Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/06.6PTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 496º, DO C. CIVIL
Sumário: Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
E o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum singular nº 6/06.6TALRA do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria os arguidos A... e B... foram submetidos a julgamento acusados, o primeiro de uma contra-ordenação estradal (violação do limite geral de velocidade) prevista e punida pelo artigo 27º, nºs 1 e 2, al. a), 1º do Código da Estrada, uma contra-ordenação estradal (transposição da linha longitudinal contínua) prevista e punida pelos artigos 60º nº 1, M 1 e 65º, al. a) do Regulamento ao Código da Estrada, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01 de Outubro, e 146º, al. o) e 147º, nº 2, do Código da Estrada, e em conexão causal com tais infracções, cinco crimes de ofensa à integridade física por negligência, previstos e punidos pelo artigo 148º, nº 1 do Código Penal e, o segundo, de um crime de condução sob a influência de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 2, e 69º do Código Penal.
C..., D..., E... e B... constituíram-se partes cíveis, peticionando a condenação da “WW... Companhia de Seguros, S.P.A.” a pagar-lhes montantes indemnizatórios, por a demandada ser responsável civilmente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e a sofrer pelos demandantes, em virtude do acidente de viação por estes sofrido.
O Hospital de X.., E.P.E. deduziu contra ZZ... e WW... Seguros pedido de indemnização civil, fundando o seu pedido na assistência médica prestada aos sinistrados E..., A... e B..., tendo posteriormente desistido do pedido formulado contra a primeira das seguradoras. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, I.P, veio, de fls. 1056 a 1058 (dadas por reproduzidas), deduzir o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social contra A..., pedindo que este seja condenado a pagar-lhe € 1 085, 19, acrescida de juros moratórios à taxa legal, relativos a subsídios por doença pagos a E..., na decorrência do acidente de viação por que é civilmente responsável o demandado.
Posteriormente foi requerida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros WW..., que foi admitida a intervir nos autos.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 10 de Janeiro de 2011 com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acusação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
1. Condenar o arguido A... pela prática, em concurso real, de 5 (cinco) crimes de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo Art. 148º, n.º 1 do Código Penal em 5 (cinco) penas parcelares de 5 (cinco) meses de prisão;
2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1), na pena única de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
3. Condenar o arguido A... nas custas do processo (Art. 513º, n.º 1 e 521º, ambos do Código de Processo Penal), com 4 Unidades de Conta de taxa de justiça, o mínimo de procuradoria (Art. 514º, n.º 1 do mesmo diploma legal) e ainda 1% de taxa de justiça aplicada, nos termos do Art. 13º, n.º 3 do Decreto-Lei 423/91, de 30 de Outubro.
4. Absolver o arguido A... das contra-ordenações que lhe eram imputadas;
5. Absolver o arguido B... do crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes de que vinha acusado.

Pelo exposto, julgando procedente o pedido de pagamento de despesas hospitalares, condeno a demandada WW... Seguros S.P.A. a pagar ao Hospital de X.. a quantia de € 7 979, 21 (sete mil, novecentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da notificação à demandada do respectivo pedido até integral pagamento.

Pelo exposto, julgando procedente o pedido de reembolso de prestação, condeno a demandada Companhia de Seguros WW... – S.P.A. a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia de € 1 085, 19 (mil e oitenta e cinco euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da notificação ao demandado do respectivo pedido.

Pelos fundamentos expostos:
1. Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante B..., condenando a demandada cível “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.” a pagar ao demandante o montante de € 160, 00 (cento e sessenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data da notificação do pedido cível à demandada e o montante de € 40.000, 00 (quarenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data da presente sentença, num valor indemnizatório global de € 40 160, 00 (quarenta mil e cento e sessenta euros).
2. Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante E..., condenando a demandada cível “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.” a pagar à demandante o montante de € 30 000, 00 (trinta mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data da notificação do pedido cível à demandada e o montante de € 35.000, 00 (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data da presente sentença, no montante global de € 65 000, 00 (sessenta e cinco mil euros).
3. Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante D…, condenando a demandada cível “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.” a pagar ao demandante o montante de € 8 000, 00 (oito mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data da presente sentença.
4. Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C..., condenando a demandada cível “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.” a pagar à demandante o montante de € 45 000, 00 (quarenta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data da presente sentença.
5. Absolver a demandada cível “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.” do mais que vinha peticionado.

Inconformada com a decisão, dela recorreu a demandada WW... – Companhia de Seguros S.P.A., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1) Os valores arbitrados a titulo de danos morais aos recorridos B...C...e D..., são excessivos.
2) São excessivos quer por comparação com jurisprudência sobre casos similares e, bem assim, por comparação com aqueles que são, pelo menos para o legislador, os valores razoáveis a arbitrar em casos também idênticos.
3) Ao arbitrar valores tão elevados, a douta Sentença recorrida violou quanto dispõe o artigo 496º do Cód. Civil.
4) Pelo que se impõe a respectiva revogação.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se a douta Sentença recorrida, nos termos expostos, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA.

Notificados, os demandantes recorridos não responderam ao recurso.
Foi proferido despacho admitindo os recursos interpostos.

Nesta Relação, efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Fundamentos da Decisão Recorrida
A sentença recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
Factos Provados
Da audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria fáctica (não se pronunciando o Tribunal sobre a matéria de direito, juízos de valor e factos conclusivos constantes da acusação e das peças processuais juntas pelos diversos sujeitos processuais), pertinente para a decisão da causa:
1. No dia 01 de Janeiro de 2006, por volta das 04:45 horas, o arguido A... conduzia o veículo com a matrícula ..., ligeiro de passageiros, pela Estrada Nacional nº 242, no sentido Leiria / Marinha Grande.
2. Quando percorria o Km 1,580 da aludida estrada, nas imediações da cidade de Leiria, onde a faixa de rodagem tem 10,60 metros de largura e comporta três vias de trânsito sendo uma destinada ao sentido Marinha Grande /Leiria e duas no sentido Leiria /Marinha Grande, o arguido A... exercia a condução imprimindo ao veículo por si tripulado uma velocidade não inferior a 100 km/h, e sem prestar atenção ao estado da faixa de rodagem (que na ocasião se encontrava molhada pelas águas pluviais) e aos demais automobilistas que transitavam pelo local.
3. Em consequência de ir a exercer a condução pela descrita forma, o arguido A... abandonou a via de trânsito onde transitava, destinada ao sentido de marcha Leiria / Marinha Grande, penetrou na via de trânsito destinada ao tráfego Marinha Grande / Leiria, local onde embateu no veículo com a matrícula ..., ligeiro de passageiro, que na ocasião por aí transitava, no sentido Marinha Grande / Leiria, conduzido por G....
4. Devido à violência do embate o veículo com a matrícula ... foi projectado contra as barreiras de protecção existentes no lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
5. E o veículo conduzido pelo arguido A... prosseguiu a sua marcha no interior da via de trânsito destinada ao sentido de marcha Marinha Grande / Leiria, local onde embateu no veículo com a matrícula ..., ligeiro de passageiros, conduzido pelo arguido B..., que na ocasião por aí transitava, no sentido Marinha Grande / Leiria, transportando, como passageiros, E..., C... e D....
6. Devido à violência de tal embate o veículo com a matrícula ... foi projectado no sentido contrário ao que seguia e, em consequência do “efeito mola” que se verificou, tal veículo foi cair em cima do veículo com a matrícula ..., ligeiro de mercadorias, que na ocasião também por aí transitava, no mesmo sentido de marcha Marinha Grande / Leiria, conduzido por F....
7. Por sua vez, o veículo conduzido pelo arguido A... prosseguiu desgovernado em direcção à parte direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, local onde se imobilizou no interior da via de trânsito mais à direita, a cerca de 10,60 metros do veículo com a matrícula ..., e com a frente virada, sensivelmente, na direcção da Marinha Grande.
8. Após o acidente, o veículo com a matrícula ... ficou imobilizado na faixa de rodagem, dentro da via de trânsito em que circulava e com a respectiva parte da frente direita agarrada à parte da frente esquerda do veículo com a matrícula ....
9. Após o acidente, o veículo com a matrícula ... ficou imobilizado de forma perpendicular à faixa de rodagem, com a parte traseira contra as barras de protecção que delimitam a via pelo lado direito, atento o sentido de marcha em que seguia, e com a parte dianteira a ocupar parcialmente a via de trânsito destinada ao sentido de marcha Marinha Grande / Leiria.
10. Após o acidente, o veículo com a matrícula ... ficou imobilizado na berma da estrada, com a parte direita contra as barras de protecção que ladeiam a via pelo dado direito, atento o seu sentido de marcha, a 9,80 metros do veículo com a matrícula ....
11. Momentos antes de se ter verificado o acidente, o veículo com a matrícula ... seguia atrás do veículo com a matrícula ... e este seguia atrás do veículo com a matrícula ....
12. O embate entre o veículo com a matrícula ... e o veículo ... deu-se entre a frente do lado esquerdo do primeiro e a parte da frente, sobre o lado esquerdo, e toda a parte lateral esquerda do segundo.
13. O embate entre o veículo com a matrícula ... e o veículo ... deu-se entre a frente do primeiro e a frente do segundo.
14. Em consequência do acidente G..., caixeira, sofreu as lesões físicas descritas nos autos de exame médico de fls. 420 e 421, as quais se dão aqui por reproduzidas, designadamente, vários traumatismos, fractura cominutiva do cotovelo esquerdo; fractura do olecrâneo e fractura supracondiliana do úmero.
15. A ofendida G... como sequela do acidente ficou com alguma limitação funcional do cotovelo esquerdo (flexão até 90` e extensão incompleta);
16. O arguido B..., jornalista, sofreu as lesões físicas descritas nos autos de exame médico de fls. 342, 343, 448 a 450, bem assim como nos elementos clínicos de fls. 451 a 460, as quais se dão aqui por reproduzidas, designadamente traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo cervical com fractura de C2, traumatismo do membro inferior direito com fractura maleolar externa e rotura do calcaneo direito; esfacelo do joelho direito; edema e diminuição da flexão e extensão do pé.
17. E..., técnica de recursos humanos, sofreu as lesões físicas descritas nos autos de exame médico de fls. 336, 337, 384 e 385, bem assim nas informações clínicas de fls. 386 a 393, as quais se dão aqui por reproduzidas, designadamente traumatismo craniano, com perda temporária do conhecimento, traumatismo abdominal, do membro superior direito e dos membros inferiores.
18. C..., locutora, sofreu as lesões físicas descritas nos autos de exame médico de fls. 339, 340, 399 e 400, bem assim como nas informações clínicas de fls. 401 a 417, as quais se dão aqui por reproduzidas, designadamente politraumatismo com hematoma subdural agudo, fractura da clavícula, costelas e nariz, contusão hemorrágica temporal à esquerda e traumatismos da face torácico e da mão esquerda.
19. A nível ocular sofreu uma diplopia e a nível dentário sofreu uma lesão do dente 14 e fracturas dos dentes nºs 11 e 21.
20. Além disso, a ofendida ficou com sequelas de TEC e com depressão pós-traumática.
21. D…, locutor, sofreu as lesões físicas descritas nos autos de exame médico de fls. 333, 334, 348 e 349, bem assim como no boletim clínico de fls. 440 a 446, as quais se dão aqui por reproduzidas, designadamente traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo da face e dos membros superior e inferior esquerdos; fractura da 1ª falange do 3º dedo da mão esquerda, contusão dos ombros com paralisia do plexo branquial à esquerda; ferida no cotovelo esquerdo; traumatismo torácico e fractura de dois dentes incisivos.
22. No local onde ocorreu o acidente a via forma uma subida antecedida de uma curva à esquerda.
23. Nesse local a faixa de rodagem é construída em asfalto betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação.
24. Na altura em que ocorreu o acidente era noite e não existia iluminação da rede pública.
25. No aludido local a via de trânsito destinada ao sentido Marinha Grande / Leiria encontrava-se delimitada da parte da faixa de rodagem destinada ao tráfego no sentido inverso por duas linhas longitudinais contínuas.
26. O arguido A... devia e podia ter previsto que com a sua conduta, que sabia não lhe ser permitida, podia vir a causar, como causou, a lesões físicas a qualquer pessoa e ter adoptado comportamento adequado a evitá-las.
27. O arguido A... actuou de forma livre e consciente bem sabendo que as suas condutas lhes eram proibidas por lei.
28. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
29. O arguido A... foi condenado pela prática de uma contra-ordenação, por factos praticados em 17/10/2007, decorrente de conduzir com uma taxa de álcool no sangue superior a 0,8 g/l, mas inferior a 1,2 g/l.
30. O arguido B... é jornalista, aufere cerca de € 1120 mensais, reside com a sua esposa, a qual aufere cerca de € 780 mensais, em casa própria, pagando de empréstimo à habitação o montante de € 480 mensais.
31. O arguido A... aufere o salário mínimo, pelo trabalho que desenvolve na empresa do seu pai e vive em casa dos pais, juntamente com estes.
32. O arguido A... é considerado, por aqueles que com ele privam, como uma pessoa pacífica e sociável.
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33. À data do acidente, a responsabilidade civil por danos causados pelo veículo ... encontrava-se transferida para a “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.”, por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 008410147970.
34. Antes do acidente, os demandantes C..., D..., B...e E... gozavam de boa saúde.
35. A data da consolidação das lesões sofridas pelo ofendido B...é fixável em 14/11/2006, sendo o período de incapacidade temporária geral total de 60 dias, o período de incapacidade temporária geral parcial de 257 dias e o período de incapacidade temporária profissional total de 155 dias e o período de incapacidade temporária parcial fixável em 162 dias.
36. As lesões sofridas por B...implicaram um quantum doloris de grau 4/7 e o dano estético de 3/7.
37. As lesões sofridas pelo ofendido B...provocaram-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 11 pontos, a qual deverá ser acrescido, a título de dano futuro em mais 5 pontos.
38. As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
39. O demandante B...necessitou de apoio de terceiros durante a sua convalescença, tendo adquirido uma cadeira de rodas no valor de € 160,00 (cento e sessenta euros).
40. Ficou afectado psicologicamente, sentindo-se triste por não fazer uma vida normal e ter ficado com algumas limitações e incómodos.
41. A data da consolidação das lesões sofridas pela ofendida E... é fixável em 19/06/2006, sendo o período de incapacidade temporária geral total de 40 dias, o período de incapacidade temporária geral parcial de 129 dias e o período de incapacidade temporária profissional total de 71 dias e o período de incapacidade temporária parcial fixável em 98 dias.
42. As lesões sofridas por E... implicaram um quantum doloris de grau 5/7 e dano estético de 3/7.
43. As lesões sofridas pela ofendida E... provocaram-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 10 pontos.
44. As sequelas descritas exigem alguns esforços acrescidos na actividade profissional da demandante E…, que desempenha funções como técnica de recursos humanos.
45. A demandante necessitou de apoio de terceiros durante a sua convalescença.
46. A demandante E... ficou afectada psicologicamente, sentindo-se triste por não fazer uma vida normal e ter ficado com algumas limitações, incómodos e cicatrizes no seu corpo.
47. A data da consolidação das lesões sofridas pelo ofendido D... é fixável em 30/03/2006, sendo o período de incapacidade temporária geral total de 30 dias, o período de incapacidade temporária geral parcial de 58 dias e o período de incapacidade temporária profissional total de 88 dias.
48. As lesões sofridas por D… implicaram um quantum doloris de grau 3/7 e o dano estético de 1/7.
49. As lesões sofridas pelo ofendido D... provocaram-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 1 ponto.
50. As sequelas descritas são compatíveis com o exercício profissional específico do demandante D...(locutor de rádio).
51. Ficou afectado psicologicamente, sentindo-se triste durante o período de convalescença.
52. A data da consolidação das lesões sofridas pela ofendida C... é fixável em 01/01/2008, sendo o período de incapacidade temporária geral total de 68 dias, o período de incapacidade temporária geral parcial de 662 dias, o período de incapacidade temporária profissional total de 171 dias e o período de incapacidade temporária parcial fixável em 559 dias.
53. As lesões sofridas por C... implicaram um quantum doloris de grau 4/7 e o dano estético de 3/7.
54. As lesões sofridas pela ofendida C... provocaram-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 5 pontos, a qual deverá ser acrescido, a título de dano futuro em mais 5 pontos, dadas as sequelas psiquiátricas de que ficou a padecer.
55. As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares para a demandante C..., locutora de rádio.
56. A demandante C...evidencia sintomatologia objectiva e subjectiva de Síndrome Pós-Concussional, sendo recomendável que possa beneficiar de um regular e adequado acompanhamento psiquiátrico, como forma de influenciar positivamente o seu prognóstico.
57. A demandante C...necessitou de apoio de terceiros durante a sua convalescença,
58. Ficou afectado psicologicamente, sentindo-se triste por não fazer uma vida normal e ter ficado com algumas limitações, incómodos e cicatrizes.
59. A demandante E..., nascida a 12/04/1980, auferia na data do acidente, a quantia mensal de € 543, 50, pelo seu desempenho profissional como técnica de recursos humanos.
60. No dia 1 de Janeiro de 2006 receberam tratamentos os sinistrados E..., A... e B...no Hospital de X.., tendo tais tratamentos importado em € 8 559, 85.
61. A assistência prestada no Hospital de X.. à sinistrada E... teve um custo de € 7 871, 35, ao sinistrado B...de € 107, 86 e ao sinistrado A... de € 580, 64.
62. A beneficiária E..., na sequência do acidente de viação sofrido recebeu, a título de subsídio por doença, a quantia de € 1 085, 19 (mil, oitenta e cinco euros e dezanove cêntimos).

Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente:
1. O arguido A... imprimia à viatura uma velocidade não inferior a 120 km/h.
2. Na altura em que ocorreu o acidente o arguido B...conduzia o veículo com a matrícula ..., sob influência de um canabinóide.
3. O veículo conduzido pelo arguido A... tenha sido embatido pelo veículo ... que invadiu a hemi-faixa em que seguia o arguido A....

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4. Os demandantes B..., E..., D...e C...tenham tido os prejuízos e despesas mencionadas nos respectivos pedidos de indemnização civis deduzidos, com excepção do mencionado em 39).
5. A assistência prestada pelo Hospital de X.. aos sinistrados B..., E... e A... tenha sido motivada pelo veículo de matrícula ..., segurado na ZZ..., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 860000220, conduzido por B....

Fundamentação da matéria de facto

O Tribunal fundou a sua convicção numa análise global da prova produzida, ponderada e sopesada criticamente à luz das regras da experiência comum.
Assim, foi especialmente relevante, quanto ao modo como decorreu o acidente, o testemunho de …, que testemunhou de forma isenta e credível, absolutamente convincente e com claro conhecimento de causa (uma vez que conduzia um veículo que seguia em sentido contrário ao do arguido A..., à frente do primeiro carro que foi embatido, de matrícula …, no sentido Marinha Grande – Leiria), sem ser parte interessada no desfecho deste processo, descrevendo a forma como o veículo … invadiu a faixa de rodagem em que seguia e veio a embater no carro que seguia atrás de si na estrada (tendo tido de se encostar o mais possível à sua mão para evitar o embate com o veículo do arguido A...).
Esta testemunha, que vislumbrou tudo o que se passou até ao primeiro embate, afirmou peremptoriamente que foi o veículo … que causou o acidente (o despiste e posterior embate).
Relativamente ao primeiro embate teve-se em consideração o testemunho de G..., assistente nos presentes autos e que se apercebeu de um carro vir na sua direcção, num momento em que esta seguia na sua mão de trânsito, corroborando, na íntegra a versão apresentada pela testemunha Rosa Pinho, que seguia à sua frente, no mesmo sentido de marcha.
Foi ainda relevante para perceber a dinâmica do acidente após o primeiro embate, as declarações conjugadas do demandante B..., condutor do veículo … e E..., que seguia no mesmo veículo, ao lado do condutor, os quais tiveram a noção da trajectória do veículo conduzido pelo arguido A.... Por seu turno, a testemunha G … , condutor do veículo … , que seguia atrás do veículo … apercebeu-se da trajectória descontrolada do veículo conduzido pelo arguido A... e deste ter embatido no veículo … .
Foi ainda valorado o testemunho de … , o qual chegou ao local imediatamente após os embates terem ocorrido, tendo tido percepção da posição dos quatro veículos acidentados, posição essa que também foi esclarecida pelo agente da PSP … , o qual se deslocou ao local pouco tempo depois do acidente ter ocorrido, confirmando o teor da participação junta aos autos a fls. 9 a 13 (nomeadamente, na parte relativa à posição dos veículos).
Teve-se ainda em consideração os fotogramas de fls. 138 a 143 e relatório de fotos de fls. 144, quanto ao estado em que ficaram três dos quatro veículos acidentados, designadamente os veículos ..., ... e ....
No que concerne à velocidade a que o arguido seguia, o Tribunal teve em consideração o testemunho do próprio arguido que, a final, admitiu que conduzia a uma velocidade de cerca de 100 km/h, bem como no testemunho de … , que se cruzou com o arguido, nos termos supra assinalados e que também referiu que o veículo conduzido pelo arguido A... seguia a uma velocidade de “100 para cima”, sendo esta testemunha a mais abalizada para ter uma percepção da velocidade e da trajectória do veículo …, por ter-se apercebido da manobra que este realizou, antes do embate com o veículo que circulava atrás do seu.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos e antecedentes estradais do arguido A..., teve-se em consideração os documentos nos autos a fls. 1278, 1031 e fls. 1409-1410.
Quanto às condições económicas e sociais dos arguidos, foram valoradas as declarações dos próprios, que o Tribunal reputou de fidedignas, tendo sido considerado o testemunho de … e … quanto à reputação social de que o arguido A... beneficia no meio social em que se insere.
Relativamente às lesões e consequências observadas nos sinistrados G..., D..., B..., E... e C... teve-se em consideração o conjunto de elementos médico-legais junto aos autos, designadamente exame médico de fls. 420 e 421, 342, 343, 448 a 450, 336, 337, 384 e 385, informações clínicas de fls. 386 a 393, exames médicos de fls. 339, 340, 399 e 400, informações clínicas de fls. 401 a 417, exames médicos de fls. 333, 334, 348 e 349, boletim clínico de fls. 440 a 446 e em especial, como corolário de todos os elementos clínicos coligidos, as perícias de avaliação do dano corporal de fls. 946 a 953 (D...), 961 a 966 (E...), 987 a 1002 (C...) e 905 a 913 (B...).
Foram ainda valorados os documentos juntos pelo Hospital de X.., a fls. 493 a 496, certidão da Segurança Social de fls. 1059 a 1060, documento de fls. 657 relativo ao pagamento da cadeira pelo demandante B..., apólice de fls. 119 relativa ao contrato de seguro do veículo ....
Relativamente às consequências pessoais e profissionais do acidente na vida dos demandantes teve-se em consideração os testemunho de …..., os quais, por serem familiares e amigos destes, denotaram conhecer a repercussão que o acidente teve nas suas vidas, dada a proximidade existencial mantida com os mesmos, logrando dessa forma convencer o Tribunal sobre os factos relatados.

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Os factos dados como não provados foram-no devido à inexistência de prova suficiente e credível no sentido da sua verificação (que ou não foram referidos concretamente ou confirmados por qualquer testemunha – como aconteceu em relação à velocidade, ou foram-no de modo a não merecer credibilidade aos olhos do Tribunal – como aconteceu em relação à versão do acidente apresentada nas contestações pelo arguido e Companhia de Seguros WW... de que havia sido o veículo conduzido pela assistente G... que tinha desviado a sua trajectória e embatido no veículo … na hemi-faixa em que este último seguia.
Efectivamente, nenhuma das testemunhas ouvidas depôs neste sentido, tendo ficado claro que o primeiro embate se dá na hemi-faixa da direita, atento o sentido de marcha Marinha Grande – Leiria e que resultou do arguido A... ter manobrado o seu veículo de tal forma que invadiu a faixa de rodagem contrária à que seguia.
Importa ainda destacar que foi dado como não provado que o arguido B...conduzisse o veículo … sob influência de um canabinóide, em face dos esclarecimentos prestados pelo INML.
Efectivamente, o arguido apenas admitiu ter consumido estupefaciente alguns dias antes do acidente. O rastreio efectuado no dia do acidente dá como positivo, assim como o relatório de fls. 7, no entanto a informação subsequente de fls. 1347 e 1348, também do Instituto Nacional de Medicina Legal é peremptório ao afirmar que “no caso em apreço, as determinações foram unicamente realizadas em urina, não tendo, assim, qualquer significado no que diz respeito à determinação do estado de influenciado, uma vez que esse estado deve ser avaliado em sangue (….).”
É ainda referido que apenas foi detectado um “metabolito, que é inactivo, não exercendo os efeitos psicoactivos dos canabinóides, não influenciando, assim, o indivíduo na sua condução (….), a presença desta substância no organismo é unicamente indicativa do consumo de canabinóides e nunca de um estado de influenciado, uma vez que este composto pode persistir durante dias ou até semanas após um consumo crónico.”
Ora, em face de tais elementos científicos, tornou-se inevitável desconsiderar tal factualidade mencionada na acusação.
Relativamente à matéria desconsiderada nos vários pedidos cíveis formulados, designadamente quanto aos danos patrimoniais alegados, tal ficou a dever-se à ausência de prova sobre os mesmos, ficando por demonstrar que as despesas alegados tivessem resultado do acidente aqui versado, sendo que os prejuízos mencionados foram também desconsiderados por não se ter produzido prova, testemunhal ou documental que permitisse quantificar os mesmos, em termos objectivos e rigorosos.

No que respeita aos pedidos cíveis objecto de impugnação em recurso a sentença recorrida contém os seguintes fundamentos de direito:
Como se sabe, nos termos do Art. 129º do Código Penal, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, remetendo-se, assim, para as disposições gerais do Código Civil relativas a essa matéria.
De facto, a responsabilidade civil extra-contratual, dita aquiliana, encontra-se prevista nos Arts. 483º e ss. do Código Civil, assentando num dos três iuris praecepta de Ulpiano: alterum non laedere, não prejudicar ninguém. Na sua base está, pois, um princípio básico de direito natural, prescrevendo que quem causa um dano a outrem, deve ser obrigado a repará-lo e a repor a situação anterior (reconstituição natural) ou, quando tal não seja possível, a indemnizá-lo em função do dano causado.
Como se escreveu, no já longínquo ano de 1935, “É evidente que sendo terceiro o causador do dano, por culpa ou dolo, a vítima poderá exigir a devida indemnização, pelo princípio de que a responsabilidade recai sobre quem lesa os direitos de outrem” (Joaquim Crisóstomo, Acidentes causados por automóveis e a respectiva responsabilidade civil, Lisboa, 1935, p.109)
Em cumprimento destas directrizes, o Art. 483º, n.º 1 do Código Civil, dispõe que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
A doutrina tem vindo a sistematizar os pressupostos da responsabilidade civil constantes do Código Civil, v.g., em acto ilícito e prejuízo reparável (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, reimpressão, Coimbra, 1995, p. 53 e ss.), ou, mais especificadamente, em facto, ilicitude, imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (neste sentido, paradigmaticamente, Antunes Varela, ob. cit., p. 533).
No caso sub judicio, cumpre, prima facie, apreciar se a conduta do demandado preenche todos estes pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos.
Em primeiro lugar, temos um facto voluntário do arguido (a condução do veículo em contravenção às normas estradais), um comportamento que resulta da sua vontade, que foi controlado e querido por esta, mesmo que esta não tenha querido o resultado final (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Coimbra, 1999, p. 484).
Existe também ilicitude na sua primeira modalidade (violação de direito de outrem - Art. 483º, n.º 1 do Código Civil), desde logo porque foram violados diversos direitos subjectivos, como o direito à integridade física (abrangidos pelas norma da Constituição já citadas e pela cláusula geral do Art. 70º, n.º 1 do Código Civil).
Por outro lado, claro é também que o arguido agiu negligentemente (Art. 483º, n.º 1 do Código Civil), com culpa, o que fundamentou a sua condenação no crime em questão e permite imputar-lhe as diversas lesões e prejuízos sofridos (o dano nas suas diversas vertentes e em relação aos vários demandantes, como veremos melhor infra), que foram causadas pela sua actuação.
Como concluiu paradigmaticamente Américo Marcelino, ob. cit., p. 34: “Se o réu dever ser censurado penalmente, por maioria de razão o será civilmente: quer em concreto (aquele réu), quer em abstracto (o bom pai de família) podiam e deviam ter adoptado outro comportamento”
Caberia, pois, ao arguido, enquanto responsável civil “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (Art. 562º do Código Civil).
Porém, como o veículo interveniente no acidente tinha a sua responsabilidade civil transferida para a “Companhia de Seguros WW..., S.P.A.”, e uma vez que estamos dentro dos limites da sua responsabilidade, compete inteiramente à demandada cível a obrigação de indemnizar os lesados (cfr. Arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1, al. a, 5º, al. a, 6º, n.º 1, 8º, n.º 1 e 29º, todos do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro).

Uma vez que a reconstituição natural é impossível, dada a própria natureza dos danos em causa, a obrigação da responsável civil acaba por corresponder à atribuição de uma indemnização aos demandantes (Art. 566º, n.º 1 do Código Civil).
Esta indemnização corresponderá, por sua vez, à “diferença entre a situação patrimonial dos lesados, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (Art. 566º, n.º 2 do Código Civil)” – Calvão da Silva, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134º, p. 114, correspondendo à chamada “teoria da diferença”.
A obrigação de indemnizar, por sua vez, “só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – Art. 563º do mesmo diploma legal, que adoptou, no âmbito da responsabilidade civil, a “teoria de causalidade adequada, segundo a qual uma conduta é causa de um resultado quando este, pelas regras correntes da vida, é consequência daquela” (Acórdão da Relação de Évora de 7 de Dezembro de 1993, BMJ n.º 432, p. 452).
Nestes termos, nem todo o dano que teve como sua condição aquela conduta ilícita integra a obrigação de indemnizar (como aconteceria se se adoptasse a doutrina das condições equivalentes), mas apenas aquele que, segundo um juízo de probabilidade, não teria ocorrido se não fosse a existência da lesão.
Analisemos então os danos em causa e a concomitante indemnização a arbitrar, começando pelos danos peticionados pelos demandantes D..., B...e C..., já que quanto a estes, não haverá que apurar quaisquer quantum indemnizatório relativo às incapacidades para o trabalho, já que tal questão já se mostra resolvida no âmbito do processo que correu termos no Tribunal do Trabalho.
Quanto aos danos a atender na fixação da obrigação de indemnizar dos demandados, teremos de considerar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos demandantes.
Os danos patrimoniais correspondem “a uma diminuição do património em relação ao seu estado no momento anterior ao evento danoso, quer por diminuição do activo (o objecto destruído), quer por aumento do passivo (a despesa tornada necessária), como na perda de um ganho ou possibilidade de ganho futuro” – Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, p. 229.
À primeira e segunda hipóteses referidas costuma designar-se dano emergente (damnum emergens), enquanto a última é designada como lucro cessante (lucrum cessans), abrangido por força do Art. 564º do Código Civil.
No âmbito do dano emergente resultado do acidente, temos apenas as despesas suportadas pelo ofendido B...na aquisição de uma cadeira de rodas, no montante de € 160, 00 (cento e sessenta euros). Apenas se terá ainda que apurar, neste particular a indemnização a arbitrar à demandante E... relativamente à perda de ganho.
No que a estes respeita, e para respeitar o enquadramento legal da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do CC), o critério a seguir será o de achar uma indemnização em dinheiro que corresponda a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de auferir, mas que se extinga no período provável de vida activa (acórdãos do STJ de 04.06.98, BMJ 478, página 344; de 15.12.1998, CJ de Acórdãos do STJ, Ano VI, Tomo III, página 155; de 25.06.02, mesma CJ, Ano X, Tomo II, página 128; de 20.11.03, mesma obra, Ano XI, Tomo III, página 149; e de 22.09.05, obra citada, Ano XIII, Tomo III, página 38); e de 12.01.2010, processo 317/2002.C3.S1, disponível em www.dgsi.pt).
A solução que tem sido entendida como mais adequada para achar o cálculo dessa indemnização é a que parte de determinadas fórmulas matemáticas, mas sempre sujeitas ao tempero da equidade (artigo 566.º, n.º 3, do CC), até porque como se escreveu no citado acórdão de 22.09.05, “essas tabelas assentam em elementos em constante mutação, como as taxas de juro, a própria taxa de incapacidade, tendo em conta os progressos espectaculares da medicina, da cirurgia e da indústria de próteses, a evolução da economia, o salário dos lesados, aquando do acidente, a esperança de vida”.
Haverá que atender ao tempo provável de vida activa – que a jurisprudência, não obstante algumas oscilações, tem vindo, ultimamente, a situar nos 70 anos, como sucedeu, por exemplo, nos referidos acórdãos de 22.09.05 e de 12.01.2010 e, ainda, nos acórdãos do mesmo Tribunal, de 17.12.2009 e de 29.04.2010, processos número 340/03.7TBPNH.C1.S17 e 344/04.2GTSTR.S1, respectivamente –, à incapacidade de que o lesado ficou portador, ao salário auferido e à taxa de juro praticada pelas instituições bancárias.
Assim, teremos de considerar que E... auferia, na data do acidente € 543, 50, tendo à data do acidente 25 anos, sendo natural que trabalhasse até aos 70.
Atenderemos também, para esta finalidade, o grau de incapacidade permanente geral que a mesma ficou a padecer (10 pontos), bem como a uma taxa de juro de 2%. O valor obtido, seguindo o ‘caminho’ delineado por Sousa Dinis, «Dano Corporal em acidentes de viação» in CJ/ASTJ, 2001, I, p. 9 (e a fórmula aí exposta, que corresponde à actualização de outro artigo, com o mesmo título, publicado na CJ/ASTJ, 1997, II, p. 11 e ss.), sofrerá um outro desconto (uma vez que a vítima receberá de uma só vez o que iria receber aos longos dos anos), “dependendo do nível de vida do país, do custo de vida e até da sensibilidade do juiz” (apontando, todavia, como possível, o desconto de ¼).
O julgador, mesmo recorrendo a fórmulas matemáticas para se aproximar do valor a arbitrar, tem sempre de, num acto judicativo-decisório, fixar por si o concreto valor da indemnização que considera equitativo, do que não se pode demitir refugiando-se na ‘frieza’ dos números – o direito nunca se reconduz a uma simples operação aritmética). Nestes termos, e ponderando e sopesando todos estes factores, considera-se ajustada, com recurso um juízo de equidade, uma indemnização de € 30.000 pelos danos patrimoniais sofridos pela demandante E.....
Quanto ao montante da indemnização por danos não patrimoniais, este será fixado pelo tribunal segundo o que entender ser equitativo e de acordo com “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (Art. 496º, n.º 3 do Código Civil, que remete para o Art. 494º), concedendo “ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada. adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991, BMJ n.º 406, p. 618).
Os critérios para a respectiva fixação encontram-se estabelecidos no n.º 3 do mesmo preceito e no artigo 494.º; a regra base é a equidade, mas tendo sempre em atenção as circunstâncias do caso, de que avultam o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e outras que se tenham apurado.
“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo …, e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág. 600).
“A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (autor e obra citados, pág. 602).
A indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, por isso que, não pode ser miserabilista, mas significativa (acórdão do STJ de 25.06.02, supra mencionado; em igual sentido, o acórdão do mesmo Tribunal, de 12.03.09, disponível em www.dgsi.pt).
No seu cálculo intervém, sobretudo, critérios de equidade (mas fundados nas circunstâncias do caso concreto), de proporcionalidade (em função da gravidade do dano), de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida (Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, pág. 449).
“(…) pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal … a equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio” (Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pág. 103/105).
Para as circunstâncias do caso, hão-de relevar a natureza e o grau das lesões, as suas sequelas (físicas e psíquicas), os tratamentos médicos, mormente intervenções cirúrgicas, os internamentos, o tempo de doença, o “quantum doloris”, a afirmação social, a alegria de viver, a auto estima, a idade, a esperança de vida e perspectivas de futuro (acórdão do STJ de 02.10.2007, CJ do STJ, Ano XV, Tomo III, página 68).
Revertendo ao caso dos autos, temos que foi muito grave a culpa do segurado da ré – invadiu a meia faixa de rodagem contrária à sua, devido à velocidade excessiva em que seguia.
In casu, para fixação dos quatro valores indemnizatórios por danos morais ter-se-á em consideração, em especial, as seguintes directrizes e critérios: períodos de incapacidade temporária geral total e parcial, incapacidade profissional total e parcial, quantum doloris, incapacidade permanente geral, sequelas em termos de rebate profissional e dano estético.
Na ponderação que se faz, de acordo com o que acabámos de expor, entende-se, pela análise do conspecto global de cada uma das situações, equitativo fixar o valor indemnizatório por danos não patrimoniais ao demandante B...de € 40 0000, 00 (quarenta mil euros), à demandante E... de € 35 000, 00 (trinta e cinco mil euros), ao demandante D... de € 8000, 00 (oito mil euros) e de € 45 000, 00 (quarenta e cinco mil euros) à demandante C....
Assim, ao demandante B...deverá ser somado este valor ao que foi encontrado a título de danos patrimoniais, ou seja, aos € 160, 00 já fixados, numa indemnização total de 40 160, 00 (quarenta mil e cento e sessenta euros).
E o mesmo se diga relativamente ao valor global indemnizatório da demandante E... que terá que resultar da soma do valor agora fixado com os € 30 000, 00 atribuídos a título de perda da capacidade de ganho, numa indemnização global de € 65 000, 00 (sessenta e cinco mil euros).
Os demandantes apenas terão direito, em relação aos danos não patrimoniais (uma vez que os patrimoniais não foram objecto de qualquer actualização, aplicando-se-lhes plenamente as disposições legais supra referidas), aos juros legais que se vencerem a partir da presente decisão – neste sentido, aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República – I Série-A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002, p. 5057, que veio acolher a orientação já vertida anteriormente, entre outros, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1987, BMJ n.º 370, p. 505, de 15 de Dezembro de 1998, CJ/ASTJ III, p. 159 e de 6 de Julho de 2000, CJ/ASTJ II, p. 144, bem como no Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Abril de 1993, CJ II, p. 69).
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III. Apreciação do Recurso
Sendo certo que cabe nas atribuições deste Tribunal de recurso conhecer de facto e de direito (cfr. artigos 363º e 428º do Código de Processo Penal) o âmbito concreto do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal) sempre sem embargo das questões do conhecimento oficioso.
E vistas as conclusões do recurso, a única questão proposta e que deve ser apreciada consiste em saber se as indemnizações arbitradas aos demandantes B..., C... e D… a título de danos não patrimoniais são excessivas, devendo ser reduzidas.

Apreciando:
A recorrente pretende que as indemnizações arbitradas aos demandantes B..., C... e D..., respectivamente nos montantes de 40.000, 45.000 e 8.000 euros, sejam reduzidas porque excessivas por comparação com jurisprudência com casos similares e com os valores que o legislador entende razoáveis para casos similares (querendo referir-se à Portaria 377/2008 de 26 de Maio, apenas expressamente mencionada no corpo da motivação).
Cita a recorrente dois Acórdãos do STJ de 21.10.2010 e de 7.10.2010 no corpo da motivação, sem outra identificação. Teve-se o cuidado de pesquisar e corresponderão aos Acórdãos publicados em www.dgsi.pt proferidos nos processos 1331/2002.P1.S1 e 370/04.1TBVGS.C1, no primeiro caso arbitrando-se indemnização por danos não patrimoniais no valor de 40.000 euros a lesado com 30% de IPP e no segundo caso indemnização de 50.000 euros a lesado com IPP de 45%.
Mas evidentemente que tentar encontrar um critério uniformizador é tarefa quase impossível até pela diversidade de pormenor que caracteriza cada uma das situações apreciadas. Quanto à citada Portaria, como a própria recorrente reconhece, não é aplicável ao caso que continua a ser regulado pelas pertinentes disposições do Código Civil.
Os fundamentos gerais da obrigação de indemnizar derivada de facto ilícito vêm abordados na sentença recorrida, cabendo aqui fazer apelo às normas exclusivamente aplicáveis na determinação da indemnização por danos de natureza não patrimonial.
Neste particular dispõe o artigo 496º, nº 3 do Código Civil sob a epígrafe “Danos não patrimoniais” (na tese da recorrente objecto de violação na decisão recorrida) que “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias do artigo 494º …”. Este preceito refere como circunstâncias o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. E nestas demais circunstâncias adquirem particular relevo a natureza/intensidade dos danos em causa.
Como o dano não patrimonial consiste num prejuízo que atinge bens imateriais, insusceptível de avaliação pecuniária, é irreparável mas susceptível de ser compensado por um equivalente monetário, residindo a dificuldade em encontrá-lo, por apelo, sempre imperfeito, ao que o dinheiro pode propiciar e que constitua um lenitivo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a dor psicológica e física e o que o dinheiro em substituição pode propiciar. No encontro desse ponto de equilíbrio reside o exercício da equidade, critério para que a lei aponta.
E nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida (cfr. entre outros o Acórdão de 7.12.2011 proferido no processo 461/06.4GBVLG.P1.S1 publicado em www.dgsi.pt), como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica (cfr. entre outros o Acórdão proferido no processo 526/08.4TMS.P1.S1 de 8.6.2010).
Desde logo se acentua genericamente que as verbas em causa não têm um valor económico muito significativo, tendo em conta os bens de consumo que estão disponíveis por tal valor, mesmo as mais elevadas.
Começando pela natureza dos danos sofridos pelo demandante B...destaca-se que em razão do acto ilícito, sofreu, nomeadamente, traumatismos craniano e cervical com fractura de uma vértebra, ainda traumatismo de membro inferior com fractura, esfacelo de um joelho, lesões que demandaram para cura cerca de onze meses, implicaram intensidade de dor de grau quatro e importam sequelas redutoras em 11% da capacidade geral com evolução futura até 16%, produtoras de dano estético de grau 3 e que ainda implicam esforço acrescido no exercício da actividade profissional.
Perante estes dados não se vislumbra qualquer manifesto excesso na indemnização arbitrada que importe a consideração da sua redução nos termos supra expostos.

A demandante C..., por seu turno sofreu, nomeadamente, politraumatismo com hematoma subdural, fractura da clavícula, costelas e nariz, contusão hemorrágica temporal e traumatismo da face toráxica e da mão esquerda, afectação de três dentes, dipoplia ocular, com intensidade de dor de grau quatro.
Estas lesões demandaram para cura quase dois anos, apresentando, no entanto, a ofendida sequelas, como dano estético de grau três, incapacidade geral de 5% que evoluirá no futuro para 10% que implica maior esforço no exercício da actividade profissional e ainda como sequelas de traumatismo craniano apresenta depressão pós-traumática necessitando de acompanhamento psiquiátrico.
Também neste caso não se vislumbra qualquer ostensiva excessividade da indemnização arbitrada e por comparação com a situação anterior encontra-se plenamente justificada a fixação de indemnização superior logo em razão do longo tempo de doença que ainda demanda acompanhamento psiquiátrico.

Finalmente no que se refere ao demandante D... sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento traumatismos da face e dos membros inferiores, fractura de dos, contusão no ombro esquerdo com paralesia do plexo branquial, traumatismo toráxico, fractura de dentes, lesões que demandaram para cura cerca de dois meses com intensidade de dor de grau três. Como sequelas regista-se dano estético de grau 1 e incapacidade geral de 1%.
É, aliás, em razão da existência destas sequelas que se entende como plenamente justificada a indemnização fixada de 8.000 euros que, não fora essa circunstância, não podia claramente exceder verba na ordem de 5.000 e atente-se que as sequelas são para todo o sempre da existência humana por menos significantes que sejam.
Rejeitamos obviamente argumentos que conduzam à banalização da dor física e psicológica resultante de acontecimentos traumáticos desta natureza, devendo-lhes ser conferida a dignidade e importância que efectivamente merecem, mesmo que num país de baixos salários e rendimentos.
E, não obstante a tendência de aumento progressivo das indemnizações nas últimas décadas, ainda estamos longe dos valores indemnizatórios praticados em outros países da união europeia, justamente porque também se pondera todo um conjunto de diferenças, nomeadamente o diferente nível económico.
Ponderado o exposto e nomeadamente o tipo de sequelas, com óbvio reflexo no dia a dia dos demandantes, mesmo no caso do último lesado referenciado, concluímos que as indemnizações arbitradas alcançaram o ponto de equilíbrio a que acima se aludiu, e não representam uma afronta ostensiva às regras da boa prudência devendo, por consequência, ser mantidas.
Improcede a pretensão da recorrente de ver reduzida a indemnizações.
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IV. Decisão
1. Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pela demandada WW... – Companhia de Seguros S.P.A.;
2. Condenar a demandada pelo seu decaimento em custas, fixando a taxa de justiça devida em cinco unidades de conta.
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Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)
José Eduardo Fernandes Martins