendimento da própria executada.

Pelo exposto, não estando este processo parado há mais de seis meses por falta de impulso processual da exequente, decido indeferir o solicitado no requerimento de 23-6-2021, por carecer de fundamento legal.

Notifique”.

A executada AA, não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…)

2. Do objecto do recurso

(…)

2.Encontra-se (ou não) deserta a instância executiva por falta de impulso processual da exequente?

Como é sabido, no domínio do processo executivo, a deserção da instância – artigo 281.º n.º 5 do CPC – opera automaticamente, ou seja, independentemente de qualquer decisão judicial que a declare - não é necessário que exista uma decisão judicial a declarar a deserção para que ela exista, desde que, claro está, tenham ocorrido os seus pressupostos.

Mas, tal deserção da instância não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses. É necessário que essa circunstância se deva a falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes - subjaz sempre a falta de impulso processual de uma das partes, um estado de omissão que não dispensa um juízo de inadimplemento e censura.

Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável - as partes, ou alguma delas, não praticaram, durante aquele período de tempo, acto processual que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo.

Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.

Por isso, no actual direito processual executivo, é irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual apenas imputável ao agente de execução - é a ele que a lei vincula o impulso processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 719.º e 720.º do CPC.

De facto, antes desta formidável alteração - a figura do solicitador de execução surge com o Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, que implementou a reforma da ação executiva -, as diligências processuais eram levadas a cabo pelos funcionários judiciais e, em certos casos, por intervenientes acidentais. Naturalmente, neste sistema pretérito, a postura do exequente era muito mais interventiva, porquanto tinha dado causa à existência do processo e este destinava-se a satisfazer o seu interesse como credor do executado, pelo que tinha o ónus de promover, de impulsionar, o andamento do processo.

Com a introdução da figura processual do agente de execução, a posição do exequente alterou-se neste aspecto, pois passou a existir uma entidade cuja função e competências residem precisamente na agilização do processo executivo realizando o agente de execução “todas as diligências do processo executivo” necessárias ao seu êxito.

Neste novo paradigma, a partir do momento em que o exequente instaura a acção executiva deixou claro o que pretende com a acção e existindo um agente de execução deixou de ser necessário o impulso processual do exequente, salvo em aspectos logísticos, como no caso do pagamento das quantias necessárias a assegurar a atividade do agente de execução e outros que a lei preveja expressamente.

Neste novo paradigma, a partir do momento em que o exequente instaura a acção executiva deixou claro o que pretende com a acção e existindo um agente de execução deixou de ser necessário o impulso processual do exequente, salvo em aspetos logísticos, como no caso do pagamento das quantias necessárias a assegurar a atividade do agente de execução e outros que a lei preveja expressamente.

Ao agente de execução compete verificar não só se o processo se encontra a aguardar impulso processual por mais de seis meses, como se tal paralisação se deve a negligência das partes, pois só nesta assenta a consequência de se declarar extinta a instância, por deserção, sendo que, daí não decorre que esteja absolutamente vedado ao juiz declarar tal deserção em qualquer situação.

Por isso, a inércia do Agente de Execução, operador judiciário, no cumprimento do seu dever de pontualmente promover o andamento da execução, em especial na sua fase de venda dos bens penhorados, ponderando na sua devida medida a posição das partes e/ou solicitando a decisão do Tribunal em caso de obstáculos colocados pelas mesmas, não pode ser, sem mais, considerada imputável às partes para esse efeito.

Ora, verificados os autos - a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observação dos elementos conferidos pelos autos -, considerando, ainda, os constrangimentos provocados pela Pandemia – facto notório -, teremos de concluir que não existiu negligência por parte do exequente.

Por conseguinte, bem andou a 1.ª instância ao não declarar que a instância executiva se encontrava deserta.

Por isso, com todo o respeito pela alegação da apelante, mantemos intacta na ordem jurídica, o despacho da 1ª instância que não declarou a deserção da instância executiva, em consequência do que se tem, também, que julgar improcedente o presente recurso de apelação.

(…)

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Execução de Soure - Juiz 2.

Custas pela apelante.

Coimbra, 15 de Fevereiro de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Paulo Brandão – 1.º adjunto)

(Arlindo Oliveira - 2.º adjunto)