Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1381/12.9TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
DOCUMENTO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA, GUARDA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 640.º DO CPC, 612.º E 614.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. Para se proceder à reapreciação de provas gravadas em caso de recurso sobre a matéria de facto, o recorrente tem de indicar os pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados e apontar, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo no que se refere à impugnação da matéria de facto.

2. Fundamentando-se o recurso de facto na desconformidade entre a prova documental e a factualidade que veio a ser demonstrada, não basta remeter para o teor do documento, recaindo sobre o recorrente o ónus de indicar eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, especificando os fundamentos da sua discordância, os motivos que justificam que o documento conduza a um juízo diferente do efectuado pelo juiz.

3. A impugnação pauliana requer a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: existência de um crédito; verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito; impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito; nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento.

4. Incumbe ao credor a prova do montante da dívida e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

5. O facto de o crédito não estar vencido não obsta ao exercício da impugnação. Mesmo no caso de o crédito ser posterior ao acto realizado, ainda assim se mantém a possibilidade de impugnação, se este foi realizado com a intenção de impossibilitar ou agravar a impossibilidade de o credor obter a satisfação do seu crédito.

Decisão Texto Integral:            
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Banco A... , S.A., com sede na Avenida (...) Lisboa, intentou a presente acção de impugnação Paulina, então, sob a forma do processo ordinário, contra B... , residente no Largo (...) Guarda; C... residente na Rua (...) Arganil; D... , residente no Bairro (...) Guarda e E... , residente na Rua (...) Guarda, pedindo a procedência da acção e, em consequência:

que seja reconhecido ao autor o direito à restituição do bem identificado na medida do seu interesse, na execução pendente contra a 1ª ré B... , e de executar a fracção autónoma designada pela letra “S” do prédio urbano sito na Guarda, Largo (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 194 e inscrito a respectiva matriz sob o artigo 1487.

bem como o de praticar sobre a referida fracção todos os actos de conservação de garantia patrimoniais autorizados por lei.

Alega, para tanto, que no exercício da sua actividade bancária celebrou dois contratos com a sociedade “ J... Lda.”, sendo o primeiro, outorgado em 03/11/2000, um contrato de financiamento sob a forma de “facilidade de crédito”, inicialmente no montante de 10.000.000$00 e reformulado em 25/07/2007, para o montante de 75.000,00 € e consistindo o segundo na emissão de uma garantia bancária, no valor de 60.0000,00 €, a favor da L..., SA e, em 04/11/1997, um contrato de financiamento, sob a forma de “facilidade de crédito”, inicialmente, reformulado em 25/07/2007, reduzindo-se o respectivo montante para 45.000,00 €, com F..., que enuncia e mais detalhadamente descreve. Acrescenta que, relativamente a cada um deles, e para garantia do seu bom cumprimento e integral cumprimento, foram subscritas livranças em branco, avalizadas, para além do mais pela primeira ré, ficando o banco autorizado pelos avalistas a preencher as referidas livranças, em caso de incumprimento, com uma data de vencimento posterior ao vencimento da obrigação garantida pela quantia que o cliente lhe devia ao abrigo dos contratos.

Mais alega que, quer a sociedade “ J... Lda.”, quer F... , incumpriram os contratos, o que levou o autor a denunciar o contrato e ao preenchimento das livranças, e não tendo sido pagas as quantias em dívida, que refere, o autor instaurou as competentes acções executivas, para além do mais, contra a primeira ré, na qualidade de avalista.

Refere que para pagamento da dívida exequenda, no âmbito da execução nº 892/11.8TBGRD, a correr termos no 2º juízo deste Tribunal, o autor indicou à penhora, em 07/07/2011, data de entrada do requerimento executivo, a fracção autónoma que identifica, propriedade da ora 1ª ré, não tendo logrado apurar quaisquer outros bens susceptíveis de penhora, tendo-lhe, então, sido dado conhecimento de que a fracção autónoma em causa havia sido doada pela 1ª ré, aos 2ª, 3ª e 4º réus, em 04/06/2010, ou seja, imediatamente a seguir ao incumprimento dos contratos referidos.

Sustenta que, sendo a 1ª ré, mãe de F... , gerente da sociedade “ J... Lda.”, logo teve conhecimento do incumprimento e, por esse motivo, sabendo-se avalista da sociedade em causa, tratou de pôr a salvo do credor o respectivo património imobiliário pessoal, apenas essa intenção tendo também justificado que o registo da doação fosse feito tanto tempo depois, ou seja, para ocultar a doação ao autor.

Conclui que à data da escritura de doação já existia incumprimento dos contratos, pelo que a doação ocorreu em data posterior à do nascimento do seu crédito, tendo sido feita para impedir a sua satisfação e que, tratando-se de um acto gratuito, a impugnação procede independentemente da má-fé dos terceiros adquirentes, tendo resultado uma diminuição da garantia patrimonial do crédito do autor, dado que sabia que não era titular de outros bens através dos quais pudesse garantir o pagamento da dívida, pelo que se verificam os pressuposto do artigo 610º do CC.

***

Os réus contestaram a presente acção, alegando, no essencial, ser verdade que a primeira ré fez a doação da fracção em causa à 2ª, 3ª e 4º réus, esclarecendo o motivo pelo qual apenas conseguiram fazer o registo algum tempo depois, nomeadamente depois de efectuada a liquidação do imposto pela Administração Fiscal, e não por qualquer outro motivo.

Referem também que a livrança que serve de título executivo à execução mencionada pelo autor apenas se venceu em 24 de Junho de 2011, ou seja, mais de um ano depois da doação, sendo essa a data do vencimento do crédito do autor, e que à data da doação, a 1ª ré não tinha qualquer conhecimento do incumprimento contratual, dado que as cartas alegadamente enviadas pelo autor, apenas o foram mais tarde.

Por outro lado, sustentam não ser verdade que não conseguiu o autor localizar outros bens, nomeadamente do executado F... , que é proprietário de um estabelecimento comercial de venda de roupas e vereador na Câmara Municipal da Guarda, bem como existia o acervo de bens e direitos penhoráveis da sociedade “ J... Lda”, não resultando da doação a impossibilidade do autor obter a satisfação integral dos seus créditos.

Alegam, ainda que a 1ª ré não se recorda, sequer, de ter preenchido a livrança a que o autor alude no artigo 10º da p.i e concluem pela improcedência da acção.

***

O autor veio apresentar réplica às excepções deduzidas pelos réus, sustentando que, efectivamente, o seu crédito é anterior à data da doação, tendo a 1ª ré pleno conhecimento desse facto; que inexistiam bens suficientes para a garantia do crédito do autor; e que a 1ª ré, apesar de alegar que não se recorda de ter assinado, o certo é que tal aconteceu, como resulta da própria livrança.

Conclui pela improcedência das excepções invocadas, e, em tudo o mais como na p.i., nomeadamente no que respeita á verificação dos pressupostos da impugnação pauliana.

***

Na sequência do convite ao aperfeiçoamento que lhes foi efectuado, vieram os réus, juntar nova contestação na qual concretizam a sua alegação em relação ao alegado valor do património, quer da sociedade “ J... Lda”, quer de F... .

Por seu turno o autor vem apresentar nova réplica, mantendo o já alegado, designadamente no que respeita à insuficiência de bens para a satisfação do seu crédito.

***

Ainda ao abrigo da anterior redacção do Código de processo Civil, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória (tendo sido, já após a entrada em vigor do novo CPC, decidida a reclamação apresentada pelo autor, cf. despacho de fl.s 281 a 285).

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, após o que foi proferida a sentença de fl.s 309 a 376, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto, decide-se:

- Julgar procedente a presente acção e, consequentemente, o pedido deduzido pelo autor “ Banco A... , S.A”, declarando ineficaz relativamente ao mesmo a doação celebrada através da escritura outorgada em 04/06/2010 relativa ao imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente ao quarto andar frente – para habitação – com arrecadação S-um no sótão, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal (…) sito em Guarda (...) , Largo (...) , deste concelho, inscrito na matriz sob o artigo 1487, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número cento e noventa e quatro, da mesma freguesia da Guarda, com a consequente restituição desse imóvel de modo a que o Autor se possa pagar à custa dele, podendo executá-lo no património do 1ªa ré até ao limite do seu crédito e praticar sobre o mesmo todos os actos de conservação de garantia patrimonial legalmente permitidos.

Custas: pelos réus.”.

           

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 495), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. A decisão do Tribunal a quo pode ser alterada pela Relação se constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termo do artigo 640º do CPC a decisão com base neles proferida (artigos 662º, nº 1 alínea a) do CPC).

2. No facto elencado sob o ponto 10 onde se diz «Com base na escritura referida em H)», apesar de nenhuma ordenação alfabética se fazer dos factos, como nenhuma escritura existe nos autos, que não a referida no ponto 9, parece que se pretendia dizer «Com base na escritura referida em 9.»

3. No facto elencado sob o ponto 23 consigna-se: «A acção executiva referida em A) foi instaurada para cobrança da quantia indicada em 20.», apesar de nenhuma ordenação alfabética existir, porque a quantia mencionada em 20 corresponde à quantia identificada em 1, parece que se pretenderia dizer que «A acção executiva referida em 1 foi instaurada

para cobrança da quantia indicada em 20.»

4. Considerando o estatuído no art. 614º, nº 1 e 2 do CPC, pode o Meritíssimo Senhor Juiz a quo corrigir lapso manifestos constantes da sentença que prolatou, o que se requer, nos termos expostos e quanto aos pontos 10 e 23.

5. Já no facto elencado sob o ponto 8 consigna-se que «No requerimento executivo da acção indicada em F), apresentado em 07.07.2011 (_)»; sucede que nenhuma ordenação alfabética se faz dos factos e tendo os requerimentos executivos, identificados sob os pontos 1, 3 e 7, sido todos apresentados na mesma data de 7.07.2011, não se percebe a qual deles se quer fazer referência.

6. Aqui, todavia, reportando-nos aos documentos que são usados para fundamentar a decisão deste ponto 8 (que fundamentam também o ponto 7 e em conjunto), de fls 88 e seguintes constituídas pelo requerimento executivo, será que se pretenderia dizer «No requerimento executivo da acção indicada em 7, apresentado em 07.07.2011 (_)»?

7. Todavia a dúvida adensa-se: fls 88 e seguintes são, de facto, requerimento executivo em que não é nomeado à penhora qualquer imóvel, pelo que não percebe, nem com o já exposto esforço exegético, a qual das acções se pretende fazer referência.

8. Já quanto ao facto elencado sob o ponto 18 diz-se «(_) que autorizavam o Banco A... a preencher, a livrança referida em 3) e 4) (_)», todavia os pontos 3 e 4 não referem quaisquer livranças e por outro lado há nos autos notícia de três livranças, pelo que se não percebe a qual delas se quer fazer referência.

9. Aqui a dificuldade é acrescida pelo facto de a fundamentação quanto àquela decisão se radicar numa muito vaga referência, como seja aquela de que «Os depoimentos das duas testemunhas arroladas pelo autor, foram, pois, precisos, esclarecedores e credíveis, sendo certo que, em conjugação com o teor dos documentos constantes dos autos, já analisados supra, foram relevantes para ter como provados os factos enunciados nos factos provados sob os nºs 14 a 42.»

10. Este é o único momento da decisão em que se pode encontrar referência ao facto provado sob o ponto 18, pois que está compreendido necessariamente entre os referidos 14 a 42, ainda assim de forma indirecta.

11. É, pois, imperceptível o verdadeiro alcance da decisão nestes concretos pontos 8 e 18 o que desde já se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea c) e nº 4º do CPC.

12. De todos os factos acerca dos quais foi produzida prova o Meritíssimo Juiz a quo seleccionou, quarenta e oito factos como sendo os relevantes para a boa decisão da causa (quarenta e quatro provados e quatro não provados).

13. Assim, foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:

«17. No verso da referida livrança encontram-se escritos os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir a primeira ré, F... , e I... colocaram as suas assinaturas. (_)

19. A " J... Lda" deixou de cumprir o acordo referido em 14. em 16/03/2010, nada mais pagando ao autor desde essa data.

20. O Banco A... enviou à " J... Lda", à primeira ré, a F... e a I... , que receberam, as cartas cujas cópias constam a fls. 33 a 36, datadas de 02/06/2011, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu conteúdo, nas quais lhes comunicava, entre o mais, que considerava “denunciado” o acordo referido em 14. e 15. e que havia efectuado o preenchimento da livrança referida em 16. e 17., com o montante de € 81.200,16, referente às seguintes parcelas vencidas: Capital € 75.000,00; Juros, devidos desde 16/03/2010, à taxa de 6,154%, € 6.200,16 . (_)

26. No verso desta livrança, encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir, a primeira ré e F... colocaram as suas assinaturas. (_)

32. A acção executiva referida em 2. foi instaurada para cobrança quantia indicada em 28. (_)

36. No verso da livrança referida em 35 encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir a primeira ré colocou a sua assinatura.

(_)

38. F... deixou de cumprir o acordo referido em 34. em 16/03/2010, nada mais pagando ao autor desde essa data

39. O Banco A... enviou a F... e à primeira ré, em 2 de Junho de 2011, tendo aqueles recebido, cartas, cujas cópias se mostram juntas a fls. 86 e 87, datadas de 02/06/2011, nas quais os informavam que considerava o acordo referido em 34 “denunciado” e que havia efectuado o preenchimento a livrança referida em 35 e 36, com o montante de € 48.720,09, referente às seguintes parcelas vencidas: Capital € 45.000,00;

Juros, devidos desde 16/03/2010, à taxa de 6,154% € 3.720,09. (_)

42. A acção executiva indicada em 6. foi instaurada para cobrança da quantia referida em 39. (_)

43. A primeira ré teve conhecimento dos factos descritos em 19. e 38. em data não concretamente apurada, mas anterior à celebração da escritura referida em 9. (_)

44. A primeira ré procedeu nos termos descritos em 9 com a intenção de impedir a satisfação dos montantes indicados em 20 e 39.»

14. Quanto a factos não provados, diz a sentença, designadamente, que se não provou, portanto, que: «4. Existem outros bens, nomeadamente do executado F... e da executada “ J... Lda” em valor suficiente para garantir a satisfação integral do crédito do autor.»

15. Antes de tudo, tal matéria, assim enunciada, é uma conclusão e como conclusão que é, a verificar-se, terá necessariamente de ser alcançada da análise de factos, que permitam estabelecer o iter cognoscitivo lógico até esse resultado.

16. É importante que se tenha em conta, como muito bem diz a sentença que

«Embora exista liberdade de apreciação da prova, tal não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, essa apreciação haverá de ser reconduzível a critérios objetivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional, mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros». Sancta simplicitas.

17. Acresce que nos breves trechos da decisão - dois curtos parágrafos – que se dedicam à fundamentação da matéria de facto não provada nunca o referido ponto 4 é sequer mencionado, o que desde logo fere de morte tal decisão.

18. Também, aqui e portanto, neste concreto ponto da matéria de facto dada como não provada, não se especificam os fundamentos de factos que a justificam o que desde já se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) e nº 4º do CPC.

19. Relativamente aos factos dados como provados e até como não provados, por outro lado, não se alcança como podem compatibilizar-se estes com a decisão da verificação do preenchimento dos requisitos enunciados para a procedência da impugnação pauliana e muito menos que a Recorrente B... tenha procedido, no momento da doação realizada com a intenção de impedir a satisfação dos montantes dos créditos do Recorrido, como facilmente se constatará.

20. Estão, os factos dados como provados, em manifesta contradição uns com os outros e tanto resulta evidente - ao contrário do que se afirma na sentença ora em crise – da análise dos documentos que aliás o Meritíssimo Juiz a quo utiliza para sustentar os factos provados e da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, como adiante se verá.

21. Breve nota apenas merece o facto de terem constatado, agora, os Recorrentes que acta da audiência de discussão e julgamento, consultada na plataforma informática CITIUS - no sentido de dar cumprimento ao art. 640º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do CPC -, padece de erros de escrita, designadamente no que diz respeito à data da audiência, pois que o ano será o de 2014 e não como por lapso se faz constar o de 2013, e que o depoimento da testemunha F... foi gravado com início pelas 11 horas e 55 minutos e que terminou pelas 12 horas e 55 minutos, quando bem se constata, do suporte do sistema de gravação digital efectuado no dia 22.01.2014, que o seu depoimento foi tomado entre as 14:27:12 e as 15:32:55.

22. Os ora Recorrentes entendem serem imprescindíveis os depoimentos das seguintes testemunhas:

– G... , doravante designada por G... , melhor identificado na acta com a referência 3125240, de 22.01.2014, a fls_. dos autos, cujo depoimento consta do suporte do sistema de gravação digital tomado no dia 22.01.2014, entre as 10:56:23 horas e as 11:54:49 horas(*);

– H..., doravante designada por H... , melhor identificado na acta com a referência 3125240, de 22.01.2014, a fls_. dos autos, cujo depoimento consta do suporte do sistema de gravação digital tomado no dia 22.01.2014, entre as 11:55:31 horas e as 12:30:00 horas(*);

– I..., doravante designada por I... , melhor identificada na acta com a referência 3125240, de 22.01.2014, a fls_. dos autos, cujo depoimento consta do suporte do sistema de gravação digital tomado no dia 22.01.2014, entre as 12:32:26 horas e as 12:57:54 horas(*);

– F... , doravante designada por F... , melhor identificado na acta com a referência 3125240, de 22.01.2014, a fls_. dos autos, cujo depoimento consta do suporte do sistema de gravação digital tomado no dia 22.01.2014, entre as 14:27:12 e as 15:32:55(*);

23. Acrescente-se que a extensa análise a que a sentença se dedica no que às declarações de parte diz respeito, é incompatível com o descrédito que o Meritíssimo Juiz a quo lhes imputa.

24. Dizer, como se diz em sede de motivação de facto, que «Tais declarações de parte não se nos revelaram particularmente rigorosas, objectivas e isentas, sendo, antes, manifesto que as duas rés limitaram-se a relatar os factos de acordo com a versão que assumiram nos autos procurando justificar a doação feita pela primeira ré de uma forma desprovida de lógica e contrariando as regras da experiência» ou até que «(O) a afirmação assim feita por esta ré, como é evidente, em nada contribui para qualquer esclarecimento dos factos aqui em causa ou para que se possa concluir que a intenção da primeira ré ao fazer a doação não foi subtrair o imóvel em causa à disponibilidade do credor, aqui autor, evitando que este conseguisse satisfazer os seus créditos.» não poderia ter como consequência o resultado contrário.

25. Explicando: se não mereceram crédito as declarações de parte e se consignou na já referida acta de discussão e julgamento que das mesmas não resultou confissão, como se prova o facto referido no ponto 44?

26. Este ponto 44 tem de ser pura e simplesmente suprimido ou, quanto muito, então levado a matéria não provada.

27. É que consignar-se como se consignam os amplos juízos de valor acerca das declarações de parte não resulta na prova em sentido contrário daquilo que possa ter sido afirmado: usando as declarações para a prova do facto 44, é total a subversão das regras da prova.

28. Mas já que serviram para a fundamentação deste inusitado facto 44, e portanto foram valoradas, como ao que parece serviram para a prova acerca do conhecimento que a 1ª Recorrente teria dos incumprimentos junto do Recorrido, então reputam os ora Recorrentes de imprescindíveis as declarações de parte, a saber:

– C... , doravante designada por C... , melhor identificada na acta com a referência 3125240, de 22.01.2014, a fls_. dos autos, cujas declarações constam do suporte do sistema de gravação digital tomado no dia 22.01.2014, entre as 10:12:04 e as 10:37:30(*);

– D... , doravante designada por D... , melhor identificada na acta com a referência 3125240, de 22.01.2014, a fls_. dos autos, cujas declarações constam do suporte do sistema de gravação digital tomado no dia 22.01.2014, entre as 10:37:35 e as 10:55:33(*).

29. Logo o facto «17. No verso da referida livrança encontram-se escritos os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir a primeira ré, F... , e I... colocaram as suas assinaturas.»

30. Usa-se como fundamentação deste facto o documento de fls 25-30, o que se não pode compreender, basta ler o documento de fls 25-30!

31. Mas, ainda assim, se resultasse de algum documento resultaria daquele de fls 31-32_

32. Depois se resulta não provado sob o facto não provado 1 que «1. Nas circunstâncias referidas em 17, 26 e 36 dos factos provados foi a 1ª ré que colocou nas livranças os dizeres “Dou o meu aval à subscritora”».

33. É que dizer que a «seguir colocaram as assinaturas» significa que quando é feita assinatura já lá estava escrita alguma coisa e isso não se prova.

34. Aliás até se prova coisa diferente do depoimento de F... (6:30- 7:40; 7:43-9:45; 11:00-12:05) resulta, aliás, que relativamente à Recorrente B... , «nenhum documento foi assinado no banco; iam num envelope com uma cruz e pedia a assinatura da mãe; os documentos estavam em branco e eram sempre levados a casa da mãe por mim»

35. A única coisa que poderia resultar provado era exactamente o que do documento consta, que o mesmo é dizer «17. No verso da referida livrança encontram-se escritos os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e as assinaturas da primeira ré, F... e I... ».

36. O facto declara «26. No verso desta livrança, encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir, a primeira ré e F... colocaram as suas assinaturas.»

37. Usa-se como fundamentação deste facto o documento de fls 47, o que se não pode compreender, basta ler o documento de fls 47!

38. Mas, ainda assim, se resultasse de algum documento resultaria daquele de fls 166… 39. Depois se resulta não provado sob o facto não provado 1 que «1. Nas circunstâncias referidas em 17, 26 e 36 dos factos provados foi a 1ª ré que colocou nas livranças os dizeres “Dou o meu aval à subscritora”».

40. É que dizer que a «seguir colocaram as assinaturas» significa que quando é feita assinatura já lá estava escrita alguma coisa e isso não se prova.

41. Aliás, voltamos à prova testemunhal, e até se prova coisa diferente: do depoimento de F... (6:30-7:40; 7:43-9:45; 11:00-12:05) resulta, que relativamente à Recorrente B... , «nenhum documento foi assinado no banco; iam num envelope com uma cruz e pedia a assinatura da mãe; os documentos estavam em branco e eram sempre levados a casa da mãe por mim»

42. A única coisa que poderia resultar provado era exactamente o que do documento consta, que o mesmo é dizer «26. No verso desta livrança, encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e as assinaturas da primeira ré e de F... .».

43. Já no facto 36 consta: «36. No verso da livrança referida em 35 encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir a primeira ré colocou a sua assinatura.»

44. Ora aqui apenas se poderia ter como provado o que se referiu na motivação: «documento de fls. 85 e 218-219- cópia da livrança (cujo original consta de fls. 222) (_) constando da mesma, como data de vencimento, 24/06/2011, o montante de € 48 720,09 e no seu verso, a menção “dou o meu aval ao subscritor” e a assinatura da primeira ré.»

45. Assim aqui só poderia constar: «36. No verso da livrança referida em 35 encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a assinatura da primeira ré.»

46. Já quanto aos factos provados sob os pontos 19 e 38 também a prova produzida não permite a enunciação feita.

47. Diz-se que «19. A " J... Lda" deixou de cumprir o acordo referido em 14. em 16/03/2010, nada mais pagando ao autor desde essa data.» e que «38. F... deixou de cumprir o acordo referido em 34. em 16/03/2010, nada mais pagando ao autor desde essa data»

48. E usa-se como fundamentação da resposta dada nestes pontos por um lado as cartas de fls 33 a 36, para o ponto 19 e as cartas de fls 86 e 87, para o ponto 38, para além dos depoimentos prestados em julgamento.

49. Ora dos depoimentos não resulta que essa seja a data do incumprimento: resulta sim dos depoimentos que essa data está escrita nas cartas e só!

50. Aliás os depoimentos das testemunhas G... (28:59-29:04; 39:27-40:00) e H... (30:50-34:00) bem resulta que se limitaram a ler as cartas e aquiescer naquilo que ia sendo afirmado quanto ao incumprimento: diz G... que a falta de pagamento começa aqui e às afirmações da Ilustre Mandatária do Autor vai respondendo «precisamente; precisamente».

51. Salvo o devido respeito debitar as normas do banco Recorrido e tentar retirar ilações das cartas que até são elaboradas pelos serviços centrais do Recorrido, como afirmam, não é prova suficiente e agora acrescentam os Recorrentes credível, inequívoco ou objectivo, é dizer generalidades e não saber do caso concreto!

52. E ainda mais incongruente é quando se atentarmos como se julgou os pontos 1 e 7, usando os requerimentos executivos de fls 37-39 e fls 88 e seguintes.

53. Há que ler esses requerimentos executivos: deles resulta que o incumprimento acontece no imediatamente seguinte àquele em que nas respectivas cartas é indicado como sendo o prazo de pagamento: o dia 24.06.2011.

54. E em bondade desta afirmação recorde-se o que se deixa dito nos factos dados como provados sob o ponto 21 e 40.

55. Como se compatibiliza afirmação do ponto 19, com o ponto 21, esse sim com total suporte nos documentos de fls 33-36 e 37-39?

56. E como se compatibiliza afirmação do ponto 38, com o ponto 40, esse sim com total suporte nos documentos de fls 86 a 88?

57. Não é possível, pelo que esses concretos pontos a existirem na decisão teriam de estar integrados na matéria de facto não provada evidentemente.

58. Já quanto às famigeradas cartas que constam dos pontos 20, 29 e 39, não resulta provado nos autos que a mesmas tenham sido recebidas pelo menos pela Recorrente B... .

59. A fundamentação quanto à recepção volta a ser a prova testemunhal pois que outra não consegui o Banco Autor trazer aos autos, ainda que tivessem sido recebidas foram enviadas em 2.06.2011.

60. Mais uma vez reitere-se que a objectividade e rigor que perpassaram dos depoimentos das testemunhas funcionárias do Recorrido, outra coisa não conseguiram explicar se não assumir que foram enviadas, pois que esses são os procedimentos do banco.

61. Não chega manifestamente se tivermos em conta o depoimento de I... (06:47-07:50) peremptória a dizer que se viu não se lembra das cartas e que a mãe apenas sabe dos problemas das dívidas, desde o momento em que foram retirados da conta da mãe 30.000,00€.

62. E se nos ativermos no depoimento da testemunha H... (33:05- 34:12) bem percebemos que foi após o pagamento a que se alude no ponto 28, sendo que a data de naquele ponto falta é que resulta do próprio documento que o fundamenta, o de fls 48, ou seja após a data de 25.01.2011.

63. Aqui chegados há que corrigir o vertido nos pontos 20, 29 e 39, para que dos mesmos sejam suprimidas as expressões «que receberam», no ponto 20, «tendo estes recebido», no ponto 29 e «tendo aqueles recebido», no ponto 39.

64. Quanto ao ponto 32 é evidente que assim não e não pode estar provado o que aí se afirma basta ler o documento de fls 52 e seguintes!

65. Daí devendo contar apenas o que do documento consta ou seja: «32. A acção executiva referida em 2. foi instaurada para cobrança quantia indicada em 29.» (_)

66. Relativamente ao ponto 42 é evidente que assim não e não pode estar provado o que aí se afirma basta ler o documento de fls 88 e seguintes, que o fundamenta!

67. Daí devendo contar apenas o que do documento consta ou seja e com muito esforço de exegese: «42. A acção executiva referida em 7. foi instaurada para cobrança quantia indicada em 39.» (_)

68. E chegados aos pontos 44 e quarenta e 43 é muito importante que se relembre o que acima se deixou dito, quanto ao ponto 44 e que se reitera:

deve pura e simplesmente ser suprimido ou levado a matéria não provada.

69. No que tange ao ponto 43, sendo que vem do depoimento das testemunhas a fundamentação, há que atentar-se no depoimento de todas as testemunhas para bem perceber que a data posterior àquelas referidas nos pontos 19 e 38, é na realidade posterior, também, à data da escritura a que se refere o ponto 9.

70. É simples: como disseram as testemunhas do Recorrido, que dele são funcionárias, em depoimentos coincidentes e quase profissionais, não falaram com a Recorrente B... , sendo que a testemunha G... , não a conhece pessoalmente e a testemunha H... (33:20-34:29) bem percebemos que indica ter sido após o pagamento a que se alude no ponto 28, na sequência da retirada da conta da primeira recorrente da quantia do penhor, ou seja 30.000,00€, o que ocorreu após a data desse pagamento de 60.000,00€: foi na altura do recibo, a gente paga e foi quase simultâneo.

71. Por outro lado também a testemunha F... (12:30-13:10; 19:14- 22:38; 55:30-55:49), corrobora esta versão dos factos: a mãe, a Recorrente B... , terá sabido dos factos descritos em 19 e 38 ou na data que acima se referencia ou na data da insolvência e essa está provada pelo documento de fls 56 e 59: 26.05.2011, como aliás resulta do ponto 4 dos factos provados.

72. Assim o que poderá ficar provado será sempre: «43. A primeira ré teve conhecimento dos factos descritos em 19. e 38. em data não concretamente apurada, mas posterior à celebração da escritura referida em 9 e posterior a 25.01.2011.»

73. Breve palavra merece o facto 12: é bem claro no depoimento da testemunha F... (26:27-26:58;27:01-30.00) tem rendimentos, tem actividade aberta como trabalhador independente, dá formação e retomará as aulas no próximo semestre no Politécnico da Guarda e que não entrega declarações de rendimentos.

74. Ora, não pode pretender-se que seja a Recorrente B... a fazer a prova que lhe é impossível e já agora fazer o trabalho do agente de execução do banco Recorrido e ter também algum espírito de adivinhação (que aliás a sentença reconhece ser inexigível)!

75. Salvo o devido respeito, e é muito, e toda a vénia a normalidade a lógica, credível é aquela que resulta de depoimentos espontâneos e muito pouco habituados à sala do Tribunal, às vezes com imprecisões, é certo, e inseguranças, mas que são coincidentes: as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas indicadas pelos Recorridos.

76. Não os depoimentos de cartilha coincidentes com os procedimentos e normas do Recorrido: aliás já em instâncias para esclarecimentos bem se percebe a mudança no tom do depoimento da testemunha H... , muito mais franco.

77. De onde vem, dos factos que se acabaram de analisar, os provados e os não provados, a conclusão de que o crédito do banco Recorrido existe, no sentido de ser líquido e exigível?

78. É que uma coisa é existirem contratos e livranças e até requerimentos executivos, outra bem diferente é existirem créditos.

79. Expliquemos: os requerimentos executivos não provam em si rigorosamente nada nem tampouco qualquer documento dos autos prova o estado das respectivas causas …

80. Foram deduzidas oposições pelos outros executados? as execuções estão extintas? Há embargos de terceiros, reclamações de créditos? O que foi ou não satisfeito por via das penhoras ou vendas judiciais?

81. Os autos não nos respondem nem com prova testemunhal nem com prova documental e é evidente que estado de causa se prova por certidão …

82. É que nos autos, a lei adjectiva aplicável é a lei civil e em dúvida não se decide a favor do Réu: ao Réu compete nos termos dos artigos 342º, nº 1 do CC e 490º, nº 1 do CPC, invocar e provar os factos constitutivos dos direitos a que se arroga!

83. E como prescreve o artigo 346º do Código Civil: à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o onus probandi, pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmo factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com prova!

84. Ora, a conclusão teria de ser que para alegação do Recorrido e prova por si não feita, - quando o ónus de alegação e de prova é exclusivamente dela Recorrida –: naufrágio da sua tese!

85. E a decisão haveria de ser - e não se percebe como o não foi -: não se sabe se existe o concreto crédito invocado nos autos, no já referido sentido líquido e exigível esse seu crédito.

86. E como muito bem se diz na sentença a prova do crédito, da sua anterioridade, bem como da impossibilidade de obter a satisfação integral do mesmo o ou agravamento dessa possibilidade são ónus do Recorrido e nada têm a ver com existência de um título executivo ou de acções a correr em tribunal com vista à cobrança, sejam elas quais foram cujos desfechos se não conhecem.

87. Relevância merece o trecho da sentença que se transcreve: «Desde logo se diga que nestas situações, em que se avalia da existência dos pressupostos da impugnação pauliana “(O) ganham especial relevo os dados recolhidos da experiência que nos revelam a multiplicidade e a sofisticação das estratégias de fuga aos credores, merecendo destaque a transferência de bens para as pessoas ligadas aos interessados por relações de confiança e familiares ou a intervenção de testas de ferro (_) ganham assim especial relevo as presunções definidas pelo artigo 349º do CC, como ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido e que incluem ainda as presunções judiciais ou “as hominem” (Ac. TRC de 18/05/2010 in www.dgsi.pt).»

88. Ora outra coisa não resulta destes autos se não a total falta de imaginação para a multiplicidade e sofisticação para estratégias de fuga da primeira Recorrente; e postas as coisas como se acabou de descrever resulta, sim, alguma ingenuidade, portanto.

89. Fez-se uma transmissão gratuita e sem pressas!

90. De facto, este pré conceito logo a abrir a decisão indicia-lhe o desfecho decisor; mal evidentemente.

91. Ao contrário do que a lei manda usa-se a presunção da experiência do foro …, e essa não é a experiência do bonus pater familiae, do homem comum, não é a análise objectiva.

92. De facto prova-se a existência de três contratos celebrados com o Recorridos, dois de abertura de crédito em conta corrente e a prestação de uma garantia autónoma à L... .

93. Quanto aos contratos de conta corrente bem se diz na sentença que no que respeita à respectiva cessação as partes podem pôr-lhe termo, caso em que fica o beneficiário obrigado, ao pagamento das importâncias devidas nos termos contratados.

94. Ora aqui fácil é de ver que os contratos foram denunciados por cartas datadas de 2.06.2011, como melhor se constata dos pontos 20 e 39 da matéria de facto provada, pelo que evidentemente é esta data que temos de aceitar ser a data em que o crédito do Recorrido nasce, mais ainda assim é indicado ao beneficiário que deverá proceder ao pagamento das quantias que sejam devidas, por força do contrato, até 24.06.2011, que por acaso corresponde à data do vencimentos das livranças em questão.

95. Quanto à garantia autónoma bem resulta dos autos que a mesma foi accionada pela L... e o Recorrido pagou a quantia por ela titulada no dia 25.01.2011.

96. Resulta ainda dos autos que se reembolsou de metade daquela quantia quase imediatamente, pelo levantamento do penhor de 30.000,00€ que tinha sobre a conta da Recorrente B... .

97. Ora o crédito do Recorrido pelo montante remanescente é evidentemente posterior àquela data e fácil é de ver que o contrato foi denunciado por carta datada de 2.06.2011, como melhor se constata do ponto 29 da matéria de facto provada, pelo que evidentemente é esta data que temos de aceitar ser a data em que o crédito do Recorrido nasce.

98. Também aqui, ainda assim é indicado ao beneficiário que deverá proceder ao pagamento das quantias que sejam devidas, por força do contrato, até 24.06.2011, que por acaso corresponde à data do vencimento da livrança ao contrato associada.

99. E não se venha dizer que o que releva num e noutro caso podem ser as datas das celebrações dos contratos ou quaisquer outras.

100. Recorde-se só que não estamos a falar de contratos gratuitos em que o Recorrido possa ter ficado desapossado de quantias que não vê sequer remuneradas: qualquer um dos três contratos é oneroso e durante a respectiva execução são pagas – lautamente – remunerações ao banco.

101. Pois o crédito existe, de facto, à data da impugnação pauliana!

102. Mas existe antes da doação? Evidentemente que não.

103. Por mais tese a propósito dos referidos contratos em abstracto se possa fazer, o que é certo é que as denuncias dos contratos estabelecem o momento a partir do qual o Recorrido pode exigir os pagamentos: o que aliás resulta claríssimo dos requerimentos executivos correspondentes aos pontos 1, 3 e 7 da matéria provada.

104. Aliás destes pontos 1, 3, e 7 em conjugação com aqueles que constam dos pontos 21, 30, e 40 outra cousa não resulta dos autos, por mais tese que se possa fazer.

105. Ora a escritura que consta identificado no ponto 9 dos autos foi outorgada em 4.06.2010, portanto um ano antes do nascimento do crédito do Recorrido.

106. E ainda que se queira explorar a existência da obrigação cartular sempre se dirá que numa livrança subscrita e avalizada em branco é evidente que a obrigação nele ínsita surge no momento do preenchimento da livrança como não pode deixar de ser.

107. Assim, outra não pode ser a resposta que resulta da objectividade dos documentos: vejam-se os pontos 20, 29 e 39 e claro o que consta dos requerimentos executivos e das próprias livranças a data de vencimento é a data correspondente ao dia em que os montantes deveriam ser pagos 24.06.2011.

108. Por todos veja-se o Acórdão da RL proferido no processo 471/2002.L1-2, ou o Acórdão do STJ proferido no processo 05B2344, em que é Relator Salvador Costa e que como sabe mais e diz melhor se cita «(_) Consequentemente, a conclusão é no sentido de que o direito de crédito cambiário que a recorrente invocou como fundamento da acção de impugnação pauliana se constituiu posteriormente à outorga entre os recorridos do referido contrato de doação.»

109. Há que concluir forçosamente que o Recorrido não demonstrou que o seu crédito é anterior ao negócio jurídico celebrado, a doação.

110. Por tudo que se disse demonstração também não faz o Recorrido que tenha ficado impossibilitado de obter satisfação integral do seu crédito ou que tenha visto agravada essa possibilidade: nem notícia há do que se tenha passado nas execuções que tiveram início nos requerimentos executivos identificados nos pontos 1, 3 e 7: Foram deduzidas oposições pelos outros executados? As execuções estão extintas por algum motivo? Há embargos de terceiros, reclamações de créditos? O que foi ou não satisfeito por via das penhoras, seja de que tipo for, ou vendas judiciais?

111. Diz a sentença e tendo presente: «Não obstante tal factualidade, o certo é que, ponderando o montante do crédito do autor, nenhuma dúvida subsiste que, com a doação dos imóveis nos termos demonstrados nos autos, existiu o agravamento da impossibilidade do credor obter a satisfação integral do crédito em face da diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601.º, respondem pelo cumprimento da obrigação, diminuição essa que no caso resulta do decréscimo do activo.»

112. Assentamos em que o prejuízo em causa deverá ser entendido como a impossibilidade prática de satisfação do crédito, admitindo-se a existência de má fé sempre que haja intenção ou consciência dessa impossibilidade.

113. Ora, não se provando – como não se provou - que os Recorrentes pretenderam obstar a que a Recorrido satisfizesse o seu crédito e que o negócio visou a dissipação do património da Recorrente B... , em consonância, aquela intenção não está nem (sem contradição) poderia considerar-se demonstrada.

114. A ser assim, sem que o bom senso e sobretudo a Justiça imperem, perder-se-ão todas as batalhas que diariamente se travam para a credibilização e dignificação da Justiça.

115. Deve, pois, ser a douta sentença revogada a substituída por outra que julgue totalmente improcedente, por não provada, a pretensão deduzida pelo Recorrido e que absolva os Recorrentes do pedido, com as legais consequências, designadamente no que à condenação em custas diz respeito.

116. Violou a douta sentença assim ao artigos 342º e 346º, 616º, 612º, 610º do CC e 10º, 75º 76 e 77º da LULL, para além de incorrer nas nulidades das alíneas b) e c) do nº 1 do 615º do CPC.

Terminam, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, na sua improcedência, absolva os recorrentes do pedido.

            Contra-alegando, o autor, pugna pela rejeição do recurso no que tange à matéria de facto por, no seu entender, os recorrentes não terem indicado os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, nem os exactos momentos da gravação em que o fundam e, a assim não se entender, defendem que a decisão recorrida deve ser mantida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada e ter sido correctamente aplicada a lei, atenta a factualidade apurada, por, designadamente, se verificarem os requisitos da impugnação pauliana.

Assim, desde logo, em sede de questão prévia, importa apreciar a questão da rejeição do recurso de facto suscitada pelo recorrido, com o fundamento em os recorrentes não terem cumprido o disposto no artigo 640.º, n.º 2, al.s a) e b), do NCPC (no que seguiremos de perto o por nós já decidido na Apelação 299/09.7T2.AND.C1, de 02/07/2013).

De acordo com este preceito, em caso de impugnação da matéria de facto e se trate da reapreciação de provas gravadas, sob pena de rejeição, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e com exactidão as passagens da gravação em que se funda.

            Ora, como resulta da acta da audiência de julgamento, procedeu-se à gravação dos depoimentos prestados, no sistema de gravação digital em aplicação informática, em uso no Tribunal recorrido.

            Assim, nos termos do disposto no supra citado artigo 640.º, o recorrente, em caso de recurso sobre a matéria de facto, para além da indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, tem de indicar, com exactidão, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, as passagens da gravação em que se funda o mesmo.

            Os recorrentes, cf. conclusões 22.ª e 28.ª (que reproduzem o que já em sede de alegações haviam dito) limitam-se a indicar o depoimento de todas as testemunhas ouvidas e as declarações de parte, em que fundam o seu recurso de facto, em bloco, isto é referindo a totalidade dos respectivos depoimentos, indicando os respectivos princípio e finais, apenas mencionando duas transcrições da passagem dos depoimentos em que se fundam para suportar a sua discordância da decisão de facto, transcrições estas que são absolutamente inócuas para a pretendida reapreciação da matéria de facto e limitando-se, quanto ao mais, a afirmar que tais testemunhas disseram ou não disseram “isto ou aquilo”, mas sem que se possa aferir uma única afirmação “em discurso directo” que tenha sido produzida por qualquer das testemunhas em causa (para além das duas já mencionadas e que abaixo se transcreverão), tudo como resulta das conclusões apresentadas e transcritas na íntegra, apenas e tão só para que se possa apreender e melhor compreender o que ora se deixou dito.

            As duas referidas transcrições são do seguinte teor:

            A primeira (constante de fl.s 390 e 391, extraída do depoimento prestado pela testemunha F... e que se reportam à questão de saber se a sua mãe tinha ou não assinado a letra em causa) é do seguinte teor:

“nenhum documento foi assinado no banco; iam num envelope com uma cruz e pedia a assinatura da mãe; os documentos estavam em branco e eram sempre levados para casa por mim.”.

            Esta afirmação em nada contende com o facto de ter sido feita ou não a assinatura, por a tal questão não se referir, pelo que carece de qualquer relevância para a demonstração ou não, do facto em causa.

            A segunda transcrição (constante a fl.s 393 e repetida na conclusão 50.ª – fl.s 416), resultante do depoimento da testemunha G... tem o teor que se segue “precisamente, precisamente” e, alegadamente, foi a resposta dada pelo mesmo a perguntas da Ex.ma Mandatária do autor, acerca do teor de cartas juntas aos autos, mas sem que estas (perguntas) tenham sido transcritas, o que torna irrelevantes aquelas respostas.

            Efectivamente, sem que os recorrentes transcrevam a(s) pergunta(s) que lhe(s) deu/deram origem, despiciendo se torna ter em conta essa afirmação, que, reitera-se, na transcrição efectuada, aparece absolutamente descontextualizada de qualquer fonte/causa, pelo que ficamos sem saber a que se refere aquela resposta.

            Isto é, na verdade, os recorrentes socorrem-se apenas e tão só dos depoimentos genéricos e globais de tais testemunhas e declarações de parte, deles tirando as suas próprias conclusões, mas sem que indiquem uma única expressão que qualquer delas, directa e pessoalmente, tenha referido (para além do já referido e transcrito que, como vimos, não tem virtualidades para que se possa considerar que os recorrentes tenham dado cumprimento ao ónus que sobre si impende).

Sem que, em violação do disposto no artigo 640.º, n.º 2, al.a) do NCPC, “indiquem com exactidão as passagens da gravação em que se fundam”.

De notar, aliás (cf. fl.s 388 a 390, o que repetem nas conclusões 22.ª e 28.ª), que os recorrentes, depois de indicarem os tempos de duração, em bloco, de cada um dos depoimentos em que fundamentam o seu recurso de facto, no final de cada uma de tais indicações, inserem um asterisco (*) e a fl.s 428 (para onde remete tal “asterisco”) referem o seguinte:

“(*) Os ora Recorrentes indicam os depoimentos gravados por referência ao assinalado na acta da audiência de discussão e julgamento e aos períodos temporais mencionados no índice do CD que constitui o suporte de gravação digital da audiência, sendo essencial, dada a extensão dos depoimentos, a audição dos mesmos na íntegra, transcritos que são no essencial.”.

Face ao exposto, a afirmação que ora se transcreveu, ilustra bem, salvo o devido respeito, que os recorrentes não cumpriram com o ónus em apreciação, reforçando a conclusão de que se trata de uma “apreciação em bloco”, fundada nas suas próprias apreciações que fazem dos depoimentos prestados e não alicerçada em concretas afirmações das testemunhas, a fim de que se possa sindicar o julgamento efectuado em 1.ª instância e para que a contra-parte, se possa defender e pronunciar acerca desta pretensão recursiva, em face do seu carácter genérico.           

Consequentemente, tem de concluir-se que o seu recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, não obedece aos critérios expostos no referido artigo 640.º, n.º 1, al.s a) e b) e n.º 2, al. b), do NCPC, pelo que tem de ser, imediatamente rejeitado, sem que exista lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, veja-se Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Reimpressão, Almedina, Fevereiro de 2008, pág.s 141 a 143 e F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos Em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2005, a pág. 171, último parágrafo e nota 354.

            Também o STJ, se pronunciou no sentido de que o incumprimento do ónus de alegação em causa, conduz à imediata rejeição do recurso, por último, nos seus Acórdãos de 15/09/2011, Processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj e de 23/11/2011, in CJ, STJ, Ano XIX, Tomo III/2011, a pág. 126 e seg.s.

            Como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág.s 142 e 143, as exigências contidas nos preceitos em referência devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor e visando impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.

            E, como se salienta, nos Arestos do STJ ora citados, só exigindo-se o fundamento da discordância, se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os concretos depoimentos contrariam o julgamento da matéria de facto operado no Tribunal recorrido, se dará cabal cumprimento ao princípio do contraditório, só assim se permitindo à parte contrária a possibilidade de contrariar os argumentos invocados pelo recorrente.

            Compulsando o teor das alegações e conclusões de recurso (que transcrevem e reproduzem aquelas, no que a esta questão respeita), tem de concluir-se que os recorrentes, manifestamente, não cumpriram o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, al. b), do NCPC, o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto, nos termos ali constantes.

           

Para além do que entendem ser a desconformidade entre os vários depoimentos prestados e a factualidade que veio a ser demonstrada, sustentam, ainda, os recorrentes que, relativamente aos itens 17.º, 26.º, 36.º e 42.º, as respostas que lhes foram dadas têm de ser alteradas, com o fundamento em que “basta ler o documento de fl.s 25-30 !” – conclusão 30.ª  “basta ler o documento de fl.s 47 !” – conclusão 37.ª; “basta ler o documento de fl.s 88 e seguintes, que o fundamenta !” – conclusão 66.ª.

Os documentos são meios de prova constantes do processo, mas para se fundamentar o recurso de facto com base no seu teor não basta alegar o que acima se mencionou.

Efectivamente, desde logo é preciso lê-los mas, de seguida, é preciso especificar o porquê de os mesmos levarem a um diferente juízo do efectuado em 1.ª instância, como resulta do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do NCPC, com excepção, claro está, de se tratar de documento autêntico desconsiderado e que faça prova plena de um facto dado, não obstante isso, como não provado ou um documento superveniente que imponha diversa decisão – cf. artigo 662.º, n.º 1, do NCPC (antigo 712.º, n.º 1, b) e c), o que não é o caso.

            Ora, como resulta de fl.s 323 a 330, a M.ma Juiz a quo apreciou cada um dos documentos ali referidos e explicou, justificando ao longo dessas páginas, o porquê da análise em termos probatórios relevantes que deles fez e decidiu em conformidade.

            O desacordo dos recorrentes não pode resumir-se a considerar que “basta ler o documento” sendo imposto o ónus de indicar os fundamentos da sua discordância, até para a contra-parte poder exercer o contraditório.

            O facto de o recurso de facto se fundamentar, também ou apenas, na prova documental, não afasta o ónus de a respectiva motivação ser fundamentada, sob pena se desvirtuar o intuito do legislador ao regulamentar o respectivo regime que teve em vista facultar às partes uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, tendo o recorrente o ónus de os apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso, decorrendo este especial ónus de alegação do recorrente dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado – como resulta do Preâmbulo do DL 39/95, de 15/2 e o refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág. 143, nota 195.

            Pelo que se rejeita o recurso interposto no que se refere à matéria de facto, em função do que se mantém a factualidade dada como provada e não provada em 1.ª instância.

            Ainda em sede de questão prévia, importa referir que tudo os que os recorrentes referem nas conclusões 1.ª a 11.ª, perdeu toda a relevância, em consequência da prolação do despacho de fl.s 495 a 498, no qual se procedeu à rectificação dos alegados erros de escrita (e que resultaram da desconformidade entre o elenco dos factos dados como provados ao abrigo do anterior regime aquando da elaboração do despacho saneador, factos provados e controvertidos) e os dados como provados na sentença em recurso, tendo-se já procedido às devidas correcções em 1.ª instância, na sequência do mencionado despacho e que assim se têm por assentes e aceites pelas partes.

Assim, quanto a isto nada mais há a referir/apreciar.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b) e c), do NCPC e;

            B. Se se verificam ou não, os pressupostos da impugnação pauliana.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida (já de acordo com as correcções determinadas no despacho de fl.s 495 a 498, sobre que não incidiu qualquer recurso):

1. Em 7 de Julho de 2011, o Banco A... deu entrada da acção executiva, para pagamento do montante de € 81.200,16, em que são executados a "J... Lda. ", a primeira ré, F... e I... .

2. Em 7 de Julho de 2011, o Banco A... deu entrada da acção executiva, para pagamento do montante de € 33.770,00, em que são executados a " J... Lda. ", a primeira ré e F... .

3. Nos autos de execução comum nº 890/11.1TBGRD, do 1º juízo deste Tribunal, a primeira ré B... , citada no dia 11/06/2012, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 833º-B, nº4 do CPC, não deduziu oposição.

4. Por sentença de 26/05/2011, a " J... Lda”, foi declarada insolvente no âmbito do processo de Insolvência que corre os seus termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial da Guarda sob o n.º 486/11.8TBGRD.

5. No âmbito da referida Insolvência foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, na qual o crédito do Banco A... , no montante total de € 116.332,01, foi verificado, classificado como comum e, juntamente com os demais créditos comuns, graduado em quarto lugar, a ser pago, rateadamente, na proporção do respectivo montante.

6. A acção executiva nº 892/11.8TBGRD, instaurada pelo Banco A... , foi julgada suspensa em relação à sociedade J... , Lda, nos termos dos arts. 870º do Código de Processo Civil e 88º/1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

7. Em 7 de Julho de 2011, o Banco A... deu entrada da acção executiva, para pagamento do indicado montante de € 48.720,09, e em que são executados a primeira ré e F... .

8. No requerimento executivo da acção indicada em 7), apresentado em 07.07.2011, o autor indicou à penhora a fracção autónoma designada pela letra "S" do prédio urbano sito na Guarda, Largo (...) n.º (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 194 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1487.°.

9. No dia 04.06.2010, compareceram perante Notário, que exarou por escrito as suas declarações, com a epígrafe “Doação”, conforme certidão de fls. 92 a 96, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a primeira ré, na qualidade de primeira outorgante, e os demais réus, seus filhos, na qualidade de segundo, terceiro e quarto outorgantes, respectivamente, tendo declarado, entre o mais, o seguinte: “PELA PRIMEIRA OUTORGANTE FOI DITO: Que, no valor de seis mil quatrocentos e vinte e seis euros e dez cêntimos, por conta da quota disponível de seus bens, doa aos segunda, terceira e quarto outorgantes, em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte imóvel: Fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente ao quarto andar frente – para habitação – com arrecadação S-um no sótão, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal (…) sito em Guarda (...) , Largo (...) , deste concelho, inscrito na matriz sob o artigo 1487, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número cento e noventa e quatro, da mesma freguesia da Guarda (…). PELAS SEGUNDA, TERCEIRA E QUARTO OUTORGANTES FOI DITO: Que aceitam esta doação nos termos exarados e que a fracção adquirida se destina exclusivamente a habitação (…)”.

10. Com base na escritura referida em 9) os 2º, 3º e 4º réus registaram, em seu nome, a aquisição da referida fracção, pela apresentação 940, de 31.08.2011, a título de aquisição por “doação”.

11. Mostra-se descrita na Conservatória do Registo Predial da Guarda uma fracção autónoma, sita na Guarda, freguesia da (...) , com a descrição nº 1/19841003-TODA, inscrita, pela apresentação 4 de 2007/10/11, a título de “aquisição” por compra a favor de F... , sobre a qual incidem, ainda, as seguintes inscrições, em vigor: hipoteca voluntária, a favor do M... , para garantia do montante máximo de € 95.979,00, inscrita pela apresentação 15 de 2007/10/11; hipoteca voluntária, a favor do M... , para garantia do montante máximo de € 22.613,60, inscrita pela apresentação 6 de 2007/10/18; hipoteca voluntária, a favor do M... , para garantia do montante máximo de € 25.315,60, inscrita pela apresentação 1118, de 2011/02/17; penhora a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia de € 1.052,63, inscrita pela apresentação 3455, de 2012/02/03. 12. F... é proprietário do estabelecimento comercial denominado « N... », sito na Rua (...) , na cidade da Guarda.

13. Desde o ano de 2009 até 2013, F... foi vereador da Câmara municipal da Guarda, auferiu o montante de € 7 069,24.

14. No exercício da sua actividade bancária, o autor celebrou com a sociedade J... Lda, em 03/11/2000, o acordo escrito junto a fls. 22 a 24, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, no âmbito do qual o autor concedeu à referida sociedade o montante de 10.000.000$00, sob a forma de uma conta aberta em nome da sociedade, pelo prazo de 90 dias, prorrogáveis automaticamente por igual período de tempo, mediante o pagamento pela J... , Lda de juros à taxa resultante da indexação à Lisboa a 3 meses com um spread de 5,5%.

15. O acordo referido foi reformulado pelas partes intervenientes, em 25/07/2007, aumentando-se o respectivo montante para € 75.000,00 e passando os seus termos a vigorar de acordo com o clausulado no documento de fls. 25 a 30, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido

16. Para garantia e segurança do bom pagamento de todas as responsabilidades que adviessem do não cumprimento pontual e integral da obrigação resultante dos acordos referidos em 14. e 15., a " J... Lda. ", entregou ao Banco A... uma livrança em branco, por si subscrita.

17. No verso da referida livrança encontram-se escritos os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir a primeira ré, F... , e I... colocaram as suas assinaturas.

18. A primeira ré, F... e I... assinaram o acordo referido em 14., no qual constava, na cláusula 19 das condições gerais, que autorizavam o Banco A... a preencher, a livrança referida em 16) e 17), em caso de incumprimento das obrigações assumidas nesse acordo, "(...) com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato".

19. A " J... Lda" deixou de cumprir o acordo referido em 14. em 16/03/2010, nada mais pagando ao autor desde essa data.

20. O Banco A... enviou à " J... Lda", à primeira ré, a F... e a I... , que receberam, as cartas cujas cópias constam a fls. 33 a 36, datadas de 02/06/2011, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu conteúdo, nas quais lhes comunicava, entre o mais, que considerava “denunciado” o acordo referido em 14. e 15. e que havia efectuado o preenchimento da livrança referida em 16. e 17., com o montante de € 81.200,16, referente às seguintes parcelas vencidas: Capital € 75.000,00; Juros, devidos desde 16/03/2010, à taxa de 6,154%, € 6.200,16 .

21. Mais informando, que o referido valor deveria ser pago até 24/06/2011.

22. O que, nem a sociedade " J... Lda. ", nem a primeira ré, nem F... e I... , fizeram.

23. A acção executiva referida em 1) foi instaurada para cobrança da quantia indicada em 20.

24. No exercício da sua actividade bancária e a pedido da sociedade J... Lda, no ano de 2008, o autor emitiu uma Garantia Bancária, com o n.º 339511 e no valor de € 60.000,00, a favor da L... , S.A., destinada a garantir o bom e pontual cumprimento de todas as obrigações do requerente perante a beneficiária.

25. Para garantia do bom pagamento de qualquer das responsabilidades que adviessem para a proponente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ela resultante da Garantia Bancária referida em 24., a J... Lda., entregou ao Banco A... livrança em branco, por si subscrita.

26. No verso desta livrança, encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir, a primeira ré e F... colocaram as suas assinaturas.

27. A J... , Lda, a primeira ré e F... assinaram o pedido de Garantia Bancária, cuja cópia se mostra junta a fls. 45 e 46, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, no qual declararam autorizar o Banco A... a preencher a referida livrança referida em 25. e 26., em caso de incumprimento das obrigações assumidas, com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente deva ao abrigo desse acordo.

28. A referida garantia bancária foi accionada pela beneficiária L... , S.A., tendo o Banco A... efectuado o respectivo pagamento de € 60.000,00.

29. O Banco A... enviou à J... , Lda, à primeira ré e a F... , em 2 de Junho de 2011, tendo estes recebido as cartas, cujas cópias se mostram juntas a fls. 49 a 51, datadas de 02/06/2011, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, nas quais lhes comunicavam que considerava “denunciado” o acordo relativo à referida Garantia Bancária, e que havia efectuado o preenchimento da livrança referida em 25. e 26. com o montante de €33.770,00, referente às seguintes parcelas vencidas: Capital € 30.000,00 Juros, devidos desde 25/01/2011, à taxa de 29,000% € 3.770,00.

30. Mais informando que o referido valor deveria ser pago até 24/06/2011.

31. O que, nem a sociedade " J... Lda. " nem a primeira ré, nem F... , fizeram.

32. A acção executiva referida em 2. foi instaurada para cobrança quantia indicada em 28.

33. No exercício da sua actividade bancária, o autor celebrou com F... , em 04/11/1997, um acordo, cuja cópia se mostra junta a fls. 77 e 78, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu conteúdo, no âmbito do qual entregou àquele a quantia de 10.000.000$00, sob a forma de uma conta aberta em nome de F... , pelo prazo de 180 dias e mediante o pagamento de juros à taxa de juro nominal de 11,5%.

34. O acordo referido em 33. foi reformulado pelos intervenientes, em 25/07/2007, reduzindo-se o respectivo montante para € 45.000,00 e passando os seus termos a vigorar de acordo com o clausulado do documento de fls. 79 a 84, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

35. Para garantia e segurança do bom pagamento de todas as responsabilidades que adviessem do não cumprimento pontual e integral da obrigação resultante dos mencionados acordos, F... entregou ao Banco A... livrança em branco, por si subscrita.

36. No verso da livrança referida em 35 encontram-se os dizeres “Dou o meu aval à subscritora” e a seguir a primeira ré colocou a sua assinatura.

37. F... e a primeira ré assinaram o acordo referido em 34., no qual autorizaram o Banco A... a preencher, a referida livrança, em caso de incumprimento das obrigações assumidas no dito acordo, "( ...) com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato" conforme cláusula 19 das condições gerais.

38. F... deixou de cumprir o acordo referido em 34. em 16/03/2010, nada mais pagando ao autor desde essa data

39. O Banco A... enviou a F... e à primeira ré, em 2 de Junho de 2011, tendo aqueles recebido, cartas, cujas cópias se mostram juntas a fls. 86 e 87, datadas de 02/06/2011, nas quais os informavam que considerava o acordo referido em 34 “denunciado” e que havia efectuado o preenchimento a livrança referida em 35 e 36, com o montante de € 48.720,09, referente às seguintes parcelas vencidas: Capital € 45.000,00; Juros, devidos desde 16/03/2010, à taxa de 6,154% € 3.720,09.

40. Mais informando, que o referido valor deveria ser pago até 24/06/2011.

41. O que, nem F... nem a primeira ré, fizeram.

42. A acção executiva indicada em 6. foi instaurada para cobrança da quantia referida em 39.

43. A primeira ré teve conhecimento dos factos descritos em 19. e 38. em data não concretamente apurada, mas anterior à celebração da escritura referida em 9.

44. A primeira ré procedeu nos termos descritos em 9 com a intenção de impedir a satisfação dos montantes indicados em 20 e 39.

Factos Não Provados

1. Nas circunstâncias referidas em 17, 26 e 36 dos factos provados foi a 1ª ré que colocou nas livranças os dizeres “Dou o meu aval à subscritora”

2. O registo da doação foi efectuado apenas na data indicada em 10. dos factos provados com o propósito de esconder tal acto dos credores.

3. A primeira ré teve conhecimento dos factos descritos em 19. e 38. na data aí indicada.

4. Existem outros bens, nomeadamente do executado F... e da executada “ J... Lda” em valor suficiente para garantir a satisfação integral do crédito do autor.

A. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al.s b) e c), do NCPC.

            Alegam os recorrentes que a sentença em apreciação padece das apontadas nulidades, por não se especificarem os fundamentos de facto que a justificam e os mesmos, ou alguns deles, estão em oposição com a decisão.

            O artigo 615, n.º 1, al.s b) e c), do NCPC), sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b); quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c).

            Para que a sentença sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669 e, de acordo com os mesmos autores, in ob. e loc. cit, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

            Na sentença recorrida descrevem-se os factos tidos por apurados, bem como lhes foram aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo das suas várias páginas se foram, uns e outros referindo, pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação quer de direito quer de facto.

            E igualmente não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

            Isto porque na mesma se considerou que face à demonstração dos factos em que o autor assentava a sua pretensão (requisitos da impugnação pauliana), teria a mesma de proceder, sem que, no que a isso respeita (do ponto de vista formal, único que aqui releva), haja qualquer reparo a fazer-lhe.

            Mais do que arguir as nulidades em causa, os recorrentes manifestam o seu desacordo pela forma como foi apreciada a prova, mas essa é uma questão que, nesta sede, nada releva.

Consequentemente, não padece a sentença recorrida das apontadas nulidades.

            Assim, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

B. Se se verificam ou não, os pressupostos da impugnação pauliana.

Alegam os recorrentes que em face da alteração da matéria de facto matéria de facto que propugnavam, se tem de concluir que não se verificam os pressupostos exigidos nos artigos 610.º a 612.º do Código Civil, para a denominada impugnação pauliana, designadamente, que o autor não demonstrou a anterioridade do seu crédito relativamente à doação efectuada pela 1.ª ré aos demais réus; nem que tenha ficado impossibilitado de obter a satisfação integral do seu crédito ou que tenha visto agravada tal possibilidade.

Na sentença recorrida, ao invés, considerou-se que tais requisitos se têm por verificados e, em consequência, julgou-se a acção como procedente.

Em face da factualidade dada como provada, tem, fatalmente, a presente acção de proceder, por estarem preenchidos os requisitos da impugnação pauliana, como se refere na sentença recorrida e para cujos termos se poderia remeter, conforme artigo 663.º, n.º 6, do NCPC.

Efectivamente, este meio de tutela encontra-se regulado nos artigos 610º a 618º do C.C., sendo os seus efeitos os previstos no artigo 616º do C.C.: há um sacrifício do acto de alienação celebrado, mas apenas na medida do interesse do credor reclamante, uma vez que o acto mantém a sua plena validade, dado não estar afectado por qualquer vício intrínseco. É esta a razão pela qual os Autores falam no carácter vincadamente pessoal da acção pauliana – cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume II, pág. 444; Vaz Serra, in R.L.J. ano 100º, pág.s 207-208; Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ª edição, pág. 599; Henrique Mesquita, in R.L.J. ano 128º, pág. 220 e ss. No mesmo sentido, ver os Acórdãos do S.T.J. de 13/2/2001, processo 00A3684, e da Relação de Coimbra de 14/3/2006, processo 307/06, in www.dgsi.pt.

Seguindo o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/1/95, in C.J. ano XX, tomo 1, p. 29, «Nas relações entre credor e adquirente, procedendo a impugnação tem o primeiro direito à restituição dos bens na medida do seu interesse e o segundo a obrigação de os restituir, suportando a execução respectiva no seu património...», e mais adiante, «os bens só devem sair do património do adquirente, por forma compulsiva, em consequência da execução. O remanescente, se o houver, continuará a pertencer ao adquirente.».

Assim, em rigor, o pedido a formular neste tipo de acção deverá ser o da declaração de impugnação do acto contra o qual se reage e o reconhecimento ao impugnante do direito de executar, no património do adquirente, os bens validamente vendidos na medida necessária à satisfação do crédito do credor.

De qualquer modo, mesmo que o pedido formulado não corresponda ao acabado de assinalar, tal não obsta à procedência da acção: a Jurisprudência nº 3/2001 do S.T.J. de 23 de Janeiro de 2001 estabeleceu que «Tendo o A., em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao A. (nº 1 do artigo 616º do C.C.), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664º do C.P.C.».

O artigo 610º do C.C. dispõe que «Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

Por sua vez, o artigo 612º estipula que:

“1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

Assim, a impugnação pauliana requer a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

- Existência de um crédito;

- Verificação de uma diminuição da garantia patrimonial do crédito;

- Impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito;

- Nexo de causalidade entre o acto impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento.

Relativamente ao primeiro pressuposto referido, o artigo 610º do C.C. impõe que o autor da acção de impugnação pauliana seja titular de um direito de crédito, o qual pode constar já de um título executivo, ou não.

A diminuição da garantia patrimonial pode verificar-se, ou por uma redução do activo do devedor, ou pelo aumento do seu passivo.

Quanto à impossibilidade ou agravamento para a satisfação integral do crédito, tendo por causa o acto impugnado, temos que estes requisitos não coincidem, necessariamente, com a situação de insolvência, na medida em que o agravamento da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação do seu crédito pode consistir na substituição dos bens do devedor por outros facilmente deterioráveis ou consumíveis, como acontece com o dinheiro. Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Évora de 27/6/96, in C.J. ano XXI, tomo 3, p. 283 e Jurisprudência aí citada.

Como observa Vaz Serra, in R.L.J. ano 102º, pág. 4 e ss, “a venda, substituindo à coisa vendida o preço, causa um prejuízo aos credores, o qual consiste na diminuição ou inutilização prática do seu direito de execução”

Conforme consta do Acórdão do S.T.J. de 19/10/2004, processo 04B049, in www.dgsi.pt, “sendo o dinheiro um bem facilmente mobilizável e sonegável à acção dos credores, não é o mero facto do ingresso, no património do devedor, do preço da coisa por este alienada mercê da compra e venda objecto da pauliana que pode excluir a verificação do requisito”

Segundo entendimento pacífico, deve atender-se ao momento do acto de alienação para averiguar se se verifica o requisito da insuficiência do património do devedor.

Dada a normal dificuldade prática, para o credor, da prova de que o seu devedor não dispõe de bens penhoráveis, impõe o legislador, no artigo 611º do C.C., que o credor prove o montante das dívidas, mas que seja o devedor (ou o terceiro adquirente, igualmente demandado) que prove a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor.

A prova que incumbe ao devedor possui incidência impeditiva do direito do autor nos termos do artigo 342º, nº 2 do C.C. (cfr. Antunes Varela, in Revista Decana, 116º, 341). A existência desses bens penhoráveis de igual ou maior valor há-de ser provada em relação ao momento do acto impugnado e não em relação a momento posterior, consoante o disposto no artigo 610º, al. b) do C.C.; se nessa data o devedor possuía bens suficientes, mas depois deixou de os ter, a impugnação improcede (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume II, p. 437 e 438, e Henrique Mesquita, in Revista Decana, 128º, 252).   

A lei exige ainda, no que aos actos onerosos diz respeito, a existência de má-fé do devedor e do adquirente: o artigo 612º do C.C. dispõe que:

“1. O acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé …

2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

Ou seja, a lei não se bastou com um conceito puramente psicológico, coincidente com o conhecimento da insolvência do devedor ou do seu agravamento, mas também não exige a intenção de prejudicar o credor. Nas palavras de Vaz Serra (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 4ª edição, volume I, p. 629), “normalmente, mesmo, há a intenção, ou pode haver a intenção, de realizar um acto vantajoso, ou a intenção de satisfazer uma necessidade do devedor, sem o intuito de causar um dano”.

Conforme se escreveu no Acórdão da Relação de Évora de 17/6/2004, processo 724/03.3, in www.dgsi.pt, posição que subscrevemos, a má fé consiste na “…actuação, por parte dos intervenientes no acto ou actos, com conhecimento ou consciência do prejuízo que esses actos vão causar ao credor impugnante, não sendo necessário que o transmitente e o transmissário estejam conluiados … para causarem esse prejuízo e não sendo igualmente necessária a existência da intenção de prejudicar o credor … Basta que as partes envolvidas no acto praticado estejam moralmente convencidas do prejuízo que tal acto irá causar ao credor (dolo eventual) ou que se verifique «a representação da possibilidade da produção do resultado danoso» ou seja uma actuação correspondente à chamada negligência consciente. Por outras palavras: é suficiente a convicção de a conduta não ser recta conforme ao direito, ficando afastada somente a negligência inconsciente”.

No mesmo sentido, Acórdãos do STJ de 09/02/12, disponível no respectivo sítio da dgsi e de 10/11/98, in C.J. Acs. do STJ, ano 6º, tomo III, p. 104 ; do S.T.J. de 13/5/2004 e da Relação de Lisboa de 29/9/2005, processo 9549/2004-6, in www.dgsi.pt.

Na doutrina, tal posição é defendida por Almeida Costa, in R.L.J. ano 127º, pág. 274 e ss.

No caso em apreço, os recorrentes defendem que não se acha demonstrado o requisito da anterioridade do crédito (que o mesmo não é anterior à outorga da doação) nem que o autor tenha ficado impossibilitado de obter satisfação integral do seu crédito ou que tenha visto agravada essa possibilidade.

Ora, compulsando a factualidade dada como provada e subsumindo-a ao que ora se deixou dito, é forçoso concluir que se verificam os aludidos requisitos da impugnação pauliana, sem esquecer, como acima já referido que, nos termos do disposto no artigo 611,º do CC, ao credor apenas incumbe a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

No que se refere ao requisito da anterioridade do crédito, defendem os recorrentes que tendo a escritura de doação sido outorgada em 04 de Junho de 2010 e que os contratos foram denunciados em Junho de 2011, só com o preenchimento das livranças anteriormente entregues em branco, nasceu o crédito do autor, ou seja, em data posterior à da celebração da escritura de doação.

Na sentença recorrida considerou-se que se verifica este requisito porquanto o que conta é a data da constituição dos créditos e não do seu vencimento, devendo considerar-se os mesmos constituídos nas datas em que foi aceite a letra ou prestado o aval.

Em primeiro lugar, cumpre referir que o facto de o crédito não estar vencido não obsta ao exercício da impugnação, cf. artigo 614.º, n.º 1, do Código Civil.

Efectivamente, como refere Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 4.ª edição, Almedina, a pág. 438, nota 1, não é necessário que o crédito já se encontre vencido, para que o credor possa reagir contra os actos de diminuição da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto.

O mesmo entendimento manifesta Cura Mariano, Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, a pág.s 151 e seg.s e referindo expressamente que no caso de subscrição de livrança em branco, o crédito cambiário daí resultante nasce com a emissão desse título (cf. ob. cit., pág.s 157 e 158 e nota 330, onde se cita vária jurisprudência neste sentido).

Esta solução é, igualmente, a seguida, entre outros, no Acórdão desta Relação de 06/07/2010, Processo 337/09.3TBCBR.C1 e no do STJ, de 13 de Dezembro de 2007, Processo 07A4034, ambos, disponíveis nos respectivos sítios do itij.

Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 28.º I, da LULL, o crédito resultante do aceite, constitui-se no momento da subscrição da letra, mediante a qual o sacado se obriga a pagar a letra e a do avalista com a prestação do aval por, como decorre do artigo 30 da LULL, este assumir, solidariamente, a responsabilidade do pagamento do título avalizado.

Isto porque a letra ou livrança aceite ou avalizada, titula o direito nela incorporado nascido da dita “relação subjacente”, anterior ao preenchimento da letra ou livrança que apenas vem a corporizar nesta o anterior crédito que lhe dá origem.

Ora, como resulta dos factos provados, designadamente, o que consta dos itens 9.º, 14.º, 15.º, 19.º e 34.º, a escritura de doação foi efectuada em 04 de Junho de 2010 e os contratos de concessão de crédito à J... e a F... , foram celebrados em 03 de Novembro de 2000 (este reformulado em 2007), surgindo o seu incumprimento em 16/03/de 2010; a garantia bancária foi concedida em 2008, com incumprimento em 25 de Janeiro de 2011.

Assim, relativamente aos créditos do autor, dúvidas inexistem de que o incumprimento é anterior à doação, sem embargo do que se deixou dito no sentido de que o crédito do autor nasceu com a subscrição das livranças, que são contemporâneas da celebração dos contratos (cf. itens 16.º a 18.º, 25.º a 27.º e 35.º a 37.º).

Por último, de referir que mesmo no caso de o crédito ser posterior ao acto realizado, ainda assim se mantém a possibilidade de impugnação, se este foi realizado com a intenção de impossibilitar ou agravar a impossibilidade de o credor obter a satisfação do seu crédito.

Ora, em face do que consta do item 44.º, é indubitável que assim é, pelo que sempre se teria de ter por verificado este requisito.

Assim, tem de concluir-se que se verifica a anterioridade do crédito relativamente à doação efectuada pela 1.ª ré aos demais réus.

Relativamente à impossibilidade de o credor obter a realização integral do seu crédito ou o respectivo agravamento, também a mesma é patente.

Tal requisito, como se refere na decisão recorrida, baseia-se numa diminuição dos valores patrimoniais que respondem pela satisfação do crédito.

Com a doação a 1.ª ré deixou de ser a dona da fracção doada (que doou aos restantes filhos que não eram sujeitos passivos das obrigações contraídas para com o autor).

Por outro lado, ao réu F... apenas são conhecidos os bens descritos em 11.º (cujo bem, imóvel, se encontra onerado com três hipotecas e uma penhora, no total, no valor aproximado de 150.000,00 €) e que este é proprietário do estabelecimento identificado no item 14.º e recebeu os rendimentos referidos no 15.º.

Incumbia aos devedores provar a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor – cf. artigo 611.º, CC., o que, manifestamente, não foi feito, uma vez que nada foi provado quanto aos proventos originados com a exploração de tal estabelecimento e, por conseguinte se suficientes para pagamento das dívidas para com o autor.

Assim, também este requisito se tem de ter por verificado.

Preenchidos que estão todos os pressupostos da impugnação pauliana, terá esta que proceder, sendo os seus efeitos, como indicado supra, os previstos no artigo 616º do C.C.: dado que a impugnação pauliana é apenas um meio de tutela, de garantia geral das obrigações, a lei consagra que o credor seja restituído dos bens em questão na medida do seu crédito, podendo executá-los mesmo que se encontrem no património de terceiros (cfr. o artigo 818º do Código Civil.).

Consequentemente, também quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

            Coimbra, 03 de Março de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves