Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
551/03.5TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: TESTAMENTO
FIDEICOMISSO
LEGÍTIMA
MEAÇÃO
NULIDADE
CONFIRMAÇÃO
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1685º, Nº 3, AL. B); 1730º, Nº 2; 2163º; 2295º, NºS 1, AL. B), E 3; E 2309º, DO C. CIV.
Sumário: I – Tendo o testador, casado no regime de comunhão geral de bens, consignado no testamento que, falecendo antes da esposa, a institui herdeira de todos os bens e direitos, mas no caso dela não ter necessidade de os alienar, que lega, em substituição fideicomissária, determinados bens especificados aos seus sobrinhos, e intervindo a esposa no testamento a autorizar o seu marido à disposição de bens, assim feita, porque existe uma dupla instituição sucessiva, estamos perante um fedeicomisso irregular, de resíduo (artº 2295º, nº 1, al. b), do C. Civ.), sujeito ao mesmo regime dos regulares, com as especificidades do nº 3 do artº 2295ºCC.

II – A sujeição da legítima a uma substituição fideicomissária importa encargo para aquela e a violação da legítima fica submetida ao regime que a lei estabelece para a sua protecção, designadamente à redução das liberalidades inoficiosas.

III – A imposição de encargos só é ilícita se for contra a vontade do herdeiro (artº 2163º CC) mas havendo a esposa do testador dado expressa autorização, não há violação da legítima.

IV - A lei confere a cada um dos cônjuges o direito de dispor para depois da morte dos seus próprios bens e da sua meação no património comum e a autorização concedida pelo outro cônjuge no testamento valida a disposição em espécie (artº 1685º, nº 3, al. b), CC), mas tal não significa uma excepção ao princípio geral de que cada cônjuge só pode dispor do que é seu.

V – No caso do testador dispor de bens da meação da esposa, sob a forma de fideicomisso, essa disposição testamentária é nula (artº 280º CC), por violação de lei (artº 1730º, nº 2, à contrário, CC).

VI – Porém, o artº 2309º CC permite a confirmação do testamento nulo, por se reportar a todo e qualquer tipo de nulidade, desde que materializada no próprio testamento, que é negócio sucessório.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

1.1. - Os Autores:

1. A….

2. B….

3. C….

         4. D…..

instauraram ( 7/7/2003 ) na Comarca de Tondela, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus:

         1. E…. e EE....

2. F…. e FF...

3. G….

4. H….

5. I….  ,

6.  J…. ,

7. L… ,

8. M…. ,

9. N….. .

         Alegaram, em resumo:

         Os Autores são sobrinhos do falecido O.... , que foi casado no regime de comunhão geral de bens com P.... e faleceu em 23 de Outubro de 1988, deixando testamento público junto a fls. 29 a 38.

P.... faleceu em 15 de Dezembro de 1993, intestada e sem deixar ascendentes ou descendentes, deixando a suceder-lhe apenas os seus irmãos, os ora Réus E...., F...., G...., H..., I...., e ainda outro irmão, L.... , falecido em 13 de Março de 1998, que deixou a suceder-lhe a esposa, ora 6ª R., J...., e os filhos, ora 7º a 9º RR. L...., M....e N.....

         Nos termos do testamento feito por O.... e das disposições testamentárias dele constantes, estas autorizadas pela esposa do testador que nele teve intervenção, o testador, O...., deixou todos os seus bens a sua esposa P...., mas impondo-lhe o encargo de conservar a herança do marido que, à morte dela, seria devolvida aos sobrinhos, através dos legados a favor destes por ele indicados nesse testamento, em substituição fideicomissária.

Em virtude da esposa do testador ter sido instituída única e universal herdeira do marido, a sua legítima permaneceu intacta. E Mesmo que assim se não entendesse, a autorização dada pela P....no próprio testamento do O...., permitindo-lhe a este dispor de coisa certa e determinada do património comum a favor dos sobrinhos do testador, permitiu que estes pudessem exigir da herança as coisas certas e determinadas que constituem os legados em espécie e não apenas o seu valor em dinheiro ( art. 1685 nºs 2 e 3 do CC ).

         Após a morte da P....surgiram divergências entre os legatários ora AA. e os herdeiros daquela ora RR., divergências essas que, numa primeira fase, respeitavam ao modo como quantificar e distinguir os dinheiros e títulos adstritos aos legados e os que pertencem aos herdeiros.

Os Autores, que seguiram as indicações escritas pelo testador, são chamados a dois títulos: como legatários, na medida em que sucederam ao testador em bens ou valores determinados e como herdeiros do testador, já que lhe sucederam numa quota do património do falecido, relativamente à “ metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio “ do O.... e de sua mulher, aí concorrendo com os herdeiros da P.....

         O testamento do Dr. O.... é valido, razão pela qual terá de ser cumprido nos exactos termos em que foi exarado.

         Pediram cumulativamente:

         1) - Seja declarada a existência do direito dos Autores aos legados, deixados em substituição fideicomissária, instituídos no testamento do Dr. O.... da forma que concretizam relativamente a cada um dos mesmos nos termos das alíneas a) a e);

         2) - Seja declarada a existência do direito dos Autores à herança, aberta por óbito do Dr. O...., relativamente à “ metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio “ do Dr. O.... e de sua mulher.

         Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese:
Os pedidos formulados na presente acção assentam numa incorrecta interpretação do testamento feito pelo inventariado O.....
O testador, fazendo crer que os bens eram bens próprios dele e juntando-lhe mais um conjunto de outros que sabia serem de outras proveniências, atribuiu-se a liberdade de poder dispor desses bens, sem cuidar das limitações decorrentes da lei no que toca à meação dos bens comuns no seio da comunhão conjugal e sem cuidar das limitações tocantes à legítima do seu cônjuge, estando, por isso, o testamento é inválido por violação das normas que tutelam imutabilidade do regime de bens do casamento, o conteúdo da meação e a legítima de P.....
         Em sede reconvencional, pretendem que o Tribunal lhes reconheça um conjunto de direitos e declare os critérios que hão-de presidir à partilha das heranças dos mencionados inventariado O.... e P....
         Concluíram pela improcedência da acção e pediram, em reconvenção:
a) - Se determine jurisdicionalmente que a partilha das heranças de O.... e de P.... de deve processar do seguinte modo:
         i) Soma-se os valores de todos os bens que pertenceram ao património comum do casal, incluindo o valor dos bens deixados em substituição fideicomissária, pelo valor que actualmente têm os bens existentes ou os bens sub-rogados nos bens existentes à data do óbito do O....;
         ii) Divide-se o valor global encontrado, em duas partes iguais, correspondendo cada uma à meação de cada um dos cônjuges;
         iii) A meação do cônjuge O...., que corresponde exactamente à herança por este deixada, deve ser dividida em duas partes: uma correspondente à que quota disponível  ( ½ ) e outra correspondente à sua quota indisponível ( ½ );
         iiii) Os legados, deixados em substituição fideicomissária, não podem exceder o valor da quota disponível do testador; pelo que têm de ser reduzidos em tanto quanto for necessário para que a meação e a legítima do cônjuge, herdeira legitimaria, P.... sejam preenchidas;
         iiiii) Os legados, devidamente reduzidos nos termos peticionados, devem ser adjudicados aos AA;
         iiiiii) Os restantes valores que integram a herança de P....devem será adjudicados aos RR.
         b) A condenação dos Autores, em especial o A. A..., a abrir mão dos bens e valores que deva restituir em consequência das anteriores determinações.

         Replicaram os Autores no sentido da improcedência das excepções e da reconvenção, e requereram a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
Treplicaram os Réus mantendo fundamentos aduzidos na contestação.

1.2. - No saneador julgou-se procedente a excepção de ilegitimidade passiva dos Réus H.... e mulher HH.....

1.3. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:
a) - Julgar procedente a acção e declarar que assiste aos Autores:

         i) O direito aos legados, deixados em substituição fideicomissária instituídos no testamento em discussão nos autos da forma que se encontra concretizada, relativamente a cada um dos Autores, nos moldes constantes das alíneas a) a e) do 1) da P.I., cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido.

         ii) O direito à herança, aberta por óbito do Dr. O...., relativamente à “ metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio “ do Dr. O.... e de sua mulher.

         b) - Julgar totalmente improcedente a reconvenção e absolver os Autores dos pedidos.

        

         1.4. - Inconformados, os Réus recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

[…………………………]

         1.5. - Responderam os Autores/Apelados, preconizando a improcedência do recurso, em resumo:

[…………………………]

         1.6. - Foram juntos três doutos pareceres emitidos por distintos Professores Catedráticos:

         Pelos Autores e a corroborar a sua pretensão, os pareceres dos Ex.mos Professores Doutores Oliveira Ascensão (fls.678 a 720) e Guilherme de Oliveira ( fls.2202 a2220).

         Pelos Réus e a sustentar a sua posição, o parecer do Ex.mo Professor Doutor Capelo de Sousa ( fls.2227 a 2273).


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto do recurso:

         As questões essenciais submetidas a recurso, são as seguintes:

(1ª) Impugnação de facto ( quesitos 19º a 21º, 25º a 42º);

(2ª) A interpretação do testamento;

(3ª) A (in)validade do testamento ( violação da legítima e da meação de P....).

2.2. – Os factos provados ( descritos na sentença):


         1. O.... e P.... contraíram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial segundo o regime de comunhão de bens, em 08 de Setembro de 1945 (doc. de fls. 24 a 25 cujo teor aqui se dá por reproduzido).

2. O O.... faleceu em 23 de Outubro de 1988 (cfr. doc. de fls. 26).

3. A P.... faleceu em 15 de Dezembro de 1993 (cfr. doc. de fls. 27).

4. O O.... deixou testamento público, lavrado a 14 de Julho de 1988, de fls. 34 a fls. 38, do Livro n.º 114-T de notas para testamentos e escrituras de revogação de testamento, do Cartório Notarial de ( ....), no qual foram lavradas as suas disposições para depois da morte, que previam duas hipóteses, uma que contemplava as suas disposições para depois da sua morte, consoante viesse a falecer antes da sua mulher (alternativa A) e outra que contemplava as suas disposições no caso de vir a falecer depois de sua mulher (alternativa B), conforme documento de fls. 28 a 38 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

         5. No testamento aludido em 4. o O.... declarou “(…) Que é casado em regime de comunhão geral de bens com P....; Que não tem descendentes nem ascendentes; Que no caso de vir a falecer antes de sua esposa é seu desejo que esta não passe quaisquer privações, podendo dispor de todos os bens deixados por si testador, se disso tiver necessidade. No caso, porém, de não precisar de os alienar, é também seu desejo que os bens que lhe vieram dos seus ascendentes e subrogados destes, inclusive dinheiros, títulos e outros bens adquiridos com o produto da venda dos bens herdados de seus pais, com os correspondentes rendimentos que produziram e metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio, sejam transmitidos a seus sobrinhos A..., B....., C.... e  D.....”.

6. Mais declarou em tal testamento que “É ainda seu desejo que todos os bens levados para o casal por sua esposa e os adquiridos por esta, por sucessão, ou doação de seus parentes sejam transmitidos para sua mãe ou irmãos e seus descendentes”.
         7. Na alternativa A) do testamento aludido em 4. declarou ainda o testador que “No caso de falecer antes da sua esposa P...., institui-a herdeira de todos os seus bens e direitos que tiver à hora da morte. Porém, no caso de ela não ter necessidade de alienar os bens a seguir mencionados, em substituição fideicomissária lega-os a seus sobrinhos da seguinte forma (…).

8. Na referida alternativa A) o testador declarou ainda “ a) A seu sobrinho e afilhado A...., lega:

1- A sua casa de habitação sita em …, com todo o seu recheio, excepto pratas, jóias ou outros valores em prata, ou ouro que herdou de seus pais e bem assim pratas, jóias e outros valores que sua mulher tenha recebido por herança ou doação de seus pais, dos quais ela pode dispor livremente, e os respectivos anexos – adega, forno, lagar, eira, palheira, currais, alpendre e casa do moinho e o quintal inscrito na matriz sob o artigo ...;

2- Um pinhal sito à…, limite de…, inscrito na matriz sob o artigo …;

3- Um pinhal sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;”
         9. Em tal alternativa declarou ainda que “b) Lega a sua sobrinha e afilhada C...., a sua parte – metade – do prédio rústico sito ao…., inscrito na matriz sob o artigo….;”
         10. Mais declarou em tal alternativa que “c) Lega em comum e partes iguais, aos quatro sobrinhos filhos de sua irmã, atrás já mencionados, A...., B...., C.... e D....:
1- Um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
2- Um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
3- Um pinhal sito às…, inscrito na matriz sob o artigo…;
4- Um pinhal sito à…, inscrito na matriz sob o artigo….;
5- Um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
6- Um terreno a mato ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
7- Um pinhal e terreno de cultura sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
8- Um pinhal sito ao…., inscrito na matriz sob o artigo…;
9- Um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
10- Um pinhal sito às…, inscrito na matriz sob o artigo…;
11- Um pinhal sito à…., inscrito na matriz sob o artigo…;
12- Um pinhal sito à…., inscrito na matriz sob o artigo…;
13- Um terreno de cultura sito aos…., inscrito na matriz sob o artigo…;
14- Um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
15- Um pinhal sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
16- Uma vinha sita à…, inscrita na matriz sob o artigo ...;
17- Um pinhal sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
18- Um pinhal sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
19- Metade de um terreno sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
20- Um terreno de cultura sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo ....;
21- Um pinhal sito ao…., inscrito na matriz sob o artigo…;
22- Metade de um pinhal sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
23- (…)Todos estes prédios se encontram situados na freguesia de …já mencionado;
Lega ainda a estes mesmos sobrinhos, os seguintes prédios situados na freguesia de …também já dita:
24- Um terreno de cultura sito ao…., inscrito na matriz sob o artigo…;
25- Um terreno de cultura sito …do vale, inscrito na matriz sob o artigo…;
26- Metade dum pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
27- Metade de um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
28- Metade de um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
29- Metade de um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
30- Metade de um pinhal sito às…, inscrito na matriz sob o artigo…;
31- Metade de um terreno de cultura, sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
32- Um terreno de cultura sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo …( neste prédio, por lapso, está incluído um prédio pertencente à irmã do testador e seus filhos);
33- Um terreno de cultura sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
34- Metade de um terreno de cultura sito ao…;
35-  Metade de um terreno de cultura sito às…, inscrito na matriz sob o artigo…;
36-  Metade de um pinhal sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
37- Metade de um terreno de vinha sito ao…, inscrito na matriz sob o artigo…;
38- Metade de um terreno de cultura sito ao, inscrito na matriz sob o artigo…;
39- Metade de um terreno de cultura sito à…, inscrito na matriz sob o artigo…;
40- O dinheiro depositado ou não, com os correspondentes frutos civis, provenientes das vendas que fez dos bens herdados de seus Pais;
41- Os títulos e outros bens adquiridos com o produto da venda dos bens herdados de seus Pais e a parte correspondente aos rendimentos que produziram;
42- As pratas, as jóias ou outros valores em prata ou ouro que herdou de seus Pais, com excepção do relógio de ouro e respectiva corrente, que foi de seu Pai e que lega a seu sobrinho A....., o alfinete de gravata com brilhantes, que foi de seu Pai e que lega a seu sobrinho B.....; a gargantilha em ouro que foi de sua Mãe e que lega a sua sobrinha C...., um broche em ouro que foi de sua Mãe e que lega a sua sobrinha D.....”
11. A esposa do testador P...., interveio no testamento aludido em 4. e por ela foi dito “que autoriza seu marido à disposição de bens, atrás feita.”
12. Em tal testamento foi ainda exarado que “Foi feito ao testador, em voz alta e na presença simultânea de todos a leitura deste acto e a explicação do seu conteúdo.”

13. O O.... faleceu sem ascendentes nem descendentes, tendo deixado a suceder-lhe como única e universal herdeira a viúva P.... e legatários seus sobrinhos A....., B....., C.... e D...., filhos de sua irmã Q...., nos termos e condições constantes do testamento aludido em 4., conforme escritura de habilitação de herdeiros lavrada a 10 de Outubro 1989, de fls. 7 a 7vº do Livro nº ... de Notas, do Segundo Cartório Notarial de ( ....), constante de fls. 354 a 356, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. A P.... faleceu sem fazer qualquer testamento nem qualquer outra disposição de última vontade, sem deixar ascendentes ou descendentes, tendo deixado a suceder-lhe, como únicos e universais herdeiros, seis irmãos de nomes:

[………………………………..]
         15. O irmão da P...., L...., faleceu no dia 13 de Março de 1998, sem ter feito testamento nem qualquer outra disposição de última vontade tendo deixado a suceder-lhe como únicos herdeiros a sua esposa J.... e três filhos de nomes:
[……………………………....]
         16. O irmão da P...., H.... por escritura pública de compra e venda lavrada a 27 de Fevereiro de 2003, de fls. 47 a fls. 48 vº, do Livro de Notas nº 99-I do Primeiro Cartório Notarial de ( ....), vendeu ao Réu E.... o quinhão hereditário a que tinha direito por óbito de P...., falecida em 15/12/1993, tendo a esposa daquele P.... autorizado o cônjuge a outorgar tal acto, conforme documento constante de fls. 366 a 370 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

         17. Por óbito do O.... correu, na Repartição de Finanças de ( ....), processo de liquidação do imposto sucessório com o n.º ...., no qual foi apresentada a respectiva relação de bens, datada de 13/07/1989, a qual foi assinada pela Mulher do falecido, P...., na qualidade de cabeça de casal, conforme documento de fls. 43 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18. Ao processo de imposto sucessório aludido em 17. foi apensada a relação dos bens deixados em substituição fideicomissária aos Autores, por óbito do Dr. O...., a qual foi apresentada pelo fideicomissário mais velho, o co-Autor Dr. A..... e encontra-se datada de 31 de Maio de 1994, conforme documento de fls. 43 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19. Por óbito de P.... correu, na Repartição de Finanças de ( ....), processo de liquidação do imposto sucessório com o n.º ...., no qual foi apresentada relação de bens pelo co-Réu E...., na qualidade de cabeça de casal, datada de 22 de Abril de 1994, conforme documento de fls. 85 a 110, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

         20. Após a morte da P.... os Autores aceitaram os legados feitos através do testamento aludido em 4.
21. No 1º Juízo deste Tribunal, encontra-se pendente inventário judicial cumulado com o n.º 400.12/2000, para partilha das heranças abertas por óbitos dos inventariados P.... e Dr. O...., inventário que foi requerido pelos ora co-Réus E.... e Outros, o qual foi suspenso por despacho de 23 de Outubro de 2003 por se entender que a presente acção representava uma causa prejudicial em relação àquele inventário.

         22. O O.... era médico de profissão.
         23. O pai dos Autores era professor do ensino secundário e em 1946 foi colocado em serviço na ilha da Madeira, onde teve de fixar residência.
         24. Em face do aludido em 23. os pais dos Autores confiaram o Autor A....., aos cuidados do O.... e mulher P...., que foram seus padrinhos de baptismo, com quem ficou desde os 6 meses de idade até aos nove anos de idade.
         25. A P.... outorgou em 04 de Maio de 1992, a procuração constante de fls. 112 a 115, arquivada e registada sob o nº ...., a fls. 5 do livro respectivo nº ..., que ocupa quatro folhas, do 12º Cartório Notarial de ( ....), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através da qual constituiu seu procurador o Autor A....., dando-lhe, entre outros, poderes para gerir e vender quaisquer bens, direitos e acções.
         […………………………….]

2.3. - 1ª QUESTÃO / A impugnação dos factos ( quesitos 19º a 21º, 25º a 42º)

[…………………………….]
Improcede, por isso, a impugnação da matéria de facto, mantendo-se incólume a descrita na sentença.

2.4. - 2ª QUESTÃO / A interpretação do testamento e o feideicomisso

As partes divergem sobre a interpretação e validade das disposições constantes do testamento feito pelo Dr. O.... Teles, em 14 de Julho de 1988 ( cf. doc. de fls.28 a 38).
Como é sabido, o testamento (art.2179 do CC) é um negócio jurídico unilateral, mortis causa, não receptício, gratuito, pessoal, singular, formal e estranho ao comércio jurídico ( cf., por ex., PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, 1974, pág.217 e segs., GUILHERME DE OLIVEIRA, “ Testamento – Apontamentos”, Temas de Direito da Família, 2ª ed., 2001, pág.119 e segs.).
No âmbito da interpretação do testamento, seguindo a tradição do Código de Seabra, a lei civil, afastando-se das regras gerais dos arts.236 e 238 do CC, manteve a orientação subjectivista.
O art.2187 nº1 do CC, diversamente do que ocorre nos negócios entre vivos, adoptou o critério hermenêutico da vontade real do testador – “ Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme contexto do testamento”.
A expressão “contexto do testamento” significa o texto de cada uma das suas disposições e o conjunto unitário, acentuando-se as relações entre as várias partes, pelo que não deve ser interpretado atomisticamente, mas na sua dimensão total.
Por outro lado, é admissível “ prova complementar” ou extrínseca para averiguar a vontade real do testador, sendo legítimo o uso de todos os meios de prova.
No entanto, a lei impõe um limite, qual seja, o de que a vontade revelada por elementos intrínsecos e/ou extrínsecos tenha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no contexto do testamento ( nº2 do art.2187 CC) ( cf. por ex., Ac do STJ de 8/2/74, BMJ 234, pág.293, de 3/2/97, BMJ 472, pág.493, de 23/1/2001, C.J. ano IX, tomo I, pág.82).
Através do testamento ( cf. fls.30 ), o testador O.... colocou duas alternativas, consoante falecesse antes da esposa P.... ( alínea A/), ou depois (alínea B/).
Como faleceu antes, tem aplicação a alínea A), que deve ser conjugada com a parte inicial, onde, aliás, começou por afirmar “ (…) que, no caso de vir a falecer antes de sua esposa (…)”.
Verifica-se que o testador instituiu a esposa P.... como sua herdeira de todos os bens:
 “No caso de falecer antes da sua esposa P...., institui-a herdeira de todos os seus bens e direitos que tiver à hora da morte. Porém, no caso de ela não ter necessidade de alienar os bens a seguir mencionados, em substituição fideicomissária lega-os a seus sobrinhos da seguinte forma (…).
Consignou a possibilidade da esposa, em caso de necessidade, dispor de todos os bens da herança
 “ (…) é seu desejo que esta não passe quaisquer privações, podendo dispor de todos os bens deixados por si testados e disso tiver necessidade (…) “.
A substituição fideicomissária de determinados bens especificados que restassem a favor aos sobrinhos:
 “ No caso, porém, de não precisar de os alienar, é também seu desejo que os bens que lhe vieram dos seus ascendentes e subrogados destes, inclusive dinheiros, títulos e outros bens adquiridos com o produto da venda dos bens herdados de seus pais, com os correspondentes rendimentos que produzira, e metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio sejam transmitidos a seus sobrinhos (…) “.
“ (…) Porém, no caso de ela não ter necessidade de alienar os bens a seguir mencionados em substituição fideicomissária lega-os aos seus sobrinhos pela forma seguinte (…) “.
Atribuição aos mesmos sobrinhos de metade dos restantes títulos ou dinheiro que advieram ao casal na constância do casamento.
“ (…) e metade dos restantes títulos ou dinheiro que foram adquiridos na constância do matrimónio sejam transmitidos a seus sobrinhos (…).

Segundo os apelantes, o testamento é composto de duas partes distintas – uma primeira, preambular, sem quaisquer efeitos jurídicos directos, e outra dispositiva.
Com o devido respeito, não parece que deva acolher-se esta leitura, visto que o testamento tem que ser interpretado como um todo, de forma unitária, a fim de se indagar da real vontade do testador.
Ora, a atribuição aos seus sobrinhos da “metade dos restantes títulos ou dinheiros que foram adquiridos na constância do matrimónio “ expressa a vontade inequívoca do testador O...., não se vislumbrando que isso gere uma contradição insanável no próprio testamento, como alegam os apelantes.
É convergente o entendimento das partes e dos seus jurisconsultos sobre a qualificação da deixa testamentária como substituição fideicomissária ou fideicomisso, porque há uma dupla instituição sucessiva ( art.2286 do CC), em que P.... é a fiduciária e os sobrinhos do testador os fideicomissários.
Trata-se de uma fideicomisso irregular, de “resíduo” ( art.2295 nº1 b) do CC), na medida em que o testador atribuiu à esposa o direito de disposição dos bens se disso tivesse necessidade, mas o fideicomisso de resíduo está sujeito ao mesmo regime dos regulares, com as especificidades do art.2295 nº3 do CC.
O fideicomissário é, portanto, o beneficiário de uma vocação sucessiva, sucede ao testador, mas só é chamado depois da morte do fiduciário, também ele sucessor do de cujus, pois só após este momento é que pode aceitar ou repudiar ( arts.2293, 2294 CC), e só no momento da morte do fiduciário é que a herança ou legado é devolvida ao fideicomissário ( cf., por ex., CARLOS OLAVO, “ Substituição Fideicomissária”, Estudos em Homenagem ao Prof. Inocêncio Galvão Telles, Vol I, pág., pág.458).

2.5. - 3ª QUESTÃO / A (in)validade do testamento ( violação da legítima e da meação de P....)

A terceira questão colocada no recurso contende com as imputadas “invalidades” do testamento, consubstanciadas na violação da legítima e da meação de D. P...., esposa do testador.
A sentença recorrida afirmou a validade do testamento com fundamento no disposto no art.1685 nº1 e 3 b) do CC, discorrendo, a dado passo:

 “ (…) é válida a deixa testamentária, instituída por um dos cônjuges, sobre bens certos e determinados do património comum do casal com autorização do outro cônjuge, nos termos da alínea b) do Nº3 do citado Art. 1685º, podendo, em tal caso, se não houver herdeiros legitimários, ser exigida a deixa em substância, mesmo que o seu valor exceda o da meação do disponente.
“ Que assim é, resulta também do disposto no Art. 2254º do C. Civil (…).”
Em contrapartida, apesar de na contestação dizerem não haver violação da legítima e da meação ( cf. art.95 ), objectam os apelantes com o erro de interpretação do art.1685 do CC, pois a autorização do outro cônjuge releva para a validade da disposição em substância, mas dentro do limite das forças da meação do cônjuge disponente, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários. Ou seja, o testador, casado sob o regime da comunhão geral de bens, não pode, mesmo com autorização do outro cônjuge, fazer deixas testamentárias susceptíveis de afectar a meação do cônjuge, por tal implicar violação dos princípios da imutabilidade do regime de bens do casamento ( art.1714 nº1 CC), da protecção legal da meação ( art.1732 CC) e da protecção dos herdeiros legitimários ( art.2156 do CC).

Violação da legítima:
O princípio da intangibilidade da legítima comporta duas vertentes - qualitativa e quantitativa.
Na vertente qualitativa, o de cujus não pode, contra a vontade do legitimário, onerar a legítima com encargos de qualquer natureza, conforme prescreve o art.2163 do CC – “ O testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro”.
É predominante a opinião de que a sujeição da legítima a uma substituição fideicomissária importa um encargo sobre a legítima. Neste sentido, P.LIMA/A.VARELA – “ Claro que a proibição ditada para os simples encargos impostos sobre a legitima vale, por maioria de razão, contra as substituições a que o testador a pretendesse sujeitar, nomeadamente a substituição fideicomissária, com o que de cuius pretendesse onerar a legítima”(  Código Civil Anotado, vol.VI, pág.265 ).
Se uma substituição fideicomissária violar a legítima, fica submetida ao regime que a lei estabelece para a protecção desta ( arts.2156 e segs. do CC).
Refira-se que a violação do art.2163 do CC quando os encargos impostos sobre a legítima representem uma atribuição patrimonial a favor de terceiros, está sujeita à sanção estabelecida no art.2168 do CC ( redução das liberalidades inoficiosas), configurando nulidade, nos termos do art.294 CC, se as disposições fideicomissárias são a favor do respectivo beneficiário ( cf. CARLOS OLAVO, loc. cit. pág., pág.458).
Acontece que a imposição de encargos só é ilícita se for contra a vontade do herdeiro, o que não sucede aqui, atenta a autorização expressa de P...., exarada no próprio testamento.
Uma vez que ela consentiu, não há violação do princípio da intangibilidade da legítima.
Para além disso, caducara já o direito de acção da redução das liberalidades inoficiosas, porque o prazo é de dois anos a contar da aceitação do herdeiro legitimário ( art.2178 do CC).

Violação da meação:
Casada sob o regime de comunhão geral de bens, por morte do marido, a D. P...., além de herdeira legitimária, é meeira, e como tal proprietária exclusiva da sua meação dos bens comuns.
Como é sabido, a meação é constituída pelo património comum, sendo um património colectivo ( comunhão de mão comum ), não confere a nenhum dos titulares, nem direitos sobre coisas certas e determinadas, nem direito a uma quota sobre qualquer dessas coisas. Ou seja, os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, e pertence aos dois cônjuges, podendo dizer-se que os dois são titulares de um único direito, o que significa que marido e mulher não têm qualquer fracção de direito que lhes corresponda individualmente e de que, como tal, possam dispor e também individualmente, não podem dispor da sua posição em face do património comum por acto “inter vivos” ( cf., por ex., ( cf. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.1º, pág.224, ANTUNES VARELA Direito da Família, 1982, pág. 374, PEREIRA COELHO/GUILHERME OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, Vol. I, 2ª edição, pág. 506 ).
A participação dos cônjuges no património comum faz-se, no regime da comunhão geral de bens, imperativamente segundo a regra da metade ( art.1730, por remissão do art.1734 CC).
Esta regra da participação paritária no património comum, que se insere no chamado “ estatuto patrimonial mínimo”, visa essencialmente fixar a quota parte a que cada um dos cônjuges terá direito no momento dessa dissolução e partilha ( cf. P.LIMA / A.VARELA, Código Civil Anotado, IV, 2ª ed., pág.437).
No entanto, o nº2 do art.1730 do CC admite que “cada um dos cônjuges faça em favor de terceiros doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei”.
Da conjugação com o art.1685 do CC resulta que a lei confere a cada um dos cônjuges o direito de dispor para depois da morte dos seus bens próprios e da sua meação no património comum.
São disposições feitas em vida dos cônjuges, mas só produzem efeitos depois da morte do disponente, justificando-se, por isso, que as restrições impostas o sejam em favor dos herdeiros legitimários ( arts.2156 e segs. do CC), e não para protecção do outro cônjuge e da família.
Significa isto, que o nº1 do art.1685 do CC consagra o princípio da liberdade de dispor para depois da morte, sendo certo que cada cônjuge só pode dispor do que é seu, logo, como advertem P.COELHO / G. OLIVEIRA, loc. cit., pág.404) – “ a liberdade plena que esta norma reconhece só tem o limite geral de que cada cônjuge só pode dispor do que é seu - o conjunto dos seus bens próprios e a metade do património comum “ .
As normas do nº2 e 3 do art.1685 do CC regulam o problema da validade da disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum, através de uma solução diferente do regime anterior, que previa a nulidade, optando-se agora por uma maior protecção do beneficiário.
O nº2 estipula a validade da disposição de coisa certa e determinada do património comum, convertendo-a ( conversão ope legis) em disposição do respectivo valor em dinheiro.
Por sua vez o nº3 contém três excepções à regra da conversão automática. De entre elas, e com reflexos no caso, destaca-se a excepção da alínea b) -  “ se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento”.
A este propósito, esclarecem P.LIMA/A.VARELA ( Código Civil Anotado, IV, 2ª ed., pág.314) – “ Tendo a conversão sistemática da disposição, consagrada na lei, como fundamento principal a ideia de não prejudicar os direitos ou as simples expectativas do outro cônjuge sobre o património comum (…), é perfeitamente compreensível que a lei reconheça validade da disposição em espécie, no caso de o contitular dos bens comuns ter aprovado a liberalidade, tal como ela foi concebida pelo seu autor”.
Por conseguinte, a autorização concedida pelo outro cônjuge valida a disposição em espécie, na medida em que o nº3 b) é uma excepção ao nº2, mas tal não significa também uma excepção ao princípio geral do nº1, de que cada cônjuge só pode dispor do que é seu, ou que esteja legitimado a fazer disposições por conta da meação do outro.
         E não parece que se deva interpretar a regra do nº3 b) do art.1685 do CC como uma excepção à proibição do testamento de mão comum, positivada no art.2181 do CC.
Comprovando-se que a disposição feita pelo O.... extravasou a sua meação, incidindo sobre bens que caberiam na meação da esposa, P...., ou seja, dispôs de bens da meação desta, sob a forma de fideicomisso, estamos perante disposição testamentária nula ( art.280 do CC), por violação da lei, do art.1730 nº2 CC, a contrário.
Neste sentido, convergem os pareceres dos Professores Guilherme de Oliveira e Capelo de Sousa. Já para o Prof. Oliveira Ascensão não há sequer violação da meação porque a viúva recebeu a totalidade do património comum, do qual podia dispor, logo “ ela tem tudo, e não só a meação”, acrescentando que o art.1685 nº3 b) do CC legitimava-a a dispor dos bens comuns após a morte de ambos ( cf. fls.701 ).

Verificada a nulidade da disposição testamentária, importa agora saber se tem aplicação o disposto no art.2309 do CC ( confirmação do testamento).
Na verdade, a P.... interveio no testamento, dando o seu assentimento às disposições feitas pelo marido e conformou-se com elas, nunca o pôs em causa, tendo apresentado a relação de bens nas Finanças.
O art.2309 do CC, para além de prever a confirmação relativa a testamento ou cláusula testamentária anulável, abrange também a própria nulidade, postulando, assim, um regime especial, por oposição ao regime geral de que só os negócios anuláveis são passíveis de confirmação ( art.288 CC).
Esta amplitude justifica-se pela natureza irrepetível da declaração testamentária e não se trata de uma confirmação plena que vise sanar a invalidade, como a prevista no art.288 do CC, mas antes a não possibilidade de prevalecer-se da nulidade ( cf. GUILHERME OLIVEIRA, Testamento, pág.192).
Objecta-se com o argumento sistemático, dizendo-se não haver lugar à aplicação do regime da confirmação, previsto no art.2309 do CC, porque a nulidade deriva directamente da violação do art.1730 CC, de natureza imperativa, e inserida no Livro IV do Direito da Família, ao qual se aplica o regime da Parte Geral, nomeadamente o do art.286 do CC, não sendo, por isso, confirmável.
Pese embora as conexões entre o Direito da Família e o Direito das Sucessões e da tese maioritária da autonomização ( cf., por ex., CAPELO DE SOUSA, As Partes Especiais dos Direitos da Família e das Sucessões, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, vol.I, pág.901 e segs.), não parece, com o devido respeito, ser de aceitar esse argumento.
Em primeiro lugar, a disposição nula está materializada no testamento, que é um negócio sucessório, e a lei ( art.2309 do CC) não distingue a proveniência da nulidade, pelo que há-de interpretar-se como reportando-se a todo e qualquer tipo de nulidade.
Depois, a circunstância de o testamento só produzir efeitos com a morte do testador, e sendo um negócio estranho ao comércio jurídico, a sua finalidade e natureza justificam um regime especial em detrimento do regime comum aplicável aos restantes negócios jurídicos.
Sem esquecer ainda que há matéria sucessória contida no Direito da Família em sentido formal, como por exemplo, a regulada nos arts.1685, 1699 e segs.do CC ( cf. JORGE FIGUEIREDO, Direito das Sucessões, 2010, pág.34).
É certo que o art.2309 do CC aproveita apenas ao que tiver confirmado, neste caso, à P...., mas a extinção do direito de invocar a nulidade vale para os seus sucessores, aqui Réus, que não eram interessados ao lado dela, pois tinham tão somente uma mera expectativa de facto.
Acresce que a acção de nulidade já caducou, por força do art.2308 do CC, porque tento O.... falecido em 23 de Outubro de 1988, o prazo de dez anos para impugnar a nulidade completou-se em 23 de Outubro de 1998.
         Em suma, improcede a apelação confirmando-se, embora com diversa fundamentação, a sentença recorrida.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
         Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
2)
         Condenar os apelantes nas custas.