Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
43/08.6PTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
ELEMENTOS DO TIPO
CRIME DE PERIGO CONCRETO
Data do Acordão: 05/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 291º, Nº1, AL. A) E B), 292º, Nº1, 69º 40º70º,71º DO CP
Sumário: 1.O crime previsto no artigo 291º do Código Penal (condução perigosa de veículo rodoviário) é um crime de perigo concreto que pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos, sendo o perigo um dos elementos típicos.
2.A fixação do montante diário da multa é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela se não confunde , nomeadamente pelo facto de se proibir a dupla valoração de circunstâncias.

3.A fixação do quantitativo diário da multa, de acordo com o disposto no artigo 47º, nº2 do CP, é feita em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

4.Não se prescindindo embora da culpa na apreciação dos critérios que servem de base à fixação da pena de proibição de conduzir veículos motorizados – porque é uma verdadeira pena, embora acessória – são razões de prevenção geral de intimidação que estão em causa, fundamentalmente, na ratio daquela pena acessória.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

No processo Comum Singular n.º 43/08.6PTVIS.C1 o Tribunal, em face da acusação formulada pelo Ministério, decidiu: a) condenar o arguido D. como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. nos termos do artigo 291º n.º 1 alínea a) e b) e 69º n.º 1 alínea a), em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos termos do artigo 292º n.º 1 todos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros); b) condenar também o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses; c) condenar ainda o arguido nas custas do processo, fixando em 1 UC o valor da taxa de justiça devida, acrescida de 1 %, por força do disposto no artigo 13º n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro e fixando-se ½ da taxa de justiça devida a título de procuradoria e nos encargos que a sua conduta deu causa (artigos 74º, 82º n.º 1, 85º n.º 1 alínea b), 89º n.º 1 alínea b) e g) e 95º n.º 1 e n.º 2 do C.C.J, 513º n.º 1 e n.º 2, 514º n.º 1 do C.P.P.).
O arguido não se conformando com a decisão condenatória, veio interpor recurso para este Tribunal.
Nas suas alegações o recorrente conclui a sua motivação nos seguintes termos:

«- A factualidade dada como provada na sentença recorrida deveria ter sido qualificada juridicamente como preenchendo o tipo legal de crime do artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal, pois, o facto em que se alicerçou toda a acusação pública para imputar ao arguido a prática do crime previsto e punido pelo artigo 29 1°, n° 1 do CP não ficou provado em sede de audiência de discussão e julgamento — a condução a grande velocidade, tal como resultou das declarações do arguido e do depoimento da testemunha Ml.

- No caso concreto sub judice, o arguido não agiu intencionalmente ao conduzir com uma TAS situada acima de 1,20 g/l, aliás, o arguido suscitou contraprova do resultado inicialmente obtido, comprovando assim, a sua surpresa inicial perante o resultado obtido e a sua não representação e conformação com a verificação do mesmo, bem como não representou que em face da quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que poderia causar um acidente de viação e, desse modo criar perigo para a vida ou para a integridade fisica de outrem ou para bens patrirnoniais alheios de valor elevado.

- Sendo a conduta do arguido subsumível à norma incriminadora do artigo 291º do CP, foi a mesma praticada apenas a título de negligência, pelo que a moldura penal abstracta aplicável deve ser a prevista no n° 4 da mesma disposição legal.

- Nesta modalidade de imputação subjectiva — negligência - basta que o agente «não proceda com o cuidado, a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz». Nomeadamente, «representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização», ou «não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto» — art.° 15.0 do Código Penal.

- Neste caso, ao arguido devia ter sido imputado o dito crime a título de negligência inconsciente.

- Atendendo à taxa de alcoolemia resultante da contra prova realizada (1, 79 gil), às despesas que o arguido suporta mensalmente, à culpa do arguido e às diminutas exigências de prevenção especial, perante a integração social, familiar e profissional do mesmo, a pena de multa adequada, justa e proporcional seria uma pena de multa fixada entre 80 e 120 dias, à taxa diária de € 5,00.

- A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor fixada ao arguido é tão ou mais pesada que a própria pena principal, não cumprindo, no caso concreto, a sua função e objectivos, uma vez que o arguido fica, na prática, impedido de realizar as funções que no âmbito da sua profissão - Solicitador de Execução - são da sua exclusiva competência, nomeadamente penhoras e citações de executados, e que exigem constantes, mesmo diárias, deslocações a vários locais do país.

- Com uma proibição de conduzir veículos motorizados por sete meses consecutivos o arguido vê comprometida a sua carreira profissional.

- A pena acessória mencionada só cumprirá a sua função e objectivos se, no caso concreto, for fixada perto do limite mínimo, no máximo 4 meses, sob pena de ser inadequada, injusta e desproporcional.

- O tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação das normas jurídicas dos artigos 291° e 292° do CP ao caso sub judice.

- Tanto a pena principal, como a pena acessória fixadas ao arguido, por serem manifestamente excessivas, não satisfazem, de per si, as necessidades de prevenção, tendo o tribunal a quo decidido em desconformidade com o disposto nos artigos 400, n° 2 e 710 do CP, devendo ambas ser superiormente reduzidas em conformidade com o exposto.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, consequentemente, deve ser proferido acórdão e alterada a sentença recorrida num dos sentidos espelhados nas conclusões, com as legais consequências. 

            Na resposta ao recurso o Ministério Público, pronunciou-se pelo não provimento do recurso, concluindo que

«1. Foram dados como provados todos os factos necessários para o preenchimento dos elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de condução perigosa de veículo, e designadamente que o arguido conduzia em estado de embriaguez e que não respeitou o sinal vertical que lhe impunha a obrigação de cedência de passagem/prioridade e, no caso concreto, de paragem, uma vez que na via com prioridade circulava então outro veículo.

2. Não necessário, in casu, que se desse como provado que o arguido circulava a “grande velocidade”;

3. É suficiente a verificação do dolo eventual, bastando que o arguido tenha consciência de que a sua conduta é causadora de perigo para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado e se conforme com essa situação, conhecendo as circunstâncias das quais resulta o perigo concreto que emana da sua conduta, aceitando-o nos seus contornos concretos.

4. O arguido não impugnou de facto a sentença recorrida, nos termos legalmente previstos, pelo que lhe está vedado o ataque à factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, resultando da factualidade dada como provada que o arguido agiu dolosamente, e não de forma negligente como pretende agora ver como provado.

5. O Tribunal recorrido fez correcta e adequada aplicação dos critérios de determinação da medida da pena principal e acessória, e a pena concreta encontrada é adequada e conforme à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial, sendo certo que o arguido tinha já antecedentes criminais por condução em estado de embriaguez.

6. Resultando dos factos dados como provados que o arguido aufere entre 2000,00 a 2500,00 euros mensais e que, residindo em casa pertencente aos pais, contribui com 500 euros para o sustento de um menor seu filho, é adequando o quantitativo diário del5 euros fixado pelo Tribunal.

Termos em que, e nos mais que doutamente se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, por tal corresponder in casu a um acto conforme à Justiça

O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação pronunciou-se igualmente pela manutenção do decidido na primeira instância.  

*

            II. FUNDAMENTAÇÃO

As questão que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação, consubstanciam-se i) na verificação dos elementos típicos e elemento subjectivo do crime de condução de veículo rodoviário; ii) na medida da pena aplicada; iii) na medida da sanção acessória.

                                                                       *

            Importa antes de mais atentar na matéria de facto dada como provada na sentença pelo Tribunal, bem como na sua motivação (de facto e de direito atentas as conclusões do recorrente).

2.1. Matéria de facto provada:
1. No dia 9 de Maio de 2008, cerca das 21h45m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula 81-51-.., pela Rua Álvaro Monteiro – Viseu, em direcção ao cruzamento com a Rua Dr. Estevão Lopes Morago;
2. Ao entrar no dito cruzamento, o arguido não respeitou o sinal vertical B1 (cedência de prioridade) ali existente, embatendo no lado esquerdo do veículo automóvel de matrícula 7----13, que circulava na Rua Dr. Estevão Lopes Morago, o qual era conduzido por ML;
3. Em consequência do embate, resultaram danos no valor de € 5.139,40 no veículo 71--13;
4. Submetido ao teste de alcoolemia no aparelho Drager 7110 MKII P ARRL-0093, o arguido acusou uma TAS de 2,16 g/l;
5. Requerida a contra prova, foi colhida amostra de sangue ao arguido no Hospital de São Teotónio – Viseu, a qual, depois de analisada pelo INML – Coimbra, acusou uma TAS de 1,79 g/l;
6. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido violou grosseiramente as regras da circulação rodoviária, não obedecendo ao sinal vertical B1 ali existente, o qual o obrigava a dar prioridade ao veículo que circulava na outra rua, criando desse modo, perigo para a vida ou para a integridade física de pessoas que circulavam no dito veículo e causando prejuízos de valor elevado no mesmo;
7. O acidente e as suas consequências ficaram também a dever-se à circunstância de o arguido conduzir sob o efeito de álcool, que lhe reduzia de forma significativa as suas capacidades de concentração e de reacção na condução que efectuava, bem como à manifesta falta de cuidado e de atenção, e desrespeito pelas regras elementares da circulação rodoviária;
8. Com efeito, face à taxa de alcoolemia apresentada, o arguido não estava em plenas condições de exercer a condução de veículo em segurança, correndo o sério risco de causar um acidente, como veio a acontecer, não sendo capaz de dominar/controlar o veículo que conduzia; tendo, dessa forma não só causado perigo para a vida e a integridade física das pessoas que seguiam no veículo atingido mas também causado prejuízos de valor elevado no veículo onde embateu, o qual sabia não lhe pertencer;
9. O arguido sabia que não lhe era permitida a condução de veículos automóveis na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas e que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido antes de conduzir lhe determinavam necessariamente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, e como tal criminalmente punível;
10.  E, ciente de tal, o arguido conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas;
11. O arguido sabia igualmente que face à quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que poderia causar um acidente de viação e, desse modo criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado (como aconteceu);
12. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
13. O arguido aufere a quantia mensal de € 2.000,00/€ 2.500,00 da profissão que exerce, como Solicitador de Execução;
14. Vive numa casa que pertence aos pais;
15. Tem um filho de 8 anos de idade que vive com a mãe e para o qual contribui com cerca de 500,00 mensais, sendo a € 150,00 de prestação de alimentos e a restante quantia relativa a despesas do menor;
16. Tem o bacharelato de Solicitador e Assessoria Jurídica;
17. O arguido já sofreu uma condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.

            2.2. Matéria de facto não provada

Não se provaram quaisquer outros factos sujeitos a julgamento, não se provando que nas circunstâncias de lugar e tempo referidas em 2.1.1. e 2.1.2. o arguido conduzisse o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 81-51-ZH a grande velocidade.

2.3. Motivação da matéria de facto

O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica da prova produzida quer em julgamento, quer a que se encontra junto aos autos.

Assim, atendeu-se à confissão quase integral e sem reservas do arguido dos factos que vinha acusado (excepção feita para os facto vertido em 2.2. e que não resultou provado) e ao teor dos documentos juntos aos autos a fls. 3, 5, 11, 12 a 14 e 46 a 50.

            Corroborando as declarações do arguido, no que diz respeito à dinâmica do acidente e danos dele resultantes teve-se ainda em consideração os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas L e ML, o primeiro agente da PSP de Viseu que acorreu ao local e elaborou o auto de notícia e participação e a segunda que conduzia o veículo embatido pelo arguido (71--13).

Quanto aos antecedentes criminais do arguido relevou o teor do certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 78 e 79.

Quanto à situação sócio-económica do arguido relevaram as suas próprias declarações.

A matéria de facto que resultou não provada assentou na circunstância de não ter sido produzida qualquer prova da sua verificação.

De facto, o arguido negou que circulasse a grande velocidade até porque, segundo ele, tinha acabado de iniciar a marcha.

Por outro lado, a testemunha ML, condutora do veículo embatido pelo arguido disse a esse respeito que este seguia devagar e até pensou que ele iria parar.

3. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

3.1. Da responsabilidade criminal

O arguido vem acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º nº1 alínea a) e b) e 69º n.º 1 alínea a) ambos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º nº1 do C.P.

Dispõe o nº1 alínea a) e b) do artigo 291º do Código Penal que:“Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:

a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob a influência do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva, ou

 b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora das povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;

 e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Assim sendo, as condutas susceptíveis de colocar em perigo os bens jurídicos protegidos por esta disposição legal, consistem na falta de condições para a condução (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 1080).

O crime previsto no artigo 291º do Código Penal é um crime de perigo concreto que pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos, sendo o perigo um dos elementos típicos.

O nº1 do artigo 291º exige o dolo, numa das formas previstas no artigo 14º do Código Penal, relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo a criação de perigo para os bens jurídicos que a norma visa proteger, mormente a segurança rodoviária e ao mesmo tempo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.

O arguido está ainda acusado da prática, em concurso aparente de um crime de condução de veículo sob o estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º nº1 do Código Penal.

Para que se verifique a prática deste ilícito é necessário que o agente conduza, pelo menos a título de negligência, veículo com ou sem motor em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, sendo punível com pena que, em abstracto, vai até um ano de prisão ou multa até 120 dias.

Aqui estamos perante um crime de perigo abstracto uma vez que a lei se basta com a perigosidade abstracta desde que o agente conduza com uma taxa igual ou superior a 1,20 g/l de álcool no sangue.

Ora, no nosso caso, verifica-se que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue superior à prevista no artigo 292º do Código Penal uma vez que apresentava uma taxa de 2,20 g/l.

É por isso que se verifica, no caso em apreço, concurso legal ou aparente entre os artigos 291º nº1 alínea a) e 292º dado que o arguido, ao conduzir em estado de embriaguez criou um perigo concreto para os bens jurídicos individuais protegidos pelo artigo 291º ambos do Código Penal, pelo qual deve ser punido.

Dos factos provados resultam preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime previsto no artigo 291º nº1 alínea a) e b) do Código Penal, pois o arguido conduzia o veículo automóvel em estado de embriaguez, desrespeitando as regras de prioridade e por esse motivo criou perigo para a integridade e bens patrimoniais de outrem.

3.2. Da medida concreta da pena

No sistema jurídico-penal português, as reacções penais não privativas da liberdade assumem preferência sobre as penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente de um crime na sociedade (artigos 40º e 70º do Código Penal).
Segundo o artigo 71º n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Deste modo, a prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.

Por sua vez, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva.
Ora, dentro desses limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à sociabilização do agente.

Assim, importa ter em conta, dentro dos limites abstractos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas.
No caso dos autos é considerável a gravidade da ilicitude da conduta perpetrada pelo arguido e o dolo directo na sua intervenção.
Em desfavor do arguido milita o facto de já ter antecedentes criminais, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
A favor do arguido militam as circunstâncias de estar socialmente integrado e ter confessado os factos de que vinha acusado, colaborando com a realização da justiça e manifestando arrependimento, que nos pareceu sincero.
A nosso entender, apesar da natureza do bem jurídico protegido pelo tipo – a prevenção da sinistralidade rodoviária – a pena de multa mostra-se idónea a satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, face à séria possibilidade de se alcançar, por essa via, a reinserção do arguido, dissuadindo-o da prática de futuros crimes.
A determinação dos dias de multa tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico.
Tudo ponderado, afigura-se-nos adequado aplicar ao arguido a pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa.
Para a determinação do montante diário da multa deverá atender-se à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, em termos daquele constituir um sacrifício real para o arguido sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades.
Assim sendo, entende-se adequado fixar a referida pena de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros).
3.3. Da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados – artigo 69º n.º 1 alínea a) do Código Penal

Nos termos do artigo 69°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, "É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º".

Trata-se aqui de uma pena acessória – pena que só pode ser aplicada na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal – e que, nos termos do disposto no artigo 65° n.º 2, do Código Penal, a lei faz corresponder à prática de certos factos ilícitos típicos, sendo pressuposto formal da sua aplicação a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução ou com utilização de veículo e pressuposto material que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável – Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág.165.

No caso em apreciação, a gravidade do facto praticado justifica a aplicação da pena acessória, uma vez que esta tem uma "função preventiva adjuvante da pena principal (...) que se não esgota na intimidação da generalidade mas se dirige (…) à perigosidade do delinquente" – Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 96.

Considerando que a pena acessória visa prevenir a perigosidade mas constitui também uma censura adicional pelo facto praticado pelo arguido – cf., Figueiredo Dias, Acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal, in Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Editora Rei dos Livros, pág. 75 –, verifica-se que, não obstante a pena acessória ter, face à pena principal, uma função mais restrita – função preventiva – a determinação da sua medida é ainda feita por recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71° do Código Penal – cf. neste sentido Ac. da R.C. de 18/12/96, in CJ, Ano XXI, t. V, p. 62 e ss.; Ac. da R.P. de 20/9/95, in CJ, Ano XX, t. IV, p. 229 e ss..

Vertendo tais considerações na determinação da medida da pena acessória e, considerando o período de 3 meses a 3 anos, fixa-se a proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.
Nos termos do disposto no artigo 69º, nº2, do C. Penal os efeitos da sanção acessória produzem-se a partir do trânsito da decisão.»
                                                                        *
i) Verificação dos elementos típicos e elemento subjectivo do crime de condução de veículo rodoviário

       a) Questão prévia.
Como se referiu e aliás decorre de constatação unânime da jurisprudência e doutrina, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações, sumariadas nas conclusões, que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art.º 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III Volume, 2.ª Ed., pág. 335).
Ora nas suas conclusões, que embora sejam compreensíveis, não estão deduzidas por artigos como estabelece o artigo 412º n.º 1, o recorrente de uma forma subliminar alude a um facto que não terá ficado provado – a condução a grande velocidade – e que sustenta a decisão para daí retirar a conclusão de que a factualidade dada como provada deverá ser juridicamente qualificada de forma diferente.
Ou seja, não sustentando o seu recurso, directamente sobre a matéria de facto, deixa de alguma forma a porta aberta a essa possibilidade.
Independentemente da situação do nº 3 do artigo 410º do CPP, que ao caso não releva, estabelece o artigo 410º n.º 2 que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) erro notório na apreciação da prova».
Ora da análise da sentença, elaborada de forma muito clara e obedecendo rigorosamente aos ditames do artigo 374º do CPP, não se vê qualquer situação que possa evidenciar qualquer dos casos subsumíveis ao artigo 410º n.º 2 do CPP, nas suas diversa alíneas.
A sentença dá como provados determinados factos que constavam na acusação, (praticamente todos com excepção do facto de que o arguido circulava a grande velocidade) e não dá outros (o referido facto da «circulação a grande velocidade).

O Tribunal, quanto ao facto em causa, fundamenta de forma inequívoca porque decidiu da forma descrita da sentença (atendeu-se à confissão quase integral e sem reservas do arguido dos factos que vinha acusado (excepção feita para os facto vertido em 2.2. e que não resultou provado) e ao teor dos documentos juntos aos autos a fls. 3, 5, 11, 12 a 14 e 46 a 50.Corroborando as declarações do arguido, no que diz respeito à dinâmica do acidente e danos dele resultantes teve-se ainda em consideração os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas L e ML, o primeiro agente da PSP de Viseu que acorreu ao local e elaborou o auto de notícia e participação e a segunda que conduzia o veículo embatido pelo arguido (71-BD-13).

Esclarece também, de forma inequívoca, porque não deu como não provado o facto que constava na acusação referente à velocidade que o arguido faria imprimir ao veículo («o arguido negou que circulasse a grande velocidade até porque, segundo ele, tinha acabado de iniciar a marcha .Por outro lado, a testemunha M L condutora do veículo embatido pelo arguido disse a esse respeito que este seguia devagar e até pensou que ele iria parar»).

Ou seja, de todo pode encontrar-se na decisão qualquer patologia que consubstancie um eventual vício a que se alude no artigo 410º n.º 2 do CPP.
b) Do crime de condução perigosa de veículo rodoviário
Insurge-se o recorrente contra a sua condenação como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário por virtude de não se ter dado como provado que conduzia a grande velocidade, sendo esse facto necessário para consubstanciar a prática do referido crime. Em consequência deveria ter sido condenado pelo crime p.p. pelo artigo292º.
Comete o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no nº1 alínea a) e b) do artigo 291º do Código Penal :“Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob a influência do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora das povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Estabelecido como um crime de perigo concreto, decorrente da «forte probabilidade de ocorrência de dano ou do resultado desvalioso que a norma pretende evitar se desencadeie», nas palavras de Faria Costa, (O Perigo em Direito Penal, Coimbra, 1992, p. 580 e ss), deve entender-se que nas situações tipificadas no crime em causa haverá, assim, uma situação de perigo sempre que a produção do resultado desvalioso, mediante a formulação de um juízo de experiência comum, é mais provável que a sua não produção; ou pelo menos ocorre uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer -  cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 24.11.2004, in www.dgsi.pt.

No caso dos autos é inequívoco que o arguido, conduzindo o veículo automóvel identificado nos factos, numa via pública, não respeitando o sinal de cedência de prioridade a que estava obrigado, foi embater num outro veículo.

Mas além dessa causa circunstancial que levou ao desenrolar do evento, ficou demonstrado que no exercício da sua condução o arguido conduzia com uma taxa de alcoolémia de 1,79 g/litro sendo e que o acidente e as suas consequências ficaram também a dever-se à circunstância de o arguido conduzir sob o efeito de álcool, que lhe reduzia de forma significativa as suas capacidades de concentração e de reacção na condução que efectuava, bem como à manifesta falta de cuidado e de atenção, e desrespeito pelas regras elementares da circulação rodoviária.

Ou seja, contrariamente ao que é sugerido pelo arguido, não se trata apenas de uma situação de condução de veículo em estado de embriaguez. Trata-se, como é bem explicitado pela sentença de um comportamento estradal violador de regras básicas de segurança rodoviária (regras da prioridade e condução sem álcool) que pela experiência levam necessariamente a um resultado desvalioso e que no caso ocorreu. O arguido conduziu um veículo violando as normas do Código da Estrada referentes ao direito de prioridade e simultaneamente violou as normas de natureza criminal que impedem a condução sob o efeito de álcool. E foi esse comportamento que levou à ocorrência do acidente.

Assim sendo, é manifesto que se concretizam todos os elementos do tipo de crime que estava acusado, independentemente de não se ter provado que também (a acrescer às duas infracções) circulava em excesso de velocidade.

Não tem, por isso qualquer o recorrente nas suas alegações.

c) Não verificação do elemento subjectivo do crime.

O recorrente, numa outra dimensão do seu recurso invoca o facto de não ter agido intencionalmente ao conduzir com uma TAS situada acima de 1,20 g/l, referindo para tanto que suscitou contraprova do resultado inicialmente obtido, comprovando assim, a sua surpresa inicial perante o resultado obtido e a sua não representação e conformação com a verificação do mesmo, bem como não representou que em face da quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que poderia causar um acidente de viação e, desse modo criar perigo para a vida ou para a integridade fisica de outrem ou para bens patrirnoniais alheios de valor elevado.

Independentemente da “bondade” da construção jurídica que o recorrente formula nas suas alegações, a matéria de facto provada (e fixada, porque não posta em causa neste recurso) diz-nos que « O arguido sabia que não lhe era permitida a condução de veículos automóveis na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas e que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido antes de conduzir lhe determinavam necessariamente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, e como tal criminalmente punível; E, ciente de tal, o arguido conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas; O arguido sabia igualmente que face à quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, não estava em condições de conduzir o veículo em segurança e que poderia causar um acidente de viação e, desse modo criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado (como aconteceu); O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Não cabendo a este Tribunal pronunciar-se sobre outra coisa que não os factos provados que constam na sentença é por demais evidente que não tem qualquer sentido o que alega na sua tese.

Em síntese, o que ficou provado é que o arguido sabia em que circunstâncias conduzia, quais as consequências desse acto de condução, sabia ainda que não estava em condições de conduzir, tendo agido consciente e voluntariamente. Daí que nenhuma questão se coloque sobre a bondade como os factos foram interpretados pelo Tribunal na subsunção jurídica que fez. 

ii) Medida da pena aplicada.

Insurge-se o recorrente contra a medida da pena que a primeira instância aplicou - 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros) -  e pretende que seria justa e proporcional uma pena de multa fixada entre 80 e 120 dias, à taxa diária de € 5,00, atendendo à taxa de alcoolemia resultante da contra prova realizada (1, 79 gil), às despesas que o arguido suporta mensalmente, à culpa do arguido e às diminutas exigências de prevenção especial, perante a integração social, familiar e profissional do mesmo.

Duas questões estão por isso em questão: a medida da pena de multa identificada no número de dias e o quantitativo diário fixado.

Relativamente à primeira, importa sublinhar que sendo legalmente estabelecidos os fundamentos a que deve obedecer a determinação da medida concreta da pena, através dos critérios referidos no artigo 71º n.º 1 e n.º 2 do CP, no caso em apreço é ténue o desenvolvimento fáctico que densifica os critérios referidos pelo Tribunal na justificação da sua opção.

Diz-se, na sentença, para além das considerações jurídicas, que «A favor do arguido militam as circunstâncias de estar socialmente integrado e ter confessado os factos de que vinha acusado, colaborando com a realização da justiça e manifestando arrependimento, que nos pareceu sincero. A nosso entender, apesar da natureza do bem jurídico protegido pelo tipo – a prevenção da sinistralidade rodoviária – a pena de multa mostra-se idónea a satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, face à séria possibilidade de se alcançar, por essa via, a reinserção do arguido, dissuadindo-o da prática de futuros crimes».

Quanto à ilicitude, que é configurada como «considerável» pelo tribunal, certamente que está a referir-se à quantidade de álcool que o arguido tinha no sangue quando efectuava a condução – no caso, 1,76 gramas/litro e ao desrespeito pelo sinal de trânsito que envolveu a sua conduta.

Trata-se de uma taxa de alcoolémia superior à legalmente tipificada como passível de constituir uma infracção criminal, não podendo dizer-se que o arguido conduzia numa zona mais ou menos cinzenta ou «border line» que permita concluir que estivesse perto do limite mínimo do que é considerado conduta criminosa. A situação concreta do arguido, que é suficientemente grave para que seja passível de ser graduada de forma claramente negativa.

De igual modo há que sublinhar a falta de respeito pelo sinal de prioridade, cumulativamente com a situação da condução de álcool referida.

Quanto ao tipo de culpa, nada há a referir ao que é dito sinteticamente na sentença, tendo em conta que efectivamente se trata de uma conduta do arguido praticada com dolo directo.

O Tribunal valorou, bem, negativamente os antecendentes criminais do arguido nesta matéria - «em desfavor do arguido milita o facto de já ter antecedentes criminais, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez» - que claramente assumem uma especifica e muito negativa valoração da culpa.

Sobre este factor deve sublinhar-se que uma anterior condenação por um crime rodoviário, nomeadamente envolvendo a condução em estado de embriaguez, é só por si suficientemente grave e elucidativa da responsabilização (ou da sua falta) do arguido, demonstrando um claro défice de auto censura no exercício das suas responsabilidades sociais, nomeadamente no exercício da condução. Tanto mais se se levar em consideração que se trata de uma pessoa com uma formação educacional (teórica) de nível superior.

Sublinhe-se igualmente que o tribunal valorou, nesta sede o comportamento do arguido em audiência, a sua situação social - A favor do arguido militam as circunstâncias de estar socialmente integrado e ter confessado os factos de que vinha acusado, colaborando com a realização da justiça e manifestando arrependimento, que nos pareceu sincero – factos que também  devem ser levados em consideração, no caso concreto. Se o direito ao silêncio não pode prejudicar o arguido – e não pode – a assumpção da culpa de um facto ilícito não pode deixar, face ao ordenamento jurídico português, de beneficiar o arguido (embora, como se disse, isso deve ser visto numa perspectiva global, tendo em conta os seus antecedentes criminais nesta matéria que assumem, como se salientou uma relevância muito negativa).

Assim, e no âmbito da moldura penal que cabe ao crime em causa, sabido que o Tribunal optou ainda assim, pela pena de multa em detrimento da pena de prisão (o que diga-se face ao tipo de crime e ao seu passado só se justifica, ainda, pela última consideração decorrente da sua actual integração social e arrependimento), ponderadas todas as circunstâncias referidas, entende-se que a pena aplicada no caso concreto – 250 dias - não ultrapassa a medida da culpa (relativamente grave, como se constatou) do arguido e mostra-se adequada às finalidades que pretende garantir, dentro da moldura penal fixada - pena de multa entre 10 e 360 dias.

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Relativamente à segunda, segundo o artigo 47º n.º 2 do Código Penal, «cada dia de multa corresponde a uma quantia fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Na fixação do quantitativo diário da multa deve o Tribunal balancear a sua decisão em função de dois parâmetros: situação económica e financeira do condenado e os encargos que demonstra ter.

A fixação do montante diário da multa é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela se não pode confundir, nomeadamente pelo facto de se proibir a dupla valoração de circunstâncias.

A fixação do montante diário da multa é, no entanto, ainda uma operação que se insere no âmbito da aplicação concreta da pena de multa e nessa medida não podem colocar-se de lado as finalidades que subjazem à própria pena, nomeadamente os princípios decorrentes do artigo 40º do Código Penal, ou seja a protecção de bens jurídicos, a reintegração do arguido e a culpa que vinculam quem aplica em concreto as penas – o que, repete-se, não se confunde com a proibição da dupla valoração.

Como se referiu no Acórdão desta Relação de 23.01.2008 (proce. 932/05) «a multa não é um simulacro da punição», (cf. Colectânea de Jurisprudência, on line).

Por outro lado importa constatar que o princípio da fundamentação das decisões, estabelecido constitucionalmente no artigo 205º da CRP, impõe que em qualquer decisão seja efectuada uma justificação, suficiente, coerente e concisa sobre o que se decidiu.

A exigência de uma determinada fundamentação deve ser sempre concretizável de modo a puder ser sindicada pelo Tribunal Superior, assim se concretizando uma das finalidades endo processuais exigidas pelo princípio da fundamentação das decisões (para além das restantes finalidades seja, ainda, de natureza endo-processual, como é o acaso do auto-controlo, ou das garantias de defesa, seja de natureza extraprocessual).

Exigência constitucional e normativa que se impõe igualmente quando está em causa uma parcela da decisão que pode ser sujeita a posterior verificação pelo Tribunal de recurso, como é caso do quantitativo diário da pena de multa.

Da matéria de facto provada sobre a situação pessoal do arguido decorre que o mesmo aufere a quantia mensal de € 2.000,00/€ 2.500,00 da profissão que exerce, como Solicitador de Execução, vive numa casa que pertence aos pais, tem um filho de 8 anos de idade que vive com a mãe e para o qual contribui com cerca de 500,00 mensais, sendo a € 150,00 de prestação de alimentos e a restante quantia relativa a despesas do menor. Mais se provou que tem o bacharelato de Solicitador e Assessoria Jurídica.

O arguido está assim bem no «centro» de uma situação socialmente estável que o Tribunal da primeira instância valorou correctamente quando fixou o quantitativo diário da pena de multa em €15. Trata-se de uma taxa absolutamente proporcional à situação económica e social do arguido e que, a ser questionada nunca seria pelo seu excesso. Daí que se entenda não ter o recorrente qualquer razão quando pretende ver diminuída a taxa diária da multa.

 iii) Medida da sanção acessória.

O recorrente insurge-se, finalmente, quanto à sanção de inibição de conduzir aplicada, que, segundo ele, faz com que durante os sete meses de inibição, fique impedido de realizar as funções que no âmbito da sua profissão - Solicitador de Execução - são da sua exclusiva competência, nomeadamente penhoras e citações de executados, e que exigem constantes, mesmo diárias, deslocações a vários locais do país.

Estabelece o artigo 69º do Código Penal que «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido (…) por crime previsto no artigo 291º».

            Entre o leque restrito de penas acessórias estabelecidas no Código Penal, a proibição de condução de veículos com motor assume uma importância prática fundamental na ordem jurídica nacional, de um ponto de vista preventivo, geral e especial, tendo em conta a enorme taxa de criminalidade estradal ou rodoviária que percorre o sistema penal em relação a outros tipos criminais. Os dados estatísticos e os estudos não o escondem. Segundo o relatório «A Justiça penal, Uma reforma em avaliação», do Observatório Permanente da Justiça, CES/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2009, pg. 195 «Ao longo dos anos (2000-2008) mais de 50% da criminalidade na fase de julgamento distribui-se por 3 tipos de criminalidade agrupada: crimes contra a segurança das comunicações, crimes contra a propriedade e crimes contra a integridade física, maus tratos e infracções de regras de segurança, com clara preponderância do primeiro tipo, cujo peso relativo médio na estrutura da criminalidade nesta fase ultrapassa os 30%» (sublinhado nosso).

            O que se quer sublinhar é que a criminalidade rodoviária, seja no âmbito dos crimes relativos à condução sob a influência de álcool, condução perigosa de veículo, condução sem carta, seja em situações com consequências mais graves, como é o caso do homicídio negligente, têm um peso desproporcionado no âmbito do leque de crimes que ocupam o sistema penal e exigem, por isso, uma percepção especifica por parte de quem aplica as leis, nomeadamente em termos de valoração da prevenção.     

            Na concretização da medida concreta que deve ser estabelecida num determinado caso concreto, face à ampla moldura da pena, o Tribunal deve seguir o critério normativo fixado no Código Penal para a determinação concreta da pena a que se alude no artigo 72º do mesmo Código. Não existe qualquer possibilidade de arbítrio na fixação do quantitativo da pena acessória, mas sim um verdadeiro critério normativo tem que presidir à determinação concreta da medida da pena acessória.

            Importa, no entanto, constatar que não se prescindindo da culpa na apreciação dos critérios que servem de base à fixação da pena (porque é uma verdadeira pena, embora acessória), são razões de prevenção geral de intimidação que estão em causa, fundamentalmente, na ratio daquela pena acessória. Ou seja quer fundamentalmente evitar-se que alguém que comete os crimes «rodoviários» puníveis nos artigos 291º ou 292º ou os restantes a que aludem as alíneas b) e c) do artigo 69º do CP, volte exercer a condução de veículos com motor durante um determinado período de tempo.

Assim e tendo em conta o que vem sendo dito, a medida da pena determina-se em função das exigências de prevenção e em função da culpa, conforme refere o artigo 71º, mas dando-se prioridade, neste caso às exigências de prevenção.

Neste sentido, os itens a que se refere o artigo 71º nº 2 assumindo-se como guia fundamental na concretização da medida da pena acessória de proibição de condução de veículos devem levar em consideração a natureza desta pena.

Face ao que vem sendo dito importa constatar que pesem embora as considerações dogmáticas efectuadas na sentença sobre a questão, o Tribunal efectivamente faz uma mínima referência à matéria de facto provada para justificar e fundamentar a sua decisão de aplicação de sete meses de inibição.

O que se quer dizer é que existindo matéria de facto suficiente, o Tribunal deveria ter explicado, de facto, porque aplicou aquela medida sancionatória.

Ora o que temos por provado, e sem necessidade de repetição é que o arguido além de ter conduzido o veículo com uma taxa de alcoolémia relevante, desrespeitou um sinal de trânsito fundamental (sinal de trânsito B1, cedência de prioridade), provocou um acidente e tinha sido condenado anteriormente por crime da mesma natureza (que não o mesmo tipo de crime, mas ainda assim relacionado com a condução).

Razões que evidenciam factores de desrespeito por princípios que devem assegurar a condução rodoviária e que justificam plenamente o quantum da sanção fixada (sete meses de inibição) face às exigências preventivas que primordialmente a determinam e que por isso não devem ser alterada.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.    

            Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 5 Ucs.

            Notifique.

            Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo  94º nº 2 CPP).

            Coimbra, 12 de Maio de 2010

                                                           Mouraz Lopes

                                                           Félix de Almeida