Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
174/13.0GAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PRODUÇÃO DE PROVA
DESPACHO
INDEFERIMENTO
RECURSO
NULIDADE
PROVA PROIBIDA
“EFEITO À DISTÂNCIA” DA PROVA PROIBIDA
QUEBRA DO NEXO DE ANTIJURIDICIDADE
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA DO ARGUIDO
“CONVERSA INFORMAL”
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
DEPOIMENTO EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA DO RESULTADO
INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL
Data do Acordão: 10/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL DE VISEU)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 120.º, N.º 2, AL. D), 340.º, 356.º, N.º 7, E 399.º, DO CPP; ART. 10.º DO CP
Sumário: I - O meio processualmente adequado para reagir contra despacho que, no decurso da audiência de discussão e julgamento, indefere diligência de prova requerida, expressa ou implicitamente, ao abrigo do artigo 340.º do CPP, é o recurso, e não a arguição da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma legal.

II - Assim, se o sujeito processual interessado, na sequência de tal despacho de indeferimento, do mesmo não recorre, limitando-se a arguir a referida nulidade, deixando ocorrer, deste modo, o trânsito em julgado do despacho, fica o tribunal de recurso impedido de sindicar a referida decisão.

III - A prova proibida afecta sequencialmente as demais provas obtidas posteriormente com base naquela.

IV - Contudo, esse “efeito à distância” da prova proibida resulta afastado por via, inter alia, da produção de prova autónoma, onde se inscrevem as declarações confessórias, livres, voluntárias e esclarecidas, do arguido [mácula dissipada].

V - As vulgarmente designadas “conversas informais” de arguido a órgão de polícia criminal, ocorridas antes de o primeiro obter formalmente aquele estatuto [no caso, então o mesmo nem sequer era suspeito], se reveladas, no decurso da audiência de julgamento, pelo segundo, enquanto testemunha, não traduzem violação de qualquer norma processual, nomeadamente do disposto no artigo 356.º, n.º 7, do CPP, a menos que resulte demonstrado que o órgão de polícia criminal tivesse, no momento da revelação do arguido, agido deliberadamente para contornar os limites legalmente impostos.

VI - Os casos de interrupção do nexo de imputação da conduta ao resultado são aqueles em que à causa (adequada) posta pelo agente se sobrepõe uma outra causa (igualmente adequada) para produzir o evento, mas que não provém do mesmo agente, quer directamente, quer como consequência da causalidade inicial.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. Para julgamento em Processo Comum, com a intervenção do Tribunal de Júri, foram pronunciados, no âmbito do proc. n.º 174/13.OGAVZL da Comarca de Viseu, Viseu – Inst. Central – Secção Criminal – J3, os arguidos A... e B... , sendo-lhes, então, imputada, nos termos da acusação pública de fls. 2556 a 2578:

- Ao arguido A... a prática, em coautoria, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do Código Penal; quatro crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do Código Penal; dez crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelo artigo 145º, nº 1, alínea a) e n.º 2, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal; três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, por referência aos artigos 144º, alíneas b) e d) e 132º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal e, ainda, a prática em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3º, nº 2 do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03.01 e 121º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1 – A do Código da Estrada na redação em vigor à data da prática dos factos e, atualmente, pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01 e 121º, n.ºs 1 e 4 do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 72/2013, de 03.09;

- Ao arguido B... a prática, em coautoria, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a) do Código Penal; quatro crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h) do Código Penal; dez crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência aos artigos 143.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal; três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 145.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, por referência aos artigos 144.º, alíneas b) e d) e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi levada a efeito a comunicação a que alude o artigo 358.º, n.º s 1 e 3 do CPP – cf. ata de audiência de julgamento de 12.12.2014, a fls. 4882 a 4885 - por acórdão do tribunal de júri de 12.12.2014 foi deliberado [transcrição parcial do dispositivo]:

«Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a pronúncia (e a acusação do assistente), e, em consequência:

1. Absolve-se os arguidos A... e B... da prática dos quatro crimes de homicídio qualificado e dos treze crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos arts. 132º, nº 1 e 2, al. h), e 145º, n.º 1, als. a) e b), e 2, do Código Penal, de que vinham pronunciados.

2. Absolve-se o arguido A... da prática do crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo art. 3º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03-01, de que vinha pronunciado.

3. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido A... :

- como autor material de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, previsto e punido pelos arts. 274º, nº 1 e 2, al. a), e 285 do Código Penal, na pena de 11 (onze) anos de prisão;

- como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137º, nº 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137º, nº 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137º, nº 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão:

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

- como autor material de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo art. 3.º, nº 1, do D.L. nº 2/98, de 03-01, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

Operando o cúmulo das penas parcelares aplicadas, condena-se o arguido A... na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.

4. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido B... :

- como autor material de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, previsto e punido pelos arts. 274º, n.º 1 e 2, al. a), e 285º do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137.º, nº 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137.º, nº 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137.º, nº 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.

Operando o cúmulo das penas parcelares aplicadas, condena-se o arguido B... na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

Julga-se ainda:

- Procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil Conselho Diretivo dos Compartes dos Baldios de Vasconha, condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

- Procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil Conselho Diretivo dos Compartes dos Baldios de Adsamo, condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia de € 40.000 (quarenta mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

- Procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil Associação Humanitária dos Bombeiros de Carregal do Sal, condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia de € 51.900 (cinquenta e um mil e novecentos euros), acrescida do I.V.A. devido, e dos respetivos juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

- Procedente o pedido de reembolso formulado pelo Centro Hospitalar Tondela – Viseu, EPE, condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia de € 176,03 (cento e setenta e seis euros e três cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

- Procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP, condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia de € 475.704,10 (quatrocentos e setenta e cinco mil e setecentos e quatro euros e dez cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

- Parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes FFF... e seu pai EEE... , condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia global de € 121.000 (cento e vinte e um mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano – absolvendo-se os arguidos do demais peticionado;

- Parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes PPP... e esposa QQQ... , condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia global de € 120.000 (cento e vinte mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano – absolvendo-se os arguidos do demais peticionado;

- Parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes civis GG... e esposa HH... , condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia global de € 90.000 (noventa mil euros) – absolvendo-se os arguidos do demais peticionado;

- Parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes civis II... e JJ... , condenando os arguidos A... e B... , de forma solidária, no pagamento da quantia de € 5.000 (cinco mil euros) a cada um dos aludidos demandantes – absolvendo-se os arguidos do demais peticionado.

(…)

Deverá oportunamente ter-se em atenção o disposto no art. 80º, n.º 1, do Código Penal.

Declara-se perdido a favor do Estado, ao abrigo do disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal, o ciclomotor apreendido a fls. 338 a 341 ao arguido A... , que foi utilizado na prática dos factos acima dados como provados, existindo perigo de ser novamente empregue na prática de infrações criminais.

(…)

Determina-se a colocação da garrafa de Vodka “Eristoff Red”, apreendida a fls. 146 e 147 dos autos, no lixo, onde foi encontrada e apreendida.

Determina-se a restituição dos demais objetos apreendidos aos respetivos proprietários, cumprindo-se o previsto no art. 186º, nº 2 e 3, do C.P.P.

(…)».

3. No decurso da audiência de discussão e julgamento, por despacho de 14.11.2014, foi indeferido o requerimento apresentado pelo arguido A... no sentido da audição pelo tribunal de OOO..., assim como a arguição de nulidade, pelo mesmo, na sequência apresentada - artigo 120º, nº 2, al. d) do CPP - [cf. ata de fls. 4749 a 4758].

4. Inconformado com o despacho proferido em 14.11.2014, dele recorreu o arguido A... – recurso, esse, sobre o qual, uma vez notificado para o efeito, veio a declarar manter interesse na respetiva apreciação - formulando as seguintes conclusões [cf. fls. 4999 a 5007]:

1. O presente recurso é interposto de toda a matéria do despacho que indeferiu a arguição de nulidade prevista no artigo 120.º número 2 alínea d) do CPP, invocada na sequência do indeferimento do requerimento do Recorrente para audição de uma testemunha que se demonstrava essencial para o apuramento da verdade material, nos termos do disposto no art. 340º do CPP.

2. O Tribunal a quo indeferiu a arguição da nulidade porque entendeu que tal reclamação era meio inadequado de impugnação e porque se verificava ausência de fundamento legal para o efeito.

3. Ora, o requerimento de prova adicional do Arguido aqui Recorrente explicava que a testemunha então indicada era conhecedora dos factos sobre a autoria dos crimes e sobre a motivação para a sua prática e, por isso, essencial para a descoberta da verdade.

4. Ao indeferir tal pretensão, o Tribunal a quo omitiu produção de prova que pode reputar-se essencial para a descoberta da verdade, pelo que padece da nulidade prevista no art. 120º nº 2 al. d) do CPP.

5. Perante esta nulidade, a arguição da mesma sempre teria de ocorrer, ao abrigo do número 3 alínea a) do mesmo artigo, até que o ato estivesse terminado, ou seja, até ao fim da audiência durante a qual foi proferido o ato nulo, sob pena daquela ser considerada sanada.

6. Assim, o meio adequado a reagir seria a arguição de tal nulidade, pelo que o Arguido Recorrente atuou de acordo com os trâmites impostos pela lei do processo e boas práticas forenses, nada havendo a apontar à idoneidade do mecanismo impugnatório utilizado, único possível naquela situação processual.

7. Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo que “(…) no requerimento nem sequer foi feita referência à identidade de qualquer dos arguidos, pelo que, sendo o requerimento proveniente do arguido A... , e tendo este negado perentoriamente a prática dos factos, não se alcança que motivos “que levaram à prática dos factos” poderiam ser esclarecidos. Repete-se que no aludido requerimento não consta qualquer menção ao arguido B... ”.

8. Todavia, tal requerimento é totalmente claro no que respeita à identificação dos sujeitos processuais visados, identificando, no introito, o sujeito processual que o interpõe, a saber “ A... , Arguido nos autos à margem referenciados” e, explicando os fundamentos da importância da prova a produzir, refere que os mesmos “poderão revelar a motivação subjacente ao comportamento do coarguido”, isto é, identificando igualmente o outro Arguido nos autos que não aquele que, nesse ato, está a produzir o requerimento.

9. No processo em questão apenas figuram dois arguidos, sendo que, no início do referido requerimento, o ora Arguido Recorrente identifica-se cabalmente, pelo que, por exclusão, a referência ao “coarguido” só poderia ser, como efetivamente o é, ao outro arguido, neste caso o Sr. B... .

10. Não se verificam, pois, quaisquer motivos que serviram de fundamento para o indeferimento da arguição da nulidade, pelo que o despacho ora em crise deverá ser revogado e substituído por outro que reconheça a nulidade invocada e admita a produção da prova adicional requerida.

11. Na realidade, a audição de uma testemunha que tem conhecimentos diretos sobre a autoria dos crimes e, sobretudo, sobre a motivação de um dos Arguidos, o B... , para a conduta criminal por si levada a cabo e para a delação de outro Arguido, é essencial para a procura da verdade material sobre os factos em causa nos autos.

12. A testemunha que o Arguido pretendeu trazer aos autos afigura-se como por demais evidente essencial, não só à boa decisão da causa, como também demonstrando a inocência do ora Arguido, não visasse, aliás, o seu testemunho as razões que levaram o B... a implicar o A... em todo este périplo.

13. Assim, entende o Recorrente que ao indeferir a arguição da nulidade e, bem assim, a produção da prova adicional requerida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 120º nº 2 al. d) e nº 3 al. a), bem como o art. 340.º, todos do CPP.

14. Tais disposições legais devem ser interpretadas e aplicadas in casu no sentido de que o indeferimento da audição de uma testemunha que pode depor sobre factos respeitantes à autoria e à motivação para a prática dos crimes por parte de um coarguido, e por isso essencial para a descoberta da verdade, é nulo, devendo ser revogado e substituído por outro que admita tal prova adicional.

Termos em que deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decrete a nulidade do despacho e admita a audição da testemunha em apreço, fazendo-se assim a habitual e sã Justiça.

5. Não se conformando com o acórdão proferido a final, recorreram ambos os arguidos, de cuja motivação extraíram as seguintes conclusões:

O arguido A... [cf. fls. 5104 a 5193]:

1. O presente recurso é interposto do Acórdão de 12 de dezembro de 2014, proferido no presente processo a fls. 4836 a 4881, que condenou o Recorrente na pena única de 18 anos de prisão, e com o qual não se conforma, por injusto e excessivo, aqui impugnando-o em matéria de facto e de direito.

2. Como questão prévia, o Recorrente impugna igualmente a decisão da página 3 do Acórdão, que indeferiu as nulidades invocadas na sua contestação.

3. Esta decisão peca por falta de bondade e falta de fundamento, padecendo de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos, além do mais, do art.º 379º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal.

4. Na verdade, o Recorrente pugna pela nulidade e, por consequência a inutilizabilidade das provas constantes de fls. 3 e seg. (Informação de serviço), de fls. 21 e seg. (Relatório elaborado pelo SEPNA de Viseu), de fls. 23 e seg. (Auto reconhecimento e reportagem fotográfica) e de fls. 146 e 147 (Auto de apreensão), bem como todas as demais que com estas tivessem correlação, uma vez que estamos perante verdadeiras proibições de prova.

5. O Tribunal a quo não conheceu da arguição de nulidade, por proibição de provas, considerando que não usou aqueles elementos de prova na sua fundamentação.

6. Todavia, não só essas provas são nulas e proibidas, como foram usadas no Acórdão.

7. Na realidade, todas as diligências a que foi submetido o coarguido B... durante o inquérito não estão respaldadas em qualquer norma legal, violando, pelo contrário, grosseiramente, as regras e princípios subjacentes ao processo penal português.

8. Designadamente, os OPC ao levarem o coarguido B... , menor de 21 anos, para o meio do monte, para realização de alegadas diligências processuais, sem a presença de advogado violaram as regras de um processo penal justo, nomeadamente o disposto nos artigos 58.º, 1 e n.º 5, 64º, 126º, 129º, 141º e 144º do CPP e artigos 2º e 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

9. As diligências impostas ao coarguido B... são nulas, não podendo ser utilizadas nos autos, constituindo prova proibida nos termos do art. 126º do CPP e 32º nº 8 da CRP:

10. Todos os conhecimentos e provas que advieram de tais diligências, em consequência lógica, cronológica e valorativa dessa prova proibida, estão igualmente feridos de nulidade, nos termos do art. 122º do CPP, não podendo igualmente ser utilizados.

11. Um entendimento que preconize que o art. 250º n.º 8 do CPP, ou mesmo os arts. 58º n.º 1, al. a), n.º 2, 4 e 5, e 59º do CPP, permitem, perante a existência de suspeita de crime sobre pessoa determinada, menor de 21 anos, efetuar pedidos “informais” de informações, bem como realizar diligências de reconhecimento e inspeção ao local sem previamente proceder à constituição da referida pessoa como arguida, é manifestamente inconstitucional, por violação dos arts. 2º, 20º, n.º 4, 32º, n.º 1 e 3 da CRP.

12. Sendo igualmente inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, e 32º, n.º 1, 3 e 8 da CRP, o entendimento que preconize que a prova obtida nessas circunstâncias não é proibida, por não violar o disposto nos arts. 58.º n.º 1 al. a) n.º 2, 4 e 5 e 126.º do CPP, podendo ser valorada.

13. O Tribunal a quo utilizou a informação constantes de provas proibidas para fundamentar a sua convicção, designadamente na pág. 34 e 35.

14. O Tribunal usa aqueles elementos de prova bem como outros que destes derivaram, pelo que teria de se pronunciar sobre a invocada proibição de prova, reconhecendo-a e dela retirando as devidas e legais consequências.

15. Devem ser declaradas nulas e não utilizáveis as provas constituídas pela informação de serviço de fls. 3 e seg., o relatório elaborado pelo SEPNA de Viseu, de fls. 21 e seg., o auto de reconhecimento e reportagem fotográfica de fls. 23 e seg., o Auto de apreensão de fls. 146 e 147 e todas relacionadas com estas, nomeadamente os reconhecimentos/reconstituições produzidas posteriormente, as declarações de todos os agentes da GNR/SEPNA, bem como os documentos que, além do mais, indicam os pontos de ignição de cada um dos incêndios.

16. Relativamente ao recurso sobre matéria de facto, entende o Recorrente que os factos concretos constantes do rol dos factos provados, com os nºs 1 a 19 e 67 a 74 do ponto II – A do Acórdão, foram incorretamente julgados, pois não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento.

17. Por outro lado, os factos dados como não provados nos nºs 3, 13 a 20 e 23 a 29 do ponto II – B, pág. 23 e 24 do Acórdão, foram também incorretamente julgados, pois deveriam ter sido considerados provados por resultarem demonstrados da prova produzida em audiência de julgamento.

18. A discordância com a matéria de facto dada como provada assenta essencialmente num único fundamento: o de que o Arguido A... , aqui Recorrente, não praticou qualquer dos crimes pelos quais foi injustamente condenado.

19. Os factos dados como provados em 1 a 19 e 67 a 72 deveriam ser considerados praticados apenas pelo coarguido B... .

20. Os factos dados como provados 73 e 74 deveriam considerar que o arguido aqui Recorrente possuía título legal para a condução de ciclomotores e, em consequência, considerar demonstrado o facto dado como não provado no Acórdão no nº 29.

21. Foi feita prova direta suficiente para serem considerados provados os factos dados como não provados nos n.ºs 3, 13 a 20 e 23 a 28.

22. O Tribunal recorrido, ao condenar o aqui Recorrente, assenta a sua convicção apenas nas declarações do coarguido B... , sendo certo que inexiste qualquer outra prova que revele alguma participação do Arguido A... , aqui Recorrente, nos factos.

23. As declarações do coarguido B... , além de falsas, não podem ser valoradas contra o coarguido aqui Recorrente A... , por se tratar de prova frágil, não corroborada de qualquer forma por outra prova.

24. Na verdade, ninguém presenciou os factos delatados pelo coarguido B... ; ninguém viu o A... a atear os fogos; ninguém o viu na serra naquele dia; não foram encontrados quaisquer vestígios ou provas de que naquela noite o A... tivesse acompanhado o B... ao monte.

25. As testemunhas OO... , PP... , QQ... e RR... , todas agentes da GNR, apenas sabem o que o coarguido B... lhes disse, sendo que as suas declarações nessa parte não podem ser valoradas nos termos do disposto no nº 7 do art. 356º do CPP.

26. Aliás, os seus conhecimentos derivam das declarações do coarguido B... , prestadas em diligência manifestamente nula, pelo que permitir a sua reprodução e valoração seria evidente fraude ao sentido da lei processual penal.

28. Por seu turno, as testemunhas SS... , J... , T... , TT... , UU.. , RR... , NN... e EE... , mencionadas no Acórdão, nada sabem de concreto sobre a autoria dos factos e nada dizem de onde possa inferir-se a participação do aqui Recorrente.

29. Por sua vez, os testemunhos de C... , proprietário do Café K... , UUU... e D... , além de não corroborarem as declarações do coarguido B... , são coerentes e compatíveis com as declarações das testemunhas de defesa e colocam o Recorrente A... , pelas 00:30 minutos da noite, muito longe do local dos incêndios.

30. Acresce ainda que, ao contrário do que se afirma na página 42 do Acórdão, os testemunhos NN... e EE... em momento algum corroboram a versão do coarguido B... .

31. O mesmo acontece com a “reconstituição” dos factos efetuada (ver ata 14/10/2014), que nada corrobora, pois tendo sido realizada à medida da comunicação social e incluído declarações inutilizáveis de OPC, foi executada em circunstâncias diferentes das que teriam ocorrido na tese da acusação e do coarguido B... , a saber, com apenas um ocupante.

32. O seu resultado é, pois, imprestável para demonstrar que os factos poderiam ou não ter ocorrido no tempo invocado pela pronúncia.

33. Além dessa sua inutilidade, a reconstituição nada elucidou ou demonstrou quanto à participação do coarguido Recorrente e, também assim, essa diligência, podendo até corroborar que o arguido B... ateou sozinho os fogos nos locais por si indicados, não corrobora que o A... tenha tido qualquer participação.

34. Tudo visto, e inexistindo também prova documental relativa à autoria dos fogos, não existe qualquer prova que corrobore minimamente as declarações do coarguido B... , as quais são em si mesmas pouco credíveis e muito duvidosas atento o conjunto das circunstâncias que rodearam os acontecimentos na noite em causa e as suas motivações.

35. Na verdade, o coarguido B... agiu por ódio ao Recorrente A... , com vista a obter um tratamento favorável no processo, permitindo-lhe desculpar-se e atenuar a sua própria culpa e a sua imagem perante a comunidade.

36. Por seu lado, não existem e não resultaram de qualquer prova produzida, motivos para o Recorrente A... atear aqueles fogos, tendo, aliás, vindo do Luxemburgo a Portugal, apresentando-se voluntariamente, para tentar demonstrar a sua inocência.

37. Assim, as declarações do coarguido B... , além de não encontrarem conforto em qualquer outra prova, são, em si mesmas, de credibilidade muito duvidosa, frágeis, verificando-se até razões para acreditar que tais declarações, derivadas do ódio ao A... , resultam de motivos ilegítimos com vista a uma desculpação da sua conduta e uma atenuação da pena aplicável, pelo que não podem ser valoradas contra o aqui Recorrente.

38. Entende o Recorrente que, da prova produzida, resultou demonstrado o constante dos factos dados como não provados de 13 a 19 do respetivo rol, designadamente os depoimentos das testemunhas C... , D... , E... , F... , G... e H... .

39. As declarações destas testemunhas, no seu conjunto, permitem concluir que o Recorrente A... esteve no café, pelo menos durante uns momentos, em alguma altura que se pode situar entre as 23:45 e as 00:30.

40. Estas testemunhas declararam de forma espontânea, coerente, com base em conhecimentos próprios e diretos, referindo de maneira coincidente que nada de espantoso existia no facto de o Recorrente encontra-se no KK... à noite, numa altura em que o coarguido B... (sozinho ou com outra companhia ateava fogos).

41. Também no sentido da inocência do Recorrente vai muita da prova documental técnica produzida em julgamento, nomeadamente:

42. A perícia de fls. 3615-3616 e que que consta do ficheiro pdf em Cd mencionado a fls. 4719 dos autos, a pág. 567 a 570, confirma o que disse o Arguido Recorrente e disseram as testemunhas de defesa, ou seja, naquela noite, o Recorrente esteva longe do local onde foram ateados os incêndios.

43) Os documentos de fls. 3503-3504, fls. 3638-3643 e fls. 3995, contendo dados fornecidos pelas operadoras de telemóveis, permitem concluir que os coarguidos encontravam-se em locais diferentes, quer às 23h quer às 00:30, tudo se conjugando com o que as testemunhas de defesa dizem e com a leitura dos dados da aplicação Tango.

44. Por último, as perícias aos telemóveis do coarguido B... (listagem constante do cd enviado pela MEO, parcialmente impresso a fls. 3460 – ver CD anexo no fim do volume correspondente) revelam que este coarguido mentiu quando prestou declarações e que no momento em que estava a acabar de atear cinco ou seis focos de incêndios, combinava pelo telefone com o amigo de Malhapão ir ver os seus incêndios (cf. declarações FF... ).

45. As provas documentais e técnicas acabadas de identificar revelam elementos de facto que corroboram a descrição feita pelo Recorrente e afastam a teses da pronúncia, revelando mesmo as mentiras do coarguido B... .

46. Foi ainda incorretamente julgado o facto dado como não provado no n.º 23 (“Os arguidos estivessem totalmente alcoolizados”), pois que considerando o auto de apreensão de fls. 146 e 147 (garrafa de Vodka “Eristoff Red”), bem como o respetivo relatório de exame de fls. 554 a 558/979 a 986), bem como algumas declarações do coarguido B... , permite concluir que o Recorrente estava alcoolizado.

47. Verifica-se aqui erro de julgamento e vício da contradição insanável da fundamentação entre o facto não provado sob o n.º 23 e a argumentação da página 28 do Acórdão.

48. Os factos dados como provados em 67 e seguintes e não provados em 24 a 27, foram também incorretamente julgados uma vez que ficaram demonstrados factos que permitem afastar da conduta do Recorrente os danos pessoais derivados de alguns incêndios ocorridos naquela altura.

49. Quer dos factos provados em 51 a 53, quer dos relatórios “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013” – partes 1 e 2 e o Relatório final anexo, em apensos aos autos, é possível concluir que os danos pessoais ocorridos não resultam diretamente dos fogos ateados inicialmente, verificando-se uma quebra, objetiva e subjetiva, no nexo de causalidade.

50. Ou seja, os incêndios que causaram danos pessoais decorrem de reacendimentos que os autores dos fogos iniciais não poderiam prever ou querer.

51. Aliás, verifica-se contradição entre os factos 51 a 53 por um lado, e o nexo implícito nos factos 67 e seguintes, por outro.

52. Os danos pessoais ocorreram em virtude de reacendimentos muito posteriores e foram potenciados pelos erros graves verificados no combate aos fogos, bem como dos materiais e recursos utilizados.

53. As infelizes mortes não ficaram a dever-se exclusivamente aos incêndios iniciais, mas sobretudo a reacendimentos, à falta de comunicação e às ordens confusas no combate aos fogos, aos equipamentos desadequados (calças em material inflamável e botas que não eram verdadeiramente antifogo), ao desconhecimento das características do local onde ocorreram e à falta de formação para fazer face a este tipo de situações, tudo descrito, além do mais, no citado relatório “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013”.

54. Assim, considerada a prova que vimos a destacar, deveria ter sido dado como provado o constante do rol dos não provados de 23 a 27.

55. Entende ainda o Recorrente que os factos dados como provados dos artigos 68 a 72, foram também incorretamente julgados, uma vez que ficaram demonstrados os factos que permitem afastar imputação subjetiva do resultado à conduta do Recorrente.

56. Finalmente, existe manifesto erro de julgamento no que concerne aos factos relativos à habilitação legal para conduzir, nomeadamente os dados como provados em 73 e 74 e não provados nº 29.

57. O Recorrente possuía habilitação legal para conduzir conforme resulta diretamente de fls. 3261 (traduzido duas vezes, a fls. 3749 e 4021), de fls. 4016 e documento nº 17 junto com a contestação, e nunca esse título lhe foi cassado.

58. No que respeita à matéria de Direito, produzindo-se a alteração do rol dos factos provados e não provados, deve o Recorrente ser absolvido da prática dos crimes que vinha pronunciado, por não se mostrarem preenchidos os respetivos elementos objetivos e subjetivos dos tipos.

59. Não tendo o Tribunal a quo absolvido o Recorrente violou os artigos 274º nº 1 e nº 2, alínea a) e 285º, 137º nº 2 e 148º nº 1 todos do Código Penal e artigo 3º do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro.

60. Sem prescindir, acresce que pelo menos os crimes de homicídio e ofensas à integridade física devem ser afastados por, além do mais, inexistir, objetiva e subjetivamente, nexo de imputação da conduta ao resultado.

61. Nem as mortes e ferimentos resultam dos fogos inicialmente ateados, nem a esses resultados ia dirigida qualquer vontade ou intenção criminosa, pois que ocorreram de forma excecional, imprevisível e improvável.

62. No que respeita em concreto à imputação subjetiva, ao configurar-se a culpa negligente como uma atitude ético-pessoal de descuido e leviandade, este constructo legal é de imediato mitigado quando o agente encontra a sua possibilidade preditiva enviesada, que é o que acontece no presente caso de os arguidos se encontrarem embriagados.

63. Dois arguidos ébrios, fruto de umas horas de ingestão de vodka e absinto, de acordo com a convicção do Tribunal, conseguiram prever que dois incêndios ateados em locais remotos e longe da população iriam causar danos a bombeiros, tanto mais que esses danos, alguns deles, só se viriam a consumar até nove dias depois do sucedido.

64. Tal configuração das coisas apresenta-se como uma limitação de cariz subjetivo, insuperável, encontrando-se a capacidade de predição inelutavelmente viciada e que portanto nunca poderá apresentar uma potenciação da negligência, qualificando-a de grosseira.

65. Relativamente às queimaduras nos Bombeiros provenientes do contacto com o solo ainda quente, na face plantar dos pés, acresce que, uma vez que todos usavam as botas próprias do seu equipamento, tais ofensas mais do que imprevisíveis e improváveis, são verdadeiramente inconcebíveis.

66. Verifica-se uma clara rutura do nexo de causalidade entre a pretensa conduta e o resultado operado, visto este, à luz da teoria da causalidade adequada, não ser nem previsível nem provável, seja para o homem médio, seja para duas pessoas ébrias.

67. Entende, pois, o Recorrente que não podem ser imputados a si os crimes de ofensa à integridade física por negligência e ao ser condenado, o Tribunal a quo violou os artigos 15º e 148º do Código Penal.

68. Relativamente à imputação dos crimes de homicídio por negligência grosseira, também aqui os critérios da previsibilidade e da probabilidade de verificação do resultado ocorrido não podem ser afastados, sendo a única avaliação razoável com a ordem das coisas, a consideração de que os resultados ocorridos não podem ser imputados à conduta do Recorrente.

69. O mesmo valerá para os ferimentos sofridos pelos bombeiros em consequência de circunstância excecional, imprevisível e única, pelo que também deverão ser afastados.

70. Ao condenar o Recorrente, o Tribunal a quo violou os artigos 15º, 137º e 148º do Código Penal.

71. Quanto ao crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, uma vez que o aqui Recorrente é, e nunca deixou de ser, titular da carta de condução de categoria B com nº (...) , emitida em 23/04/2003 pelo Grão Ducado do Luxemburgo, não poderia ser condenado.

72. Tal título não se encontrava cassado.

73. Ao agente que está inibido ou proibido de conduzir, e, portanto, ainda é titular de carta ou licença de condução, não lhe pode ser imputado o crime de condução ilegal.

74. Ao condenar o Recorrente por esse crime, o Tribunal recorrido violou o artigo 3º do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, os artigos 121º, 125º e 148º do Código da Estrada e 3º nº 4 do Regulamento Da Habilitação Legal Para Conduzir (RHLC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho.

75. Sem nunca prescindir, e não tendo o Recorrente dúvidas de que a única decisão justa é a sua absolvição, pois que não praticou os factos da pronúncia nem os mesmos resultam de prova produzida em julgamento, por dever de defesa, não pode deixar igualmente de impugnar a medida das penas aplicadas, as quais revelam-se manifestamente excessivas face ao circunstancialismo concreto dos crimes e, sobretudo, face às condições particulares relativas à conduta e à vida do arguido aqui Recorrente.

76. Os crimes de ofensa à integridade física por negligência e de condução ilegal, pelos quais o Recorrente foi condenado, preveem em alternativa a pena de prisão ou a pena de multa.

77. O Tribunal a quo optou por pena privativa da liberdade com fundamento em abstrações, em considerações gerais relativas aos fins das penas, sem concretizar factos, pelo que o Acórdão em crise é, pois, nulo por omissão de pronúncia, nos termos, além do mais, do art. 379º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal.

78. Uma interpretação no sentido de aceitar que a referida fundamentação abstrata e genérica fosse suficiente para a tomada de decisão sobre a problemática do art. 70º do CP sempre seria inconstitucional por violação do art. 32º nº 1 e 205º nº 1 da CRP.

79. Entende o Recorrente que os critérios de prevenção geral, in casu não tem nem tiveram em concreto um reflexo na comunidade por si só que imponham pena de prisão.

80. Por seu turno, e quanto à prevenção especial, deveria ter sido dada relevância aos factos dados como provados em 91 e 96, que igualmente impunham opção pela pena não privativa da liberdade.

81. Sem conceder, acresce que as penas concretamente aplicadas ao Recorrente são desproporcionais à ilicitude e culpa decorrentes dos factos dados como provados ou que deveriam ter sido dados como provados e dos elementos de prova resultantes dos autos.

82. Em concreto deveria ter sido considerado como atenuante, quanto à invocada ilicitude da conduta e desvalor de resultado, que entre a conduta inicial de atear incêndios e as ofensas e mortes, intervieram inúmeros fatores que contribuíram decisivamente para a verificação e agravamento dos danos pessoais verificados.

83. Quanto ao carácter doloso/negligente do comportamento do Recorrente, invocam-se aqui os argumentos supra descritos quanto à negligência e, sobretudo, quanto à negligência grosseira, a qual, a considerar-se existente, a negligência valorável para efeito da medida da pena deveria ser a negligência simples.

84. Quanto à alegada inexistência de um projeto de vida, não percebe o Recorrente que factos estiveram na base da conclusão do Tribunal recorrido, pois na verdade o Recorrente estudou e sempre trabalhou na área da sua preferência (mecânica automóvel), tendo até montado uma pequena oficina que sonhava um dia ampliar.

85. Deveria ainda ter sido considerado que os antecedentes criminais constantes dos autos ocorreram há vários anos, na primeira juventude do Recorrente e não se referem a crimes equiparáveis aos dos presentes autos ou que tutelem bens jurídicos semelhantes.

86. Finalmente, no que respeita à personalidade do Arguido, impõe-se uma pequena nota de pasmo sobre a circunstância de o Tribunal ter valorado como circunstância penalizadora do arguido na sua falta de arrependimento, pois que essa argumentação é deturpadora e contrária ao princípio do due process of law na vertente da lealdade do procedimento criminal, bem como da estrutura acusatória do processo enquanto reconhecimento do arguido como sujeito processual a quem é garantida efetiva liberdade de atuação para exercer a sua defesa.

87. Por outro lado, deveriam ter sido valoradas outras circunstâncias que depõem claramente a favor do Recorrente, designadamente ser pessoa trabalhadora e considerada, o seu percurso escolar e profissional, o apoio da família e o seu próprio agregado (filha de 2 anos de idade).

88. Assim, tudo visto, entende o Recorrente que a medida da pena aplicada pelo Tribunal a quo a cada um dos crimes em causa é manifestamente excessiva e, por isso, violadora do disposto nos artigos 40º e 70º a 72º do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser o aqui recorrente absolvido de todos os crimes, fazendo assim inteira e sã justiça.

O arguido B... [cf. fls. 5018 a 5030]:

1.ª O arguido praticou em coautoria um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, e, em sua consequência 3 crimes de homicídio por negligência e 8 crimes de ofensa à integridade física por negligência;

2.ª As penas parcelares impostas ao ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximem dos respetivos limites mínimos.

3.ª A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

4.ª O douto acórdão viola os artigos 71º, 72º, 73º, 77º e 78º, todos do Código Penal.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto Acórdão merecer um significativo ajuste corretivo de acordo com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada Justiça!

6. Por despacho proferido a fls. 5008 e fls. 5285, foram os recursos, interlocutório [interposto pelo arguido A... ] e os interpostos por ambos os arguidos do acórdão final, admitidos.

7. Aos recursos respondeu o Exmo. Procurador da República, concluindo:

- Quanto ao recurso interlocutório interposto pelo arguido A... - [cf. fls. 5093 a 5097]:

1. O despacho judicial que indeferiu a audição de OOO... não se encontra ferido de qualquer nulidade, nomeadamente a que foi apontada pelo arguido recorrente.

2. Em face da prova que já havia sido produzida e não constando do requerimento formulado a fls. 4759 razões fundamentadas que permitissem concluir pela necessidade da realização da diligência de prova requerida, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir tal pretensão por não ter interesse para a descoberta da verdade, considerando-a supérflua.

Assim, afigura-se-nos que deve ser negado provimento ao recurso.

Porém, os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores farão, como sempre, Justiça.

Quanto ao recurso interposto do acórdão final pelo arguido A... – [cf. fls. 5364 a 5413]:

1. De acordo com a teoria da causalidade adequada (plasmada no artigo 10º do Código Penal) o arguido é responsável pelo resultado morte e ofensas, pois, à luz das regras da experiência comum, tais resultados são uma consequência normal, típica da sua ação de incendiar a floresta e do combate ao fogo que necessariamente se seguiria. Os resultados morte e ofensas à integridade física foram provocados pelo incêndio que o arguido criou, sendo uma consequência direta da sua ação.

2. Só quando o resultado se produz de um modo completamente anómalo e imprevisível, é que se pode sustentar a interrupção do nexo causal, o que não se verificou no caso em apreço.

3. Os reacendimentos são uma consequência habitual e natural dos incêndios, sendo mesmo, como é do conhecimento comum, uma das principais causas da propagação e expansão dos fogos florestais. E, por outro lado, uma mudança súbita da direção do vento que se fazia sentir, bem como da direção das chamas, e a intensificação do fumo produzido, durante o combate a um incêndio, não pode considerar-se, de forma alguma, uma circunstância completamente anómala e imprevisível, por forma a sustentar a interrupção do nexo causal.

4. A negligência é grosseira porque o arguido teve um comportamento particularmente perigoso, que não pode deixar de se traduzir num grave desrespeito do dever de representação ou da justa representação da possibilidade de ocorrência do resultado que se veio a verificar e evidenciando características da sua personalidade particularmente censuráveis, de irresponsabilidade e insensatez, por referência à previsão do cidadão normal, do homem médio, suposto pela ordem jurídica.

5. O arguido, à data dos factos, não era titular de licença ou carta de condução válida, pelo que cometeu o crime de condução sem habilitação legal.

6. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões de facto e de direito relevantes para a boa decisão da causa, tendo fundamentado com acerto a posição assumida no acórdão, não resultando do mesmo qualquer contradição, insuficiência ou erro na apreciação da prova, apreciação essa que foi devidamente motivada e está em harmonia com as regras da experiência comum.

7. O Tribunal a quo ponderou com equilíbrio as circunstâncias que militam a favor do arguido e as que pesam em seu desfavor, em obediência aos critérios legais previstos no art. 71º do Código Penal, tendo em conta, designadamente as exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude dos factos e de culpa do arguido, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como a intensidade do dolo, a conduta anterior e posterior à data da prática dos factos e ainda as suas condições pessoais, mostrando-se, pois, adequadas as penas parcelares que lhe foram impostas.

8. O conjunto dos factos, nomeadamente as circunstâncias em que foram praticados, a multiplicidade e a natureza dos crimes cometidos, a enorme gravidade das suas consequências (a morte de quatro bombeiros, ferimentos em outros oito soldados da paz e prejuízos avultadíssimos, a nível patrimonial, e irreparáveis, sob o ponto de vistam ambiental, pelo menos para as próximas gerações), a personalidade do arguido e as exigências de prevenção e da culpa que no caso se fazem sentir, não poderá ser considerada excessiva a pena única que lhe foi aplicada pelo Tribunal a quo.

9. O acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade nem foram violadas pelo Tribunal a quo quaisquer disposições legais.

Assim, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Porém, os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores farão, como sempre, Justiça.

- Quanto ao recurso interposto do acórdão final pelo arguido B... – [cf. fls. 5320 a 5345]:

1. O Tribunal a quo ponderou com equilíbrio todas as circunstâncias que militam a favor do arguido e as que pesam em seu desfavor, em obediência aos critérios legais previstos nos arts. 71º e 77º do Código Penal, tendo em conta, designadamente as exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude dos factos e da culpa do arguido, a sua motivação, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como a intensidade do dolo, a conduta anterior e posterior à data da prática dos factos e ainda as suas condições pessoais e a sua situação económica, mostrando-se, pois, adequadas as penas parcelares que lhe foram impostas.

2. O conjunto dos factos, nomeadamente as circunstâncias em que foram praticados, a multiplicidade e a natureza dos crimes cometidos, a enorme gravidade das suas consequências (a morte de quatro bombeiros, ferimentos em outros oito soldados da paz e prejuízos avultadíssimos, a nível patrimonial, e irreparáveis, sob o ponto de vista ambiental, pelo menos para as próximas gerações), a personalidade do arguido e as exigências de prevenção e da culpa que no caso se fazem sentir, não poderá ser considerada excessiva a pena única que lhe foi aplicada pelo Tribunal a quo.

3. O Tribunal a quo não violou quaisquer disposições legais.

Assim, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Porém, os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores farão, como sempre, Justiça.

8. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto a fls. 5431 a 5437 emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos interpostos pelo arguido A... , pronunciando-se, quanto ao recurso do arguido B... , pela possibilidade da ponderação das penas parcelares de forma a serem fixadas próximo dos limites médios das molduras penais, o que conduziria à reformulação do cúmulo jurídico.

9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, nenhum dos interessados reagiu.

10. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos

       De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço submetem os recorrentes à apreciação deste tribunal:

A... :

No que respeita ao recurso interlocutório:

- A violação dos artigos 120.º, n.º 2, alínea d) e 340.º, do CPP.

Quanto ao recurso do acórdão final:

- Omissão de pronúncia/nulidade do acórdão;

- O efeito-à-distância;

- A proibição da valoração das declarações incriminatórias do arguido contra o coarguido;

- A proibição da valoração do depoimento dos agentes da GNR;

- A desconsideração de prova pericial/técnica;

- A impugnação da matéria de facto;

- A subsunção dos factos ao direito;

- A nulidade do acórdão por falta de fundamentação no que respeita à opção pela pena de prisão [crimes que preveem, em alternativa, pena de prisão ou multa];

- A não aplicação da pena de multa quanto aos crimes relativamente aos quais está prevista em alternativa à pena de prisão;

- A desadequação/desproporcionalidade das penas parcelares aplicadas.

B... :

- A desadequação/desproporcionalidade quer das penas parcelares, quer da pena única, encontradas.

2. O despacho recorrido [proferido em ata em 14.11.2014]

Ficou a constar do despacho em crise:

«É conhecida, e constitui boa prática processual, a velha máxima segundo a qual “das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se”. Desse modo, não concordando com o despacho proferido pela entidade competente, e com respeito pelas normas procedimentais, o arguido A... deverá lançar mão do adequado modo de impugnação, traduzido no recurso.

Por outro lado sempre se reitera que, ao proferir a decisão ora posta em crise, não se cometeu qualquer nulidade, pois no requerimento nem sequer foi feita referência à identidade de qualquer dos arguidos, pelo que, sendo o requerimento proveniente do arguido A... , e tendo este negado perentoriamente a prática dos factos, não se alcance que motivos “que levaram à prática dos factos” poderiam ser esclarecidos. Repete-se que no aludido requerimento não consta qualquer menção ao arguido B... .

Concluindo, quer por se tratar de meio inadequado de impugnação, quer por total ausência de fundamento legal, indefere-se a arguição da nulidade operada.

Notifique».

3. O acórdão recorrido

Mostra-se consignado no acórdão [transcrição parcial]:

«(…)

Após o despacho que designou o dia para julgamento, não se verificaram nulidades, mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

A este respeito, importa referir que as nulidades invocadas pelo arguido A... na sua contestação, traduzindo no fundo proibições de prova (na sua perspetiva), apenas se verificariam se os meios de prova em questão fossem considerados nesta decisão, o que, como se verá, não sucede. Por conseguinte, e sem necessidade de mais considerandos, indefere-se a arguição de nulidade operada pelo arguido A... na sua contestação.

Após a seleção dos jurados, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.

Na audiência de julgamento foi admitida, por despacho, a desistência parcial do pedido de indemnização civil formulado pelos assistentes/demandantes PPP... e esposa QQQ... , na parte em que demandam a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Carregal do Sal, assim se extinguindo a instância cível nessa parte.

II - Fundamentação:

A - Discutida a causa, provaram-se os seguintes factos:

1. Na noite de 20 de Agosto de 2013, a hora que não foi possível apurar em concreto, mas situada poucos minutos após as 23 horas, os arguidos A... e B... , fazendo-se transportar no ciclomotor (tipo “Scooter”, com a cilindrada de 49,5 cc., de cor branca e creme, sem espelhos, e sem chave na ignição) da marca “Sym”, modelo “Mio50”, sem chapa de matrícula, pertencente ao arguido A... , e por este conduzido, saíram da praia fluvial da Ribeira da Senra, na localidade de Viladra, concelho de Vouzela, onde tinham estado a consumir bebidas alcoólicas, designadamente vodka da marca “Eristoff Red”, em direção ao centro da localidade de Viladra;

2. Chegados ao centro da localidade de Viladra, viraram à direita e, seguindo a rua, acederam à EN-333-2, em direção ao lugar de Nogueira, em Alcofra, concelho de Vouzela, onde ambos residiam na altura, e onde chegaram por volta das 23 horas e 25 minutos;

3. Não se imobilizando nesse lugar, os arguidos, fazendo-se transportar no aludido ciclomotor, da forma acima referida, daí seguiram e subiram a serra por um estradão em direção às eólicas ali instaladas, tendo já entre ambos combinado atearem fogo na floresta da Serra do Caramulo;

4. Poucos minutos depois, por volta das 23 horas e 35 minutos, os arguidos chegaram ao entroncamento que bifurca no estradão das eólicas da linha de cumeada da serra e no estradão que dá acesso ao lugar de Couto de Alcofra, no lugar de Castanheirinho (sito na freguesia de Alcofra, concelho de Vouzela), com as coordenadas 40º37´035.1N-08º09´70.56W (identificado pela estrela vermelha no mapa de fls. 84 do volume “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013 – Parte 1”, apenso aos autos), e aí o arguido A... parou o ciclomotor onde seguiam;

5. Ficando o arguido B... a segurar a mota, o arguido A... seguiu, apeado, em frente por aquele estradão, percorrendo uma distância de cerca de 50 metros, subiu ao talude ali existente e, cerca das 23 horas e 40 minutos, utilizando um isqueiro seu (pertencente ao arguido A... ) que trazia, lançou fogo às gramíneas secas e arbustos rasteiros, no propósito de que o fogo se propagasse aos pinheiros bravos, eucaliptos, carvalhos, cedros e demais vegetação envolvente, o que conseguiu, criando de imediato uma coluna de fumo;

6. De seguida, o arguido A... percorreu o mesmo trajeto, mas em sentido contrário ao referido no ponto anterior, regressando para junto do ciclomotor e, passando de novo a conduzi-lo, seguiu em direção à subestação de eletricidade de Silvares;

7. Aí chegados, os arguidos viraram para a esquerda em direção à capela de S. Barnabé, sita na freguesia de Silvares, no concelho de Tondela, onde seguiram, pelos estradões ali existentes, até à Barragem de Meruje, em Carvalhal de Vermilhas, neste concelho de Vouzela;

8. Ali chegados, os arguidos apearam-se do referido ciclomotor, junto a um portão de acesso ao espelho de água, e dirigiram-se a pé até um pontão ali existente, regressando posteriormente a pé para junto do referido ciclomotor;

9. De seguida, os arguidos dirigiram-se também apeados ao paredão da barragem, primeiro pela direita, por um estradão ali existente que conduz à localidade de Carvalhal de Vermilhas, tendo mais adiante virado novamente à direita para um outro estradão e já neste, mais à frente, voltaram a fazê-lo, seguindo então em direção ao dique, onde permaneceram por uns instantes;

10. Por volta das 0 horas e 5 minutos, os arguidos iniciaram a pé o percurso inverso;

11. A dada altura do trajeto, no local com as coordenadas 40º28´64.24N-08º08´42.64W, em Lapa de Meruje, depois de acender um cigarro com o isqueiro que consigo trazia, o arguido A... , utilizando esse mesmo isqueiro, lançou fogo às ervas secas ali existentes no propósito de que o fogo se alastrasse à vegetação circundante, o que conseguiu de imediato;

12. Os arguidos abandonaram de imediato esse local e seguiram o seu percurso a pé até ao referido ciclomotor e, com o arguido A... a conduzi-lo, avançaram pelo estradão em direção a Carvalhal de Vermilhas onde, depois de pararem por uns instantes junto a uns barracões ali existentes, e porque o arguido A... disse ter receio de prosseguir em frente até à estrada, por poder encontrar a polícia, retrocederam e passaram a percorrer o estradão em sentido inverso;

13. Ao passarem novamente próximo do local onde o arguido A... havia ateado o segundo foco de incêndio, em Lapa de Meruje, os arguidos comentaram entre si, em tom de brincadeira, que o barulho provocado pelo fogo se parecia com o barulho de foguetes;

14. Chegados ao primeiro cruzamento, os arguidos viraram à esquerda junto da eólica S1 (Silvares 1) e percorreram cerca de 300 metros, onde voltaram a parar, porque o arguido B... disse pretender fumar um cigarro, o que fez, acendendo-o com o referido isqueiro do arguido A... ;

15. No local referido no ponto anterior, os arguidos conseguiam avistar as áreas que se encontravam já a arder na sequência do foco de incêndio ateado no lugar de Castanheirinho, freguesia de Alcofra, neste concelho de Vouzela;

16. De seguida, por volta das 0 horas e 20 minutos, enquanto o arguido A... seguia no ciclomotor, a velocidade reduzida, a seu lado, o arguido B... , a pé, aproximou-se da berma do lado esquerdo do estradão em que seguiam, com as coordenadas 40º37´95.25N-08º08´20.17W (lugar identificado pela linha vermelha no mapa de fls. 84 do volume “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013 – Parte 1”, apenso aos autos), numa zona delimitada pelas eólicas S1 (Silvares 1) e S2 (Silvares 2), e utilizando para o efeito o referido isqueiro pertencente ao arguido A... , lançou fogo à vegetação ali existente, ateando seis focos de incêndio distintos, numa distância de cerca de 50 metros, no propósito de que o fogo se propagasse e evoluísse, numa só linha de fogo, pelos pinheiros bravos, eucaliptos, carvalhos, cedros e demais vegetação envolvente, o que conseguiu;

17. Logo de seguida, os arguidos prosseguiram marcha no referido ciclomotor, conduzido pelo arguido A... , seguindo em direção à subestação, e daí percorreram o trajeto inverso em direção ao largo de Nogueira, em Alcofra, neste concelho de Vouzela, onde chegaram por volta das 0 horas e 45 minutos/1 hora desse dia 21 de Agosto de 2013;

18. Neste trajeto, os arguidos passaram pelo local onde havia sido ateado o primeiro foco de incêndio (lugar de Castanheirinho), onde já encontravam os bombeiros a combatê-lo;

19. Os focos de incêndio assim ateados pelos arguidos deflagraram em locais inseridos numa extensa zona florestal, em plena Serra do Caramulo, com condições favoráveis à propagação das chamas, dada a falta de acessos, o relevo irregular, em desfiladeiros ou encostas com grandes declives, as condições climatéricas favoráveis, a continuidade de combustíveis arbustivos na horizontal e na vertical, e a falta de humidade no solo, características essas que eram todas do conhecimento dos arguidos;

20. O incêndio que deflagrou no lugar do Castanheirinho, na freguesia de Alcofra, neste concelho de Vouzela, e que deu origem ao denominado “Incêndio de Alcofra”, propagou-se até aos concelhos de Oliveira de Frades e Tondela, e veio a ser considerado extinto no dia 27 de Agosto de 2013, pelas 13 horas e 25 minutos;

21. No combate a este incêndio intervieram, entre outras, as Corporações de Bombeiros Voluntários de Alcabideche, Loures, Estoril, Torres Vedras, Moscavide e Portela, Barcarena, Zambujal, Caldas da Rainha, Óbidos, Nazaré, Pataias, Colares, Sintra, Almoçageme, Odivelas, Torres Vedras, Carnaxide, Queluz, Lourinhã, Agualva-Cacém, Malveira, Algueirão - Mem Martins, Vialonga, Montelavar, Benavente, Rio Maior, Constância, Vila Nova da Barquinha, Torrejanos, Salvaterra de Magos, Golegã, Entroncamento, Minde, Alcanede, Fátima, Setúbal, Caminhos-de-Ferro do Sul e Sueste, Sesimbra, Almada, Barreiro, Trafaria, Palmela, Grândola, Pinhal Novo, Cercal do Alentejo, Seixal, Águas de Moura, Amora, S. Pedro do Sul, Vouzela, Viseu, Sta. Comba Dão, Tondela, Mortágua, Oliveira de Frades, Canas de Senhorim, Carregal do Sal, Vale de Besteiros, Sta. Cruz da Trapa, as Corporações de Bombeiros Voluntários de Salvação Pública de S. Pedro de Sintra, Moscavide, Tomar, Alcácer do Sal, Barreiro, as Corporações de Bombeiros Municipais de Tomar, Alpiarça, Sardoal, a Corporação de Bombeiros Voluntários de Incêndios - Beneficência Serviço Cacilhas, o Pelotão de Intervenção e Socorro de Aveiro, a Força Especial de Bombeiros, a Autoridade Nacional de Proteção Civil, os Centros de Meios Aéreos de Águeda, Sta. Comba Dão e Vale de Cambra, as Equipas do Grupo e Análise do Fogo, o ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, num total de, pelo menos, 517 operacionais e 174 veículos terrestes e aéreos, nacionais e franceses, de combate a incêndios;

22. No dia 22 de Agosto de 2013, pelas 15 horas e 46 minutos, no lugar de Olival Novo, freguesia de Santiago de Besteiros, no concelho de Tondela, com as coordenadas 40:35.8687N-008:08.4015W, entre outras, as Corporações de Bombeiros de Alcabideche, Loures, Estoril, S. Pedro de Sintra, Zambujal e Barcarena combatiam ainda o denominado “Incêndio de Alcofra”, que se propagava ao longo de uma encosta com elevado declive;

23. Nessa ocasião, M... e N... , bombeiros voluntários incorporados na Corporação de Bombeiros de Loures, seguiam ao encontro de outros bombeiros que naquele local se encontravam a combater o incêndio, quando M... se apercebeu que um foco de incêndio reacendera numa área já queimada;

24. De imediato, o M... tentou combater as chamas com ramos de árvore que ali encontrou, mas vendo-se incapaz de o fazer sozinho pediu auxílio aos bombeiros O... e VV... , que se encontravam naquele local, incorporados nas Corporações de Bombeiros de Zambujal e de Alcabideche, respetivamente;

25. Verificando que a intensidade das chamas que deflagravam aumentava e que estas avançavam rapidamente na direção das pessoas ali presentes, o M... , num tom de voz alto e alarmado, apelou para que se retirassem daquele local;

26. Apercebendo-se do sucedido, de imediato o N... pegou numa agulheta e lançou água em direção ao referido reacendimento, que, contudo, não logrou extinguir;

27. Vendo-se assim incapazes de combaterem aquele foco de incêndio, debaixo de elevada temperatura, envoltos de fumo e chamas, os bombeiros ali presentes puseram-se em fuga daquele local;

28. As chamas que se propagavam, de forma cada vez mais intensa, atingiram o M... , causando-lhe, para além de dores, queimaduras de 2º grau na narina esquerda, queimaduras de 1º e 2º graus em ambos os antebraços e cotovelos, nas regiões glúteas e em ambas as coxas e, bem assim, queimaduras de 2º grau nas regiões plantares, que o obrigaram a receber assistência e tratamento hospitalar prestados pelo “Hospital de S. Teotónio, EPE”, em Viseu, e posteriormente pelo “Hospital Beatriz Ângelo”, em Loures, e que foram causa direta, necessária e adequada de 154 dias de doença e incapacidade para o trabalho;

29. A elevada temperatura que se fazia sentir causou a N... queimaduras de 2º e 3º grau nas costas e membros inferiores, que demandaram assistência e tratamento no local do incêndio, e no “Hospital Beatriz Ângelo”, tendo causado 30 dias de doença e incapacidade para o trabalho;

30. Por sua vez, o O... também foi atingido pelas chamas que deflagravam naquele local, e que lhe provocaram, para além de dores, queimaduras de 1º e 2º graus na face posterior dos membros inferiores, no primeiro dedo do pé esquerdo e na mão esquerda, que o obrigaram a receber assistência e tratamento hospitalar prestados pelo “Hospital de S. Teotónio, EPE”, em Viseu, e posteriormente pelo “Hospital Beatriz Ângelo”, em Loures, e que foram causa direta, necessária e adequada da afetação para o trabalho pelo período de 154 dias;

31. Apesar de ter encetado a fuga daquele local na mesma altura que M... , N... e O... , a bombeira VV... não foi capaz de os acompanhar, ficando para trás;

32. Vendo-se incapaz de prosseguir, a VV... pediu socorro, sendo de imediato acudida por P... , bombeiro da Corporação de Bombeiros de Alcabideche, que, apercebendo-se do seu apelo, se dirigiu a VV... e a puxou por um braço, auxiliando-a a abandonar aquele local;

33. De repente, sem que nada o fizesse prever, irrompeu uma vaga de calor seguida de uma explosão de labaredas que provocaram um novo atraso da VV... ;

34. Apercebendo-se desse facto, o P... voltou atrás e tentou, uma vez mais, auxiliá-la, mas ao fazê-lo caiu no solo e quando se levantou já não voltou a vê-la;

35. Nessa ocasião, o P... sofreu queimaduras de 1º e 2º graus na face póstero-interna de ambas as coxas, na perna direita e na face plantar de ambos os pés, que o obrigaram a receber assistência e tratamento hospitalar prestados pelos serviços de urgência do “Centro Hospitalar Tondela/Viseu, EPE”, e que foram causa direta, necessária e adequada de noventa dias para a cura, com afetação da capacidade para o trabalho habitual pelo período sessenta dias;

36. Enquanto isso, a VV... , rodeada pelas chamas, foi por elas envolvida e completamente carbonizada, tendo falecido logo no local, ocorrendo a sua morte como consequência necessária e direta da intoxicação por monóxido de carbono, causada por aquele incêndio;

37. Nessa mesma ocasião e naquele local, XX... , bombeiro voluntário integrado na Corporação de Bombeiros do Estoril, foi atingido pelas chamas que o envolveram e lhe provocaram queimaduras de 1º e 2º graus a nível do dorso da pirâmide nasal, queimaduras de 2º e 3º graus ao nível de ambos os membros superiores, ocupando as faces posteriores do antebraço e terço distal do braço, assim como dorso da mão, queimaduras de 2º e 3º graus ao nível de ambos os membros inferiores ocupando as faces posteriores das coxas, poupando as faces medial e lateral das mesmas e, bem assim, lesões de queimadura de 2º e 3º graus ocupando as faces ântero-lateral e posterior das pernas, assim como faces dorsal e plantar do pé e dos dedos, que o obrigaram a receber assistência e tratamento no “Hospital de S. Teotónio, EPE”, em Viseu, e, posteriormente no “Centro Hospitalar de S. João, E.P.E.”, onde permaneceu internado por cinco dias;

38. O XX... viria a falecer, no dia 27 de Agosto de 2013, pelas 0 horas e 40 minutos, naquele “Centro Hospitalar de S. João, E.P.E.”, devido a falência multiorgânica que ocorreu como causa direta, necessária e adequada das extensas lesões de queimaduras de 2º e 3º graus por si sofridas;

39. Naquele dia 22 de Agosto de 2013, alertados pela notícia do desaparecimento de VV... e XX... , e da necessidade de procederem à sua busca e salvamento, II... e JJ... , bombeiros integrados na Corporação de Bombeiros Voluntários de Barcarena, Q... e Q... , ambos bombeiros voluntários incorporados na Corporação de Bombeiros Voluntários de Alcabideche, interromperam o seu descanso e, percorrendo o único trajeto que os faria chegar até ao local onde poderiam encontrar os bombeiros desaparecidos naquele lugar de Olival Novo, avançaram por entre áreas queimadas;

40. As elevadas temperaturas irradiadas pelo solo fizeram derreter as solas das botas anti-fogo que os mesmos calçavam e causaram a II... queimaduras de 2º grau no pé esquerdo, e a JJ... queimaduras de 1º grau na face palmar de ambos os pés, que os obrigaram a receber assistência e tratamento no “Centro Hospitalar Tondela/Viseu, EPE”, e que foram causa direta, necessária e adequada da afetação da capacidade para o trabalho habitual, de ambos, pelo período de cinco dias;

41. Por sua vez, Q... sofreu queimaduras ligeiras nas faces palmares de ambos os pés, que não demandaram assistência nem tratamento médico;

42. As elevadas temperaturas irradiadas pelo solo e as chamas que propagavam naquele local, e que o atingiram, causaram ao Q... queimaduras de 1º e 2º graus nas pernas e no braço direito, que o obrigaram a receber assistência e tratamento no “Centro Hospitalar Tondela/Viseu, EPE”, e que foram causa direta, necessária e adequada de trinta dias para a cura, com afetação da capacidade para o trabalho habitual pelo período de quinze dias;

43. De igual modo, as elevadas temperaturas irradiadas pelo solo fizeram derreter as solas das botas anti-fogo que calçava T... , bombeira voluntária integrada na Corporação de Bombeiros Voluntários de Alcabideche, que ali se encontrava a combater aquele incêndio, e lhe provocaram queimaduras em ambos os pés;

44. Além disso, a T... sofreu também queimaduras em ambas as mãos quando, para se apoiar, as colocou sobre o solo, o que a obrigou a receber assistência e tratamento no “Hospital da Luz”, em Lisboa, lesões essas que foram causa direta, necessária e adequada de afetação da capacidade para o trabalho habitual pelo período de duas semanas;

45. Nessa mesma ocasião, quando U... , V... , XXX... e X... , bombeiros voluntários incorporados na Corporação de Bombeiros de S. Pedro de Sintra, se encontravam a combater o referido incêndio (“Incêndio de Alcofra”), na zona de Carvalhal de Mulher, as chamas aumentaram de intensidade, o que os levou a abandonarem aquele local, debaixo de elevada temperatura e envoltos de fumo e chamas que os atingiram;

46. A ação das chamas provocou a U... e V... queimaduras de 1º grau nos membros inferiores, que os obrigaram a receber assistência e tratamento no “Centro Hospitalar Tondela/Viseu, EPE”, e foram causa direta, necessária e adequada da afetação da capacidade, de ambos, para o trabalho pelo período de 20 dias;

47. Nessa ocasião, X... sofreu, para além de dores, queimaduras de 1º grau na face e de 2º grau em ambos os pés, que o obrigaram a receber assistência e tratamento no “Centro Hospitalar Tondela/Viseu, EPE” e posteriormente no “Hospital Amadora Sintra” onde permaneceu internado até ao dia 13 de Setembro de 2013, lesões essas que demandaram a sua sujeição a intervenção cirúrgica de enxerto de pele, bem como 22 dias de doença com afetação da capacidade de trabalho;

48. Em consequência do chamado “Incêndio de Alcofra”, ateado no lugar de Castanheirinho, em Alcofra, concelho de Vouzela, e que se estendeu aos concelhos de Oliveira de Frades e Tondela, ardeu uma área de 1.522,20 hectares (sendo 96% desta área ocupada por floresta, e 3,7% dessa área ocupada por espaços agrícolas), sendo a fração de 536,60 hectares de domínio público, pertencente, entre outros, aos baldios de Casal de Auzenda, Sacorelhe e Casal Bom, Vasconha, Covas, Adsamo, Guardão, Nogueira de Alcofra, Carvalhal de Mulher e Santiago de Besteiros, e a restante fração de 985,60 hectares de domínio privado, causando prejuízos patrimoniais não inferiores a € 1.103.503,62;

49. Assim, em consequência deste incêndio (“Incêndio de Alcofra”):

- no concelho de Vouzela ardeu uma área de 344,8 hectares, causando prejuízos calculados em € 61.263,63, assim distribuídos:

Concelho de Vouzela

Propriedade Pública

Espécie
Área (hectares)
Prejuízo (euros)
Pinheiro Bravo
63
22.273,77
Carvalho
3,7
2.590,37
Mato
48,2
0
TOTAL
114,9
24.864,14

Propriedade Privada

Espécie
Área (hectares)
Prejuízo (euros)
Pinheiro bravo
27,6
13.656,08
Eucalipto
18,1
22.743,41
Mato
184,2
0
TOTAL
229,9
36.399,49

- no concelho de Oliveira de Frades ardeu uma área de 46,7 hectares, causando prejuízos calculados em € 39.374,06, assim distribuídos:

Concelho de Oliveira de Frades

Propriedade Pública

Espécie
Área (hectares)
Prejuízo (euros)
Pinheiro bravo
3,2
1.508,78
Carvalho
0,4
280,04
Mato
0,9
0
TOTAL
4,5
1.788,82

Propriedade Privada

Espécie
Área (hectares)
Prejuízo (euros)
Pinheiro bravo
20,6
11.557,63
Eucalipto
13,3
25.967,53
Carvalho
0,8
560,08
Mato
7,5
0
TOTAL
42,2
38.085,24

- no concelho de Tondela ardeu uma área de 1.130,7 hectares, causando prejuízos calculados em € 1.002.365,93, assim distribuídos:

Concelho de Tondela

Propriedade Pública

Espécie
Área (hectares)
Prejuízo (euros)
Pinheiro bravo
402,1
431.985,63
Carvalho
1,8
2.170,31
Cupressus
3,1
3.128,21
Mato
10,2
0
TOTAL
417,2
437.284,15

Propriedade Privada

Espécie
Área (hectares)
Prejuízo (euros)
Pinheiro bravo
415,8
207.666,21
Eucalipto
152,7
355.945,36
Carvalho
2,1
1.470,21
Mato
142,9
0
TOTAL
713,5
565.081,78

    50. Não fora a pronta intervenção dos bombeiros e dos populares, mercê da elevada carga de combustível arbustivo, da sua continuidade, do vento, do tempo quente e seco que se fazia sentir, e do relevo irregular, o incêndio ter-se-ia propagado a toda a mancha florestal de pinheiros, eucaliptos, carvalhos, cupressus e mato existente por toda a Serra do Caramulo, com uma área de centenas de hectares, bem como às casas de campo, de habitação e dos animais das povoações circundantes de Nogueira, Outeiro, Casais, Sanfins, Caselho, Carvalhal de Mulheres, Silvares, Olheiros, Muna, Portadela, Casal de Maçãs, Pedronhe e Monte Teso, das quais se manteve a uma distância de cerca de 100 metros, 550 metros, 450 metros, 130 metros, 10 metros, 30 metros, 150 metros, 750 metros, 240 metros, 15 metros, 350 metros, 250 metros, 750 metros, respetivamente, de valor superior a centenas de milhares de euros;

    51.O referido incêndio (“Incêndio de Alcofra”) reativou-se pelas 9 horas e 53 minutos do dia 29 de Agosto de 2013 (no lugar identificado pela estrela amarela no mapa de fls. 84 do volume “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013 – Parte 1”, apenso aos autos), próximo da localidade de Muna;

    52. Nesse dia 29 de Agosto de 2013, pelas 10 horas e 45 minutos, integrados na corporação de bombeiros de Carregal do Sal, que combatia esse incêndio no lugar de Pedra Má, encosta de S. Marcos, freguesia de Santiago de Besteiros, no concelho de Tondela, numa estrada a meia encosta, junto de um desfiladeiro, com as coordenadas 40:35.832N, 008:08.4015W, encontravam-se, entre outros, os bombeiros AAA... e ZZ... ;

    53. Repentinamente, face a uma mudança súbita da direção do vento que se fazia sentir, as chamas do incêndio que deflagrava mudaram também elas de direção, intensificando o fumo produzido;

    54. Nessa ocasião, a AAA... tentou entrar no veículo automóvel da marca “Land Rover”, modelo “Defender 130”, com a matrícula (...) ZR, pertencente à Corporação de Bombeiros de Carregal do Sal, que ali se encontrava estacionado, de modo a mais rapidamente abandonar aquele local, mas foi envolta pelas chamas que a atingiram e carbonizaram totalmente;

    55. A morte de AAA... foi devida a carbonização por ação do fogo daquele incêndio (“Incêndio de Alcofra”), como decorre do relatório de autópsia de fls. 782 a 786 dos autos;

    56. De igual modo, nessa mesma ocasião e zona, o bombeiro ZZ... foi atingido pelas chamas que lhe provocaram queimaduras de 2º e 3º graus extensas, e o obrigaram a ser assistido e a receber tratamento no “Hospital de S. Teotónio, EPE”, em Viseu, e posteriormente no “Hospital da Prelada”, no Porto, onde permaneceu internado pelo período de cinco dias;

    57. ZZ... veio a falecer pelas 18 horas e 50 minutos do dia 3 de Setembro de 2013, devido a falência multiorgânica que surgiu como complicação das lesões de queimadura de 2º e 3º graus por si sofridas resultantes da ação de chama, conforme decorre do relatório de autópsia de fls. 966 a 969 dos autos;

    58. Naquela ocasião, na sequência da ação das chamas, ardeu o veículo da marca “Land Rover”, modelo “Defender 130”, com a matrícula (...) ZR, pertencente à Corporação de Bombeiros de Carregal do Sal, aludido no ponto 54., com determinado valor, que não foi possível apurar em concreto, importando a sua substituição por uma viatura nova o dispêndio do valor de € 51.900 (não incluindo o I.V.A.);

    59. O incêndio ateado em Lapa de Meruje, na freguesia de Carvalhal de Vermilhas, neste concelho de Vouzela, referido no ponto 11., foi extinto cerca das 5 horas e 31 minutos do dia 22 de Agosto de 2013;

    60. No combate a este incêndio (Lapa de Meruje) interveio a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Vouzela, num total de 18 bombeiros e 8 veículos terrestes de combate a incêndios;

    61. Em consequência deste incêndio (Lapa de Meruje) ardeu uma área de 0,8 hectares de mato, cuja propriedade e valor não foi possível apurar;

    62. O denominado “Incêndio de Silvares”, ateado junto às eólicas S1 (Silvares 1) e S2 (Silvares 2), em Silvares, no concelho de Tondela, referido no ponto 16., estendeu-se aos concelhos de Vouzela e Viseu, e veio a ser extinto no dia 29 de Agosto de 2013, pelas 8 horas;

    63. No combate a este incêndio (“Incêndio de Silvares”) intervieram, entre outras, as Corporações de Bombeiros Voluntários de Beja, Albergaria, Amadora, Odemira, Moura, Alvito, Cuba, Ferreira do Alentejo, Ourique, Barrancos, Soure, Oliveira do Hospital, Condeixa-a-Nova, Penacova, Vila Nova de Oliveirinha, Tábua, Brasfemes, Lagares da Beira, Vila Nova de Poiares, Coja, Pampilhosa da Serra, Serpins, Évora, Vendas Novas, Montemor-o-Novo, Estremoz, Arraiolos, Reguengos de Monsaraz, Vila Viçosa, Mora-Cruz Roxa, Borba, Redondo, Mourão, Viana do Alentejo, Lagos, Silves, S. Braz de Alportel, Albufeira, Lagoa, Caldas da Rainha, Marinha Grande, Bombarral, Óbidos, Nazaré, Peniche, Vieira de Leiria, Pataias, Maceira, Leiria, Benedita, Ortigosa, Cascais, Loures, Colares, Paço de Arcos, Sacavém, Alhandra, Algés, Torres Vedras, Dafundo, Queluz, Camarate, Alverca, Malveira, Castanheira do Ribatejo, Pontinha, Santarém, Benavente, Rio Maior, Constância, Vila Nova da Barquinha, Torrejanos, Ferreira do Zêzere, Almeirim, Minde, Samora Correia, Alcanede, Pinhal Novo, Castro Daire, S. Pedro do Sul, S. João da Pesqueira, Santa Comba Dão, Nelas, Tondela, Mortágua, Moimenta da Beira, Mangualde, Oliveira de Frades, Canas de Senhorim, Cabanas de Viriato, Tabuaço, Carregal do Sal, Penalva do Castelo, Sernancelhe, Sátão, Vale de Besteiros, Santa Cruz da Trapa, o Corpo de Bombeiros de Faro Cruz Lusa, as Corporações de Bombeiros Voluntários de Salvação Pública de S. Pedro de Sintra, Moscavide e S. Pedro do Sul, a Corporação de Bombeiros Municipais de Coruche, Cartaxo, Alpiarça, as Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários de Abrantes e Vouzela, a Companhia de Bombeiros Sapadores de Setúbal, os Pelotões de Intervenção e Socorro de Viseu, Aveiro, a Força Especial de Bombeiros, a Autoridade Nacional de Proteção Civil, os Centros de Meios Aéreos de Águeda, Ferreira do Zêzere, Lousã, Ponte de Sôr, Santa Comba Dão e Viseu, as Equipas do Grupo e Análise do Fogo, e o ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, num total de, pelo menos, 1.347 operacionais e 457 veículos terrestes e aéreos, nacionais, espanhóis e franceses, de combate a incêndios;

    64. Em consequência deste incêndio (“Incêndio de Silvares”), ardeu uma área de 1.345,88 hectares de domínio privado e público, entre a qual se incluem, no concelho de Vouzela, 1,43 hectares pertencentes à freguesia de Alcofra, 847,04 hectares pertencentes à freguesia de Fornelo do Monte, 57,39 hectares pertencentes à freguesia de Queirã, e 150,68 hectares pertencentes à freguesia de Ventosa; no concelho de Viseu 14,64 hectares pertencentes à freguesia de Boa Aldeia; e no concelho de Tondela 156,64 hectares pertencentes à freguesia de Caparrosa e 118,06 hectares pertencentes à freguesia de Silvares;

    65. Entre estas áreas incluem-se as áreas de 528,07 hectares de pinheiros bravos, 5,5 hectares de eucaliptos, 65 hectares de cedros, e 746,99 hectares de mato, causando um prejuízo global de € 387.046,57;

    66. Não fora a pronta intervenção dos bombeiros e populares, este incêndio ter-se-ia propagado a toda a mancha florestal circundante, com uma área de cerca de 2.000 hectares, constituída por pinheiros bravos e eucaliptos, de valor calculado em € 2.000.000, e ter-se-ia facilmente propagado e consumido casas de campo, de animais e de habitação existentes nas proximidades, de valor superior a centenas de milhares de euros, já que naquele local existia continuidade arbustiva que permitia tal propagação até essa mancha florestal e às casas de campo, de animais e de habitação das localidades de Joana Martins, Covelo, Casal de Auzenda, Adsamo, Covas, Póvoa Pequena, Salgueiro, Fornelo do Monte, Póvoa de Codeçais, Souto Bom, Eira dos Picos, Preguiçal e Silvares, distanciados da linha de fogo, respetivamente, a 950 metros, 700 metros, 130 metros, 140 metros, 160 metros, 100 metros, 400 metros, 1 metro, 5 metros, 250 metros, 450 metros, 750 metros e 440 metros;

    67. Na sequência da descrita atuação dos arguidos, foram destruídas redes de vedação, sinalização e guardas de proteção colocadas na auto-estrada denominada “A25”, concessionada pela sociedade “ Y..., SA”, causando um prejuízo cuja valor concreto não foi possível apurar, já parcialmente ressarcido por via do contrato de seguro que a empresa mantinha, subsistindo apenas por indemnizar a quantia de € 12.000, relativa à franquia desse contrato de seguro;

    68. Os arguidos, de forma concertada e em comunhão de esforços, agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido, de deflagrar os aludidos incêndios;

    69. Os arguidos sabiam que nas circunstâncias de tempo e lugar em que atuaram, em noite seca e quente, própria da época, em local densamente povoado de pinheiros bravos, eucaliptos, carvalhos, cedros e com mato abundante, de difícil acesso e de relevo irregular, as chamas rapidamente se propagariam ao mato e espécies arbóreas circundantes, e assim colocariam em perigo as casas de campo, de animais e de habitação e outros bens patrimoniais alheios, no valor de várias centenas de milhares de euros, bem como a vida e a integridade física de todos aqueles que pudessem encontrar-se no perímetro abarcado pelo incêndio, e também daqueles que acorressem ao seu combate, como aliás veio a suceder, pelo menos com VV... , XX... , ZZ... , AAA... , X... , U... , II... , O... , Q... , Q... , JJ... , V... , M... , P... , N... e T... ;

    70. Não obstante, os arguidos não deixaram de persistir nas suas condutas, conformando-se com a criação de tais perigos;

    71. Os arguidos sabiam ainda que existia a possibilidade de algumas dessas pessoas virem efetivamente a sofrer lesões particularmente dolorosas, a verem afetada de maneira grave a sua capacidade de trabalho, a correrem perigo de vida, ou mesmo a falecer em consequência dos incêndios que fizeram deflagrar, mas confiaram que tal não sucederia, mediante o cuidadoso combate do incêndio;

    72. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;

    73. O arguido A... conduziu o referido ciclomotor, em vias abertas ao público, sem que para o efeito fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento válido (não cassado) que o habilitasse a conduzir o mesmo, o que fez também livre, voluntária e conscientemente, sabendo que tal conduta lhe estava proibida por lei, sendo punida como crime;

    74. Embora o arguido A... tivesse estado habilitado com carta de condução (categoria B, com o nº (...) , emitida em 23-04-2003 pelo Grão Ducado do Luxemburgo), esse título já lhe havia sido cassado em data anterior ao mês de Agosto de 2013;

    75. O arguido B... é o mais novo de dois irmãos, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido no seio de uma família com baixo nível socioeconómico e cultural, e caracterizada por consumos excessivos de bebidas alcoólicas;

    76. O pai do arguido B... , apesar dos seus consumos, mantinha hábitos de trabalho como servente da construção civil, trabalho que manteve até há cerca de seis anos, quando faleceu (repentinamente, aos 45 anos) devido a uma cirrose hepática;

    77. O arguido B... frequentou o sistema de ensino até aos 15 anos de idade, tendo registado insucesso em dois anos letivos seguidos, no 6º ano, sendo então orientado para um curso de formação profissional na área de serralharia mecânica, que concluiu com aproveitamento aos 18 anos de idade, com equivalência ao 9º ano de escolaridade;

    78. O arguido B... trabalhou na construção civil durante cerca de um ano, ficando desde então desempregado;

    79. O arguido B... começou então a consumir bebidas alcoólicas (absinto e vodka) e drogas leves, num contexto de convívio, sobretudo com o arguido A... ;

    80. Na data da prática dos factos acima descritos, o arguido B... residia com a mãe, de 47 anos de idade, viúva, e a irmã, de 22 anos de idade, desempregada, o companheiro desta, trabalhador da construção civil, e a avó materna, de 73 anos de idade;

    81. O arguido B... pernoitava num anexo, tipo quarto, no exterior da habitação;

    82. O agregado familiar do arguido B... dependia sobretudo da pensão de reforma da avó, no valor de € 380, e da pensão de sobrevivência da mãe, de cerca de € 200;

    83. A mãe e a irmã do arguido B... têm-no visitado no E.P. em que se encontra detido, e manifestam-lhe apoio;

    84. O arguido B... não apresenta qualquer condenação criminal prévia;

    85. O arguido B... colaborou com a investigação deste processo no seu início, admitindo depois em audiência de julgamento, de forma espontânea, a prática dos factos que lhe vinham imputados, na sua quase totalidade;

    86. O arguido A... nasceu no Luxemburgo, num agregado familiar composto pelos progenitores e dois filhos, sendo o arguido o descendente mais velho;

    87. Os pais do arguido A... são originários de Alcofra, Vouzela, tendo emigrado para o Luxemburgo;

    88. O arguido A... iniciou a frequência escolar em idade própria e, após completar o equivalente ao 9º ano de escolaridade em Portugal, optou por frequentar uma escola profissional, concluindo o curso técnico-profissional de Mecânico de Automóveis e Motas no dia 30 de Novembro de 2004;

    89. O arguido A... trabalhou numa empresa do ramo automóvel, depois como operário numa empresa produtora de betão, registando desde então diversas mudanças de atividade laboral e de entidade patronal;

    90. Além disso, o arguido A... foi sempre desenvolvendo paralelamente trabalhos por conta própria como mecânico, numa pequena oficina sita na garagem da casa dos seus pais, onde habitava;

    91. O arguido A... tem uma filha com dois anos de idade, e que se encontra a cargo da mãe;

    92. Antes de detido, o arguido A... habitava em casa dos seus pais no Luxemburgo, onde habita ainda uma irmã, de 22 anos de idade;

    93. Antes de detido, o arguido A... encontrava-se desempregado, desenvolvendo alguma atividade de reparação de automóveis na sua pequena oficina;

    94. O arguido A... auferia cerca de € 1.300 de subsídio de desemprego;

    95. Os pais do arguido A... trabalham como camionista e empregada de limpeza, respetivamente, explorando também um café/restaurante onde o arguido ajudava em dias de maior movimento;

    96. O arguido A... tem o apoio dos pais

                97. O arguido A... foi condenado, no Luxemburgo, por decisão de 21-06-2004, numa pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de furto com recurso a violência física voluntária;

    98. O arguido A... foi condenado, no Luxemburgo, por decisão de 15-01-2009, numa pena de € 750 de multa, pela prática de um crime de acesso fraudulento a uma rede de internet sem fios;

    99. O arguido A... foi condenado, no Luxemburgo, por decisão de 21-04-2009, nas penas de € 1.000 de multa e 34 meses de proibição de conduzir, pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez e sem carta de condução válida, quando estava judicialmente proibido, e recusa a obedecer às injunções dos agentes;

    100. VV... nasceu no dia 17 de Junho de 1990;

    101. FFF... nasceu no dia 24 de Janeiro de 2009, sendo filha de VV... e de EEE... ;

    102. O assistente EEE... ficou nervoso e ansioso no período em que a VV... estava desaparecida, e sofreu desgosto quando soube do seu decesso;

    103. A VV... era uma pessoa saudável, alegre, comunicativa e com gosto pela vida, e tinha projetos – pessoais e profissionais - para a sua vida;

    104. A VV... e a filha FFF... estavam unidas por laços afetivos e carinho, sendo aquela quem cuidava e tratava da filha, e a acompanhava diariamente;

    105. A FFF... sofreu desgosto, tristeza, ansiedade, inquietação, desassossego e insegurança em consequência do decesso da sua mãe, e sente saudades desta;

    106. Antes de falecer, a VV... sentiu dores, angústia e pânico;

    107. AAA... havia nasceu no dia 23 de Março de 1993;

                108. O ZZ... era um rapaz alegre, saudável, estava a estudar e tinha projetos de vida;

                109. O decesso do ZZ... causou aos seus pais, os demandantes civis PPP... e esposa QQQ... , com quem vivia, e a quem ajudava nas tarefas diárias e no amanho das terras, desgosto, choque, comoção

    110. Os demandantes civis PPP... e esposa QQQ... continuam a chorar o desaparecimento do ZZ... , visitando a sua campa;

    111. Antes de falecer, o ZZ... sentiu dores e angústia;

    112. Os demandantes civis GG... e esposa HH... são pais do falecido XX... , que nasceu no dia 9 de Junho de 1990, tendo numa irmã gémea, MMMM...;

    113. O XX... era um jovem saudável, preocupado em ajudar o próximo, e dedicado à família;

    114. O XX... concluiu o 1º ciclo da licenciatura em Engenharia de Redes de Comunicações no dia 24 de Julho de 2013, no Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa;

    115. O XX... sofreu dores e sofrimento em consequência das lesões que sofreu;

    116. Os demandantes civis GG... e esposa HH... sofreram desgosto, choque, e revolta em consequência do óbito do XX... ;

    117. O demandante civil II... não mais conseguiu retirar da sua mente a imagem do cadáver da VV... a fumegar;

    118. O demandante civil JJ... , em consequência das lesões que sofreu, sente dificuldades em calçar sapatos fechados;

    119. Os demandantes civis II... e JJ... ficaram psicologicamente afetados pelas situações que vivenciaram no combate ao denominado “Incêndio de Alcofra”, não tendo recebido qualquer apoio ou acompanhamento psicológico;

                120. Parte da área dos baldios da povoação de Vasconha, situada na Penoita, no local da “Pedra Escorregadia”, entre a “Corga dos Carvalhos”, a nascente do antigo IP5, o Ecoponto e os limites da própria povoação (de Vasconha), florestada antes do denominado “Incêndio de Alcofra” com milhares de árvores (sobretudo pinheiros bravos) com porte e maturidade próximos do corte, ardeu em consequência do referido incêndio, sofrendo o demandante civil Conselho Diretivo dos Compartes dos Baldios de Vasconha um prejuízo de pelo menos € 50.000 (correspondente à depreciação do valor das árvores, à perda de solo, e aos encargos com a reflorestação);

                121. Parte da área dos baldios da povoação de Adsamo, situada na Penoita, integrada no “Perímetro Florestal da Penoita”, florestada antes do denominado “Incêndio de Alcofra” com milhares de árvores (sobretudo pinheiros bravos) com porte e maturidade próximos do corte, ardeu em consequência do referido incêndio, sofrendo o demandante civil Conselho Diretivo dos Compartes dos Baldios de Adsamo um prejuízo de pelo menos € 40.000 (correspondente à depreciação do valor das árvores, à perda de solo, e aos encargos com a reflorestação);

                122. Parte da área dos baldios da povoação de Nogueira, situada entre os limites da freguesia de Alcofra com as freguesias de Varzielas e Silvares, e a própria povoação de Nogueira, florestada antes do denominado “Incêndio de Alcofra” com milhares de árvores (pinheiros bravos, carvalhos e sobretudo eucaliptos) com porte e maturidade próximos do corte, ardeu em consequência do referido incêndio, sofrendo a demandante civil Freguesia de Alcofra um prejuízo de pelo menos € 50.000 (correspondente à depreciação do valor das árvores, à perda de solo, e aos encargos com a reflorestação e a reposição dos caminhos e acessos destruídos);

                123. Em consequência dos denominados “Incêndio de Alcofra” e “Incêndio de Silvares”, arderam cerca de 323 hectares do Perímetro Florestal do Caramulo (240 hectares de pinheiro adulto, 71 hectares de pinheiro jovem ou com menor densidade, e 12 hectares de folhosas diversas) e cerca de 400 hectares do Perímetro Florestal da Penoita (130 hectares de pinheiro adulto, 250 hectares de pinheiro jovem ou com menor densidade, e 20 hectares de folhosas diversas);

                124. Em consequência do referido no ponto anterior, as árvores ardidas tiveram de sofrer um corte prematuro, acarretando ao demandante civil Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. um prejuízo de pelo menos € 475.704,10;

                125. O demandante civil Centro Hospitalar Tondela-Viseu, EPE prestou serviços de observação, diagnóstico e tratamento das lesões sofridas por XX... , II... e JJ... no combate ao denominado “Incêndio de Alcofra”, no valor global de € 176,03;

                126. O arguido A... encontrava-se de férias em Portugal no período temporal acima referenciado, ficando hospedado em casa de seus pais, e convivendo com amigos e familiares, designadamente na praia fluvial da Ribeira de Senra e no chamado “ KK... ” ou “ K... ”;

                127. O estabelecimento referido no ponto anterior propicia aos seus clientes acesso gratuito à internet, via wi fi, que era utilizado pelo arguido A... , designadamente com o seu aparelho de telemóvel de marca “Iphone”, modelo “3GS”, e a aplicação “Tango” (que permite realizar chamadas de voz e vídeo e enviar mensagens pela internet);

                128. No dia 20 de Agosto de 2013, a aplicação “Tango” do telemóvel do arguido A... foi usada 21 vezes, totalizando 47 minutos e 50 segundos de utilização;

                129. Os caminhos utilizados pelos arguidos para cometerem os factos acima descritos, após a localidade de Nogueira, não dispunham de iluminação pública;

    130. No combate ao denominado “Incêndio de Alcofra” verificou-se falta de comunicação entre os bombeiros e seus dirigentes operacionais, desconhecimento das características dos locais, falta de formação, e concluiu-se posteriormente que os equipamentos envergados pelos bombeiros não dispunham de todas características necessárias a evitar a oclusão de danos físicos.

    B - Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que:

    1. O veículo utilizado pelos arguidos fosse um motociclo;

    2. Quando saíram da praia fluvial da Ribeira da Senra, os arguidos estivessem já decididos a atearem fogo na floresta da Serra do Caramulo;

    3. O primeiro foco de incêndio tenha sido ateado às 23 horas e 54 minutos;

    4. O arguido B... tenha, por sua mão, ateado os dois primeiros focos de incêndio referidos na factualidade provada;

    5. O M... tenha sofrido perigo para a vida;

    6. O N... tenha sofrido apenas queimaduras ligeiras;

    7. O O... tenha sofrido perigo para a vida;

    8. O U... e o V... tenham sido afetados na sua capacidade para o trabalho por período superior ao referido na factualidade provada;

    9. O XXX... tenha sofrido queimaduras ligeiras nos membros inferiores que lhe tivessem determinado assistência e tratamento no local do incêndio;

    10. O X... tenha sofrido perigo para a vida;

    11. Os arguidos se tenham conformado com a possibilidade de algumas pessoas virem efetivamente a sofrer lesões particularmente dolorosas, a verem afetada de maneira grave a sua capacidade de trabalho, a correrem perigo de vida, ou mesmo a falecer em consequência dos incêndios que fizeram deflagrar;

    12. A empresa “ Y..., SA” tenha sofrido prejuízos superiores aos mencionados na factualidade provada;

    13. O arguido A... seja inocente e nada tenha a ver com os factos descritos na acusação, e que a versão desta seja falsa;

    14. Não tenha sido o arguido A... quem praticou os factos descritos na acusação;

                15. Na noite de 20 de Agosto de 2013, o arguido A... e a F... tenham decidido passar alguns momentos a sós e ir para um bar sito em Adside, e o tenham efetuado, sendo então surpreendidos pela passagem de carros de bombeiros;

                16. Na noite de 20 de Agosto de 2013, o arguido A... tenha levado a F... a casa;

                17. Na noite de 20 de Agosto de 2013, o arguido A... tenha ido ver o fogo com o primo E... e a esposa BBBB...., e que aí estivesse pelas 0 horas e 17 minutos, e lhe tenha então sido tiradas fotografias pelo dito primo, designadamente as juntas com a contestação;

               18. Pelas 23 horas da noite de 20 de Agosto de 2013, o arguido A... se encontrasse no café “ K... ”, e daí tenha telefonado para França através da aplicação “Tango” do seu “Iphone”;

                19. Na noite de 20 de Agosto de 2013, o arguido A... não estivesse na companhia do arguido B... ;

                20. O caminho entre a praia da Ribeira de Senra e os locais do início dos fogos demorasse cerca de 110 minutos a percorrer numa “Scooter” com dois ocupantes alcoolizados, durante a noite, naquelas estradas e caminhos, e fosse inexequível nos termos da acusação;

                21. O caminho estivesse bloqueado pelos bombeiros;

                22. Na altura as estradas estivessem em más condições;

                23. Os arguidos estivessem totalmente alcoolizados;

    24. Os incêndios objeto destes autos fossem reacendimentos do denominado “Incêndio de Queirã”, ou qualquer outro;

                25. O “Incêndio de Alcofra” se tenha extinto no dia 21 de Agosto de 2013;

                26. As vítimas mortais se tenham verificado em incêndios distintos e autónomos do denominado “Incêndio de Alcofra”;

                27. Tenham sido emitidas ordens confusas;

                28. O ciclomotor do arguido A... não suportasse dois passageiros;

                29. O arguido A... estivesse, na altura, habilitado com carta de condução válida;

    30. Os demais factos alegados nos pedidos de indemnização civil e contestações que não obtiveram assento na factualidade dada como provada.

    C - Convicção do Tribunal quanto à matéria de facto - Funda-se esta no conjunto da prova produzida em audiência, salientando-se os seguintes aspetos:

    1. Ambos os arguidos prestaram declarações, assumindo no entanto posições diametralmente opostas quanto aos factos descritos na pronúncia/acusação pública.

    2. Assim, o arguido A... negou a prática dos factos de que vinha acusado, afirmando nada ter a ver com a oclusão dos incêndios em questão nos autos.

    Este arguido admitiu que na altura em que os incêndios começaram se encontrava em Portugal, no concelho de Vouzela, de férias (tendo residência permanente no Luxemburgo), pernoitando em casa de seus pais, em Nogueira, Alcofra. Referiu ter chegado a Portugal nos finais de Junho de 2013, mas tendo estado na cidade do Porto até ao dia 12 de Agosto de 2013, indo depois para Nogueira, Alcofra, regressando ao Luxemburgo, com os pais, no dia 28 de Agosto de 2013.

    O arguido descreveu pormenorizadamente a sua conduta no dia 20 de Agosto de 2013, de modo coincidente, no essencial, com as declarações do coarguido B... (a seguir analisadas) até cerca das 20 horas. Referiu, assim, ter passado todo esse dia (embora se levantasse tarde, por hábito) na companhia do arguido B... , separando-se por volta da referida hora, em que cada um deles foi para a respetiva residência.

    Após tal momento temporal, verificou-se uma clara divergência entre as declarações de ambos os arguidos.

    De facto, o arguido A... afirmou que não voltou a conviver com o arguido B... nessa noite, tendo ido a casa (onde não jantou) e depois seguido para o “ KK... ”, ou seja, o estabelecimento “ K... ”, onde chegou por volta das 20 horas e 30 minutos, aí se encontrando com a F... , que referiu ser apenas sua amiga – local em que “petiscou”. Pouco tempo depois chegaram ao aludido estabelecimento o seu primo NNNN..., a NN... e a EE... . De seguida, cerca das 21 horas e 30 minutos, foram todos eles (arguido A... , F... , NNNN..., NN... e EE... ) para a praia fluvial da Ribeira da Senra, na localidade de Viladra, situada próximo desse estabelecimento, local em que conviveram e ingeriram bebidas alcoólicas – afirmando este arguido ter bebido sobretudo vodka (branca e vermelha), mas também Martini e absinto, ficando “com uns copos a mais”.

    Segundo este arguido, só se cruzou, nessa noite, com o arguido B... quando já abandonava a dita praia fluvial, na companhia da F... , dirigindo-se ambos, no ciclomotor referido na factualidade provada (apreendido nos autos), para a localidade de Adside, para beberem “um copo”, altura em que observou, noutra estrada paralela à que seguia, uns pirilampos azuis, que pensou (segundo disse) serem os bombeiros. Reparou então que existia um incêndio na encosta, regressando de imediato à já aludida praia fluvial, local em que já não se encontrava ninguém. Dirigiu-se então este arguido, segundo afirmou, sempre acompanhado pela F... , e movendo-se no ciclomotor, para o “ KK... ” (“ K... ”), local em que se encontrou casualmente com o seu primo MM... ... e a esposa BBBB... .

    Prosseguiu este arguido dizendo que o MM... pretendia ir ver o incêndio, mas não conhecia a estrada, pelo que (o arguido) se ofereceu para ir com ele, pois admitiu conhecer bem a estrada (caminhos) da serra (conhecimento este que confirma parte da tese da acusação, pois pressupõe que este arguido se dirigia com frequência para esses locais, onde os incêndios foram ateados, e por eles se movimentava com à-vontade). Desse modo, foi levar a F... a casa e regressou ao café, seguindo então com o MM... , este na sua viatura automóvel, e o arguido no seu ciclomotor, para Nogueira, onde deixou o ciclomotor em casa, passando então a ser transportado no automóvel do MM... . Daí seguiram para o lugar em que o “Incêndio de Alcofra” foi ateado, onde já se encontrava a primeira viatura dos bombeiros, bem como o seu pai (deste arguido) a observar.

    Algum tempo depois, segundo referiu o arguido, foi para casa, não tornando a ver o coarguido B... (que mora a cerca de 200 metros da residência dos seus pais).

    Este arguido referiu então o modo como se apercebeu, já no Luxemburgo, e mesmo na viagem para esse país, que era suspeito de ter ateado estes incêndios, decidindo então, aconselhado por um advogado, vir a Portugal e apresentar-se voluntariamente às autoridades – o que fez, sendo interrogado e detido.

    O arguido A... admitiu ainda que o seu ciclomotor fazia bem aquela estrada/caminhos, que até de bicicleta é possível percorrer (o que, como veremos, foi confirmado na reconstituição do facto).

    Quanto ao coarguido B... , confirmou ser seu amigo há muitos anos, desde a juventude (o que credibiliza claramente as declarações do arguido B... , a seguir mencionadas), não estando – ou tendo estado – zangados ou em conflito, mantendo a amizade e bom entendimento. Disse nunca ter falado com ele (coarguido B... ) sobre este assunto, não fornecendo qualquer explicação (absolutamente nenhuma) por este o identificar como coautor dos factos elencados na acusação/pronúncia.

    Confrontado com o facto de ter mantido chamadas telefónicas para o telemóvel da F... na altura em que refere ter estado na sua companhia, justificou-as (apenas nesta fase do processo, como reconheceu!!) com a possibilidade de as ter realizado quando se deslocou temporariamente ao “ K... ” para comunicar, via “wi fi” (disponível nesse estabelecimento), na plataforma “Tango”, para a sua namorada TTT..., que se encontrava em França.

    Este arguido confirmou ter mantido conversas telefónicas com a F... depois de regressar ao Luxemburgo, na altura em que já sabia que era suspeito de ter ateado os incêndios aqui em apreço, dizendo-lhe esta que o podia ajudar, e oferecendo-se para o efeito.

    Por fim, o arguido negou ter alguma vez sido mandado parar ou autuado pelas autoridades policiais em Portugal, afirmando que dispunha de carta de condução no Luxemburgo, que no entanto se encontrava apreendida – afirmação esta manifestamente falsa, como resulta do documento de fls. 3261, traduzido a fls. 3749, do qual resulta claramente que essa licença de condução lhe foi cassada.

    3. Além das acima apontadas incongruências das declarações do arguido A... , vislumbram-se outras, como:

    - o facto de este arguido ter negado a existência de uma relação entre si e a testemunha F... – que foi confirmada inequivocamente por outros meios de prova (a seguir mencionados) –, com o objetivo claro de credibilizar o depoimento desta, mas que acabou por produzir o efeito contrário, tornando ainda mais suspeitas as suas declarações, e menos credível o depoimento da aludida testemunha (que também negou tal relação, contra as aludidas evidências);

    - o arguido não forneceu qualquer explicação (absolutamente nenhuma) que justificasse o facto de o coarguido B... o ter identificado/apontado como coautor dos factos elencados na acusação/pronúncia – embora fosse diretamente questionado nesse sentido;

    - o arguido não comentou sequer, por vontade própria, as declarações do coarguido B... , não mostrando qualquer sinal de desagrado, revolta, aborrecimento, ou indignação perante a acusação que este lhe dirigiu – postura esta que julgamos ser incompatível com o comportamento ou atitude de quem é injustamente acusado, estando mesmo em prisão preventiva por esses factos há vários meses;

    - nas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (que foram reproduzidas na audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 357º, nº 1, al. b), do C.P.P.), este arguido disse que na noite do dia 20 de Agosto seguiu diretamente de casa para a praia fluvial, e só depois foi ao “ KK... ”, tendo de permeio ido dar uma volta de mota com a F... - o que depois contradisse na audiência de julgamento (afirmando ter ido primeiro ao café e daí para a praia fluvial, e só depois saído de mota com a F... ) – não apresentando o arguido qualquer justificação para esta incongruência;

    - nas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, este arguido disse que o B... foi ter à praia fluvial de bicicleta, e que lá estiveram todos juntos a conviver, incluindo o B... - o que depois contradisse na audiência de julgamento, como acima se referiu, pois aqui afirmou ter-se apenas cruzado com ele quando já ia a sair da praia fluvial com a F... – não apresentando o arguido qualquer justificação para esta incongruência;

    - nas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, este arguido disse que quando ia de mota com a F... e viu os pirilampos na estrada paralela, pensou que se tratava da polícia, o que lhe causou temor, por a mota não estar legal nem envergar capacete - o que depois contradisse na audiência de julgamento, afirmando ter pensado tratar-se dos bombeiros – não apresentando o arguido qualquer justificação para esta incongruência.

    Além disso, as declarações do arguido A... foram frontalmente desmentidas pela esmagadora maioria dos meios de prova produzidos, a seguir analisados, não merecendo, por isso, qualquer credibilidade (a não ser nos poucos aspetos em que coincidem com outros meios de prova credíveis).

    4. O principal meio de prova que rebateu frontalmente a posição assumida pelo arguido A... consistiu nas declarações do arguido B... .

    Na verdade, este arguido confessou de forma espontânea, quase integral e praticamente sem reservas a prática dos factos que lhe eram imputados na acusação pública/pronúncia, esclarecendo pormenorizada e coerentemente a sua conduta não apenas durante o dia 20 de Agosto de 2013, até à hora de jantar (de forma coincidente, no essencial, com a descrição operada pelo coarguido A... ), mas também na noite que se seguiu.

    Este arguido descreveu o sucedido após o jantar afirmando ter estado sempre na companhia do arguido A... , indo ter com este a sua casa, seguindo ambos no ciclomotor deste até ao “ KK... ”, onde chegaram por volta das 22 horas, e pouco depois (22 horas e 15 minutos/22 horas e 20 minutos) para a já mencionada praia fluvial próxima. A F... foi ter ao aludido estabelecimento, seguindo na companhia de ambos para a praia fluvial, local em que chegaram pouco depois o Gil, a NN... e a EE... , no automóvel do primeiro.

    Na praia fluvial todos, menos a F... , consumiram vodka (“Eristoff”), absinto e Martini (bebidas também referidas pelo arguido A... ), ficando alcoolizados ambos os arguidos.

    Este arguido afirmou que estiveram na praia fluvial até pouco após as 23 horas, altura em que ele (arguido B... ) e o arguido A... abandonaram o local, por já terem acabado as bebidas, dirigindo-se para casa no ciclomotor deste, por ele ( A... ) conduzido. Os restantes, incluindo pois a F... , ficaram na praia fluvial.

    Porém, chegados a Nogueira, Alcofra (por volta das 23 horas e 30 minutos), o arguido A... não parou e seguiu para o estradão da serra, dizendo-lhe que iam lá acima e já vinham. Seguiram na direção do Castanheirinho, chegando ao local (entroncamento) onde foi ateado o primeiro foco de incêndio cerca de 10 minutos depois.

    De seguida, este arguido descreveu pormenorizada e coerentemente a forma como foram ateados os três incêndios (“Incêndio de Alcofra”, Lapa de Meruje, e “Incêndio de Silvares”), situando-os no espaço e no tempo, de forma perfeitamente consonante, quer com o relato temporal da eclosão e evolução dos incêndios apurados com base nos restantes meios de prova produzidos, quer com as evidências físicas depois observadas nos locais em que os incêndios foram ateados – sublinhando-se aqui o reconhecimento e localização desses locais efetuada pelos agentes da G.N.R./SEPNA OO... e PP... , antes mesmo de terem contactado com este arguido. Tal descrição é a que, no essencial, está refletida na factualidade provada, referindo o arguido B... que os dois primeiros focos de incêndio (e que originaram o “Incêndio de Alcofra” e o de Lapa de Meruje) foram ateados pela mão do arguido A... , assumindo ter sido ele próprio (arguido B... ), pela sua mão, a atear o derradeiro foco de incêndio (e que originou o “Incêndio de Silvares”), embora incentivado pelo coarguido A... (proferindo este a expressão “não és homem não és nada se não chegares fogo”).

    Deve salientar-se que o arguido B... declarou que o arguido A... , na barragem da Lapa de Meruje, comentou que “só lhe apetecia chegar fogo”, e que entre os locais em que foram ateados o segundo (Lapa de Meruje) e o terceiro foco de incêndio (Silvares), se dirigiam no ciclomotor para Carvalhal de Vermilhas mas acabaram por voltar para trás, por decisão do arguido A... , que lhe disse que não queria voltar a circular na estrada porque tinha receio de encontrar a polícia. Foi então que se dirigiram para o local em que foi ateado o terceiro foco de incêndio (Silvares).

    Aliás, segundo afirmou este arguido, o arguido A... escolhia e seguia sempre, conduzindo o ciclomotor, por atalhos e estradas secundárias, por recear ser apanhado pela polícia, pois o dito ciclomotor não tinha matrícula, documentos nem seguro, andando sempre sem capacete. Neste aspecto, as declarações do arguido B... são corroboradas pelas declarações prestadas pelo arguido A... em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (que foram reproduzidas na audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 357º, nº 1, al. b), do C.P.P.), aí afirmando este arguido que utilizava muitas vezes o estradão da serra, na companhia do B... , por não haver lá polícia, e aí as autoridades policiais não o poderem incomodar.

    Este arguido descreveu ainda que após atear, ele próprio, o terceiro foco de incêndio, foram ambos para casa, no ciclomotor conduzido pelo arguido A... , passando ainda pelo local em que foi ateado o primeiro foco de incêndio, onde os bombeiros já combatiam o incêndio e estavam populares a assistir. Disse ter chegado a casa entre as 0 horas e 30 minutos e a 1 hora, acabando no entanto por regressar ao entroncamento do Castanheirinho, e depois aos restantes locais em que existiam incêndios, para ir ver o fogo com um amigo, a convite deste.

    Assegurou assim este arguido que os três incêndios aqui em questão foram ateados por ambos os arguidos – ele e o A... .

    5. Quanto à intencionalidade subjacente à conduta dos arguidos, da prova produzida, mormente das declarações do arguido B... , e ainda da própria configuração objetiva dos atos por ambos praticados, resultou que no momento em que, estando no lugar em Alcofra, a hora tardia (por volta das 23 horas e 25 minutos), e aí não se imobilizando, mas antes dirigindo-se para a serra, os arguidos (ambos) haviam já necessariamente combinado atearem o fogo nessa serra.

    De facto, analisando a conduta de ambos os arguidos nessa noite, pode concluir-se facilmente que nas voltas que deram pela serra do Caramulo, nada mais de relevante fizeram do que atearem os diversos focos de incêndio, dirigindo-se logo a seguir para casa. Por isso, não se vislumbra que outra intencionalidade pudessem os arguidos ter quando se dirigiram para esse local, não sendo crível que para aí fossem sem rumo ou propósito – por se tratar de local remoto e de difícil acesso, desprovido de luz artificial e de qualquer estrutura recreativa. Por isso, segundo os ensinamentos das regras da experiência (que devem conduzir o julgador – art. 127º do Código de Processo Penal), julgamos ser de concluir que ambos os arguidos sabiam bem o que iam fazer à serra quando atravessaram sem parar a localidade em que ambos viviam e para ali se dirigiram, intenção essa traduzida no atear dos focos de incêndios, em que aliás se consubstanciou toda sua atividade nesse local e período temporal.

    É certo que o arguido B... , nas suas declarações, afirmou que não sabia o que aí iam fazer, apenas se apercebendo do que se passava quando observou a coluna de fumo do primeiro foco de incêndio. Porém, não se pode olvidar que este arguido também referiu que passaram – os dois arguidos – todo o dia em conjunto, agindo concertadamente, incluindo nas atividades lúdicas que desenvolveram, pelo que tudo aponta que a sua atuação nessa noite resultou de acordo, expresso ou tácito, entre ambos firmado. Além disso, o arguido B... não tentou demover o arguido A... de enveredar por essa conduta criminosa, que não se esgotou num único ato, mas antes se repetiu. Mais: o arguido B... não abandonou a companhia do arguido A... (sendo certo que o poderia fazer a qualquer momento, pois não estava privado da liberdade, nem coagido por qualquer modo – pelo menos não o referiu em momento algum -, e nunca esteve a mais do que algumas dezenas de minutos a pé de sua casa) nem por um momento, continuando a acompanhá-lo no ciclomotor – chegando mesmo ele próprio a atear, pela sua mão, o derradeiro foco de incêndio (as seis fogueirinhas seguidas) no cume da serra.

    Logo, recorrendo novamente aos ensinamentos das regras gerais da experiência comum, impõe-se a conclusão da decisão e execução conjunta (por ambos os arguidos) do iter criminis.

    Aliás, o próprio arguido B... acabou por reconhecer, nas suas declarações, que podem ter combinado ir atear os fogos, e que gostava de ver os incêndios – gosto esse que era partilhado pelo arguido A... , que até o convidou para irem ver os incêndios pelo menos numa ocasião nos dias seguintes.

    No que respeita às possíveis consequência da sua conduta, este arguido referiu que tinha plena consciência do perigo causado pelos incêndios (que os dois arguidos atearam intencionalmente, como admitiu), quer para a floresta, campos agrícolas, animais, estradas, casas de habitação e demais estruturas implantadas nos locais, quer para as pessoas que aí residiam e iriam certamente combater os incêndios, conformando-se com a criação desse perigo. No entanto, embora tenha reconhecido que ponderou a hipótese de algumas dessas pessoas se lesionarem com gravidade por causa dos incêndios causados, ou mesmo falecerem, este arguido declarou que confiou que tal não sucederia, pois os bombeiros combateriam os incêndios cuidadosa e adequadamente.

    É de sublinhar que esta derradeira declaração do arguido não foi infirmada por qualquer outro meio de prova produzido, sendo ao invés corroborada pela análise objetiva da conduta de ambos os arguidos, e até pelas regras gerais da experiência comum.

    Na verdade, é do conhecimento geral que a atividade de combate aos incêndios é intrinsecamente perigosa, não sendo – felizmente – habitual redundar em mortos e feridos graves, reconhecendo-se aos corpos de bombeiros e aos seus dirigentes capacidade, conhecimentos e destreza bastantes não apenas para evitarem danos pessoais a terceiros, mas também para protegerem a vida e integridade física dos próprios bombeiros envolvidos nessa atividade. Por isso, é natural, compreensível e credível a crença – que os aqui arguidos certamente tiveram (e o arguido B... expressou) – de que o combate aos incêndios decorreria sem que se verifiquem danos pessoais graves ou mortes.

    Deve ainda salientar-se que entendemos ser perfeitamente válida a demonstração de um facto desconhecido mediante o recurso à presunção judicial. Sendo admissíveis em processo penal as provas que não sejam proibidas por lei (cf. art. 125º do C.P.P.), devem considerar-se aí incluídas as chamadas presunções judiciais, que mais não são do que as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para considerar assentes factos desconhecidos (art. 349º do Código Civil). E como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 28-10-2009[1], este mecanismo é fundamental na prova da intenção criminosa. Afirma-se no corpo deste aresto que “a intenção, enquanto elemento volitivo do dolo (enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime), na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto diretamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos suscetíveis de perceção direta e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado”.

    Desse modo, desde que não se contrariem os ensinamentos das regras gerais da experiência comum, e seja seguido pelo julgador um raciocínio lógico e motivável, é perfeitamente válido e admissível o acolhimento da presunção judicial como meio de prova, pressupondo no entanto o respeito pelos seguintes princípios:

    - Estabelecimento de uma relação direta e segura, claramente percetível, sem necessidade de elaboradas conjeturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto desconhecido (provado por via da presunção) – não sendo admissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação;

    - Exigência de que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria – desconhecida – de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido);

    - Respeito pelo princípio in dubio pro reo.

    Concluindo este ponto, o Tribunal - ponderando os factos objetivos da conduta de ambos os arguidos (provados mediante prova direta), conjugando-os com as declarações do arguido B... , e sopesando os conhecimentos disponíveis na altura a ambos os arguidos, e os acima aludidos ensinamentos das regras da experiência - entendeu que os arguidos agiram de forma intencional quanto à ignição dos três focos de incêndio, representando os perigos que estes poderiam acarretar, quer para bens patrimoniais, quer para bens pessoais, conformando-se com a criação desses perigos, mas confiando que ninguém se lesionaria ou faleceria em consequência das respetivas condutas e perigos criados.

    6. Salienta-se que não foi possível apurar, ponderados os diversos meios de prova produzidos nos autos, incluindo os acima elencados, que os arguidos, quando saíram da praia fluvial da Ribeira da Senra, estivessem já decididos a atearem fogo na floresta da Serra do Caramulo. Porém, apurou-se que tal intencionalidade já se verificava quando os diversos focos de incêndio foram ateados, como se referiu;

    7. Regressando às declarações do arguido B... , este referiu expressamente que o arguido A... conhecia bem os caminhos que percorreram – no que coincide com as declarações deste arguido, como já acima se consignou. Disse ainda o arguido B... que o ciclomotor assegurou perfeitamente toda esta viagem/deslocação/trajeto (que descreveu), embora nalguns pontos de maior inclinação ascendente tivesse (ele próprio, arguido B... ) de descer da mota (ciclomotor) e seguir a pé, montando novamente nesta no fim da subida.

    Declarou ainda este arguido que à tarde haviam combinado – os dois arguidos, a F... , o NNNN..., a NN... e a EE... – fazerem um churrasco na barragem da Lapa de Meruje (onde um dos incêndios foi ateado), mas como a F... e a EE... não queriam lá ir de noite, desistiram dessa ideia.

    Quanto ao relacionamento entre a F... e o arguido A... , o arguido B... declarou que, mais do que serem amigos, por vezes beijavam-se (como namorados) – assim desmentido as declarações do arguido A... .

    Por fim, o arguido B... relatou o modo como foi abordado pelos agentes da G.N.R./SEPNA OO... e PP... no dia 30 de Agosto de 2013, e os acompanhou à serra, descrevendo-lhes o sucedido na noite em que os incêndios foram ateados, indicando-lhes os precisos locais em que tal sucedeu. Referiu que de início tais agentes não o consideravam suspeito, mas apenas alguém que os poderia auxiliar fornecendo informações sobre os incêndios.

    8. O arguido B... rebateu, como se observa, as declarações prestadas pelo arguido A... , quer quanto à autoria dos focos de incêndio, quer quanto à sua conduta nessa noite, quer ainda quanto ao facto de se ter ausentado da praia fluvial sozinho com a F... .

    E é nosso entendimento que, comparando as declarações dos dois arguidos, quer quanto à sua espontaneidade, serenidade, lógica e coerência interna, quer sob o prisma da sua compatibilidade com os restantes meios de prova produzidos (divisando os pontos de correspondência, ou seja, de confirmação mútua), as declarações do arguido B... merecem credibilidade, o mesmo não sendo de afirmar relativamente às declarações do arguido A... (como acima já se referiu).

    Com efeito, e como de seguida se exporá com mais detalhe, as declarações do arguido B... foram corroboradas pela esmagadora maioria dos meios de prova credíveis produzidos, que refutaram a globalidade das afirmações emitidas pelo arguido A... .

    Desde logo, verificou-se existir perfeita congruência entre a descrição factual dos eventos dessa noite fornecida pelo arguido B... nas suas declarações, a localização temporal dos focos de incêndio decorrente dos alertas da existência de fogo nesses locais, e ainda os tempos de deslocação entre esses locais, utilizando o ciclomotor apreendido nos autos (pertencente ao arguido A... ), observados na diligência de reconstituição do facto.

    Por outro lado, este arguido ( B... ) indicou e descreveu os locais em que foram ateados os focos de incêndio – quer aos agentes da G.N.R./SEPNA acima identificados, quer na audiência de julgamento - com tal precisão e pormenor que apenas podem ser explicados pela sua presença e intervenção direta na prática desses factos delituosos.

    E é certo que as declarações do arguido B... - que podem ser consideradas nesta decisão, ou seja, as prestadas aos ditos agentes da G.N.R./SEPNA no início do processo (quando ainda não era suspeito), e as prestadas na audiência de julgamento – sempre se mantiveram coerentes, sem desvios ou alterações – facto que obviamente lhes atribui maior fidedignidade e credibilidade.

    Além disso, não se vislumbram motivos para duvidar das afirmações deste arguido, quer na parte em que confessa a sua participação nesses factos delituosos, quer na parte em que garante a participação também do coarguido A... . De facto, o arguido B... não rejeitou a sua responsabilidade pelos factos praticados em conjugação de esforços com o coarguido A... , acabando mesmo por a admitir, afirmando ainda não estar - ou ter estado – zangado com este arguido, e continuar a ser seu amigo (o que foi confirmado pelo arguido A... ).

    E é certo que o próprio arguido A... nunca indicou qualquer motivo (nem um só) que explicasse ou justificasse uma qualquer acusação falsa proferida pelo coarguido B... – não obstante ter sido diretamente questionado a esse respeito.

    Por conseguinte, as declarações do arguido B... revelaram-se sérias, consistentes, racionais e coerentes, mantendo este aliás uma postura consonante ao longo do processo, admitindo a prática dos factos, que descreveu de forma pormenorizada e detalhada, e nela implicando o coarguido A... . Daí que o Tribunal Coletivo tenha considerado credível a sua confissão e admissão de culpa, bem como a afirmação da participação do arguido A... na execução do iter criminis.

    9. Ambos os arguidos esclareceram o Tribunal acerca das suas condições pessoais e modo de vida.

    10. Foram ainda ponderados os depoimentos sinceros, imparciais e credíveis das testemunhas SS... (inspetor da Polícia Judiciária), OO... (agente da G.N.R./SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente, Mestre Florestal Principal), PP... (agente da G.N.R./SEPNA, sargento chefe), QQ... (agente da G.N.R./SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente, Mestre Florestal), e VVV... (agente da G.N.R./SEPNA, Mestre Florestal Principal), que intervieram na investigação que deu origem a estes autos, cujos pormenores descreveram, na medida das suas intervenções e do legalmente admissível, caracterizando detalhadamente os locais dos incêndios, as áreas por estes abrangidas, e os bens – patrimoniais e pessoais - por eles ameaçados e lesados. Indicaram ainda o estado do tempo no dia 20 de Agosto de 2013 e dias seguintes.

    De forma unânime, e sem quaisquer dúvidas, afirmaram as testemunhas que os acidentes pessoais, incluindo as lesões da integridade física e as mortes em questão nos autos, aconteceram no combate ao chamado “Incêndio de Alcofra”, ateado próximo do cruzamento do Mosteirinho, em Nogueira de Alcofra, e no perímetro desse incêndio, que não se pode confundir, de forma alguma, com os restantes dois incêndios aqui em apreço (nem com qualquer outro). Os três incêndios, na realidade, e segundo as testemunhas, não se tocaram sequer. Tal conclusão resultou de forma clara e inquestionável da análise dos vestígios físicos deixados pelos três incêndios nos locais atingidos.

    A testemunha SS... referiu ainda que no telemóvel do arguido A... não constam quaisquer registos de geolocalização no período compreendido entre os dias 12 e 22 de Agosto de 2013. Além disso, afirmou que, segundo a experiência que retirou doutros processos, dois indivíduos situados no mesmo local podem, ao efetuarem chamadas por telemóvel (em simultâneo ou não), fazer acionar antenas (de transmissão do respetivo sinal - BTS) distintas, por questões técnicas de rede. Disse ainda que a geolocalização operada pelos aparelhos de telemóvel para tanto equipados é precisa, ao contrário da localização realizada pela própria rede (de comunicações por telemóvel), mediante a ativação de antenas, que não é precisa, mas apenas por aproximação (indica a antena ou antenas ativadas). Também afirmou que na zona do Caramulo existem implantadas 30 BTS distintas, na rede da operadora “Vodafone”, e que as áreas de abrangência das BTS de Reigoso, São João do Monte e Talhadas se sobrepõem.

    Esta testemunha ( SS... ) referiu ainda que a localização constante das cartas e documentos do processo foi realizada por aproximação.

    Por fim, a testemunha SS... , no que foi acompanhado pela testemunha OO... , referiu que na altura em que os incêndios ainda estavam ativos, e nos dias que se seguiram, incluindo na data em que o arguido B... foi detido, a população e a comunicação social atribuíam o chamado genericamente “incêndio do Caramulo”, e os mortos e os feridos, ao “Incêndio de Silvares”, ou seja, às consequências da ignição cuja execução sempre foi assumida pelo dito arguido ( B... ) – realidade que credibiliza inequivocamente as declarações deste arguido.

    Por seu turno, a testemunha OO... declarou que passou a intervir na investigação da origem dos incêndios aqui em apreço no dia 28 de Agosto de 2013, começando por identificar, no terreno, os diversos pontos de ignição – o que conseguiu quanto a todos eles (primeiro ponto próximo de Nogueira de Alcofra; segundo ponto junto à Barragem de Meruje; terceiro ponto, ou melhor seis pontos juntos, no estradão das eólicas, na cumeada da Serra, em Silvares), mediante a análise dos vestígios deixados no local pelos incêndios e respetivas ignições, e pela evolução daqueles, muito embora não tenha encontrado qualquer meio de ignição (o que é natural, pois veio a apurar-se que esse meio se traduziu na utilização de um isqueiro, que o arguido A... não deixou no local, como afirmou o coarguido B... ), o que o levou imediatamente a desconfiar de atuação dolosa. Daí que tenha de seguida questionado os populares nas localidades próximas sobre a identidade de pessoas que costumassem andar por aqueles locais de noite, assim chegando à indicação do arguido A... . Não tendo encontrado este arguido, e obtida a informação de que o mesmo costumava andar acompanhado por um S... e pelo arguido B... , contactou ambos.

    Foi assim que a testemunha OO... contactou inicialmente com o arguido B... , não o considerando suspeito de qualquer crime, pedindo-lhe que o acompanhasse ao estradão da serra e lhe indicasse os locais do início (ignição) dos incêndios, o que este aceitou.

    Nessa deslocação à serra, o arguido B... afirmou que na noite em que os incêndios começaram (20 para 21 de Agosto de 2013), foram – ele e o arguido A... – para esses locais, no ciclomotor deste último, indicando-lhes o trajeto seguido e pedindo-lhes para pararem nos locais das três referidas ignições, que no terreno localizou com absoluta precisão – coincidindo perfeitamente com o reconhecimento desses pontos que a testemunha OO... havia previamente efetuado. Referiu ainda a testemunha que nunca indicou, nem deu qualquer indício, ao arguido B... sobre esses locais de ignição, que foram assim apontados exclusivamente por iniciativa deste. A testemunha OO... afirmou ainda que o arguido B... referiu que os dois primeiros focos de incêndio foram ateados pela mão do arguido A... , e o derradeiro (as seis ignições juntas, em Silvares) pela sua própria mão, descrevendo o modo como tal sucedeu de modo pormenorizado, bem como todo o trajeto seguido entre tais pontos de ignição, e os atos e afirmações então praticados e proferidos por ambos os arguidos. Segundo referiu a testemunha OO... , o arguido B... declarou que nessa noite o arguido A... estava muito agressivo e nervoso, dizendo que “queria queimar aquilo tudo”.

    Logo a seguir ao momento em que o arguido B... assumiu ter sido ele a atear o terceiro foco de incêndio, as testemunhas OO... e PP... levaram-no logo para o posto da G.N.R. de Vouzela e comunicaram o sucedido à Polícia Judiciária.

    Refira-se que o arguido B... foi questionado sobre a veracidade ou não do depoimento da testemunha OO... , na parte em que se refere ao seu comportamento nesse dia em que o acompanhou à serra, e ao teor das declarações então proferidas, confirmando que foi exatamente o sucedeu, sendo tudo verdade, corroborando plenamente este depoimento. Deve ainda sublinhar-se que essas declarações então proferidas pelo arguido B... coincidem na perfeição com as declarações que prestou na audiência de julgamento, o que naturalmente as credibiliza como meio de prova.

    A testemunha OO... afirmou ainda que os horários referidos na acusação/pronúncia como sendo os momentos temporais em que os focos de incêndio foram ateados não estão corretos, correspondendo não aos precisos momentos das ignições, mas antes aos momentos em que foi dada notícia da existência desses focos de incêndio. Assim, segundo esta testemunha, o primeiro foco de incêndio (Nogueira de Alcofra) terá sido ateado cerca de 15/20 minutos antes do horário mencionado na pronúncia, o segundo foco de incêndio (Barragem de Meruje) terá sido ateado cerca de 15 minutos depois do primeiro foco (não foi detetado logo, sendo observado por acaso, já em estado relativamente avançado, por uma viatura de bombeiros que lá passou), e o terceiro foco de incêndio (Silvares) terá sido ateado cerca de 3/4 minutos antes do horário mencionado na pronúncia (pois situando-se no cume da serra, foi logo observado pelo vigia e por populares).

    A testemunha OO... esclareceu ainda os termos da distinção entre uma ignição inicial de um incêndio e um seu reacendimento, incluindo os vestígios que deixam nos locais, e que permitem a destrinça inequívoca entre essas duas realidades. Afirmou que o reacendimento ocorrido no dia 29 de Agosto não traduziu uma ignição inicial de um novo incêndio, justificando ao pormenor essa afirmação.

    Já a testemunha PP... - que acompanhou sempre a testemunha OO... nas diligências de investigação que este realizou, acima aludidas, incluindo na deslocação efetuada à serra do Caramulo na companhia do arguido B... , escutando também as afirmações por este então proferidas – corroborou plenamente o depoimento da testemunha OO... .

    11. Relevantes para o esclarecimento do sucedido, designadamente do modo como os incêndios aqui em apreço se desenvolveram no terreno, as proporções que assumiram, as características dos locais ardidos, e os danos e perigos causados, bem como as dificuldades e vicissitudes do combate aos ditos incêndios, foram ponderados os depoimentos sinceros, coerentes, esclarecidos e credíveis das testemunhas AAAA... (chefe da equipa de Sapadores Florestais de Santiago de Besteiros), J... (2º Comandante dos Bombeiros Voluntários de Vouzela), e DD... (Adjunto do Comando dos Bombeiros Voluntários de Campo de Besteiros).

    A testemunha J... afirmou, além do mais, que existe certamente lapso nas informações horárias do relatório referente ao “incêndio de Meruje” (fls. 590 e 591), esclarecendo que a hora de saída aí mencionada corresponde ao momento da saída do quartel, e a hora da chegada corresponde ao momento da chegada ao local do incêndio, e a hora de regresso corresponde ao momento em que qualquer viatura regressa e chega ao quartel.

    Já a testemunha DD... admitiu que ao elaborar o relatório de fls. 600 a 603, referente ao “incêndio de Silvares”, incluiu elementos do “incêndio de Alcofra”, por lapso.

    12. Descrevendo a sua intervenção no combate ao chamado “Incêndio de Alcofra”, mais concretamente nos episódios descritos na acusação/pronúncia, e especificando os danos – físicos e psíquicos – sofridos, também se revelaram importantes para o esclarecimento do sucedido os depoimentos sérios, isentos, consonantes e credíveis das testemunhas M... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de Loures), N... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de Loures), O... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros do Zambujal), P... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de Alcabideche), Q... (bombeiro voluntário - subchefe - da Corporação de Bombeiros de Alcabideche), Q... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de Alcabideche), T... (bombeira voluntária da Corporação de Bombeiros de Alcabideche), U... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de São Pedro de Sintra), V... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de São Pedro de Sintra), X... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de São Pedro de Sintra), Z... (bombeiro voluntário - adjunto do comando - da Corporação de Bombeiros de Vouzela, e mestre florestal do S.E.P.N.A. da G.N.R.), J... (bombeiro voluntário da secção de Campia da Corporação de Bombeiros de Vouzela), AA... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de Campo de Besteiros), e ZZZ... (Comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Carregal do Sal).

    Refira-se que a testemunha T... , criticando embora o facto de os equipamentos então utilizados (no primeiro incidente mortal, ocorrido em 22 de Agosto de 2013, no lugar de Olival Novo) não se terem revelado os mais adequados, a demora verificada no socorro, e a falta de meios aéreos, reconheceu que a situação então vivenciada não era previsível, pois foram para o local apenas para realizarem operações de rescaldo, o que era condizente com as condições que então se verificavam (chamas dispersas e rasteiras), surgindo súbita e inopinadamente uma parede de chamas, incontrolável, ocorrência esta totalmente imprevisível. Esta imprevisibilidade foi corroborada pelas testemunhas U... , V... , XXX... (bombeiro voluntário da Corporação de Bombeiros de São Pedro de Sintra) e X... , que também se encontravam no local.

    A testemunha XXX... afirmou que não sofreu qualquer ferimento (não sofreu queimaduras que lhe determinassem assistência e tratamento no local do incêndio), assim desmentindo o teor da acusação/pronúncia, nesta parte, sendo o seu depoimento confirmado pelo auto de exame de fls. 3426 a 3428.

     Já a testemunha Z... referiu que quando combatia o incêndio no local da ignição de Nogueira de Alcofra, viu passar, por volta das 0 horas e 30 minutos/0 horas e 45 minutos, vinda do cimo da serra, do lado das eólicas, uma motorizada pequena com dois indivíduos em cima, sem capacete, o que achou estranho, tendo em conversa com um colega bombeiro de Tondela sido proferida a seguinte expressão – “dois burros tão grandes em cima de um burro tão pequeno”. Esta afirmação corrobora claramente as declarações do arguido B... , pois não se vislumbra - recorrendo às regras da experiência - que outro ciclomotor de pequena dimensão pudesse ali circular, àquela hora e naquele sentido de marcha, sem ser o do arguido A... , por este conduzido, e acompanhado pelo arguido B... .

    A testemunha Z... referiu ainda que os chamados “Incêndio de Alcofra” e “Incêndio de Silvares”, que ajudou a combater e cujas consequências depois observou e analisou, nunca se uniram nem se podem confundir, tendo tido ignições distintas, e atingido áreas territoriais completamente diversas.

    Já a testemunha J... afirmou ter visto os dois arguidos no local da primeira ignição, ocorrida em Nogueira de Alcofra, onde esteve a combater o incêndio, logo na noite em que foi ateado, observando o arguido B... por volta da 1 hora e 30 minutos/2horas, para aí se tendo dirigido num carro comercial, com outras duas pessoas, tendo até falado com ele, pedindo-lhe água (assim corroborando as declarações deste arguido, nesta parte), e o arguido A... a passar na sua “scooter” sem matrícula e sem capacete, sem parar, acompanhado por outra motorizada, provenientes da povoação de Nogueira e dirigindo-se para a povoação do Couto, por volta das 2 horas e 30 minutos/3 horas dessa mesma noite.

    Por seu turno, a testemunha ZZZ... confirmou o dano traduzido na perda total da viatura de marca “Land Rover”, modelo “Defender 130”, com a matrícula (...) ZR, que ardeu no episódio ocorrido no dia 29 de Agosto de 2013, em São Marcos, Santiago de Besteiros, importando a aquisição de um veículo idêntico novo o dispêndio da quantia de € 51.900, sem IVA. 

    13. Os depoimentos isentos, homogéneos e consonantes das seguintes testemunhas também se mostraram decisivos para o esclarecimento dos momentos e sequência temporal das ignições que deram origem aos incêndios aqui em apreço:

    - CCCC... , chefe de sala do C.D.O.S. - Comando Distrital de Operações de Socorro - de Viseu, que estava de serviço na noite em que os incêndios foram ateados, enumerando e descrevendo as chamadas/alertas então recebidos e os contactos efetuados, esclarecendo que os horários mencionados na acusação/pronúncia correspondem, não aos momentos das ignições, mas antes aos momentos temporais em que as equipas de bombeiros saíram para o combate ao fogo. Referiu ainda que na sala do C.D.O.S. todos os alertas ou notícias de incêndios recebidos são tratados como novos incêndios, e que só depois da análise do S.E.P.N.A. é possível determinar se se trata de novos incêndios ou de meros reacendimentos de incêndios já preexistentes. Atividade de associação esta que in casu apenas foi realizada por volta do final de Outubro de 2013. Afirmou ainda que nessa noite, em que os incêndios aqui em apreço foram ateados, não existia qualquer outro incêndio na serra do Caramulo.

    - TT... , vigia florestal, que na noite em que os incêndios aqui em apreço foram ateados se encontrava de serviço, no posto de vigia do Caramulo, visionando o surgimento dos seis focos de incêndio no cimo da serra, perto das eólicas, e acompanhando as comunicações então estabelecidas entre os vários intervenientes no terreno. Referiu que não tinha visibilidade direta para as zonas de Nogueira de Alcofra e da Barragem de Meruje. Afirmou ainda que é possível passarem veículos a motor na serra que não consiga observar ou escutar, pois só consegue ouvir os veículos que passem próximo do posto de vigia, e visionar as luzes de veículos que estejam diretamente apontadas para o posto de vigia, e que não estejam encobertos por vegetação ou rocha.

    - UU... , Comandante Operacional Distrital da Autoridade Nacional de Proteção Civil, que se limitou a descrever as incumbências e o modo de funcionamento do C.D.O.S. e do programa informático S.A.D.O. (Sistema de Apoio à Decisão Operacional, a chamada “fita de tempo”), confirmando ainda a existência de uma reunião mantida entre os agentes da Polícia Judiciária e a CCCC... , em que não esteve diretamente envolvido, não conhecendo os seus pormenores.

    - RR... , pessoa que habita próximo do local em que foi ateado o primeiro foco de incêndio (Nogueira de Alcofra), tendo observado um clarão entre as 23 horas e 30 minutos e as 24 horas, e pouco depois visto na serra, no estradão das eólicas, a luz de um veículo, que parava e arrancava, surgindo logo a seguir nesse local um novo clarão de incêndio, o que sucedeu por diversas (pelo menos 4) vezes, deslocando-se no sentido de Carvalhal de Vermilhas.

    14. Corroborando ainda as declarações do arguido B... , e desmentindo as declarações do arguido A... , salientam-se ainda os valiosos depoimentos das testemunhas NN... e EE... , amigas de ambos os arguidos, com quem se relacionaram no período de férias de Verão do ano transato (2013), tendo estado com ambos na tarde do dia 20 de Agosto de 2013, na praia fluvial. As testemunhas relataram o sucedido nessa tarde, mencionando a intenção do arguido A... de fazer um churrasco à noite na Barragem de Meruje (o que aponta manifestamente no sentido da veracidade das declarações do arguido B... ). Depois regressaram à praia fluvial à noite, não se recordando se nessa altura estiveram ou não com os arguidos, mas afirmando sem qualquer dúvida ou hesitação que no momento temporal em que o incêndio começou se encontravam na praia fluvial, não estando aí presente qualquer dos arguidos. Afirmaram ainda que nesse dia 20 de Agosto de 2013, o arguido B... acompanhava o arguido A... na motorizada deste.

    As testemunhas confirmaram ainda o relacionamento amoroso estabelecido entre o arguido A... e a F... , quer nos anos anteriores, quer no próprio Verão de 2013, observando o seu envolvimento e os beijos por eles trocados.

    A testemunha NN... afirmou que o pai do arguido A... lhe ligou, por telemóvel, após a ida deste arguido para o Luxemburgo, mais concretamente no dia 1 de Setembro de 2013, conversando com ele e com o próprio arguido, tentando ambos passar-lhe uma memória do sucedido na noite de 20 de Agosto de 2013 - terem estado juntos no momento temporal em que o incêndio começou, na praia fluvial, aí não tendo estado o arguido B... , que se deslocaria então de bicicleta -, a qual é inequivocamente falsa. Depois disseram-lhe que mais tarde a F... falaria com ela, obviamente para combinarem e conjugarem depoimentos, no sentido de estabelecerem um alibi que ilibasse o arguido A... da autoria dos ilícitos criminais aqui em discussão. Esta tentativa de obtenção de um alibi falso manifestamente retira credibilidade às declarações do arguido A... , e valoriza as declarações do arguido B... , tendo ainda o efeito de macular a credibilidade do depoimento da testemunha F... (a seguir mencionado), denunciando a total adesão desta à posição processual do arguido A... .

    Também a testemunha EE... referiu que o pai do arguido A... lhe ligou, por telemóvel, após a ida deste arguido para o Luxemburgo, tendo então conversado com o arguido A... , tentando este passar-lhe uma memória do sucedido na noite de 20 de Agosto de 2013 - ter estado com o arguido A... no momento temporal em que o incêndio começou, na praia fluvial, aí não tendo estado o arguido B... , que se deslocaria então de bicicleta -, a qual é inequivocamente falsa. Depois disse-lhe que mais tarde a F... falaria com ela (“para ela lhe dar umas ‘dicas”), obviamente para combinarem e conjugarem depoimentos, no sentido de estabelecerem um alibi que ilibasse o arguido A... da autoria dos ilícitos criminais aqui em discussão. Esta tentativa de obtenção de um alibi falso retira, como é evidente, credibilidade às declarações do arguido A... , e valoriza as declarações do arguido B... , tendo ainda o efeito de prejudicar seriamente a credibilidade do depoimento da testemunha F... (a seguir mencionado), denunciando a total adesão desta à posição processual do arguido A... .

    Sublinha-se que o Tribunal ponderou não apenas os depoimentos destas testemunhas prestados na audiência de julgamento, mas também os prestados em sede de inquérito, perante autoridade judiciária, plasmados nos autos de fls. 141 a 143 e 150 a 156 e 507, ao abrigo do disposto no art. 356º, nº 3, do C.P.P.

    15. Enquanto que a testemunha HHHH... (dono do “Café (...)”) apenas afirmou que costumava ver o arguido A... a circular na sua motorizada, acompanhado do arguido B... , já os depoimentos das testemunhas C... (dono do café “ K... ”, ou “ KK... ”), UUU... e D... , respetivamente esposa e filho da anterior testemunha, assumiram relevo decisivo na decisão da causa, pois referiram que não estiveram ou falaram com o arguido A... na noite de 20 de Agosto de 2013, nem com o primo deste, chamado MM... , tendo encerrado o estabelecimento por volta da meia-noite (0 horas) por não terem clientes, indo depois a testemunha C... ver o incêndio

    Estes depoimentos, além de infirmarem as declarações do arguido A... , rebatem de forma frontal os depoimentos de algumas das testemunhas depois inquiridas, como veremos,

    Estas testemunhas confirmaram ainda que o estabelecimento que exploravam fornecia aos clientes acesso à internet via wi fi.

    Sublinha-se que o Tribunal ponderou não apenas os depoimentos destas testemunhas prestados na audiência de julgamento, mas também os prestados em sede de inquérito, perante autoridade judiciária, plasmados nos autos de fls. 640 a 642, 643 a 645, 701 e 702, ao abrigo do disposto no art. 356º, nº 3, do C.P.P.

    O modo sincero e sério como foram prestados, a sua homogeneidade e congruência interna, e compatibilidade com a restante prova credível produzida, e a total independência e nulo interesse revelado pelo desfecho da causa, inculcaram no Tribunal a inabalável convicção da seriedade e credibilidade destes depoimentos, prestados pelas testemunhas C... , UUU... e D... .

    16. Os depoimentos das testemunhas C... , UUU... e D... foram corroborados desde logo pelo depoimento sério e imparcial da testemunha LLLL..., pessoa que estava no chamado “ KK... ” na noite de 20 de Agosto de 2013, estabelecimento que abandonou quando se apercebeu da existência do incêndio, mediante telefonema que recebeu da sua esposa, tendo informado os presentes (incluindo o dono do café) dessa realidade. Esta testemunha declarou sem dúvidas que não observou qualquer dos arguidos no referido estabelecimento nessa noite.

    17. Por outro lado, revelaram-se ainda importantes para o apuramento da factualidade em discussão nos autos os depoimentos sérios e imparciais das testemunhas:

    - I... s, residente em Alcofra, que na noite em que os incêndios foram ateados, estando na sua residência, se apercebeu da passagem das viaturas dos bombeiros, com as sirenes ligadas – e que afirmou que teriam sido certamente escutadas e visionadas por quem estivesse no estabelecimento “ K... ”, situado à beira da mesma estrada. Esta testemunha referiu ainda ter ido levar água aos bombeiros num dos dias em que o incêndio ainda estava ativo, cruzando-se com o arguido A... e uma menina/senhora, com a motorizada ligada, pouco antes do local em que foi ateado o primeiro foco de incêndio, tendo aquele olhado de lado e virado as costas à sua passagem;

    - BBB... , jornalista da R.T.P., operador de câmara, que se encontrava em serviço no dia 22 de Agosto de 2013, no lugar de Olival Novo, Santiago de Besteiros, presenciando o incidente então ocorrido (e relatado na factualidade provada), descrevendo o local em questão (encosta muito inclinada, com muito combustível acumulado e não ardido), a situação então vivenciada (chamas residuais, por altura do tornozelo, que lhe permitiam até acompanhar de próximo a ação - de rescaldo - dos bombeiros na descida da encosta sem dispor de qualquer equipamento especial) antes de a “parede de chamas”, que ultrapassava a copa das árvores, ter surgido de repente, acompanhada de uma espessa nuvem de fumo e de um enorme aumento da temperatura. Relatou a desorientação e temor pela vida de que se apercebeu então na atividade dos bombeiros no local, afirmando sem dúvida que o incremento das chamas, com essa dimensão, era totalmente imprevisível.

    17. De grande relevo para o esclarecimento do modo como os três incêndios aqui em questão foram ateados, foram combatidos e se desenvolveram no terreno, e das causas e circunstancialismo concreto dos dois episódios em que se verificaram ferimentos e mortes no combate ao “Incêndio de Alcofra”, foi ponderado o depoimento imparcial, sincero, esclarecido e credível da testemunha IIII..., professor universitário, diretor do Centro de Estudos Sobre Incêndios Florestais, tendo coordenado a equipa que elaborou os pareceres/estudos “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013” juntos aos autos – cujo teor e conclusões confirmou e corroborou. Declarou ter estado no local do acidente do dia 29 de Agosto, logo após a sua verificação, sendo certo que já havia estado no local dos incêndios no dia 26 de Agosto.

    A testemunha distinguiu claramente os três incêndios aqui em apreço, ligando-os às respetivas ignições, e esclarecendo que se desenvolveram no terreno e atingiram locais totalmente distintos, nunca se confundindo ou reunindo.

    Imputou indiscutivelmente os incidentes em que se verificaram ferimentos e mortes (Olival Novo e São Marcos) ao chamado “Incêndio de Alcofra”, descrevendo os locais e respetivas condições geográficas, orográficas (no Olival Novo o local é uma encosta com desfiladeiro próximo, mas este não é visível ou detetável senão numa observação cuidada; em São Marcos o local é um desfiladeiro), de composição do solo e vegetação, afirmando que constituem locais perigosos. De todo o modo, a testemunha reconheceu que a atividade de combate a incêndios é perigosa por natureza, e que nesses locais podem ou não ocorrer acidentes deste tipo, existindo muitas situações que o fogo é combatido em locais com características idênticas sem que se verifique qualquer acidente (incluindo pessoal).

    A testemunha caracterizou os fenómenos verificados nesses acidentes (Olival Novo e São Marcos) como erupções, mesmo autênticos “vulcões”, afirmando que nessas ocorrências, com ou sem o concurso do vento, o fogo e o fumo alastram a velocidade superior à que o homem consegue correr. No acidente de Olival Novo a erupção, segundo a testemunha, sucedeu num desfiladeiro situado próximo da encosta em que os bombeiros estavam, e no acidente de São Marcos essa erupção verificou-se no próprio local em que os bombeiros se encontravam, que constitui um desfiladeiro.

    Afirmou a testemunha que o acidente ocorrido no dia 29 de Agosto se verificou num reacendimento do “Incêndio de Alcofra”, pela proximidade à zona ardida nesta incêndio, e por se tratar de uma zona muito vigiada na altura, não sendo possível uma nova ação de início (ignição) de um novo incêndio. E a própria análise do local excluiu a hipótese de se tratar de um novo incêndio.

    Por outro lado, embora tenha afirmado que o equipamento de proteção então utilizado pelos bombeiros não era o mais adequado, a testemunha referiu que esse equipamento tinha faculdades de proteção em circunstâncias normais, sendo o habitualmente utilizado na altura. Referiu ainda que muito embora existissem “fire shelters” disponíveis no local, não foram utilizados pelos bombeiros vitimados.

    As próprias técnicas de combate ao fogo então aplicadas no terreno constituíam, segundo a testemunha, as habitualmente empregues na altura. E afirmou que seria muito difícil uma descarga de meios aéreos atingir o local do primeiro acidente (Olival Novo).

    Por fim, a testemunha, confirmando a utilização do chamado “fogo tático” no combate a estes incêndios, referiu que tal sucedeu em zonas muito localizadas, sendo autorizado pelas equipas GAUF (Grupo de Análise e Uso do Fogo), e para acesso aos bombeiros feridos. A utilização dessa técnica não assumiu qualquer relevo na eclosão ou evolução dos incêndios aqui em apreço, e dos acidentes pessoais ocorridos.

    18. Foram ainda considerados os depoimentos das testemunhas:

    - OOOO..., pai de VV... , vítima mortal de um dos incêndios aqui em apreço, que se limitou a caracterizar o modo e condições de vida e a personalidade da filha antes do seu óbito;

    - CCC... e DDD... , pais do assistente EEE... , sendo este pai e legal representante da única filha da malograda VV... , relatando aqueles o estado anímico em que a neta ficou após e em consequência do decesso da sua mãe;

    - RRR... e SSS... , amigos dos assistentes PPP... e esposa, que caracterizaram a personalidade e modo de vida do falecido ZZ... , esclarecendo ainda as consequências psíquicas e anímicas sofridas pelos seus pais em consequência do óbito;

    - FFFF...(prima de HH... , mãe do malogrado XX... ) e GGGG... (amigo dos demandantes civis GG... e HH... , pais do malogrado XX... ), que conviviam com o XX... e seus pais, caracterizando a personalidade e modo de vida do falecido XX... , esclarecendo ainda as consequências psíquicas e anímicas sofridas pelos seus pais em consequência do óbito;

    - DDDD... e EEEE... (engenheiros florestais do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), L... (diretor jurídico da “ Y..., S.A.”), JJJJ:::: (vizinho do baldio de Adsamo), que descreveram os danos patrimoniais causados pelos incêndios em apreço nos autos, os quais observaram e contabilizaram.

    Embora se tenha apurado que na sequência da atuação dos arguidos, e dos incêndios aqui em apreço, foram destruídas redes de vedação, sinalização e guardas de proteção colocadas na auto-estrada denominada “A25”, concessionada pela sociedade “ Y..., S.A.”, causando a esta empresa um prejuízo, não se provou que este ascendesse a € 52.835,94, dado que este valor abrangeu danos provocados não apenas por estes incêndios, mas também por outros incêndios, como referiu a testemunha L... . Não sendo produzido qualquer outro meio de prova quanto a este prejuízo, não se mostrou possível apurar o seu valor concreto – embora se tenha provado que ele efetivamente foi produzido. Todavia, a referida testemunha esclareceu ainda que esse prejuízo já se mostra parcialmente ressarcido por via do contrato de seguro que a empresa mantinha, subsistindo apenas por indemnizar a quantia de € 12.000, relativa à franquia desse contrato de seguro.

    19. O demandante civil GG... (pai do falecido XX... ), prestando declarações sinceras e credíveis, não apenas caracterizou o modo e condições de vida e a personalidade do filho antes do seu óbito, mas também especificou as consequências emocionais e psíquicas que o infeliz evento teve na sua vida, e na da sua esposa.

    Por seu turno, os demandantes civis II... e JJ... (bombeiros voluntários da Corporação de Bombeiros de Barcarena) apontaram os danos emocionais e físicos que sofreram no combate ao chamado “Incêndio de Alcofra”, relatando pormenorizadamente a intervenção que tiveram nos episódios mencionados na acusação/pronúncia. Foi o II... quem encontrou o cadáver da malograda VV... ainda a arder, sendo na altura acompanhado nas buscas pelo JJ... , que também observou o referido cadáver carbonizado no local.

    O assistente EEE... , pai e legal representante da única filha da malograda VV... , descreveu e caracterizou o estado anímico em que esta ficou após e em consequência do decesso da sua mãe, com quem na altura vivia e habitava.

    20. As testemunhas HHH... (foi professora do 1º ciclo do arguido B... ), III... (conhece o arguido B... ), JJJ... (conhece ambos os arguidos, embora com maior proximidade ao arguido B... ), LLL... (pessoa que conhece ambos os arguidos), MMM... (vizinho dos arguidos), e NNN... (pessoa que conhece ambos os arguidos), limitaram-se a descrever e caracterizar o modo de vida e condições pessoais dos arguidos, com quem se relacionaram antes de detidos.

    21. Foi ainda ponderado o conteúdo de vários dos documentos/relatórios periciais juntos aos autos, nomeadamente:

    - Autos de notícia/relatórios de ocorrência de fls. 12 a 20, 191 a 199, 378 a 388, 590 e 591, 600 a 603, 733 a 749 (óbito de VV... ), 752 a 761, 764 a 771, 1339 a 1354, 1438 a 1450 (inclui reportagem fotográfica), 1480 a 1488, 2027 a 2200, e 4432 a 4560;

    - Auto de busca e apreensão de fls. 338 a 341 e 566 a 574 (residência em Portugal do arguido A... ), conjugado com o auto de exame dos objetos apreendidos de fls. 560 a 564;

    - Impressão da página de “Facebook” do arguido B... , contendo fotografias, a fls. 529 a 541;

    - Impressão da página de “Facebook” do arguido A... , contendo fotografias, a fls. 542 e 543;

    - Auto de apreensão de fls. 772;

    - Relatórios de autópsia de fls. 782 a 786, 878 e 879, 966 a 969, 1194 a 1198, e 1246 a 1249;

    - Cópia de apólice de seguro de fls. 932 a 944;

    - Informações do CDOS de fls. 990 e 991, e 999;

    - Fotografias aéreas dos locais dos acidentes pessoais de fls. 1004;

    - Listagem de chamadas telefónicas e mensagens escritas efetuadas e recebidas pelo arguido A... , na rede “Vodafone”, de fls. 1121 a 1138;

    - Registo de dados do telemóvel apreendido ao arguido A... de fls. 1141 a 1151;

    - Assentos de nascimento de AAA... , VV... , FFF... (filha de VV... ), XX... , e MMMM... de fls. 1613, 1619, 1754, 4278 e 4280, respetivamente;

    - Assentos de óbito de XX... , ZZ... , VV... , e AAA... de fls. 1616/2477, 1622/2474, 2480 e 2482, respetivamente;

    - Fotografias das lesões sofridas por M... de fls. 1842 a 1847;

    - Relatório/estimativa do valor da indemnização pelo abate prematuro de fls. 1850 a 1852;

    - Habilitações de herdeiros de fls. 1832 a 1834, 1836 a 1838, e 1885 e 1886;

    - Análise topográfica e geográfica da área abrangida pelos incêndios de fls. 1910 a 1918;

    - Relatório de avaliação dos impactos sobre espaços florestais, decorrentes do incêndio florestal na Serra do Caramulo de fls. 1926 a 1935;

    - Elementos clínicos e autos de exame médico de fls. 1945 a 1952, 2015 a 2025, 2212 a 2219, 2240 a 2248, 2252 a 2254, 2257 a 2259, 2270 a 2302, 2502 a 2510, 2518 a 2520, 2423 a 2525, 2614 a 2617, 2625 a 2635, 2645 a 2717, 2729 e 2730, 2743 a 2751, 2872 a 2875, 2883 e 2884, 3133 a 3147, 3298 e 3299, 3353, 3392 a 3394, 3421 a 3423, 3426 a 3428, 3543 a 3548, 3559 a 3562, 3564 a 3567, 3777 e 3778, e 3780 e 3781;

    - Certificado de Destruição de Veículos em Fim de Vida de fls. 2768 a 2772;

    - Proposta de venda de fls. 2947 e 2948, referente à substituição da viatura da demandante civil Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Carregal do Sal ardida por uma viatura idêntica, em estado novo;

    - Faturas hospitalares de fls. 3043, e 3045 a 3048;

    - Certificado de fls. 3261, traduzido a fls. 3749 (do qual resulta que a licença/carta de condução atribuída ao arguido A... se encontra cassada, não lhe sendo concedido o direito de conduzir);

    - Listagens de chamadas telefónicas, e sua localização celular, na rede “Vodafone”, de fls. 3503 e 3504 (telefone do arguido B... ), e 3638 a 3644 (telefone do arguido A... );

    - Auto de exame ao telemóvel do arguido A... , referente à transcrição da informação relativa à aplicação “Tango”, de fls. 3610 a 3633

    - Certificado de registo criminal do arguido B... de fls. 3789;

    - Certificado de registo criminal do arguido A... de fls. 3856 a 3860, traduzido a fls. 4598 a 4601;

    - Certificado profissional de fls. 4013, traduzido a fls. 4081 (arguido A... );

    - Certificado de habilitações de XX... de fls. 4065;

    - Relatórios sociais dos arguidos de fls. 4299 a 4302 e 4310 a 4313;

    - Auto de exame de veículo (ciclomotor do arguido A... ) de fls. 4746 a 4748;

    - Declaração de fls. 4785;

    - Os pareceres/estudos “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013” – partes 1 e 2 (verificando-se nesta parte 2 um lapso de escrita, na página 58, devendo ler-se “incêndio de Alcofra” onde consta “incêndio de Silvares”, como referiu a testemunha IIII...), e o Relatório final anexo, apensos aos autos;

    - O conteúdo dos DVDs e CDs juntos aos autos no decurso da audiência de julgamento, designadamente os contendo relatórios e listagens periciais remetidos pela Polícia Judiciária.

    Os citados documentos mereceram credibilidade e foram corroborados pela restante prova produzida.

    22. Sublinha-se que não foram ponderados nesta decisão:

    - A informação de serviço de fls. 3 e ss.;

    - O relatório de fls. 21 e ss.;

    - O “auto de diligência de reconhecimento de locais de incêndio” de fls. 23 a 28 dos autos, realizado pelo arguido B... , na altura com 20 anos de idade, e já suspeito nos autos (como aliás resulta de forma clara do teor da informação de serviço de fls. 2, em que se refere expressamente essa sua condição de “suspeito de ser o autor de vários incêndios florestais ocorridos nas zonas de Vouzela e Caramulo”, em momento anterior à aludida diligência), por ter sido executada sem o acompanhamento de advogado. De todo o modo, o vazio resultante da não consideração deste meio de prova foi superado pela restante prova produzida, acima indicada e analisada.

    - O auto de apreensão de fls. 146 e 147 (garrafa de Vodka “Eristoff Red”) dos autos, por se revelar inócuo em face da demais prova produzida – e, por consequência, não foi igualmente ponderado o relatório de exame de fls. 554 a 558/979 a 986.

    23. No que respeita aos relatórios de exames aos telemóveis de ambos os arguidos, importa sublinhar que o derradeiro foi objeto de esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo Especialista Adjunto de Telecomunicações da Polícia Judiciária (Diretoria do Centro) GGG... , e que nenhum deles colocou em questão a afirmação da factualidade acima dada como provada. Desde logo, desses elementos não resulta que qualquer dos arguidos estivesse em local diverso dos mencionados na factualidade provada, nem que não estivessem juntos, salientando-se novamente que dois indivíduos situados no mesmo local podem, ao efetuarem chamadas por telemóvel (em simultâneo ou não), fazer acionar antenas (de transmissão do respetivo sinal - BTS) distintas, por questões técnicas de rede. E também ficou demonstrado, na diligência realizada na derradeira sessão da audiência de julgamento, que os horários inscritos nas listagens das mensagens transmitidas pela aplicação “Tango” do telemóvel “Iphone” do arguido A... se referem aos horários da remessa das mensagens (quer do aparelho remetente, quer de ativação da rede), e não da receção da mensagem no aparelho do arguido.

    24. Extremamente relevante para a perceção, pelo Tribunal, da atuação dos arguidos na noite em questão, e também para a demonstração da viabilidade da tese fáctica da acusação pública/pronúncia, foi ponderada a diligência de reconstituição do facto realizada no decurso da audiência de julgamento, tendo o Tribunal percorrido todos os passos/trajeto dos arguidos na noite de 20 para 21 de Agosto de 2013, partindo da praia fluvial de Ribeira da Senra, percorrendo todas as vias e caminhos relatados na factualidade provada, e terminando o denominado “ KK... ”, observando e contando os tempos de duração de cada percurso, e visionando os locais de ignição dos três incêndios, como consta do auto da reconstituição.

    25. Para finalizar, saliente-se que nenhum outro meio probatório - que permitisse alterar a factualidade provada ou sustentar a factualidade não provada - foi produzido, requerido ou sequer referenciado em audiência de julgamento.

    Deve referir-se que os seguintes depoimentos testemunhais não mereceram qualquer credibilidade, não influindo na presente decisão:

    - O depoimento da testemunha E... , primo direito do arguido A... , revelou-se totalmente suspeito e comprometido com a posição processual deste arguido, a quem tentou claramente auxiliar na arquitetura de um alibi falso, sendo desmentido por vários outros meios de prova credíveis, designadamente pelos depoimentos das testemunhas C... (dono do café “ K... ”, ou “ KK... ”), UUU... e D... , já acima referidos, que referiram não o terem visto no seu estabelecimento na noite em questão, nem terem o café ainda aberto no momento temporal em que a testemunha referiu (falsamente) ter estado na companhia do seu primo.

    Este depoimento encerrou ainda várias incongruências e contradições intrínsecas, começando a testemunha por referir que esteve no café com o arguido A... por volta da meia-noite, para mais tarde afirmar que tal terá sucedido por volta das 0 horas e 20 minutos. Disse ainda que não se apercebeu da existência de um qualquer incêndio, a não ser quando para tanto foi alertado pelo dono do café (o que foi por este desmentido), quando resultou manifesto da prova produzida que quem estivesse na esplanada do estabelecimento se aperceberia certamente do clarão e do fumo do incêndio, que lavrava muito próximo, e ainda da passagem ruidosa e estrondosa das viaturas dos bombeiros. Também referiu que o arguido A... , quando chegou ao dito café, nada lhe disse acerca do incêndio, o que se revela incompreensível e inconcebível, dado que o próprio arguido A... declarou que se apercebeu da existência do incêndio em momento temporal anterior.

    Refira-se ainda que a testemunha reconheceu que a hora que consta da fotografia que então tirou corresponde à hora do telemóvel utilizado para o efeito, a qual pode ser alterada e ajustada manualmente pelo utilizador nas definições do aparelho.

    Por fim, salienta-se que foi lido em audiência de julgamento o depoimento prestado por esta testemunha no inquérito, plasmado no auto de inquirição de fls. 652 a 655, por acordo entre os sujeitos processuais, e ao abrigo do disposto no art. 356º, nº 2, al. b), e 5, do C.P.P. – do qual consta uma versão dos factos diversa da exposta pela testemunha na audiência de julgamento, no que concerne não apenas ao momento temporal em que se encontrou com o arguido A... , mas também à pessoa que informou acerca da existência do incêndio.

                - A testemunha F... prestou um depoimento hesitante e contido, denotando grande nervosismo, respondendo com a voz embargada. Manifestou esta testemunha um total comprometimento com a posição processual do arguido A... , a quem tentou claramente auxiliar na arquitetura de um alibi falso, como o denotam os elementos documentais juntos aos autos a fls. 1141 a 1151 (mensagens constantes do registo de dados do telemóvel apreendido ao arguido A... ). Esta testemunha, como acima já foi referido, diligenciou mesmo pela obtenção de outros depoimentos testemunhais que corroborassem as suas afirmações (falsas) e reforçassem esse alibi falso. Além disso, várias das afirmações desta testemunha foram frontalmente desmentidas por outros meios de prova credíveis, sublinhando-se o facto de ter negado o estabelecimento de qualquer relacionamento amoroso com o arguido A... – relação esta que foi amplamente confirmada por vários outros meios de prova, acima já mencionados e analisados, e que resulta ainda da análise das listagens de chamadas e mensagens escritas do arguido A... juntas aos autos, em que se pode observar o elevadíssimo número de contactos estabelecidos entre este arguido e a testemunha F... . Outra afirmação desta testemunha desmentida pela demais prova produzida, incluindo as próprias declarações dos arguidos, traduziu-se na declaração de que a combinação de irem buscar pizzas se destinava, não à noite do dia 20 de Agosto, mas sim ao dia seguinte (o que não foi confirmado por mais ninguém, sendo mesmo desmentido pelos depoimentos testemunhais acima aludidos - NN... e EE... -, e pelas declarações dos próprios arguidos).

    De todo o modo, o depoimento desta testemunha denotou claras divergências/discrepâncias relativamente às declarações do arguido A... , afirmando esta testemunha que escutaram as sirenes dos bombeiros quando ainda estavam na praia fluvial (e não quando se dirigia de motorizada para Adside, afirmando que nunca aí se deslocou, nem combinou lá ir com o dito arguido), não se recordando de ter observado quaisquer luzes (total contradição com as declarações do mencionado arguido). Negou ainda esta testemunha ter sido apresentada ao primo do arguido A... ( E... ) na noite do dia 20 de Agosto, o que contradiz as declarações deste arguido, e o depoimento da aludida testemunha.

                Por outro lado, esta testemunha não foi capaz de explicar a existência de várias chamadas telefónicas por si estabelecidas com o arguido A... na noite de 20 de Agosto, no período temporal em que afirmou ter estado na companhia do dito arguido (não se compreendendo porque razão tinham de comunicar por via telefónica se estavam juntos, nem tendo sido oferecida qualquer explicação plausível para tal realidade) – cf. fls. 1124.

                A testemunha não ofereceu ainda qualquer explicação racional ou plausível para o teor das mensagens (sms) já acima aludidas.

                Concluindo, este depoimento revelou-se totalmente suspeito, tendo a testemunha faltado repetidamente à verdade, não influindo por isso na decisão da causa.

                E a falta de credibilidade deste depoimento naturalmente transmite-se ao documento apresentado por esta testemunha ( F... ) quando foi inquirida pela Polícia Judiciária em sede de inquérito, junto a fls. 169 a 176 (cópia das folhas de um pretenso diário). Documento este que não foi esclarecido, confirmado ou corroborado por qualquer outro meio de prova credível, pelo que não mereceu credibilidade suficiente para influir na presente decisão.

                - G... , tia da namorada/antiga namorada do arguido A... , TTT..., que ofereceu uma versão do sucedido na noite de 20 de Agosto de 2013 sem qualquer credibilidade e coerência lógica, e frontalmente desmentida pela demais prova produzida, acima analisada. Esta testemunha afirmou que esteve no chamado “ KK... ” nessa noite, com o seu marido, filhos, mãe, o seu irmão, a esposa e filho deste, entre as 23 horas e 40 minutos do dia 20 de Agosto e as 0 horas e 30/40 minutos do dia seguinte (21 de Agosto), para beberem um café, afirmando que nesse período o estabelecimento esteve sempre aberto, tendo muitos clientes. Afirmou ainda esta testemunha que observou no café, depois das 24 horas, o arguido A... , que entrou no estabelecimento e se dirigiu à dona deste, pedindo-lhe algo.

                Além de ser contraditório com a restante prova produzida, como já se referiu, este depoimento revelou ainda várias incongruências que lhe retiraram toda a credibilidade. Desde logo, não se concebe que uma família se dirija a um café à hora indicada (quase meia noite) para beber café, tanto mais que incluiria crianças de tenra idade. A testemunha referiu ainda que muito embora tenha ficado na esplanada, não se apercebeu do clarão de qualquer incêndio, que lavrava muito próximo desse local, sendo forçosamente visível o seu clarão. Também não viu no local qualquer acompanhante do arguido A... , designadamente a F... ou o E... , primo daquele, nem sequer o ciclomotor do arguido A... . Divisa-se ainda uma clara incompatibilidade entre este depoimento testemunhal e as próprias declarações do arguido A... , pois este afirmou que nessa altura não entrou no estabelecimento em questão – ao contrário do que afirmou a testemunha.

                Por outro lado, a testemunha revelou sempre grande hesitação quanto aos horários dos (alegados) factos/eventos que descreveu.

                Por fim, a credibilidade deste depoimento foi totalmente abalada e colocada em irrecuperável crise pela manifesta atitude de adesão, mesmo defesa, da posição do arguido A... , assumida por esta testemunha, tendo-lhe telefonado para o ajudar a sair desta situação, e mesmo vindo a Portugal depor na Polícia Judiciária, a pedido deste arguido, no mês de Outubro de 2011. Mais: esta testemunha, apercebendo-se que o Tribunal iria inquirir oficiosamente a sua mãe ( H... ) logo a seguir ao seu depoimento, telefonou-lhe quando a referida testemunha se dirigia para este Tribunal, como a testemunha H... admitiu, o que denota clara intenção de garantir a harmonia e consonância de depoimentos a respeito dos aludidos factos.

                - H... , mãe da anterior testemunha, cujo depoimento padece das mesmas incongruências e falta de credibilidade, sublinhando-se o aludido telefonema da filha recebido quando se deslocava para este Tribunal, e ainda a constante preocupação da testemunha em afirmar que estava dizer a verdade (afirmação repetida quase à exaustão) sem ter sido interpelada nesse sentido. Além disso, a testemunha reconheceu manter uma relação próxima com o arguido A... (e família deste), tendo mesmo ido visitá-lo por diversas vezes (4 vezes) ao estabelecimento prisional, inclusive duas na companhia da sua neta TTT....

                Já os seguintes depoimentos testemunhais não influíram na presente decisão, pelas razões que de seguida se explicitam:

                - As testemunhas LL... e MM... não mostraram conhecimento direto de qualquer facto com relevo para a decisão da causa – referindo apenas a testemunha MM... que a atividade de combate ao fogo, e dos bombeiros, é perigosa por natureza, e que o equipamento utilizado pelos bombeiros na data do incêndio era o habitualmente envergado;

                - As testemunhas FF... , S... , e QQQQ... não mostraram conhecer qualquer facto com relevo para a presente decisão.

                Por seu turno, as fotografias juntas aos autos com a contestação do arguido A... não foram confirmadas ou corroboradas por qualquer meio de prova isento e credível, pelo que, não esquecendo que as datas e horas aí inscritas poderão ser facilmente manipuladas pelo operador do aparelho utilizado (in casu telemóvel), não influíram na presente decisão.

              

                   4. Apreciação

a. Recurso interlocutório

Identificado – pelo recorrente - o despacho recorrido como aquele que se debruçou sobre a arguição da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, não dispensa a respetiva apreciação um breve excurso sobre os atos processuais que o antecederam.

Temos assim que:

a.a. No decurso da audiência de discussão e julgamento, requereu o arguido A... , ora recorrente, a audição, como testemunha, de OOO... , aduzindo, então «(…) a qual terá conhecimento de factos relativos à autoria dos fogos em causa nos autos e bem assim informações que poderão revelar a motivação subjacente ao comportamento do coarguido.

Não podendo assegurar o total alcance de um seu depoimento, entende o Arguido que a sua audição será um contributo essencial e indispensável para a descoberta da verdade e sobretudo para a boa decisão da causa, já que poderá esclarecer os motivos que levaram à prática dos factos»;

a.b. Na sequência do que foi proferido o seguinte despacho:

«É inquestionável que os prazos de contestação e de aditamento do rol de testemunhas de defesa há muito se encontram esgotados.

Por isso, a inquirição da pessoa ora indicada a fls. 4740 apenas poderia encontrar fundamento jurídico no art.º 340º do C.P.Penal. Sucede que a pessoa indicada ( OOO... ) não é mencionada em qualquer auto ou termo do processo, nem foi nomeada por qualquer testemunha inquirida, nem sequer nas declarações dos arguidos.

Além disso, no próprio requerimento não se esclarecem minimamente os esclarecimentos ou informações que a pessoa indicada possa deter e prestar para a descoberta da verdade material. Aliás, no próprio requerimento se refere que o arguido requerente não pode “assegurar” o total alcance de um seu depoimento”, pelo que o próprio requerente manifesta dúvidas sobre o seu relevo.

Por conseguinte, não se afigurando relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, caracterizando-se, “ao invés”, por supérflua, indefere-se a requerida inquirição – art.º 340º, nº 4, al. b) do C.P. Penal.

Notifique»;

a.c. Ao qual reagiu o arguido/recorrente, opondo-lhe:

«O despacho ora proferido, aliás, douto na sua fundamentação, é nulo nos termos do disposto no artº 120º, nº 2, al. d) do C.P.Penal. Na verdade, a audição da testemunha indicada, cujo conhecimento da sua existência apenas esta semana veio ao conhecimento do arguido A... , é essencial para a descoberta da verdade pelos fundamentos descritos no requerimento apresentado pela defesa e que aqui se dão por reproduzidos. Designadamente, entende a defesa que, caso a testemunha indicada tenha conhecimentos sobre a motivação da conduta do coarguido, tal é importante para a decisão do objeto do processo, mesmo que o o ora requerente não consiga concretizar quais esses factos. Acresce igualmente que o art.º 340º do C.P. Penal não pressupõe, no que aqui nos ocupa, que a testemunha indicada tenha sido nomeada por qualquer modo durante a produção de prova em audiência de julgamento.

Assim, considerando sobretudo que a possibilidade de conhecer a motivação com que atuou o arguido B... não é irrelevante neste processo, requer a revogação do despacho proferido e que seja substituído por outro que admita a prova requerida»;

a.d. Ocasião em que foi proferido o despacho supra transcrito em II. 2, isto é o recorrido.

Sobre o «enquadramento legal» da pretensão apresentada pelo recorrente no decurso da audiência de julgamento, dado que não se tratava de pessoa indicada na contestação, tão pouco na acusação e/ou pronúncia, é manifesto que a requerida diligência só o poderia ter sido à luz do disposto no artigo 340.º do CPP – o que encontra arrimo nas conclusões de recurso, enquanto, além do mais, aponta o citado preceito como violado - e, como tal, pelo tribunal encarada.

O modo de reagir ao despacho judicial que indefere uma diligência de prova requerida ao abrigo da dita norma, não tem sido sempre olhada do mesmo modo, havendo quem entenda excluída a via do recurso, enquanto outros há que o consideram o meio adequado, não faltando, ainda, vozes que o não excluem apenas «se o poder conferido pelo n.º 1 do artigo 340.º do CPP for exercido fora do condicionalismo legal» - [cf. acórdão do TRG de 27.04.2009, proc. n.º 12/03.2TAFAF.G1, disponível em www.dgsi.pt/jtrg].

A propósito, distinguindo «A prova “essencial”, “indispensável”, “absolutamente indispensável” ou “estritamente indispensável”», por um lado, «A prova “necessária”, “previsivelmente necessária” ou “absolutamente necessária”, “útil”, “de interesse”, “relevante” ou “de grande interesse”, por outro lado e, ainda, a prova “conveniente”, escreve Pinto de Albuquerque «A diferença entre estes três tipos de critérios é fundamental em termos práticos. A omissão da prova do primeiro tipo constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al.ª d). A omissão da prova do segundo tipo constitui uma irregularidade nos termos do artigo 123º. A omissão da prova do terceiro tipo não constitui qualquer vício processual», prosseguindo o Autor «O vício (nulidade ou irregularidade) deve ser arguido até ao final da audiência de julgamento se o sujeito processual interessado ou o seu defensor ou representante estiverem presentes na mesma (…). Mas se o sujeito processual interessado tiver requerido a diligência de prova na audiência e não tiver recorrido do despacho que indeferiu a mesma, conformou-se com a mesma e o tribunal superior não pode sindicar o indeferimento da diligência requerida» - [negrito nosso].

No mesmo sentido, lê-se no acórdão do TRP de 12.02.2014, proferido no proc. n.º 93/08.2GASJP.P1, disponível em www.dgsi.pt/jtrp, «Discutia-se (na doutrina e na jurisprudência) se o poder conferido pelo artigo 340.º do Cód. Proc. Penal é um poder discricionário ou, pelo contrário, é sindicável.

Concretamente, questionava-se se era recorrível a decisão de indeferimento de um requerimento de prova apresentado, na fase de julgamento, ao abrigo do preceituado no artigo 340.º do Código de Processo Penal.

O citado preceito tem um conteúdo normativo que tutela o princípio da investigação para que a decisão final se conforme, no possível das provas, com a verdade material. Trata-se de um poder vinculado do tribunal, de exercício obrigatório, verificado o condicionalismo nele previsto: que a produção dos meios de prova se afigure necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

O correto exercício desse poder/dever é sindicável, ou seja, a eventual violação dos pressupostos legais do exercício desse poder é impugnável, mediante recurso.

Impõe-se, no entanto, distinguir duas situações:

Pode acontecer que, no decurso da audiência de discussão, se venha a revelar essencial para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa a realização de diligências de prova não requeridas, nem na acusação, nem na contestação do arguido: por exemplo, a realização de um exame à letra e assinatura de um documento, de uma perícia psiquiátrica ou até a audição de uma testemunha cujo depoimento se venha a revelar decisivo.

A omissão dessa diligência de prova reputada de essencial para a descoberta da verdade constitui uma nulidade sanável (portanto, dependente de arguição pelo interessado), nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal.

(…)

Mas também pode acontecer que qualquer dos sujeitos processuais, tendo-se apercebido da essencialidade de uma diligência de prova, apresente um requerimento para a sua realização.

Exatamente como aconteceu no caso sub judice (…)

Se o tribunal indefere o requerimento de realização da diligência, o sujeito processual interessado pode reagir recorrendo do despacho de indeferimento, pois, como já se referiu, o poder conferido pelo artigo 340.º do Cód. Proc. Penal não é discricionário.

Se o não fizer, ou não o fizer tempestivamente, o despacho transita em julgado e o tribunal superior não pode sindicar o indeferimento» - [negrito nosso].

Na mesma linha, ou seja, da recorribilidade do despacho que no decurso da audiência indefere requerimento tendente à produção de prova, então formulado por qualquer dos sujeitos processuais interessados, pronunciou-se o acórdão do TRP de 02.07.2008, proc. n.º 2650.08 -04, disponível em http://bdjur.almedina.net/juris.

Já o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 171/2005, decidiu que: “a outorga ao juiz de um poder de direção do processo, na fase de produção de prova, lhe permite rejeitar liminarmente as diligências probatórias notoriamente irrelevantes, supérfluas, inadequadas ou meramente dilatórias” – naturalmente de acordo, com a apreciação do juiz (…) sujeita a impugnação por via de recurso, não viola qualquer preceito ou princípio constitucional, “máxime o das garantias de defesa”- [negrito nosso].

Em consonância com os elementos doutrinários e jurisprudenciais que vimos citando, perfilha-se o entendimento de que o meio adequado para reagir contra decisão que no decurso da audiência de julgamento indefere – como sucedeu no caso – diligência de prova, requerida, expressa ou implicitamente ao abrigo do artigo 340.º do CPP, por um sujeito processual é efetivamente o recurso, até porque não configurando a dita norma o exercício discricionário de um poder – refletindo, ao invés, um poder vinculado – em momento algum decorre, designadamente do artigo 400º do CPP a respetiva irrecorribilidade, colhendo, assim, aplicação o princípio geral enunciado no artigo 399.º do mesmo diploma legal.

Como consequência lógica desta nossa posição nada temos a censurar ao despacho recorrido enquanto, na situação concreta, teve por inadequada como forma de reagir à decisão de indeferimento da diligência de prova, então requerida, a arguição da nulidade do artigo 120º, n.º 2, alínea d) do CPP, defendendo, antes, constituir meio próprio de impugnação o recurso.

Significa, pois, por um lado, que ao nunca recorrer do despacho que indeferiu a requerida diligência de prova, deixou o recorrente que o mesmo transitasse, formando, assim, caso julgado formal, impedindo a respetiva sindicância por parte deste tribunal e, por outro lado, esvaziou de interesse útil a apreciação do despacho recorrido – o que se debruçou sobre a invocada nulidade – já que a resposta que viesse a ser encontrada não poderia produzir efeito sobre a decisão – primeiro despacho – já transitada em julgado.

Mas, ainda que admitíssemos constituir o meio de que o recorrente se socorreu para pôr em crise a primeira decisão, qual seja a da arguição da nulidade do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, a via adequada de reagir, mesmo assim não cremos que lhe assistisse razão.

Sendo irrefutável que em causa estaria o segmento da norma reportado à «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», secundando uma vez mais as palavras de Pinto de Albuquerque «verifica-se esta nulidade quando se omite a prática de atos processuais probatórios que a lei classifica como prova “essencial”, “indispensável”, “absolutamente indispensável” e “estritamente indispensável” na fase de julgamento (…)», o que caberia ao requerente, ora recorrente, inequivocamente demonstrar sempre, em função da natureza pouco esclarecedora e ambígua do requerimento junto a fls. 4740 [apresentado na penúltima sessão de produção de prova], resultaria comprometida a dita diligência.

Com efeito, ali se refere que a pessoa identificada «terá conhecimento de factos relativos à autoria dos fogos em causa nos autos e bem assim informações que poderão revelar a motivação subjacente ao comportamento do coarguido», não podendo o requerente, contudo - prossegue - «assegurar o total alcance de um seu depoimento» e porque poderia esclarecer «os motivos que levaram à prática dos factos» - aduz – a sua audição seria «um contributo essencial e indispensável para a descoberta da verdade e sobretudo para a boa decisão da causa».

A falta de assertividade na alegação, os aspetos genéricos sobre os quais iria incidir o depoimento, a incerteza revelada quanto ao real alcance do mesmo, malgrado os epítetos que surgem a «qualificar» um tal contributo, jamais levaria a concluir estar em causa diligência essencial para a descoberta da verdade, donde, na nossa perspetiva, a sua suposta omissão – não ocorre qualquer omissão, antes, em consequência da falta de concretização, o indeferimento da pretensão - nunca poderia conduzir à invocada nulidade.

Concluindo:

1. O despacho que no decurso da audiência de discussão e julgamento indefere, na sequência de requerimento só então apresentado, expressa ou implicitamente a coberto do artigo 340.º do CPP, a audição, na qualidade de testemunha, de uma pessoa é sindicável por via de recurso – pois que corresponde ao exercício de um poder vinculado, que não discricionário, não se mostrando legalmente excluída a respetiva recorribilidade, colhendo, assim, aplicação o princípio geral enunciado no artigo 399.º do CPP - e não já por intermédio da arguição da nulidade do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP;

2. Se o sujeito processual interessado, na sequência de tal despacho de indeferimento, do mesmo nunca recorre, limitando-se a arguir a respetiva nulidade [artigo 120º, n.º 2, alínea d) do CPP], deixando-o transitar, por via do caso julgado, entretanto formado, fica o tribunal de recurso impedido de o sindicar;

3. O que determina a perda de efeito útil da apreciação do despacho recorrido [o que se debruçou sobre a arguida nulidade] já que a solução que viesse a ser encontrada não poderia produzir efeito sobre a decisão [que indeferiu a requerida diligência de prova];

4. Mas, ainda que outra fosse – e não é – a posição perfilhada, ou seja mesmo que se considerasse constituir a arguição da dita nulidade o meio adequado de reagir à decisão de indeferimento da diligência de prova requerida, sempre a natureza pouco esclarecedora, ambígua, nada assertiva e com défice de concretização do requerimento de fls. 4740 impediria que se formasse um juízo no sentido de estar em causa diligência essencial para a descoberta da verdade, requisito presente na citada alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP;

5. Donde, a sua suposta omissão – não ocorre qualquer omissão, antes, por via da falta de concretização, o indeferimento da pretensão – jamais conduziria à invocada nulidade.

Não merece, pois, reparo o despacho recorrido ao haver considerado, por um lado, não constituir a arguição de nulidade o meio adequado a sindicar a decisão, então, em crise e, por outro lado, ainda que não fosse esse o entendimento, ao não julgar verificada a dita nulidade.

Não resulta, assim, violada nenhuma das normas convocadas.

Mantém-se, em consequência, o despacho recorrido.

b. Recurso do acórdão

Desde logo pela abrangência do leque das questões que cada um dos recorrentes submete à apreciação deste tribunal, iremos iniciar pelo recurso apresentado por A... , pois que o arguido B... se limita a questionar a matéria relativa à pena.

b.1. Recurso do arguido A...

a. [Omissão de pronúncia/nulidade do acórdão]

Nos pontos 2. a 15. das conclusões diz o recorrente enfermar o acórdão da nulidade, por omissão de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, porquanto teria o tribunal indeferido as nulidades invocadas na sua contestação, não as conhecendo por, alegadamente, não se ter socorrido das provas relativamente às quais foram aquelas suscitadas, circunstância que não corresponderia à realidade.

Ao invés, defende o Ministério Público haver-se o tribunal a quo pronunciado sobre todas as questões relevantes para a boa decisão da causa.

Porque a resposta a esta questão só pode ser encontrada no cotejo entre a contestação e o acórdão, vejamos, pois, o que numa e noutro, a propósito, se diz e se decide.

Na primeira [contestação], constante de fls. 3957 a 3980, reserva o recorrente o «capítulo» VIII às nulidades processuais, iniciando-o sob o n.º 103., no qual expressamente refere:

«Não podem ser valoradas por este Tribunal as seguintes provas indicadas na acusação:

a. Informação de serviço de fls. 3 e seg.;

b. Relatório elaborado pela Sepna de Viseu, de fls. 21 e seg.;

c. Auto reconhecimento e reportagem fotográfica de fls. 23 e seg.;

d. Auto de apreensão de fls. 146 e 147», para terminar (sob. o n.º 128): «Pelo que não poderão ser valoradas em julgamento as provas constituídas pela informação de serviço de fls. 3 e seg., o relatório elaborado pelo SEPNA de Viseu, de fls. 21 e seg., o auto de reconhecimento e reportagem fotográfica de fls. 23 e seg., nem o Auto de apreensão de fls. 146 e 147».

No segundo [acórdão], ainda em sede de «Relatório» ficou a constar:

«Após o despacho que designou dia para julgamento, não se verificaram nulidades, mantendo-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

A este respeito, importa referir que as nulidades invocadas pelo arguido A... na sua contestação, traduzindo no fundo proibições de prova (na sua perspetiva), apenas se verificariam se os meios de prova em questão fossem considerados nesta decisão, o que, como se verá, não sucede.

Por conseguinte, e sem necessidade de mais considerandos, indefere-se a arguição de nulidade operada pelo arguido A... na sua contestação».

Por seu turno, na parte dedicada à «Convicção do Tribunal quanto à matéria de facto», lê-se:

«22. Sublinha-se que não foram ponderados nesta decisão:

- A informação de serviço de fls. 3 e ss.;

- O relatório de fls. 21 e ss.;

- O “auto de diligência de reconhecimento de locais de incêndio” de fls. 23 a 28 dos autos, realizado pelo arguido B... , na altura com 20 anos de idade, e já suspeito nos autos (como aliás resulta de forma clara do teor da informação de serviço de fls. 2, em que se refere expressamente essa sua condição de “suspeito de ser o autor de vários incêndios florestais ocorridos nas zonas de Vouzela e Caramulo”, em momento anterior à aludida diligência), por ter sido executada sem o acompanhamento de advogado. De todo o modo, o vazio resultante da não consideração deste meio de prova foi superado pela restante prova produzida, acima indicada e analisada [destaque nosso];

- O auto de apreensão de fls. 146 e 147 (garrafa de Vodka “Eristoff Red”) dos autos, por se revelar inócuo em face da demais prova produzida – e, por consequência, não foi igualmente ponderado o relatório de exame de fls. 554 a 558/979 a 986».

Sendo este o quadro, cabe perguntar se foi efetivamente omitida pronúncia sobre as concretas nulidades, melhor dito proibições de prova, invocadas pelo recorrente na contestação?

Uma leitura e interpretação global - que não sectorial - do acórdão, não obstante a expressão – equívoca – utilizada em sede de saneamento/conhecimento de questões prévias enquanto refere o indeferimento das nulidades suscitadas, não deixa margem para dúvida sobre o sentido da decisão, qual seja o de o tribunal, em função das ditas provas não haverem servido no processo de formação da convicção, ter entendido prejudicada a respetiva apreciação.

Com efeito, conforme ficou a constar do acórdão do STJ de 10.04.2013 [proc. n.º 224/06.7GAVZL.C1.S1], «O facto de existir no processo prova que se encontra contaminada pela violação das regras de proibição (…) só tem consequências diretas caso a mesma prova seja invocada como fundamento da convicção do juiz sobre os factos que determinaram a sua decisão, quer esta seja a decisão final, quer se reconduza a uma decisão interlocutória. Caso a violação se verifique sem que desse facto sejam extraídas quaisquer consequências a nível de fundamentação decisória a constatação da existência de uma violação de regras de proibição de prova não tem efeitos processuais relevantes».

Semelhante entendimento se extrai do ensinamento de Costa Andrade quando, a propósito das consequências da indevida valoração de prova proibida, refere: «As coisas serão igualmente lineares nas constelações que se situam no extremo oposto, em que a irrelevância causal da valoração da prova proibida aparece claramente exposta. Então a invocação da proibição de prova, a não determinar a Rejeição do recurso (art. 420.º do CPP) não será em qualquer caso e só por si bastante para pôr em causa a decisão recorrida. O mesmo deverá ser o tratamento dos casos em que a nulidade devida à proibição de prova haja de considerar-se sanada por exclusão do nexo normativo entre o vício e a sentença …» - [cf. “Sobre As Proibições da Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, págs. 65/66].

Transparece, contudo, ser outro o alcance da alegação, bem sintetizado, aliás, no ponto 10. das conclusões, a saber: «Todos os conhecimentos e provas que advieram de tais diligências, em consequência lógica, cronológica e valorativa dessa prova proibida, estão igualmente feridos de nulidade, nos termos do art. 122º do CPP, não podendo igualmente ser utilizados», o que nos obriga a retornar à contestação, não sem que antes, porém, em poucas palavras, se aborde o sentido da asserção.

É inequívoco, pois, constituir propósito do recorrente chamar à colação o efeito-à- distância dos métodos proibidos de prova, i.e. a doutrina dos frutos da árvore envenenada [no ordenamento jurídico norte-americano, de onde é originária, “fruits of the poisonous tree”], a qual, em síntese, defende a proibição de uso de todos os meios de prova que sejam obtidos com origem em meio de prova proibido – [cf. Manuel da Costa Andrade, op. cit., pág. 169].

Como diz Cláudio Lima Rodrigues, no que concerne à temática do efeito-à-distância das proibições de prova «a questão que se coloca é a de sabermos se pelo facto de uma prova não poder ser valorada, por ter sido adquirida para o processo através de um método de obtenção de prova proibido, essa mesma proibição da valoração, que recaí sobre a prova primária, se estende à prova obtida por intermédio daquela (prova secundária), de tal forma que também esta seja afetada por aquela proibição de valoração. No fundo, trata-se de saber se existe, ou não, uma projeção da proibição de valoração que inquina a prova primária, de tal sorte que afete a prova secundária» - [cf. “Das proibições de prova no âmbito do direito processual penal – o caso específico das proibições de prova no âmbito das escutas telefónicas e da valoração da prova proibida pro reo”, Verbo jurídico, pág. 24, disponível em http://www.verbojuridico.com/ficheiros/doutrina/ppenal].

E, agora sim, é tempo de recuar à contestação com vista a apurar se alguma vez, como lhe competia, em função da natureza não automática dos ditos efeitos [cf. os casos de quebra do nexo de antijuridicidade: prova (derivada) juridicamente independente; a inevitabilidade da descoberta; a mácula dissipada], identificou o recorrente os concretos atos de prova que resultariam contaminados.

Com todo o respeito, para lá das considerações generalistas tecidas a propósito, não vislumbramos que assim tenha sido.

E se efetivamente tal não sucedeu, limitamo-nos a reproduzir o que consignado ficou no sumário do acórdão do STJ de 07.06.2006, proferido no proc. n.º 06P650, disponível em www.dgsi.pt/jstj, cuja doutrina, reportada, embora, a outro momento processual, colhe aqui inteira aplicação, a saber: «Se nas conclusões da motivação do recurso para a Relação o recorrente identifica apenas a questão relativa aos efeitos sequenciais da nulidade das escutas telefónicas quanto à prova adquirida subsequentemente (“efeito à distância”), sem referir nem submeter à cognição do tribunal de recurso decisão, ou parte dela, especificamente referida aos efeitos processuais e ao momento processual da produção de efeitos da decisão que considerou nulo o meio de obtenção de prova, no ponto específico referido a decisão recorrida não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, precisamente porque o recorrente não identificou a questão, como era seu dever processual (…), pelo que não se verifica a nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP». É que, como prossegue o aresto, «Pode, hoje, considerar-se assente na doutrina e na jurisprudência (cf., por todos o acórdão do TC de 24-03-2004) que a projeção da invalidade de prova em matéria de legitimidade ou validade da prova sequencial a prova nula não é automática, e que, em cada caso, há que determinar se existe um nexo de antijuridicidade que fundamente o “efeito-à-distância”, ou se, em diverso, existe na prova subsequente um tal grau de autonomia relativamente à prova inválida que destaque o meio de prova subsequente substancialmente daquela», acrescentando: «A doutrina foi formada no contexto jurídico anglo-saxónico de afirmação da “regra da exclusão”, segundo a qual uma prova obtida em violação dos direitos constitucionais do acusado não pode ser usada contra este; mas a extensão da “regra da exclusão” às provas reflexas e a projeção de invalidade foi sempre conformada e limitada por circunstâncias particulares que determinam que a invalidade da prova se não projete à prova reflexa. São os casos de prova obtida por “fonte independente”, “descoberta inevitável” ou “mácula dissipada”».

Conclui-se, assim, por não ocorrer omissão de pronúncia e, consequentemente, a nulidade a que se reporta o artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, nenhuma inconstitucionalidade, resultante de semelhante interpretação, se antevendo.

b. [A questão do efeito-à-distância]

Resolvida a questão da nulidade do acórdão, não deixaremos em face do que se mostra inscrito nos pontos 13. a 15. das conclusões de nos deter na temática da prova envenenada.

Na verdade, traduzindo-se, embora, numa alegação que num primeiro momento remete para fls. 34 e 35 do acórdão, acaba por identificar a prova que tem por contaminada quando no ponto 15., com referência aos elementos aí referidos, adianta: « (…) e todas relacionadas com estas, nomeadamente os reconhecimentos/reconstituições produzidas posteriormente, as declarações de todos os agentes da GNR/SEPNA, bem como os documentos que, além do mais, indicam os pontos de ignição de cada um dos incêndios» - [negrito nosso].

Seria, esta, portanto, a prova derivada – supostamente contaminada – da prova originária a que alude nos pontos 4. e 15. das conclusões e que o recorrente entende ferida de nulidade, o que torna, desde logo, possível decidir de uma eventual verificação de quebra de antijuridicidade, circunstância que a ocorrer sempre dispensaria, no caso, a pronúncia sobre a (i)legalidade da prova originária, posto que resulta com clareza do acórdão não se haver o tribunal socorrido das ditas provas originárias, as quais, portanto, não foram objeto de valoração não integrando, assim, o conjunto daquelas que surgem a suportar a convicção dos julgadores.

Porém, em função da questão desde logo suscitada pelo Ministério Público, defendendo a formação quanto à prova originária de caso julgado formal, intraprocessual, o qual a verificar-se, tornaria destituído de interesse o conhecimento da legalidade da prova derivada - dependente da verificação do vício da prova originária - importa decidir se procede a invocada exceção.

Com vista a tal desiderato, na resposta ao recurso, convoca o Digno Procurador da República os acórdãos já proferidos nos autos que teriam enfrentado diretamente a questão, referindo a propósito: «Importa também sublinhar que o arguido A... havia já suscitado questão idêntica no recurso que interpôs do despacho que, na sequência do 1º interrogatório judicial a que foi submetido, o sujeitou à medida de coação de prisão preventiva.

Nessa altura, o Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se no sentido de poderem ser valoradas as referidas diligências de reconstituição efetuadas por B... na presença dos elementos do SEPNA e pelos inspetores da Polícia Judiciária, bem como as declarações dos órgãos de polícia criminal que nas mesmas intervieram estribando-se o Tribunal Superior em abundante jurisprudência, para a qual se remete por ter aplicação na fase de julgamento – cf. acórdão da Relação proferido no âmbito do apenso 174/13.0GAVZL – A (Recurso Independente em Separado), Relator: Dr. Belmiro Andrade.

Ainda sobre a mesma questão e no mesmo sentido, voltou o Tribunal da Relação de Coimbra a pronunciar-se no âmbito dos presentes autos, aquando do recurso interposto pelo mesmo arguido do despacho que o manteve em prisão preventiva – cf. acórdão da Relação proferido no apenso 174/13.0GAVZL-B (Recurso Independente em Separado); Relatora: Dr.ª Maria Pilar Pereira de Oliveira»

Por sua vez, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto a respeito da dita matéria fez consignar no seu parecer: «Mais, diríamos que o tribunal nem precisou de tais provas para a conclusão que retirou sobre a matéria de facto assente, pois que, a nosso ver, até as poderia usar por não constituírem prova proibida como alega e pretende ver declarada.

Neste sentido, importa realçar que se pronunciaram já neste processo, com valor de caso julgado formal para estes autos o Tribunal da Relação de Coimbra, quando apreciou as medidas de coação, concretamente nos recursos que constituem processos apensos que subiram em separado ao Tribunal Superior, também referenciados pelo Ministério Público na sua resposta na 1.ª instância e que constituem os apensos 174/13.0GAVZL-A.C1 e 174/13.0GAVZL-B.C1.

Nestes acórdãos se explana com clarividência as situações da vida real em que se desenrolam os factos que cabe à autoridade judiciária apreciar fazendo uma correta aplicação da lei, sob pena de os próprios órgãos de polícia criminal estarem a omitir diligências com vista a recolher e conservar meios de prova com carácter cautelar e urgente, no âmbito da previsão legal dos art.º 249º, nº 1 e nº 2, designadamente al. b) e 250.º, n.º 8 ambos do CPP.

Para concluir que, para além de não ter razão o recorrente por todas as razões apontadas, quer porque as provas por si referidas não foram usadas, quer porque foram em concreto já consideradas provas legais nestes autos por Tribunal Superior, o mesmo tinha perfeito conhecimento destas decisões sobre esta matéria».

Assentando que em crise estariam a Informação de serviço de fls. 3 e ss., o Relatório do SEPNA de Viseu de fls. 21 e ss, o Auto de reconhecimento e reportagem fotográfica de fls. 23 e ss. e o Auto de apreensão de fls. 146/147 divisemos, pois, se a questão já foi anteriormente colocada no âmbito dos autos, em que termos e, bem assim, se obteve resposta e, sendo o caso, com que reflexos na decisão.

A ser o caso, acompanhamos a posição perfilhada no acórdão do STJ de 20.01.2012, proferido no proc. n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, quando reporta: «Todavia, como bem decidiu o acórdão recorrido, toda essa matéria foi objeto de decisão do Tribunal da Relação (…) já transitada em julgado.

(…)

Não podia o arguido renovar essas questões no recurso que moveu para a Relação contra o acórdão condenatório da 1.ª instância, apesar de neste, sem suporte legal, se ter abordado novamente tais questões atinentes às alegadas proibições de prova. Como não pode agora pedir ao STJ que se pronuncie sobre as mesmas.

Conforme se diz no Ac. do STJ de 24.05.2006, proc. 1041/06, relatado pelo Cons. Henriques Gaspar (…): «IX – O caso julgado formal traduz-se em mera irrevogabilidade de ato ou decisão judicial que serve de continente a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, em inalterabilidade da sentença por ato posterior no mesmo processo. X – No caso julgado formal (art. 672.º do CPC), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidindo com o fenómeno de simples preclusão. XI – Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insuscetível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati) (…)».

Por outro lado, se o arguido entendia que a decisão do Tribunal da Relação (…) continha interpretação de normas violadoras de diversos preceitos da Constituição, então deveria ter recorrido de tal acórdão para o Tribunal Constitucional. Não o tendo feito, tais alegações são agora inconsequentes, já que se formou, entretanto, caso julgado formal.

Por fim, diga-se que a interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois (…) o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre outros, o Ac. do TC de 86/2004, de 04/02/2004 - [negrito nosso].

 

Atentemos, agora, nos acórdãos proferidos no âmbito dos autos pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Da decisão que após interrogatório judicial determinou a sujeição do arguido/recorrente à medida de coação prisão preventiva intentou o mesmo recurso, decidido pelo acórdão do TRC de 18.12.2013 [cf. Autos de recurso n.º 174/13.0GAVZL-A.C1], questionando, então, o facto de «o único fundamento para os “fortes indícios” da existência do crime e dos seus suspeitos é dizer-se que alguém disse que o coarguido teria dito que o aqui Recorrente praticou os factos», isto é, prossegue: «esse indício são declarações “informais” ou “prévias” de um coarguido, o qual, afinal, nunca prestou declarações nos presentes autos, nas condições em que a lei permite retirar valor probatório, mesmo que indiciário, ao que ele teria dito», acrescentando: «Nunca devem ser levadas aos autos “conversas informais” com os agentes policiais, as quais não podem ser valorizadas em sede probatória. Conversas informais ou declarações prévias de suspeito ou arguido são meio de prova não permitido e mesmo irrelevante quando obtido à margem das formalidades e das garantias que a lei processual prevê e impõe. As “declarações prévias” do coarguido B... que o Tribunal a quo ousadamente valorou, produzidas em condições que não é permitido nem possível aquilatar, não podem num Estado de Direito ser valoradas em processo criminal, sob pena de manifesta violação do disposto nos artigos 126.º, 129.º, 141º, 144º e 202º do CPP e artigo 32º da CRP (…). Ao utilizar as “declarações prévias” do coarguido B... , único indício dos factos, a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 58º, 61º, 126º, 129º, 141º, 144º e 202º do CPP e artigo 32º da CRP».

No confronto com semelhante objeção ficou a constar do acórdão em referência:

 «(…) alega que a única prova produzida se resume a “conversas informais” que não podem ser valoradas como meio de prova.

Ora, por um lado, os meios de prova em que se fundamenta a decisão recorrida, nos termos supra reproduzidos não se resumem aquilo que o coarguido terá afirmado antes de constituído como tal (…), a existência de fortes indícios do crime é suportada na conjugação de múltiplos elementos complementares e congruentes.

Enunciando-os a decisão recorrida, em resumo, da seguinte forma: “informação de serviço lavrada pelo Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária de fls. 3 a 11; auto de notícia de fls. 12 a 20; relatório lavrado pelo Núcleo de Proteção Ambiental de Viseu de fls. 21 e 22, auto de inquirição de testemunhas de fls. 62 a 65, de fls. 134 a 139, de fls. 141 a 143, de fls. 150 a 156, de fls. 157 a 162, e de fls. 163 a 176, auto de interrogatório de arguido, de fls. 108 a 129, auto de apreensão de fls. 146 e relatório de diligência externa lavrado pelo Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária, de fls. 177 e 178.

(…)

Vista a reprodução efetuada, a decisão fundamenta-se, em síntese, na congregação e complementaridade de múltiplos meios de prova e na sua apreciação crítica: (…)

Perante tal congregação de meios invocados e analisados, carece manifestamente de fundamento a alegada inexistência de qualquer meio de prova – cuja existência o recorrente afirmou desconhecer, apesar da comunicação efetuada.

No que toca à questionada valoração – de esclarecimento/complementaridade – dos depoimentos dos inspetores da PJ», invocando a natureza de órgão de polícia criminal da Polícia Judiciária, a qualidade de autoridade de polícia criminal dos inspetores da PJ e, bem assim, os artigos 249º, 171º, 58º, n.º 1, alínea a), do CPP, prossegue o aresto: «Assim, havendo suspeita da prática de crime por determinada pessoa, antes de a constituir como arguida, importa apurar se a mesma suspeita é “fundada”, recolhendo todos os indícios e vestígios do crime, confrontando o suspeito com os vestígios deixados.

E foi o que sucedeu no caso, atenta a natureza do crime, praticado nos ermos da serra, no sentido de apurar se a denúncia ou a suspeita era fundada, os agentes da PJ destacados para o efeito, confrontados com um suspeito que assumia tê-lo feito enquanto percorria a serra à boleia na “scooter” de um amigo e companheiro, no sentido de averiguar se a suspeita era fundada, foram reconstituir o percurso pela serra no sentido de apurar se os factos poderiam ter ocorrido da forma descrita por esse suspeito, tentando reproduzir, tão fielmente quanto possível as condições afirmadas e o modo de realização, os vestígios deixados, a sua congruência.

No caso dos autos o arguido não foi ouvido pelos Inspetores da PJ em “declarações” prestadas sobre o objeto do processo. Muito menos depois de constituído arguido.

Não foram ouvidos sobre “conversas” que pudessem ter tido com o arguido, sobre o mesmo objeto. Apenas sobre as circunstâncias/resultado/esclarecimento das diligências efetuadas no sentido do apuramento da possível autoria do incêndio que ainda lavrava em pontos acabados de apagar, antes de constituir fosse quem fosse como arguido. No sentido de aquilatar a possibilidade física de realização do percurso, pelos caminhos da serra, de ciclomotor, do suspeito (não era o recorrente), foi realizada a reconstituição do percurso indicado, recolhidos objetos ditos abandonados verificando a harmonização do relato com a geografia dos locais, os cafés e a praia fluvial onde foram vistos no dia da deflagração do incêndio, sobra a recolha da garrafa de vodka dita abandonada, sobre a localização da residência dos suspeitos, a titularidade do instrumento de transporte, a compatibilidade do meio de transporte (scooter) afirmados.

O depoimento nem é indireto, na medida em que relata a ocorrência vivida pelas testemunhas, a confirmação do percurso alegado com os concretos locais de ateamento do fogo que somente quem o tinha feito podia conhecer.

Tendo os inspetores atuado numa perspetiva de descoberta e manutenção de vestígios do crime, recolhidos no local, tudo numa relação de resposta às circunstâncias que se foram deparando às testemunhas no exercício das suas funções, sobre a reação dos suspeitos aos elementos que iam surgindo, sobre a “reconstituição”/comprovação da efetiva possibilidade.

Não se trata de depor sobre declarações recebidas do arguido mas de relatar diligências de investigação/reconstituição/confirmação efetuadas pelo órgão de polícia criminal na demanda, dos vestígios do crime, da possibilidade de determinado suspeito poder ser constituído arguido.

O silêncio do arguido não pode apagar o caminho percorrido pelos investigadores até à constituição como tal, dentro dos critérios da investigação e dos princípios da boa-fé, com respeito pela dignidade e da integridade física e moral dos intervenientes. Pois que, por um lado, os agentes da PJ tinham o dever de recolher todos os dados, sinais, quaisquer outros elementos relevantes para o apuramento do crime investigado. E por outro não sabiam nem podiam saber, de antemão, aquilo que ia resultar das diligências empreendidas – reconstituição do caminho percorrido, compatibilidade da versão com os indícios deixados pelo fogo quanto aos múltiplos locais de deflagração, percurso alegadamente percorrido, localização das habitações dos suspeitos, posse do ciclomotor onde alegadamente se teriam feito transportar.

Sem que haja o mínimo indício de que os agentes policiais pudessem ter atuado no sentido de “provocar” ou “aproveitar” uma qualquer (in)confidência do arguido, nos preliminares ou durante declarações prestadas sobre o objeto do processo ou em desrespeito do seu direito ao silêncio», dissertação que foi, ainda, sustentada com apelo a várias decisões jurisprudenciais, concluindo, a final, pela improcedência do recurso.

Sobre recurso interposto pelo ora recorrente A... , visando a revogação da medida de coação a que se encontrava sujeito pronunciou-se o acórdão do TRC de 30.04.2014 [Autos de recurso n.º 174/13.0GAVZL-B], do qual se respiga:

«(…) contesta o arguido a existência de fortes indícios da prática do imputado crime de incêndio porque a prova que lhe foi comunicada consiste em declarações do coarguido antes de ter sido constituído como tal e introduzidas no processo pelo testemunho de agente da GNR. Sendo o arguido menor de 21 anos devia ter-lhe sido nomeado defensor nos termos do artigo 64º, n.º 1, alínea d) do CPP.

Na tese do recorrente o entendimento no sentido de permitir a colaboração de um suspeito em diligências extraprocessuais antes da sua constituição como arguido interpreta de forma violadora o artigo 32º, nº 1 e nº 3 da CRP as disposições do CPP sobre a constituição de arguido.

A questão proposta atinente a eventual proibição de prova, consiste em saber, em primeira linha, se os autos de reconstituição do facto e os depoimentos das testemunhas que neles participaram podem ser valorados como meios de prova (se essa prova tem autonomia em relação às próprias declarações do arguido prestadas antes de ter essa qualidade)

(…)

A reconstituição (incorretamente designada de reconhecimento de locais de incêndio …) foi efetuada com a colaboração do arguido B... antes de ter sido constituído nessa qualidade e teve inicio quando este ainda nem sequer tinha a qualidade de suspeito, tendo sido abordado porque teria acompanhado o arguido ora recorrente sobre o qual já incidia alguma suspeita, como resulta do relatório da GNR de fls. 101 deste apenso de recurso.

Ou seja, os agentes da GNR contactaram o coarguido no âmbito de investigações preliminares para que estavam legitimados nos termos do artigo 249º do CPP, procurando nos termos do n.º 2 desse preceito colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.

Neste contexto entendemos que inexistia a obrigação de constituir como arguido e de lhe nomear defensor, por ter idade inferior a 21 anos, a pessoa que ainda não tinha a qualidade de suspeita, qualidade que apenas adquiriu por força do que foi declarando voluntariamente no decurso da diligência (logo após foi por isso constituído arguido). Não vislumbramos assim qualquer violação do disposto nos artigos 58º a 61º e 64º, nº 1, alínea c) do CPP».

E mais adiante, discorrendo, com recurso a expressivos elementos jurisprudenciais, sobre a reconstituição (designada por reconhecimento de locais de incêndio) posta em crise, conclui: «Entendemos por consequência que nos termos apontados as provas produzidas e questionadas pelo recorrente são legais, não violando o disposto nos artigos 126º, 129º, 141º, 144º do CPP e 32º da CRP, constituindo suporte indiciário forte de o arguido haver cometido o crime que lhe é imputado em conjugação com as restantes que lhe foram comunicadas aquando do seu interrogatório judicial».

Continuando, ainda em resposta à invocada inadmissibilidade das alegadas “declarações prévias” do coarguido, acrescenta: «Mas também se diga que tem sido dominante, nomeadamente nesta Relação, a corrente jurisprudencial no sentido de que as declarações informais de arguido antes da constituição em tal qualidade e mormente antes de ser suspeito, podem ser reproduzidas pelos agentes de autoridade a quem foram prestadas sem que tal constitua violação do disposto no artigo 129 e 356º do CPP porque não obtidas por meio que se possa considerar desleal, coativo ou para tornear disposições legais relativas às declarações de arguido.

(…)

E as mesmas razões são válidas para situações em que existindo inquérito, no sentido de já ter sido iniciada a investigação, contudo ainda não é direcionado contra alguém em concreto e especificamente conta a pessoa que, informalmente ouvida, afinal livremente declara o que permite vir a constitui-la como arguida, situações em que se não pode vislumbrar qualquer verdadeiro atentado contra garantias de defesa ou frustração deliberada ou não de disposições processuais que regulam as declarações de arguido e a sua validade como meio de prova.

Quer por via da participação em reconstituição do facto, quer por via da reprodução oral que lhe foi feita pelo arguido não vislumbramos que no caso os agentes da autoridade estejam impedidos de reproduzir o que ouviram do coarguido.

Reafirma-se, pois, a legalidade da prova indiciária nas duas perspetivas enunciadas».

Do acórdão assim proferido, que negando provimento ao recurso, manteve a medida de coação aplicada, intentou o arguido recurso de constitucionalidade, do qual, conforme decisão sumária de 25.06.2014, o Tribunal Constitucional não conheceu.

Isto posto, retomemos os elementos indicados pelo recorrente.

Em causa, pois: (i) a Informação de serviço de fls. 3 e ss, subscrita pelo Inspetor da PJ PPPP..., dando conta das diligências, entretanto, realizadas junto dos agentes da GNR/SEPNA PP... (1.º Sargento) e OO... (Mestre Principal) - dos elementos por estes facultados - bem como do B... ; (ii) o Relatório da GNR/SENPA de fls. 21 e ss., subscrito pelo 1.º Sargento PP... , transmitindo os contactos levados a efeito junto das populações, relatando como chegaram ao contacto com B... , o circunstancialismo em que este se dispôs a acompanhá-los [a si e ao Mestre OO... ] ao local da 1.ª deflagração, bem como a respetiva intervenção (inclusive, a determinado passo, a assunção dos factos); (iii) o designado Auto de diligência de reconhecimento de locais de incêndio e respectiva reportagem fotográfica de fls. 23 a 28, descrevendo a deslocação, acompanhados do B... , ao local onde teriam ocorrido os factos e, de acordo com a participação e indicações deste, o percurso seguido e, finalmente: (iv) o auto de apreensão – no caso de uma garrafa -, subscrito pelo Inspetor PPPP... de fls. 146/147.

Ora, retornando à parte acima transcrita dos identificados acórdãos - sem descurar o campo de sobreposição entre o que foi, então, alegado pelo recorrente e o que, de novo, torna a invocar, embora com uma roupagem não exatamente coincidente, mas que de modo algum afasta a identidade da coisa -, nenhuma dúvida nos assola, quer no que concerne à reconstituição (incorretamente designada de reconhecimento de locais de incêndio), quer no que tange às «declarações prévias» do coarguido B... relativamente ao «que foi declarando (…) no decurso da diligência, quer no que respeita à reprodução por parte dos agentes de autoridade [GNR/SEPNA], sobre o juízo de legalidade já levado a efeito pelo Tribunal da Relação de Coimbra, juízo, esse, que o tribunal a quo, contudo, não adotou na sua plenitude, conforme se alcança da seguinte passagem: «(…) não foram ponderados nesta decisão: (...) – O “auto de diligência de reconhecimento de locais de incêndio” de fls. 23 a 28 dos autos, realizado pelo arguido B... , na altura com 20 anos de idade, e já suspeito nos autos (como aliás resulta de forma clara do teor da informação de serviço de fls. 2, em que se refere expressamente essa sua condição de “suspeito de ser o autor de vários incêndios florestais ocorridos nas zonas de Vouzela e Caramulo”, em momento anterior à aludida diligência), por ter sido executada sem o acompanhamento de advogado» - [negrito nosso].

Mas, se assim é, consubstanciando os juízos de legalidade da dita prova, extraídas nos acórdãos em referência, considerações, em função do objeto dos recursos, pressupostas direta e necessariamente pela respetiva decisão, isto é que com ela formam um todo indivisível, já que estão em causa fundamentos sobre os quais foi tomada expressa ou implícita posição da mesma inseparável, não se vê – na vertente da respetiva legalidade - que não se haja operado um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão resultante do caso julgado, entretanto, formado, conduzindo, assim – no que se reporta ao juízo de legalidade das ditas provas e, bem assim, às inconstitucionalidades, a propósito, agora, invocadas - ao esgotamento do poder jurisdicional.

Não obstante, ainda que outro fosse o entendimento, ou seja mesmo que não se tivesse por assente o efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão impeditivos de novo conhecimento – na vertente assinalada, enfatiza-se - o resultado a que se chegaria nunca seria favorável ao recorrente.

Com efeito, caminhando na concretização do anteriormente delineado a propósito do efeito-à-distância, escrevem Figueiredo Dias, Costa Andrade e Frederico da Costa Pinto, in “Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova”, Almedina, pág. 120 e ss: «O problema tem uma base legal reconhecida (artigo 122.º do CPP), enquadramento doutrinal e uma casuística jurisprudencial que entre nós está profundamente tratada pelo Tribunal Constitucional (cf., por exemplo, o Ac. n.º 198/2004, de 24 de Março (…). Vejamos primeiro os contornos normativos do problema.

Resulta do artigo 122º do CPP que as nulidades têm um efeito negativo consequencial (ou derivado) mas que esse efeito só se produz em certas condições: “as nulidades tornam inválido o acto em que se verificaram, como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar”, como refere o preceito. Ou seja, a lei consagra um efeito-à-distância da nulidade, admitindo que o vício de um ato (neste caso de um meio de prova) se projeta noutro ato posterior. Mas tal sequência não é absoluta, nem é cega: tem de existir uma relação de dependência material entre o ato primário e o ato secundário e tem de existir uma vulnerabilidade deste em relação aquele. Como refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “a prova proibida contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova” (…).

Da análise doutrinária e jurisprudencial, podemos afirmar que a prova proibida afeta sequencialmente as demais provas obtidas posteriormente com base nela. Mas esse efeito tem limites (veja-se o citado Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março), de entre os quais (são aliás vários) se podem destacar os seguintes:

Primeiro, só afeta a prova posterior e dependente, não afeta a prova anterior e autónoma (…).

Segundo não se aplica aos atos autónomos dependentes de uma vontade livre (…), por outro lado, (2) o efeito sequencial da nulidade nunca poderia estender-se às declarações do representante da arguida em julgamento e às das diversas testemunhas ouvidas, nem a qualquer outro ato de junção de documentos. (…) é que se a arguida reconheceu ou admitiu os factos narrados no início da audiência, se houve contraditório e imediação quanto aos meios de prova, o Tribunal não os poderia incluir no efeito sequencial da nulidade porque isso resultaria de uma prova autónoma (…).

Em terceiro lugar, o efeito à distância da prova produzida não afeta a “prova coisificada persistente”, isto é, materializada em objetos. Noutros termos, afeta a prova, enquanto meio de demonstração dos factos, mas não afeta os factos em si mesmo, como já reconheceu o Tribunal Constitucional no acórdão citado (…).

Em quarto lugar, o efeito à distância pode ser limitado pelo curso da investigação (descoberta inevitável), na exata medida em que a inevitabilidade da descoberta evidencia que o resultado obtido nem era completamente dependente da prova primária que é considerada proibida (…): o resultado probatório obtido, podendo ser atingido por outras vias, está imune ao efeito-à-distância das provas proibidas pois não revela uma dependência real em relação ao ato questionado.

(…)

As exigências legais para determinar o efeito à distância das provas proibidas (artigo 122.º, n.º 1, do CPP), os limites a esse efeito reconhecidos pela lei, pela doutrina e pelo Tribunal Constitucional e o dever legal de aproveitamento de atos processuais (artigo 122.º, n.º 3 do CPP) impõem que se aproveite a prova autónoma e não dependente da prova proibida».

Nada, por conseguinte, de diferente, do que vem sendo defendido na jurisprudência espanhola, sobre a qual se debruça Marcolino de Jesus na sua obra “Os Meios de Obtenção da Prova em Processo Penal”, 2.ª edição, 2015, pág. 109 e ss, onde se lê: «O Tribunal Constitucional Espanhol, aderindo ao entendimento da mais recente jurisprudência americana, acaba por se afastar daquela via securitária e reconhece que “a aplicação indiscriminada da teoria reflexa da árvore envenenada acabaria por frustrar o ius puniendi do Estado, a cuja aplicação se encontra vinculado o próprio Tribunal Constitucional”.

(…)

No que à prova derivada diz respeito, esclarece, a proibição de valoração só pode ter lugar se existir um nexo causal tal entre a prova secundária e a prova primária que permita aferir da sua ilegitimidade constitucional.

(…)

Afirma o TC, na sentença 81/1998, que a condenação não pode fundamentar-se exclusivamente em provas violadoras de direitos fundamentais. Mas logo acrescenta: “No entanto, se existem outras que são válidas e independentes pode suceder que (…) apesar de se encontrarem naturalmente interligadas com o facto constitutivo da violação do direito fundamental por derivarem do conhecimento adquirido a partir do mesmo, sejam dele juridicamente independentes e, em consequência, devam ser reconhecidas como válidas porque são aptas a abalar (no original “enervar”) a presunção de inocência.

Há quebra de conexão de antijuridicidade quando o nexo causal seja posto em crise. Na verdade, “admite-se uma prova derivada de um ato lesivo de direito fundamental quando haja uma quebra objetiva do nexo causal ou da derivação causal”.

(…)

Na sequência da doutrina perfunctoriamente exposta, vem a Jurisprudência espanhola entendendo que há quebra do nexo de antijuridicidade quando:

(1) A prova derivada seja juridicamente independente (…)

(2) Quando a descoberta seja inevitável (…)

(3) Quando a descoberta seja casual (…)

(4) Quando o nexo causal esteja atenuado (…)», fazendo o autor referência duas outras causas que, ainda que de forma esporádica, tem surgido como «causas de justificação da derrogação da doutrina da proibição dos frutos da árvore envenenada», quais sejam: «(5) A actuação do agente é levada a cabo de boa-fé» e «(6) A confissão voluntária do suspeito, obtida fora do formalismo legal».

Neste sentido já se pronunciaram os tribunais portugueses conforme, entre outros, resulta do acórdão do TC n.º 198/2004, dos acórdãos do STJ de 20.02.2008 [CJ, Acs. STJ, 2008, T. I, pág. 229], de 07.06.2006 [proc. n.º 06P650], 12.03.2009 [proc. n.º 09P0395].

No presente caso a prova derivada que, na perspetiva do recorrente, por via da suposta ilegalidade originária, resultaria comprometida, ou seja não poderia ser objeto de valoração, cifra-se, já vimos, na mencionada a fls. 34/35 do acórdão, concretizada no ponto 15. das conclusões.

Na parte, assim, identificada, com relevância para o que ora interessa, ficou a constar do acórdão:

«Por fim, o arguido B... relatou o modo como foi abordado pelos agentes da G.N.R./SEPNA OO... e PP... no dia 30 de Agosto de 2013, e os acompanhou à serra, descrevendo-lhes o sucedido na noite em que os incêndios foram ateados, indicando-lhes os precisos locais em que tal sucedeu. Referiu que de início tais agentes não o consideravam suspeito, mas apenas alguém que os poderia auxiliar fornecendo informações sobre os incêndios.

 (…)

Desde logo, verificou-se existir perfeita congruência entre a descrição factual dos eventos dessa noite fornecida pelo arguido B... nas suas declarações, a localização temporal dos focos de incêndio decorrente dos alertas da existência de fogo nesses locais, e ainda os tempos de deslocação entre esses locais, utilizando o ciclomotor apreendido nos autos (pertencente ao arguido A... ), observados na diligência de reconstituição do facto [estando o tribunal a reportar-se à diligência de reconstituição do facto que teve lugar no decurso da audiência de julgamento já após, nessa sede, o arguido B... ter produzido as suas declarações confessórias].

Por outro lado, este arguido ( B... ) indicou e descreveu os locais em que foram ateados os focos de incêndio – quer aos agentes da G.N.R./SEPNA acima identificados, quer na audiência de julgamento – com tal precisão e pormenor que apenas podem ser explicados pela sua presença e intervenção direta na prática desses factos delituosos.

E é certo que as declarações do arguido B... – que podem ser consideradas nesta decisão, ou seja, as prestadas aos ditos agentes da G.N.R./SEPNA no início do processo (quando ainda não era suspeito), e as prestadas na audiência de julgamento – sempre se mantiveram coerentes, sem desvios ou alterações – facto que obviamente lhes atribui maior fidedignidade e credibilidade [negrito nosso]

(…)

10. Foram ainda ponderados os depoimentos sinceros, imparciais e credíveis das testemunhas SS... (inspetor da Polícia Judiciária), OO... (agente da G.R.R./SEPNA – Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente, Mestre Florestal Principal), PP... (agente da G.N.R./SEPNA, sargento chefe), QQ... (agente da G.N.R./SEPNA …, Mestre Florestal), e VVV... (agente da G.N.R./SEPNA, Mestre Florestal Principal), que intervieram na investigação que deu origem a estes autos, cujos pormenores descreveram, na medida das suas intervenções e do legalmente admissível, caracterizando detalhadamente os locais dos incêndios, as áreas por estes abrangidas, e os bens – patrimoniais e pessoais – por eles ameaçados e lesados».

Perante semelhante quadro é de todo pertinente a resposta ao recurso apresentada pelo Exmo. Procurador da República, enquanto refere: «(…) no que respeita às provas que reputa proibidas e que entende terem sido utilizadas na decisão recorrida, o arguido recorrente limita-se a indicar as fls. 34 e 35 do acórdão (v. a 14ª conclusão do recurso), trazendo assim à colação as diligências efetuadas pelos elementos do SEPNA com a colaboração de B... , o qual, como ficou sobejamente demonstrado – não só no acórdão recorrido mas também nos sobreditos acórdãos da Relação de Coimbra proferidos ainda no âmbito dos presentes autos – ainda não era arguido nem sequer suspeito.

Na verdade, no que respeita àquela diligência, apenas as declarações dos elementos do Sepna (Mestre OO... e Sargento PP... ) e do arguido B... , prestadas em audiência de julgamento, foram consideradas na decisão proferida. É isso mesmo que resulta das aludidas fls. 34 e 35 do acórdão recorrido, sendo certo que a diligência em causa foi realizada pelos elementos do SEPNA antes de ter sido contactada a Polícia Judiciária e com a colaboração do referido arguido B... , que ainda não havia sido constituído como tal, pois nessa fase nem sequer era considerado suspeito (…).

Para além disso, é importante salientar que o arguido B... , em sede de julgamento, confirmou que acompanhou os elementos do SEPNA de livre vontade, mostrando-lhes o trajeto efetuado e os locais de ignição, referindo ainda o facto de a diligência ter sido interrompida quando o mesmo espontaneamente declarou que foi ele que ateou o incêndio de Silvares.

Foi precisamente nessa altura (depois de B... ter admitido que ateou seis fogueiras em Silvares) que os elementos do SEPNA terminaram a diligência e contactaram a Polícia Judiciária. Os elementos da PJ, antes de constituírem o B... como arguido – apesar de nessa altura o mesmo já ser considerado suspeito, pois já havia admitido a sua participação nos factos – voltaram, sempre com a colaboração deste suspeito, a reconstituir o trajeto que o mesmo havia efetuado com o A... , o que deu origem ao auto de “reconhecimento” e à reportagem fotográfica de fls. 23 e segs. bem como ao auto de apreensão de fls. 146 e 147 (garrafa de vodka).

No entanto, o Tribunal a quo apenas valorou a diligência realizada pelos elementos do SEPNA numa fase em que o B... prestou a sua colaboração de forma espontânea sem que fosse ainda considerado suspeito» - [negritos nossos], argumentação que encontra sustentação quer na motivação de facto do acórdão recorrido, quer nos registos de prova concernentes à audiência de discussão e julgamento.

Resulta, pois, manifesto que nunca a prova que o recorrente pretende ver contaminada, i.é. derivada de prova originária ilegal, como tal poderia ser encarada, já em função de ter o arguido B... , em sede de audiência de julgamento, advertido que foi dos seus direitos – entre os quais o de não prestar declarações -, na presença do seu Ilustre mandatário, confessado voluntariamente os factos, identificando designadamente os locais onde foram ateados os focos de incêndio, os quais declarou haver, igualmente, indicado às referenciadas testemunhas da GNR/SEPNA; já em consequência de, em momento ulterior [às declarações do mesmo arguido], designadamente a testemunha OO... ter esclarecido que os diferentes focos de incêndio já haviam sido, em momento anterior e sem a participação do referido arguido por si identificados [aspeto que sempre comprometeria a preconizada invalidade dos «documentos que, além do mais, indicam os pontos de ignição de cada um dos incêndios»], sendo – adiante-se - consentida a referência feita pelas testemunhas da GNR/SEPNA à participação/informações do arguido – que na ocasião ainda não revestia tal qualidade, tão pouco a de suspeito – sobretudo após o mesmo, em audiência de julgamento, assegurados que foram os direitos de defesa, ter relatado tais factos, dando conta do teor do por si transmitido aos agentes de autoridade, circunstâncias que sempre afastariam o efeito-à-distância, desde logo por via da produção de prova autónoma – declarações confessórias do arguido – em relação àquela cuja legalidade foi questionada, arredando, em definitivo, o pretenso nexo de antijuridicidade.

 Isso mesmo se extrai do já citado acórdão do STJ de 12.03.2009, onde ficou a constar: «nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efetivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida. Pode afirma-se que o efeito metastizante da violação de regras de proibições de prova apenas tem razão de ser em relação à prova que se situa numa relação de conexão de ilicitude»

E a outra solução não se chegaria convocando a purged taint limitation, igualmente reconhecida pelos nossos tribunais, como o ilustra o acórdão do TRL de 13.07.2010 [proc. n.º 7/2/00.9JFLSB.L1.-5], donde se respiga: «o arguido confirmou, de forma livre e esclarecida os factos objetivos que foram considerados necessários para o preenchimento do crime (…), pelo que todos estes factos podiam ser provados com base nessas declarações [ao abrigo da restrição do efeito-à-distância, na espécie de mácula dissipada (purged taint limitation)]» e, bem assim, o acórdão do TC n.º 198/2004, de 24.03.2004, quando esclarece: «constata-se mesmo a existência de um sentido uniforme nas decisões do Supremo Tribunal norte-americano, considerando que nos casos de prova derivada envolvendo atos de vontade (derivative evidence involving volitional acts), traduzidos, por exemplo, no depoimento de testemunhas ou na decisão do suspeito de confessar o crime ou de prestar declarações relevantes quanto a este, a invalidade da prova anterior não se projeta na prova posterior, porque assente em decisões autónomas e produto de uma livre vontade”.

Igualmente, destituído de fundamento a referência genérica aos «reconhecimentos/reconstituições produzidas posteriormente», a qual, não vindo concretizada, não merece qualquer reação, a não ser para destacar a circunstância de a diligência tendente à reconstituição do facto que teve lugar no decurso da audiência de julgamento – na qual participou o Exmo. mandatário do recorrente – haver ocorrido já após as declarações confessórias, nessa sede produzidas, por parte do coarguido B... .

Por fim, uma palavra para enfatizar a irrelevância na decisão em crise, também, do auto de apreensão de fls. 146/147, apenas mencionado no acórdão para o efeito de dar a conhecer a sua não valoração, pelo que não demonstrando o recorrente em que medida o mesmo poderia ter envenenado a prova derivada – indicada no ponto 15. das conclusões -, nem vislumbrando nós qualquer tipo de contaminação, só há que reafirmar a inocuidade da questão.

Ademais, é o próprio recorrente que, depois de se empenhar [logo na contestação] na demonstração da proibição de valoração do dito auto de apreensão – nunca valorado, repita-se -, vem, afinal, perante um evidente, neste particular, «ganho de causa» – contrariando o venire contra factum proprium non valet -, a convocá-lo em sede de impugnação da matéria de facto, como, insofismavelmente, decorre do ponto 46. das conclusões!

Concluindo:

a. Os elementos de prova que o recorrente no ponto 4. das conclusões pretende colocar em crise não foram objeto de valoração no acórdão recorrido, não tendo servido, por conseguinte, para fundamentar a convicção do tribunal;

b. De qualquer modo já o tribunal da Relação, em recurso interposto pelo arguido/recorrente, no âmbito dos presentes autos, se pronunciou no sentido da respetiva legalidade, afastando, assim, consubstanciarem as ditas provas «proibições de prova», conforme inequivocamente decorre dos acórdãos do TRC de 18.12.2013 e de 30.04.2014;

c. Tendo sido tais questões, em momento anterior, submetidas pelo recorrente à apreciação do tribunal superior – e por este decididas, surgindo como fundamentos sobre os quais foi tomada expressa ou implícita posição, no caso inseparável do sentido da decisão, formando, deste modo, com a mesma um todo indivisível [a eficácia do caso julgado também se estende às questões que constituem premissas necessárias para a prolação da parte injuntiva da decisão], independentemente da posição que se perfilhe quanto ao termo do tempo até ao qual semelhante vício pode ser invocado, fica precludida a possibilidade de o tribunal de 1.ª instância ou outro de categoria superior questionar, de novo, a matéria por via do caso julgado intraprocessual, no que respeita à legalidade da dita prova, entretanto, formado;

d. Circunstância que garantindo a estabilidade, segurança e certeza das decisões judiciais em nada contraria as garantias de defesa do arguido/recorrente, o qual, oportunamente, exerceu o seu direito ao recurso, vendo, assim, as questões apreciadas por um tribunal superior, gozando, então, ainda da faculdade – como veio a suceder num dos casos, sem sucesso, embora – de interpor recurso de constitucionalidade;

e. Com efeito, mesmo entendendo que a questão pode ser colocada até ao trânsito em julgado da decisão que a final ponha termo ao processo, em nome dos princípios da estabilidade, segurança e certeza das decisões judiciais, bem como da hierarquia dos tribunais, a decisão de um tribunal superior proferida em recurso versando tal matéria sempre constituirá, quer à luz do direito ordinário, quer na vertente de constitucionalidade, obstáculo incontornável à sua reapreciação no âmbito do mesmo processo, mostrando-se, como tal, extemporânea a alegada violação das normas processuais penais e/ou constitucionais, agora renovada – cf. os pontos 8., 9., 11., 12. das conclusões;

f. Mas, ainda que, no caso em apreço, se afastasse o efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, não tendo sido os concretos elementos de prova objeto de valoração, a questão reconduzir-se-ia, tão só, ao efeito-à-distância sobre as provas identificadas;

g. O qual, perante o teor das declarações confessórias, prestadas de forma livre, voluntária e esclarecida em sede de audiência de julgamento – advertido que foi do direito ao silêncio e na presença do seu Ilustre mandatário - pelo arguido B... , em função da prova, assente em decisão autónoma e produto de uma livre vontade constituída [mácula dissipada], produzida, sempre resultaria afastado.

Falece, pois, também nesta parte, razão ao recorrente.

c. [Das proibições de valoração de prova]

Perscrutadas as conclusões duas zonas se identificam, em relação às quais vem invocadas proibições, na modalidade da respetiva valoração, de prova, a saber: (i) as declarações incriminatórias proferidas, em sede de audiência de julgamento, pelo arguido B... contra o coarguido, ora recorrente; (ii) a valoração do depoimento das testemunhas OO... , PP... , QQ... e RR... .

(i). [Da proibição da valoração das declarações incriminatórias do arguido contra o coarguido; prova frágil, sem sustentação]

Insurge-se o recorrente contra a valoração das declarações do coarguido B... na parte em que o implicou nos factos, pois, além de falsas, consubstanciariam prova frágil, «não corroborada de qualquer forma por outra prova» - [cf. os pontos 22. e 23. das conclusões].

Trata-se de matéria nem sempre encarada do mesmo modo pela doutrina e jurisprudência, mas, inexoravelmente, clarificada pelo n.º 4 do artigo 345.º do CPP, aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, norma sobre a qual já se pronunciou o Tribunal Constitucional, designadamente no acórdão n.º 133/2010 [cf. DR., II Série, de 18.05.2010], formulando, então, o seguinte juízo: «Não julga inconstitucional a norma do artigo 345º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 33.º, 126.º e 344.º, quando interpretadas no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do coarguido que entenda não prestar declarações sobre o objeto do processo».

Ponto é que o coarguido não se recuse a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2 do dito preceito, entendimento já há muito antecipado pelo Tribunal Constitucional quando decidiu pela inconstitucionalidade «por violação do art.º 32.º, n.º 5, da CRP a norma extraída com referência aos art.ºs 133.º, 343º e 345º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um coarguido em prejuízo do outro coarguido quando, a instâncias deste outro coarguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do seu direito ao silêncio» - [cf. acórdão TC n.º 524/97, de 09.07.14, DR., II Série, de 97.11.27].

No mesmo sentido, por diversas vezes, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça conforme resulta dos acórdãos de 08.11.2007 [proc. n.º 07P3984], 28.02.2007 [proc. n.º 4263/06 – 3.ª], 08.11.2007 [proc. n.º 07P3984], 18.08.2008 [proc. n.º 08P1971], 12.03.2008 [proc. n.º 08P694].

Questão diversa é a do cuidado exigível na ponderação de semelhantes declarações.

Como adianta Germano Marques da Silva, Curso de Direito Processual Penal, II, págs. 171/172, reportando-se aos depoimentos dos coarguidos, carecem os mesmos de «(…) especial ponderação por parte do julgador, tendo em conta que o arguido sobre a matéria do processo só responde se quiser, quando quiser, podendo recusar-se a responder no todo ou em parte a quaisquer perguntas», o que, sem dúvida, exige cautelas acrescidas na análise das declarações do arguido que incrimina o coarguido.

«Por isso que, para dissipar qualquer suspeita, deve a incriminação ter algum suporte objetivo, fornecer algum dado que a corrobore. O que não se deve confundir com a exigência de uma prova complementar.

Como escreveu Medina de Seiça «O Conhecimento Probatório do Coarguido», Separata do Boletim da FDUC, 1999, pp. 219-221), a exigência traduz-se numa «muito apertada vigilância em ordem a detetar possíveis divergências entre o narrado e a realidade». Assumindo grande relevo «a verificação atenta e meticulosa, quer da própria declaração – a sua coerência lógica, espontaneidade, consistência, verosimilhança da história narrada -, quer do declarante, em face do seu comportamento no processo, a possível margem de segurança, etc. Sem dúvida, esta análise fornece ao julgador, elementos preciosos para a formação do juízo global de credibilidade da declaração, inegavelmente reforçado caso não se encontrem outros dados probatórios que contrariem o conteúdo narrado».

Rematando «de novo o dizemos, [a corroboração] não tem de se traduzir na confirmação dos factos por fonte alheia do conteúdo narrado, bastando-se com a verificação extrínseca da veracidade da narração”. Desta forma, o objeto da confirmação da atendibilidade não reside simplesmente nas declarações do coarguido consideradas no seu complexo, mas devem ser “os factos na parte em que se pretende tê-los em conta para a decisão». Encerra mesmo esse seu estudo com a síntese bem expressiva de que «com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem diretamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta» - [cf. Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pág. 868].

No mesmo sentido ajuizou o acórdão do STJ de 12.03.2008, concretizando: «A credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão direta da ausência de motivos de incredibilidade subjetiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação» [negrito nosso].

Em suma, sendo processualmente admissíveis as declarações do arguido que incrimina o coarguido, a questão, apenas, se pode reconduzir à apreciação da credibilidade das respetivas declarações, sem que se torne indispensável a produção de prova complementar.

Neste domínio, impõe-se destacar:

a. O arguido B... assumiu em audiência de julgamento, mas também desde o início do processo, uma postura de auto-inculpação, sem que em qualquer momento se tenha esquivado e, assim, endossado a responsabilidade pelas condutas criminosas ao ora recorrente; circunstância que obviamente não é comparável àquela outra em que o arguido, colocando-se de fora do palco dos factos, empurra as ações delituosas para o coarguido;

b. Importante, ainda: o arguido B... revelou, também em sede de audiência julgamento, ter ateado «pela sua mão» o foco de incêndio que originou o incêndio de Silvares, circunstância que, como conclui o acórdão «credibiliza inequivocamente as declarações deste arguido». Porquê? «… a testemunha SS... , no que foi acompanhado pela testemunha OO... , referiu que na altura em que os incêndios ainda estavam ativos, e nos dias que se seguiram, incluindo na data em que o arguido B... foi detido, a população e a comunicação social atribuíam o chamado genericamente “incêndio do Caramulo”, e os mortos e feridos, ao “Incêndio de Silvares”, ou seja, às consequências da ignição cuja execução sempre foi assumida pelo dito arguido ( B... )…»;

c. Nenhuma motivação se vê resultar das declarações do arguido B... - não a tendo, igualmente, esclarecido o ora recorrente, o qual, a propósito, diretamente questionado, não foi capaz de avançar uma só razão que fosse – credível ou não credível – para incriminar o A... ; pelo contrário o que podemos constatar é o reconhecimento, também, por parte deste da relação de amizade que os unia. Mais: como, com toda a lucidez, dá conta o acórdão recorrido, reportando-se à conduta em julgamento do ora recorrente não comentou o mesmo «sequer, por vontade própria, as declarações do coarguido B... , não mostrando qualquer sinal de desagrado, revolta, aborrecimento, ou indignação perante a acusação que este lhe dirigiu – postura esta que julgamos ser incompatível com o comportamento ou atitude de quem é injustamente acusado, estando mesmo em prisão preventiva por esses factos há vários meses»;

d. Não tem, assim, fundamento a tese, esgrimida no recurso, de um qualquer ódio, cuja origem nunca foi esclarecida, tão pouco a suposta intenção de, através do envolvimento do coarguido, procurar o B... alcançar, a final, um benefício, traduzido numa maior benevolência na decisão; na verdade sempre seria mais eficaz para o próprio proteger-se a si, negando os factos. Acresce que, tratando-se de um amigo, natural era que o poupasse e, sendo seu propósito envolver um terceiro nos factos, que escolhesse pessoa relativamente à qual não o unissem semelhantes laços;

e. Por outro lado – ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer – foi produzida prova donde resultaram aspetos relevantes que, conjugados entre si se encaixaram uns nos outros como peças de um puzzle construído em coerência e concordância lógica, desde logo à luz das regras da experiência comum, atribuindo consistência às declarações do arguido B... , e, ao invés, descredibilizando a versão do recorrente.

Assim, a título exemplificativo:

f. A testemunha OO... , agente da GNR/SEPNA, Mestre Florestal Principal, que interveio na investigação, identificando no terreno – numa primeira fase sem a colaboração do arguido B... -, os diversos pontos de ignição, descrevendo-os, explicando como foi possível chegar a tais conclusões, e evidenciando a coincidência com os dados, a propósito, em momento posterior, revelados, em pormenor, por aquele arguido, cuja minuciosa concretização muito dificilmente estaria ao alcance de qualquer pessoa alheia às condutas em questão;

g. A testemunha Z... (bombeiro voluntário – adjunto do Comando – da Corporação de Bombeiros de Vouzela, então, comandante das operações de socorro, e mestre florestal do SPNA da GNR), cujo depoimento foi considerado sério, isento e credível, ao relatar que, enquanto combatia o incêndio no local da ignição de Nogueira de Alcofra – numa ocasião em que já lhe havia sido transmitida a verificação de outro incêndio no cume da serra e, inclusive, avistado seis clarões na cumeada -, viu passar, por volta das 0h30m/0h45m, vinda do cimo da serra, do lado das eólicas [concretamente a descer, da estrada que dá acesso à linha da cumeada das eólicas – onde lavrava o outro incêndio – seguindo na direção de Nogueira de Alcofra], uma motorizada pequena com dois indivíduos em cima, parecendo-lhe que não usavam capacete, o que achou estranho, tendo em conversa com um colega bombeiro de Tondela proferido a seguinte expressão: “dois burros tão grandes em cima de um burro tão pequeno”, afirmação que justifica o total acerto da apreciação do tribunal enquanto, a respeito, deixou consignado: «Esta afirmação corrobora claramente as declarações do arguido B... , pois não se vislumbra – recorrendo às regras da experiência – que outro ciclomotor de pequena dimensão pudesse ali circular àquela hora e naquele sentido de marcha, sem ser o do arguido A... , por este conduzido, e acompanhado pelo arguido B... ».

Efetivamente, tendo o arguido B... esclarecido, em sede de audiência de julgamento, o percurso que realizaram – ele e o arguido A... , na scooter – após atearem os incêndios, retornando pelo local onde o último provocou a primeira ignição – nas proximidades do cruzamento com o estradão que dá acesso a Couto de Alcofra – onde já se encontravam os bombeiros a combater esse primeiro incêndio, prosseguindo, após, a marcha para Nogueira de Alcofra, em que outro juízo – com respeito pelas regras da experiência – poderia o tribunal incorrer?

h. A testemunha J... , bombeiro que na madrugada do dia 21 de Agosto esteve a combater o fogo de Alcofra, dando conta que, por volta das 1h30, viu no local o arguido B... , que passou numa carrinha, com duas pessoas, chegando mesmo a pedir-lhe que fosse buscar água – o que ele não fez -, acrescentando ter o arguido A... , entre as 2h30e as 3H30m, passado no local, conduzindo uma scooter, sem matrícula, ocasião em que não usava capacete, seguindo, então, acompanhado por outro indivíduo, que se fazia transportar noutra mota.

Descrição que confere solidez às declarações do arguido B... quando referiu ter ido, por volta das 1h30m – já depois de se ter separado do arguido A... - ver o fogo com duas pessoas, tendo estado no local mencionado pela testemunha;

i. A testemunha RR... , residente próximo de Nogueira de Alcofra [local em que foi ateado o primeiro foco de incêndio], enquanto revelou ter observado um clarão entre as 23h30 e as 24 h « …e, pouco depois, ter visto na serra, no estradão das eólicas, a luz de um veículo, que parava e arrancava, surgindo logo a seguir nesse local um novo clarão de incêndio, o que sucedeu por diversas (pelo menos 4) vezes …»;

j. As testemunhas NN... e EE... , cujos depoimentos foram – e bem – considerados valiosos -, sendo de destacar as partes em que se referiram: à amizade que as unia a ambos os arguidos [não deixando, assim, antever qualquer animosidade em relação ao recorrente]; à descrição dos contactos que mantiveram com os arguidos na tarde do dia 20.08.2013; à intenção do arguido A... de fazer um churrasco, nesse dia, à noite na Barragem de Meruje [corroborando as declarações do arguido B... ]; ao facto de - sem dúvida ou hesitação – terem declarado que no momento temporal em que o incêndio começou se encontravam na praia fluvial, não estando aí presente qualquer dos arguidos; ao relatado no que concerne à motorizada em que, nesse dia, se fazia transportar o A... , acompanhado pelo arguido B... ; ao relacionamento amoroso entre o A... e a F... ; aos contactos, via telemóvel, levados a efeito pelo pai do arguido A... – no decurso do qual, também, este lhes falou – procurando passar-lhes uma memória – sem correspondência com a realidade – relativamente à noite de 20.08.2013, já quanto a terem estado com o A... no momento temporal em que o incêndio começou - mas não com o arguido B... que, então se faria deslocar de bicicleta -, já quanto a um contacto que no futuro viria a ser com elas estabelecido pela testemunha F... [no caso da testemunha EE... ] “para ela lhe dar umas “dicas”, surgindo, pois, de todo realista a apreciação do tribunal, enquanto, reportando-se aos mesmos [futuros contactos], refere: «obviamente para combinarem e conjugarem depoimentos, no sentido de estabelecerem um alibi que ilibasse o arguido A... da autoria dos ilícitos criminais aqui em questão», para, com toda a pertinência, concluir: «Esta tentativa de obtenção de um alibi falso retira, como é evidente, credibilidade às declarações do arguido A... …, e valoriza as declarações do arguido B... , tendo ainda o efeito de prejudicar seriamente a credibilidade do depoimento da testemunha F... (…), denunciando a total adesão desta à posição processual do arguido A... », asserções, estas, que só causarão estranheza ao recorrente!

De facto, se – como diz o recorrente – nada tem de estranho que um arguido injustamente envolvido num caso procure contactar com as pessoas que sabe estarem na posse de elementos que abalam/desdizem semelhante acusação, já o juízo será diametralmente oposto quando o que se pretende é passar a tais pessoas uma memória que não é a delas – antes, a contrariando – tentando, assim, fazê-las aderir a um desenrolar dos acontecimentos – aspeto em que as testemunhas foram de todo assertivas -, o qual, não por acaso, serve a versão por si engendrada;

l. As testemunhas C... [dono do Café « K... » ou « KK... »], UUU... e D... , respetivamente mulher e filho do primeiro, cujos depoimentos por se terem revelado desinteressados, criaram nos julgadores uma forte convicção da respetiva seriedade e, logo, credibilidade, enquanto referiram não ter estado ou falado com o arguido A... na noite de 20.08.2013, tão pouco com o MM... [primo do recorrente], dando conta de, nessa noite, haverem encerrado, por via da falta de clientes, o estabelecimento por volta da meia-noite, depoimentos que não só infirmaram as declarações do arguido A... , como contrariaram os depoimentos das testemunhas E... [primo do arguido A... ], F... [a qual, embora negando-a – bem se percebendo a respetiva motivação – manteve, nesse como em ano anterior, com o arguido A... uma relação afetiva para além da simples amizade], G... [tia da ex. namorada do recorrente, que quando, no decurso do seu depoimento, se apercebeu que a sua mãe ia ser chamada a depor, logo se apressou a contactá-la telefonicamente], H... [mãe da testemunha G... , com uma relação próxima ao A... , a quem, por diversas vezes, havia visitado no EP], testemunhos, esses, que, conforme decorre à saciedade da fundamentação/motivação, não se apresentaram aos olhos dos julgadores sérios, isentos, imparciais e, consequentemente, credíveis;

m. O teor das mensagens trocadas pela testemunha F... com o arguido A... [mensagens constantes do registo de dados do telemóvel apreendido ao ora recorrente [cf. fls. 1141 a 1151], elucidativas quanto ao compromisso por parte da primeira de tudo fazer para o livrar das acusações; O registo das comunicações [cf. fls. 1124] entre os telemóveis da dita testemunha e do arguido A... , ocorridas durante o período temporal em que ambos afirmaram terem estado um com o outro, coincidente com as horas em que foram ateados os incêndios em questão – sendo certo que tal testemunha não foi capaz de explicar tais chamadas telefónicas, «(não se compreendendo porque razão tinham de comunicar por via telefónica se estavam juntos, nem tendo sido oferecida qualquer explicação plausível para tal realidade) …», circunstâncias que retiram qualquer credibilidade ao respetivo depoimento e, bem assim, às declarações do recorrente, contribuindo, ao invés, para robustecer as declarações do arguido B... , enquanto coloca o recorrente – sem se retirar a si – no teatro dos factos;

n. A testemunha LLLL..., que tendo estado naquela noite no « KK... », abandonando-o, tão só, quando lhe foi telefonicamente transmitido a ocorrência do incêndio, enquanto revelou não ter visto – nesse período - qualquer dos arguidos no dito estabelecimento, depoimento que secundando o das testemunhas supra identificadas em l., contraria, igualmente, a versão do ora recorrente, conferindo, antes, consistência às declarações de B... ;

o. A diligência de reconstituição do facto levada a efeito no decurso da audiência de discussão e julgamento, a qual, como esclarece o acórdão veio a revelar-se «Extremamente relevante para a perceção, pelo Tribunal, da atuação dos arguidos na noite em questão, e também para a demonstração da viabilidade da tese fáctica da acusação pública/pronúncia (…), tendo o Tribunal percorrido todos os passos/trajeto dos arguidos na noite de 20 para 21 de Agosto de 2013, partindo da praia fluvial de Ribeira da Senra, percorrendo todas as vias e caminhos relatados na factualidade provada, e terminando no denominado “ KK... ”, observando e contando os tempos de duração de cada percurso, e visionando os locais de ignição dos três incêndios, como consta do auto de reconstituição», abrindo-se aqui um parêntesis para, desde já, responder à objeção do recorrente enquanto pretende esvaziar de interesse útil a dita diligência, levada a efeito na presença do seu Ilustre mandatário, sem que resulte da respetiva ata haja, então, colocado qualquer obstáculo à sua realização nos termos determinados pelo tribunal.

Sinteticamente diremos: i) A reconstituição do facto, destinada a comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma, estando, ou podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo e/ou lugar [cf. artigo 150.º do CPP], partiu, no caso, de um razoável conjunto de premissas comprováveis, como seja a realização de todo o percurso [passos e trajetos], a observação e contagem dos respetivos tempos de duração, o visionamento, além do mais, dos locais de ignição dos três incêndios, tendo sido para o efeito utilizada a scotter identificada nos autos, conduzida – é certo - por um agente de autoridade; ii) Não impondo nem dependendo a reconstituição do facto da intervenção do(s) arguido(s) [cf. acórdão do STJ de 05.01.2005, proc. n.º 04P3276, disponível em www.dgsi.pt], não é o facto de não haverem os mesmos participado na diligência, como, aliás, foi determinado pelo tribunal – sem que tal suscitasse qualquer reparo, designadamente por parte do recorrente – que lhe retira consistência; iii) E sendo de admitir que os diversos trajetos, se realizados com dois ocupantes na scooter – o que não sucedeu na reconstituição – levassem mais tempo a percorrer, o certo é que, como referiu a testemunha OO... , ouvida no decurso da diligência [depoimento, esse, relativamente ao qual – como veremos – não ocorre qualquer proibição de valoração], os mesmos caminhos, por ocasião dos factos, encontravam-se em bem melhores condições, circunstância que naturalmente sempre contribuiria para o encurtamento da duração dos trajetos [percorridos na scooter], o que permite concluir – operada a compensação com a circunstância de a moto ter sido tripulada por apenas uma pessoa – pela correção, no essencial, também, quanto aos tempos encontrados, do resultado da diligência, contribuindo, ainda, para tanto a afirmação por parte do recorrente no sentido de conhecer bem a estrada [caminhos] da serra, dando conta da facilidade com que o seu ciclomotor percorria os ditos caminhos.

Isto dito, ainda que se entendesse – o que não é o caso – que tal prova se apresentava descaracterizada, ou seja não podia ser valorada como «reconstituição do facto», sempre seria de ter presente, à luz do artigo 125.º do CPP, a respetiva admissibilidade, sujeita à livre apreciação de acordo com os critérios do artigo 127º do mesmo diploma, como, aliás, sucede com as demais provas, cujo valor não se mostra legalmente pré-determinado.

Em suma, bem andou o tribunal ao valorar a diligência de reconstituição do facto realizada no decurso da audiência de julgamento.

Fechado o parêntesis, prosseguindo a análise no que à credibilidade das declarações do arguido B... concerne e do modo como resultaram sustentadas, diremos - com a segurança reforçada de quem procedeu à integral audição dos registos áudio e se debruçou sobre a prova convocada – que nem por um momento nos afastamos da apreciação e juízos vertidos no acórdão em crise, ou seja, sem qualquer dúvida ou hesitação, subscrevemo-los, já por via dos aspetos antes destacados relativos à credibilidade das respetivas declarações, já em consequência da seriedade e imparcialidade revelada pelas testemunhas que relatando factos que se articulam, na perfeição, com aquelas, contribuíram para as reforçar, já em função da falta de isenção revelada por todos aqueles que até ao limite se esforçaram por engrossar o alibi gizado pelo recorrente, circunstância a que não será estranha a relação de proximidade que cada um mantém com o arguido A... .

Concluindo, só resta, afirmar a falta de razão do recorrente, já que – reafirma-se – não só as declarações prestadas pelo arguido [ B... ], garantido que seja – como o foi – o condicionalismo legal [artigo 345.º, n.º 4 do CPP], podem ser objeto de valoração contra o coarguido como, no caso concreto, se mostram as mesmas credíveis, sustentadas na prova produzida, onde, naturalmente, se incluem as inferências judiciais.

(ii) [Da proibição da valoração do depoimento dos agentes da GNR]

Prossegue o recorrente: «As testemunhas OO... , PP... , QQ... e RR... , todos agentes da GNR, apenas sabem o que o coarguido B... lhes disse, sendo que as suas declarações nessa parte não podem ser valoradas nos termos do disposto no n.º 7 do art. 356º do CPP», acrescentando que derivando os seus conhecimentos das declarações do dito coarguido «prestadas em diligência manifestamente nula» permitir a sua reprodução e valoração «seria evidente fraude ao sentido da lei processual penal».

Sobre a temática da nulidade da diligência [a qual, reafirma-se, não coincide com a documentada a fls. 23 e ss. dos autos] já tivemos oportunidade de nos pronunciar, pelo que será assunto que não retomaremos.

A respeito do depoimento de tais testemunhas debruça-se o acórdão nos pontos 10. e 13. [este quanto a RR... ], podendo, desde já, concluir-se que a referência à última testemunha, considerando a análise resultante deste último ponto, por certo, ter-se-á ficado a dever a mero lapso; Quanto às demais basta atentar no que consignado se mostra, em sede de fundamentação da decisão de facto [ponto 10.], para refutar a tese de as testemunhas apenas saberem o que lhes teria sido relatado pelo coarguido B... já porque assim não é, já porque, seguramente, também, não o é na dimensão sugerida pelo recorrente.

A demonstrar isso, mesmo, surgem as seguintes passagens do acórdão:

- «Foram ainda ponderados os depoimentos sinceros, imparciais e credíveis das testemunhas (…) OO... (…), PP... (...), QQ... (…), que intervieram na investigação que deu origem a estes autos, cujos pormenores descreveram, na medida das suas intervenções e do legalmente admissível, caracterizando detalhadamente os locais dos incêndios, as áreas por estes abrangidas, e os bens – patrimoniais e pessoais – por eles ameaçados e lesados»;

- «E é certo que as declarações do arguido B... – que podem ser consideradas nesta decisão, ou seja, as prestadas aos ditos agentes da G.N.R./SEPNA no início do processo (quando ainda não era suspeito), e as prestadas na audiência de julgamento –», o que se mostra em consonância com os seguintes segmentos: «Por seu turno, a testemunha OO... declarou que passou a intervir na investigação da origem dos incêndios aqui em apreço no dia 28 de Agosto de 2013, começando por identificar, no terreno, os diversos pontos de ignição – o que conseguiu quanto a todos eles (primeiro ponto próximo de Nogueira de Alcofra; segundo ponto junto à barragem de Meruje; terceiro ponto, ou melhor seis pontos juntos, no estradão das eólicas, na cumeada da Serra, em Silvares), mediante a análise dos vestígios deixados no local pelos incêndios e respetivas ignições, e pela evolução daqueles, muito embora não tenha encontrado qualquer meio de ignição (o que é natural, pois veio a apurar-se que esse meio se traduziu na utilização de um isqueiro, que o arguido A... não deixou no local, como afirmou o coarguido B... ), o que o levou imediatamente a desconfiar de atuação dolosa. Daí que tenha de seguida questionado os populares nas localidades próximas sobre a identidade de pessoas que costumassem andar por aqueles locais de noite, assim chegando à indicação do arguido A... . Não tendo encontrado este arguido, e obtida a informação de que o mesmo costumava andar acompanhado por um S... e pelo arguido B... , contactou ambos. Foi assim que a testemunha OO... contactou inicialmente com o arguido B... , não o considerando suspeito de qualquer crime, pedindo-lhe que o acompanhasse ao estradão da serra e lhe indicasse os locais do início (ignição) dos incêndios, o que este aceitou» (…). Logo a seguir ao momento em que o B... assumiu ter sido ele a atear o terceiro foco de incêndio, as testemunhas OO... e PP... levaram-no logo para o posto da G.N.R. de Vouzela e comunicaram o sucedido à Polícia Judiciária»; Já a testemunha PP... – que acompanhou sempre a testemunha OO... nas diligências de investigação que este realizou, acima aludidas, incluindo na deslocação efetuada à serra do Caramulo na companhia do arguido B... , escutando também as afirmações por este então proferidas – corroborou plenamente o depoimento da testemunha OO... »; «Sublinha-se que não foram ponderados nesta decisão (…) - O “auto de diligência de reconhecimento de locais de incêndio” de fls. 23 a 28 dos autos, realizado pelo arguido B... , na altura com 20 anos de idade, e já suspeito nos autos (como aliás resulta de forma clara do teor da informação de serviço de fls. 2, em que se refere expressamente essa sua condição de “suspeito de ser o autor de vários incêndios florestais ocorridos nas zonas de Vouzela e Caramulo”, em momento anterior à aludida diligência), por ter sido executada sem o acompanhamento de advogado …».

Assim, o primeiro aspeto a reter do depoimento das identificadas testemunhas da GNR/SEPNA - em total correspondência com os respetivos registos áudio - é a de que na ocasião em que procederam a diligências no local [as quais, conforme sobejamente esclarecido no acórdão, não são aquelas a que se reporta o Auto de reconhecimento e reportagem fotográfica de fls. 23 e ss., de resto – repete-sedesconsiderado/não valorado, mas, antes, as que precederam os atos documentados nos autos, realizadas, portanto em momento prévio, no circunstancialismo exaustivamente explicitado], acompanhados de B... [caso das testemunhas OO... e PP... ], não só este não revestia a qualidade de arguido, como nem sequer era suspeito da prática dos factos, sendo certo que o depoimento da testemunha QQ... , como claramente resulta do acórdão, apenas foi ponderado, na medida do legalmente admissível, relativamente aos aspetos supra enunciados.

Por conseguinte, a menos que resultasse demonstrado que as ditas testemunhas tivessem, então, agido deliberadamente para contornar os limites legalmente impostos – circunstância que, no contexto descrito, não colhe o mínimo fundamento – as suas declarações [depoimentos], enquanto recaíram sobre o que lhes foi referido/indicado pelo arguido B... não contrariam a disposição legal invocada, ou seja o n.º 7, do artigo 356º do CPP, podendo, em consequência, ser valoradas nos termos em que o foram.

Com efeito, constituindo matéria que não tem colhido posição unânime na doutrina, tão pouco por parte da jurisprudência, vimos perfilhando o entendimento de que, salvo se ficar «comprovado» que os agentes investigadores escolheram as ditas conversas informais para contornar a proibição da leitura das declarações do arguido em audiência de julgamento, podem os mesmos aquando da sua inquirição, na qualidade de testemunhas, reportar-se ao conteúdo do que, por ocasião das diligências investigatórias tendentes à recolha de indícios do crime e seus autores [artigo 249.º do CPP], lhes foi pelo arguido transmitido, não se vendo na respetiva valoração ofensa ao direito ao silêncio e à não autoincriminação, os quais, aliás, no caso concreto nunca sairiam minimamente beliscados em função da confissão protagonizada pelo arguido B... , abrangendo, inclusive, o teor do por si transmitido às testemunhas em questão, as quais, afinal, nesse domínio, nenhuma novidade trouxeram, contribuindo, antes – a par de outras provas -, para conferir uma maior consistência às declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelo dito arguido.

Neste domínio afigura-se-nos esclarecedor o acórdão do STJ de 12.12.2013, proferido no âmbito do proc. n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1, enquanto reporta: «Tal convicção é, aliás, reforçada em relação às declarações e condutas percecionadas ao arguido numa fase prévia à sua constituição como tal. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 pressuposto do direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia … Nesta fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito … O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.

Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do ato e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59 nº 1 do Código de Processo Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55, nº 2 e 249 nº 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma.

A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que e a partir dai as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente.

Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declarações prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os atos a realizar no inquérito.

(…)

Prosseguindo, citando Adérito Teixeira (Depoimento Indireto e arguido Revista do CEJ 2005 pág. 135 e seg.) expõe a perspetiva do autor «para quem (…) a presunção de inocência que tem uma dimensão endoprocessual e outra extraprocessual, o direito ao silêncio (e seus efeitos) vale apenas no âmbito do processo. Fora deste e dos seus atos, o silêncio ou a declaração não tem aquela tutela pois que rege a liberdade de expressão e inerente responsabilidade do que se afirma, ou deixa de afirmar, para todas as pessoas quer estejam quer não estejam constituídas arguidas.

Adianta o mesmo Autor que, de outro modo, a prática de um crime transformar-se-ia num ato constitutivo de direitos (de liberdade de expressão) em escala a que os demais cidadãos só poderiam aspirar colocando-se em situações idêntica; e, no plano da investigação criminal, quaisquer afirmações – do tipo “matei” e “vou queimar o corpo”, ou “roubei”, ou “vendi droga”, etc. – deveriam ser tomadas como declarações não sérias, porquanto, no limite, não poderiam inserir-se processualmente como princípio de prova que conduz a outras provas e se transmitem umas e outras às fases posteriores do processo (à luz de princípios da conservação da prova ou de força consumptiva de decisões da autoridade judiciária).

Nesta perspetiva não se vislumbra, assim, qualquer impedimento, ou proibição de depoimento que incide sobre aspetos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram (…), bem como quanto a afirmações não retratáveis em auto em que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova (…)».

No mesmo sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 15.02.2007 [proc. n.º 06P4593], do TRC de 09.07.2008 [proc. n.º 601/07.6GBCNT.C1], 30.03.2011 [proc. 370/08.2TACVL.C1], 26.06.2013 [proc. proc. 220/11.2GBTND.C1], todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Não assiste, pois, também nesta, sede razão ao recorrente.

d. [Da desconsideração de prova pericial/técnica]

Nos pontos 42. a 45. das conclusões, melhor concretizados na motivação, manifesta-se o recorrente contra a desconsideração de prova, que designa por técnica/pericial, sem que – acrescenta - tenham os julgadores fundamentado os respetivos desvios em prova de idêntica natureza.

Tanto quanto nos é dado perceber em crise estaria o valor da prova pericial [artigo 163.º do CPP].

Nesta se inscreveriam a «perícia» de fls. 3615-3616», constante do ficheiro pdf, referido a fls. 4719; os documentos de fls. 3503-3504, 3638-3643 [dados fornecidos pelas operadoras de telemóveis]; o documento de fls. 3995 [mapa da Google earth, junto com a contestação]; «as perícias» aos telemóveis [listagem constante do cd enviado pela Meo, parcialmente impresso a fls. 3460], traduzidos, no essencial, na informação - subscrita pelo Especialista Adjunto da PJ, GGG... - extraída do exame ao telemóvel, identificado a fls. 3610, referente à utilização da aplicação “Tango”, instalada no aparelho; a informação da Vodafone, com referência ao número indicado, relativa a registo de dados (chamadas/mensagens/outras), incluindo hora, duração, destino, bem como às antenas (BTS) ativadas com a sua utilização, no período compreendido entre as 12 horas do dia 20 de Agosto de 2013 e as 12 horas do dia 21 de Agosto de 2013; o mapa, junto com a contestação, relativo às coordenadas geográficas de acordo com o ficheiro “coordenadas GPS”.

Vejamos, pois, o que de relevante, neste domínio, se extrai do acórdão.

Reportando-se ao depoimento de SS... , Inspetor da Polícia Judiciária: «referiu ainda que no telemóvel do arguido A... não constam quaisquer registos de geolocalização no período compreendido entre os dias 12 e 22 de Agosto de 2013. Além disso, afirmou que, segundo a experiência que retirou doutros processos, dois indivíduos situados no mesmo local podem, ao efetuarem chamadas por telemóvel (em simultâneo ou não), fazer acionar antenas (de transmissão do respetivo sinal – BTS) distintas, por questões técnicas de rede. Disse ainda que a geolocalização operada pelos aparelhos de telemóvel para tanto equipados é precisa, ao contrário da localização realizada pela própria rede (de comunicações por telemóvel), mediante a ativação de antenas, que não é precisa, mas apenas por aproximação (indica a antena ou antenas ativadas). Também afirmou que na zona do Caramulo existem implantadas 30 BTS distintas, na rede da operadora “Vodafone”, e que as áreas de abrangência das BTS de Reigoso, São João do Monte e Talhadas se sobrepõem.

Esta testemunha ( SS... ) referiu ainda que a localização constante das cartas e documentos do processo foi realizada por aproximação».

Quanto às declarações de GGG... , ouvido na qualidade de perito, ficou a constar: «No que respeita aos relatórios de exames aos telemóveis de ambos os arguidos, importa sublinhar que o derradeiro foi objeto de esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo Especialista Adjunto de Telecomunicações da Polícia Judiciária (Diretoria do Centro) GGG... , e que nenhum deles colocou em questão a afirmação da factualidade acima dada como provada. Desde logo, desses elementos não resulta que qualquer dos arguidos estivesse em local diverso dos mencionados na factualidade provada, nem que não estivesse juntos, salientando-se novamente que dois indivíduos situados no mesmo local podem, ao efetuarem chamadas por telemóvel (em simultâneo ou não), fazer acionar antenas (de transmissão do respetivo sinal – BTS) distintas, por questões técnicas de rede. E também ficou demonstrado, na diligência realizada na derradeira sessão da audiência de julgamento, que os horários inscritos nas listagens das mensagens transmitidas pela aplicação “Tango” do telemóvel “Iphone” do arguido A... se referem aos horários da remessa das mensagens (quer do aparelho remetente, quer de ativação da rede), e não da receção da mensagem no aparelho do arguido».

Do exposto decorre: (i) Haverem sido os elementos convocados pelo recorrente objeto de explicação, designadamente por pessoa ouvida na qualidade de perito em telecomunicações, circunstância que contraria o juízo de um eventual desmerecimento de prova técnica por via de um qualquer depoimento; (ii) Também o depoimento da testemunha SS... , no fundamental coincidente com as declarações do perito, enquanto forneceu dados de facto até então desconhecidos no processo – e que vão para além dos elementos fornecidos pelas operadoras - os quais permitiram ao tribunal uma leitura completa da realidade e, assim, interpretar – com a introdução de outros fatores – as listagens em questão, podia e devia ser valorado; (iii) Em função do tribunal conservar inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta [cf. Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», vol. 1º, 209] e tendo sido em função desses novos pressupostos que os julgadores formaram a sua convicção, não há que falar em violação de prova vinculada, conservando, antes, em conformidade com o disposto no artigo 127.º do CPP, o tribunal inteira liberdade de valoração.

e. [Da impugnação da matéria de facto]

Não se conforma o recorrente com que vem consignado sob os números 1. a 19. e 67 a 74. dos factos provados, bem como com os factos considerados não provados sob os n.ºs 3., 13 a 20 e 23 a 29, os quais reputa incorretamente julgados.

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de discussão e julgamento pode, efetivamente, este tribunal conhecer de facto [cf. artigos 363.º e 428.º do CPP], na vertente alargada, isto para além do que resulta do texto da decisão recorrida, por si, ou conjugada com as regras da experiência, posto que se mostrem cumpridos os ónus previstos no artigo 412.º do CPP.

E porque assim é, com vista a evitar, a cada passo, o retorno às linhas mestras – que não temos dúvida – ditam os parâmetros e limites da sindicância/conhecimento da matéria de facto, impõe-se deixar expressas algumas considerações de âmbito geral.

Assim:

1.De harmonia com o n.º 3 do citado preceito, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas [destaques nossos], prescrevendo, por seu turno, o n.º 4 [artigo 412.º do CPP] que: «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação».

2. O nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser encarado à luz do entendimento, sistematicamente afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse – [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006, 04.01.2007, proferidos respetivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, n.º 4093/06 – 3.ª];

3. «A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorretamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença», sendo que «A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova» - [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].

Significa, pois, que « … o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (…), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (…) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida» [cf. acórdão do STJ de 24.10.2002, proc. n.º 2124/2] – (destaque nosso).

Aspeto que não se confunde com a eventualidade de uma outra aproximação à prova, pois caso a mesma consinta duas ou mais decisões de facto e o julgador, fundamentadamente, optar por uma delas em detrimento das outras, a decisão que proferir sobre a matéria de facto é, em princípio, inatacável.

4. A não observância nem nas conclusões nem na correspondente motivação, em toda a sua extensão, dos ónus de impugnação inviabiliza o convite ao aperfeiçoamento.

Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se vindo a pronunciar no sentido de que o seu não cumprimento não justifica o convite em referência uma vez que só se pode corrigir o que está mal cumprido e não o que se tem por incumprido – [cf., entre outros, os acórdãos de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), 04.10.2006 (proc. n.º 812/06 – 3.ª), 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06 – 3.ª e de 10.01.2007 (proc. n.º 3518/06. – 3.ª)], solução que o Tribunal Constitucional já considerou não violar o direito ao recurso, como decidiu no acórdão n.º 259/02, de 18.06.2002 [DR II Série, de 13.12.2002], posição retomada no acórdão n.º 140/04 [DR II Série, de 17.04.2004].

Isto dito, debrucemo-nos sobre a concreta impugnação.

Vistas as respetivas conclusões é manifesto não haver o recorrente observado, na grande maioria dos casos, na dimensão legalmente exigível, os ónus que sobre ele impendiam [cf. v.g. pontos 16., 17., 19, 20., 21., 24., 28., 29., 30., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 48., 55., ancorando, no essencial, a impugnação, como expressamente reconhece, «num único fundamento: o do que o Arguido A... (…) não praticou qualquer dos crimes pelos quais foi injustamente condenado» [cf. ponto 18. das conclusões].

Centremo-nos, então, na correspondente motivação, no âmbito da qual, exceção feita aos pontos 4., 73. e 74. dos factos provados e 23. e 29. dos factos não provados, não cumpre, igualmente, o recorrente os ónus de impugnação.

Com efeito, quer quanto aos demais factos provados, quer aos não provados, que diz incorretamente julgados, limita-se a apresentar a sua – que não a do tribunal – convicção, extraindo dos diversos meios de prova as conclusões que lhe convêm, atacando a bondade da fundamentação, interpretando declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento – ademais, reproduzindo, com frequência, segmentos de depoimentos que em nada abonam a sua tese [cf. v.g. fls. 16 a 19, 21. a 23 da motivação] -, desvalorizando prova nessa sede produzida – já por ter sido indevidamente objeto de valoração, já por se revelar imprestável, já por não ter força probatória bastante –, narrativa que foi ilustrando com recurso a extratos de umas e de outros, a documentos e, bem assim, ao que apelida de prova técnica, as quais – em conjugação de esforços – conduziriam à constatação da grande mentira do coarguido B... , tudo num exercício generalista sem cuidar, como estava obrigado, de identificar qual o concreto ponto de facto que, em cada momento, pretende afrontar e, consequentemente, qual a concreta prova que, relativamente a cada um daqueles, imporia decisão diversa da recorrida, modo de fazer que bem se compreende dado o mote expressamente enunciado no ponto 18. Das conclusões.

O que o recorrente, no fundamental, faz é um novo julgamento, no âmbito do qual, não inocentemente, esquece o relevante contributo das presunções judiciais, enquanto consentem, com recurso a juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, segundo as regras da experiência comum, assentar em determinado facto não diretamente provado, por ser a natural consequência, ou resultar com toda a probabilidade, para além da dúvida razoável, de um facto conhecido, só, assim, se justificando que, admitindo – a custo, embora - aqui e ali que haja sido produzida prova sobre os «eventos» em questão, acabe por se subtrair à ação da mesma, a qual comprometeria o coarguido, demonstraria que ele próprio poderia ter faltado à verdade, não conferindo, contudo, consistência às declarações daquele, tanto mais que ninguém – para além do coarguido, «mentiroso», obviamente -, o teria visto a atear os incêndios.

Enfim, seja como for, inviabilizou – com as assinaladas exceções - a sindicância, na vertente alargada – para além, por conseguinte, do que resulta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum – da matéria de facto, o que equivale, na parte afetada, à rejeição do recurso.

Analisemos, pois, os pontos:

- 4. [dos factos provados], quanto à hora, no mesmo, considerada, a qual deveria ser substituída por «uma hora de início imediatamente antes à referida no facto n.º 3 do rol dos não provados, por derivar da prova documental existente (e.g. fls. 591 dos autos)».

Ora, reportando-se diretamente às informações horárias constantes de fls. 590/591, conforme ficou a constar do acórdão: «A testemunha J... (2.º Comandante dos Bombeiros Voluntários de Vouzela) afirmou, além do mais, que existe certamente lapso nas informações horárias do relatório referente ao “incêndio de Meruje” (fls. 590 e 591), esclarecendo que a hora de saída aí mencionada corresponde ao momento de saída do quartel, e a hora da chegada corresponde ao momento da chegada ao local do incêndio, e a hora de regresso corresponde ao momento em que qualquer viatura regressa e chega ao quartel»; Por outro lado, já a testemunha OO... (agente da GNR/SEPNA – Serviço da Proteção da Natureza e Ambiente, Mestre Florestal Principal) havia declarado que «… os horários referidos na acusação/pronúncia como sendo os momentos temporais em que os focos de incêndio foram ateados não estão corretos, correspondendo não aos precisos momentos das ignições, mas antes aos momentos em que foi dada notícia da existência desses focos de incêndio. Assim, segundo esta testemunha, o primeiro foco de incêndio (Nogueira de Alcofra) terá sido ateado cerca de 15/20 minutos antes do horário mencionado na pronúncia, o segundo foco de incêndio (Barragem de Meruje) terá sido ateado cerca de 15 minutos depois do primeiro foco (não detetado logo, sendo observado por acaso, já em estado relativamente avançado, por uma viatura de bombeiros que lá passou), e o terceiro foco de incêndio (Silvares) terá sido ateado cerca de 3/4 minutos antes do horário mencionado na pronúncia (pois situando-se no cume da serra, foi logo observado pelo vigia e por populares)»; Circunstância que encontra, ainda, sustentação no depoimento de CCCC... , chefe da sala do CDOS – Comando Distrital de Operações de Socorro – de Viseu a qual, tendo estado de serviço na noite em que os incêndios foram ateados enumerou e descreveu «as chamadas/alertas então recebidos e os contactos efetuados», «esclarecendo que os horários mencionados na acusação/pronúncia correspondem não aos momentos das ignições, mas antes aos momentos temporais em que as equipas de bombeiros saíram para o combate ao fogo» - [passagens que se mostram em perfeita sintonia com os registos de prova].

Acresce que, tal como reconhece o recorrente, reportando-se, entre outras, às testemunhas OO... , PP... e QQ... (agente da GNR/SEPNA – Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente – Mestre Florestal), explicaram as mesmas, com toda a relevância para a determinação da hora respeitante às ignições, «que aplicaram “várias técnicas” (…), nomeadamente pela análise de pedras queimadas, do “congelamento da vegetação”, etc.». Contudo – prossegue - não tendo sido ouvidos como peritos, as suas palavras – para o que ora interessa, quanto à hora de início dos incêndios – seriam de nula valia, meras opiniões.

Não tem razão! Primeiro, porque o facto em questão não carece de ser demonstrado por «prova pericial»; Depois porque as testemunhas em causa, considerando as suas funções, não podem deixar de ser tidas como especialmente qualificadas, para sobre ele se pronunciarem.

Concluindo, não impõe a prova indicada decisão diversa da recorrida, mostrando-se esta sustentada em depoimentos especialmente qualificados, não consentindo, assim, qualquer alteração.

- 73. e 74. [dos factos provados] e 29. [dos factos não provados] enquanto dão por assente não se mostrar, à data, o arguido habilitado de carta de condução ou outro título válido que o habilitasse a conduzir o identificado ciclomotor, porquanto a carta de condução (categoria B, com o n.º (...) , emitida em 23-04-2003, pelo Grão Ducado do Luxemburgo) já lhe havia sido cassado em data anterior ao mês de Agosto de 2013.

Com vista a demonstrar o erro de julgamento convoca os documentos de fls. 3261 (traduzido a fls. 3749 e 4021), 4016 e documento n.º 17 junto com a contestação.

Por seu turno, o tribunal sustentou a sua decisão, consignando: «Certificado de fls. 3261, traduzido a fls. 3749 (do qual resulta que a licença/carta de condução atribuída ao arguido A... se encontra cassada, não lhe sendo concedido o direito de conduzir».

Na tradução de fls. 3749 pode, para além do mais, ler-se:

«Cat. B.: 1.ª emissão: 23-04-003 e válida até 19-03-2035 (retirada).

O interessado encontra-se sujeito a uma interdição judicial de conduzir com início em 21 de fevereiro de 2009 e que termina em 28 de maio de 2014. Já não é dado o direito de conduzir».

Ora, nem o documento de fls. 4016 – no essencial correspondente ao de fls. 3749 -, nem o documento n.º 17 (cf. fls. 4021) – cópia certificada da carta de condução emitida em 27.08.2014 com data de validade até 27.08.2024, impõem decisão diversa da recorrida; pelo contrário, o que se pode concluir é que efetivamente o arguido, à data dos factos, tinha o seu título de condução (com validade até 19.03.2035) «cassado», o que está em consonância com a emissão, em 27.08.2014, de novo título agora com validade até 27.08.2024.

Mantém-se, pois, inalterados os pontos provados e não provado em referência.

- 23. [dos factos não provados], dando como não provado que «Os arguidos estivessem totalmente alcoolizados», indicando como impondo decisão diversa o auto de apreensão de fls. 146 e 147 [garrafa com as inscrições “Imported Sloeberry & Vodka” e “Eristoff Red”], bem como o correspondente relatório de exame de fls. 554 a 558/979 a 986 e, ainda, as declarações do coarguido B... quando refere que ambos se encontravam alcoolizados e que estava «envinagrado».

Como já, noutra sede, tivemos oportunidade de realçar, depois de haver pugnado [na contestação] e continuar a pugnar [no recurso] pela não valoração do dito auto de apreensão, o qual não veio a fundamentar a convicção dos julgadores, vem, agora, a inscrevê-lo no lote de prova que contrariaria a decisão acolhida no acórdão, o mesmo acontecendo com os relatórios de exame lofoscópico incidentes sobre o objeto apreendido [fls. 554 a 558, 979 a 986], procedimento que por se traduzir num autêntico venire contra factum proprium, revelando um uso abusivo do direito ao recurso, não pode ser atendido, pese, embora - sempre se adianta - a respetiva irrelevância para o efeito pretendido.

No que concerne às declarações do arguido B... , apesar de ter referido haverem ingerido álcool [ele e o arguido A... ] e de se encontrar, então, já «envinagrado», foi perentório ao afirmar que apesar de terem bebido estavam conscientes e – adiantamos nós – bem conscientes, só assim se percebendo todo o trajeto realizado, numa scooter, por caminhos com as suas dificuldades – mesmo para quem, como era o caso dos arguidos, os conheciam bem – as sucessivas paragens, seguidas do retomar da marcha, realidade que – convínhamos – não constituiria tarefa simples por parte de quem estivesse totalmente alcoolizado!

Por outro lado, diferentemente do recorrente [cf. ponto 47. das conclusões], não se vê que ocorra contradição, muito menos insanável, entre o facto não provado sob o n.º 23, a saber: «Os arguidos estivessem totalmente alcoolizados” e a fundamentação da matéria de facto [pág. 28 do acórdão] quando, reproduzindo as declarações do arguido B... , refere: «Na praia fluvial todos, menos a F... , consumiram vodka (“Eristoff”), absinto e Martini (bebidas também referidas pelo arguido A... ), ficando alcoolizados ambos os arguidos», quer porque se tratam de realidades compagináveis, quer porque, nessa parte, a fundamentação, apenas traduz o que foi transmitido pelo mesmo arguido, sendo certo que as suas declarações, conforme resulta de toda a fundamentação [cf. fls. 31 do acórdão], não foram integralmente acolhidas.

Em suma, não impondo a prova indicada decisão diversa da recorrida, afastado o vício da contradição insanável, é de manter inalterado o ponto em questão.


*.

Fica-nos, ainda, a sindicância da matéria de facto, tendo, agora, exclusivamente como referência o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, dirigida à respetiva confeção técnica com vista a identificar eventuais vícios [artigo 410.º, n.º 2 do CPP] de que a mesma possa padecer.

Nesta sede, invoca o recorrente ocorrer contradição entre os factos dados como provados de 51. a 53., por um lado, «e o nexo implícito nos factos 67 e seguintes, por outro» - [cf. ponto 51. das conclusões].

Ficou a constar dos pontos 51. a 53:

«51. O referido incêndio (“Incêndio de Alcofra”) reativou-se pelas 9 horas e 53 minutos do dia 29 de Agosto de 2013 (no lugar identificado pela estrela amarela no mapa de fls. 84 do volume “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013 – Parte 1”, apenso aos autos), próximo da localidade de Muna;

52. Nesse dia 29 de Agosto de 2013, pelas 10 horas e 45 minutos, integrados na corporação de bombeiros de Carregal do Sal, que combatia esse incêndio no lugar de Pedra Má, encosta de S. Marcos, freguesia de Santiago de Besteiros, no concelho de Tondela, numa estrada a meia encosta, junto de um desfiladeiro, com as coordenadas 40:35.832N, 008:08.4015W, encontravam-se, entre outros, os bombeiros AAA... e ZZ... ;

53. Repentinamente, face a uma mudança súbita da direção do vento que se fazia sentir, as chamas do incêndio que deflagrava mudaram também elas de direção, intensificando o fumo produzido».

Por seu turno, mostra-se consignado nos pontos 67 e seguintes:

«67. Na sequência da descrita atuação dos arguidos, foram destruídas redes de vedação, sinalização e guardas de proteção colocadas na auto-estrada denominada “A25”, concessionada pela sociedade “ Y..., SA”, causando um prejuízo cuja valor concreto não foi possível apurar, já parcialmente ressarcido por via do contrato de seguro que a empresa mantinha, subsistindo apenas por indemnizar a quantia de € 12.000, relativa à franquia desse contrato de seguro;

68. Os arguidos, de forma concertada e em comunhão de esforços, agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido, de deflagrar os aludidos incêndios;

69. Os arguidos sabiam que nas circunstâncias de tempo e lugar em que atuaram, em noite seca e quente, própria da época, em local densamente povoado de pinheiros bravos, eucaliptos, carvalhos, cedros e com mato abundante, de difícil acesso e de relevo irregular, as chamas rapidamente se propagariam ao mato e espécies arbóreas circundantes, e assim colocariam em perigo as casas de campo, de animais e de habitação e outros bens patrimoniais alheios, no valor de várias centenas de milhares de euros, bem como a vida e a integridade física de todos aqueles que pudessem encontrar-se no perímetro abarcado pelo incêndio, e também daqueles que acorressem ao seu combate, como aliás veio a suceder, pelo menos com VV... , XX... , ZZ... , AAA... , X... , U... , II... , O... , Q... , Q... , JJ... , V... , M... , P... , N... e T... ;

70. Não obstante, os arguidos não deixaram de persistir nas suas condutas, conformando-se com a criação de tais perigos;

71. Os arguidos sabiam ainda que existia a possibilidade de algumas dessas pessoas virem efetivamente a sofrer lesões particularmente dolorosas, a verem afetada de maneira grave a sua capacidade de trabalho, a correrem perigo de vida, ou mesmo a falecer em consequência dos incêndios que fizeram deflagrar, mas confiaram que tal não sucederia, mediante o cuidadoso combate do incêndio».

Mas que contradição [insanável?] pretende o recorrente verificar-se entre aquele conjunto de factos e estes outros, que reconduz ao nexo de imputação implícito?

Por certo, como perpassa de todo o recurso, à circunstância de os danos – pessoais e outros – serem imputados ao «incêndio de Alcofra», quando, como deixa antever e decorre do acórdão, foram os mesmos determinados por reacendimentos e não já pelos «incêndios iniciais».

Trata-se, porém, de matéria exaustivamente tratada na fundamentação, com recurso a elementos de prova que não deixam margem para dúvida sobre o facto de um reacendimento de incêndio que tenha sido considerado extinto não passa a constituir um novo incêndio.

 Vejam-se, a propósito, os seguintes segmentos:

- «De grande relevo para o modo como os três incêndios aqui em questão foram ateados, foram combatidos e se desenvolveram no terreno, e das causas e circunstancialismo concreto dos dois episódios em que se verificaram ferimentos e mortes no combate ao “Incêndio de Alcofra”, foi ponderado o depoimento imparcial, sincero, esclarecido e credível da testemunha IIII..., professor universitário, diretor do Centro de Estudos Sobre Incêndios Florestais, tendo coordenado a equipa que elaborou os pareceres/estudos “Os Grandes Incêndios Florestais e os Acidentes Mortais Ocorridos em 2013” juntos aos autos – cujo teor e conclusões confirmou e corroborou. Declarou ter estado no local do acidente no dia 29 de Agosto, logo após a sua verificação, sendo certo que já havia estado no local dos incêndios no dia 26 de Agosto.

A testemunha distinguiu claramente os três incêndios aqui em apreço, ligando-os às respetivas ignições, e esclarecendo que se desenvolveram no terreno e atingiram locais totalmente distintos, nunca se confundindo ou reunindo.

Imputou indiscutivelmente os incidentes em que se verificaram ferimentos e mortes (Olival Novo e São Marcos) ao chamado “Incêndio de Alcofra”, descrevendo os locais e respetivas condições geográficas, orográficas (no Olival Novo o local é uma encosta com desfiladeiro próximo, mas este não é visível ou detetável senão numa observação cuidada; em São Marcos o local o local é um desfiladeiro), de composição do solo e vegetação, afirmando que constituem locais perigosos. De todo o modo, a testemunha reconheceu que a atividade de combate a incêndios é perigosa por natureza, e que nesses locais podem ou não ocorrer acidentes deste tipo, existindo muitas situações em que o fogo é combatido em locais com características idênticas sem que se verifique qualquer acidente (incluindo pessoal).

A testemunha caracterizou os fenómenos verificados nesses acidentes (Olival Novo e São Marcos) como erupções, mesmo autênticos “vulcões”, afirmando que nessas ocorrências, com ou sem o concurso do vento, o fogo e o fumo alastram a velocidade superior à que o homem consegue correr. No acidente de Olival Novo a erupção, segundo a testemunha, sucedeu num desfiladeiro situado próximo da encosta em que os bombeiros estavam, e no acidente de São Marcos essa erupção verificou-se no próprio local em que os bombeiros se encontravam, que constitui um desfiladeiro.

Afirmou a testemunha que o acidente ocorrido no dia 29 de Agosto se verificou num reacendimento do “Incêndio de Alcofra”, pela proximidade à zona ardida neste incêndio, e por se tratar de uma zona muito vigiada na altura, não sendo possível uma nova ação de início (ignição) de um novo incêndio. E a própria análise do local exclui a hipótese de se tratar de um novo incêndio» - [negrito nosso];

- «Foram ainda ponderados os depoimentos sinceros, imparciais e credíveis das testemunhas SS... (inspetor da Polícia Judiciária), OO... (agente da G.N.R./SEPNA – Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente, Mestre Florestal Principal), PP... (agente da G.N.R./SEPNA, sargento chefe), QQ... (agente da G.N.R./SEPNA – Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente, Mestre Florestal), e VVV... (agente da G.N.R./SEPNA, Mestre Florestal Principal), que intervieram na investigação que deu origem a estes autos, cujos pormenores descreveram, na medida das suas intervenções e do legalmente admissível, caracterizando detalhadamente os locais dos incêndios, as áreas por estes abrangidas, e os bens – patrimoniais e pessoais – por eles ameaçados e lesados».

- «De forma unânime, e sem quaisquer dúvidas, afirmaram as testemunhas que os acidentes pessoais, incluindo as lesões da integridade física e as mortes em questão nos autos, aconteceram no combate ao chamado “Incêndio de Alcofra”, ateado próximo do cruzamento do Mosteirinho, em Nogueira de Alcofra, e no perímetro desse incêndio, que não se pode confundir, de forma alguma, com os restantes dois incêndios aqui em apreço (nem com qualquer outro). Os três incêndios, na realidade, e segundo as testemunhas, não se tocaram sequer. Tal conclusão resultou de forma clara e inquestionável da análise dos vestígios físicos deixados pelos três incêndios nos locais atingidos.» - [negrito nosso]

«A testemunha OO... esclareceu ainda os termos da distinção entre uma ignição inicial de um incêndio e um seu reacendimento, incluindo os vestígios que deixam nos locais, e que permitem a destrinça inequívoca entre essas duas realidades. Afirmou que o reacendimento ocorrido no dia 29 de Agosto não traduziu uma ignição inicial de um novo incêndio, justificando ao pormenor essa afirmação». [negrito nosso];

- «A testemunha Z... referiu ainda que os chamados “Incêndio de Alcofra” e “Incêndio de Silvares”, que ajudou a combater e cujas consequências depois observou e analisou, nunca se uniram nem se podem confundir, tendo tido ignições distintas, e atingido áreas territoriais completamente diversas»;

- « CCCC... , chefe da sala do C.D.O.S. – Comando Distrital de Operações de Socorro – de Viseu, que estava de serviço na noite em que os incêndios foram ateados, «enumerando e descrevendo as chamadas/alertas então recebidos e os contactos efetuados (…) Referiu ainda que na sala do C.D.O.S. todos os alertas ou notícias de incêndios recebidos são tratados como novos incêndios, e que só depois da análise do S.E.P.N.A. é possível determinar se se trata de novos incêndios ou de meros reacendimentos de incêndios já preexistentes. Atividade de associação, esta, que in casu apenas foi realizada por volta do final de Outubro de 2013» [negrito nosso].

Por outro lado, não será nas condições atmosféricas – mudança súbita da direção do vento, provocando a correspondente mudança de direção das chamas do incêndio, com intensificação do fumo – fenómenos naturais, por todos conhecidos e, por todos previsíveis – que pretende ver a dita incompatibilidade, supostamente não ultrapassável.

Por fim, o fenómeno do reacendimento dos incêndios, realidade ao longo dos anos, na época de verão, recorrente e publicamente divulgada, não constitui novidade para ninguém e, por certo, também, não para o recorrente – pessoa que, anualmente, passava férias no país em período coincidente com a deflagração dos maiores fogos - sendo, como tal, por todos e, consequentemente, pelo mesmo, previsíveis. Ademais, as características do local onde foram ateados, quer quanto à respetiva orografia, quer quanto ao tipo de vegetação envolvente (gramíneas secas; arbustos rasteiros; pinheiros bravos; eucaliptos; carvalhos; cedros, entre outros), aliadas aos diversos pontos de ignição acionados, só podiam conduzir à previsibilidade que o recorrente – compreensivelmente, embora – teima em negar.

Apresenta-se, também nesta parte, esclarecedora a fundamentação de facto, quando, reportando-se às declarações do arguido B... sobre as possíveis consequências da sua conduta, consigna: «(…) este arguido referiu que tinha plena consciência do perigo causado pelos incêndios (…), quer para a floresta, campos agrícolas, animais, estradas, casas de habitação e demais estruturas implantadas nos locais, quer para as pessoas que aí residiam e iriam certamente combater os incêndios, conformando-se com a criação desse perigo. No entanto, embora tenha reconhecido que ponderou a hipótese de algumas dessas pessoas se lesionarem com gravidade por causa dos, ou mesmo falecerem, este arguido declarou que confiou que tal não sucederia, pois os bombeiros combateriam os incêndios cuidadosa e adequadamente».

Em suma, a falta de fundamento da alegação é manifesta.

Concluindo: Contrariado que resultou o alegado recurso a prova proibida; não tendo procedido, com referência aos pontos que se apresentaram em condições de ser sindicados, a impugnação da matéria de facto; inverificados que resultam os invocados vícios; não se detetando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, omissão relevante, juízos inconciliáveis, apreciações manifestamente irrazoáveis, tiradas ao arrepio do normal acontecer das coisas da vida; não ocorrendo violação de prova tarifada, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto.

f. A... [Enquadramento jurídico-penal dos factos]

Dissente o recorrente da sua condenação pela prática de todos, e cada um, dos crimes por que sofreu condenação, indicando como disposições violadas os artigos 274.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) e 285º, 137.º n.º 2 e 148º n.º 1 todos do Código Penal e artigo 3.º do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, isto no pressuposto de haver alcançado sucesso a preconizada alteração da matéria de facto, o que não foi o caso - [cf. pontos 58. e 59. das conclusões].

Porém, prossegue: «… pelo menos os crimes de homicídio e ofensas à integridade física devem ser afastados por, além do mais, inexistir, objetiva e subjetivamente, nexo de imputação da conduta ao resultado» - [cf. ponto 60 das conclusões].

Iniciemos por algumas passagens do acórdão, onde se diz:

«Regressando ao caso em apreço, apurou-se que os arguidos sabiam que existia a possibilidade de algumas das pessoas virem efetivamente a sofrer lesões particularmente dolorosas, a verem afetada de maneira grave a sua capacidade de trabalho, a correrem perigo de vida, ou mesmo a falecer em consequência dos incêndios que fizeram deflagrar, mas confiaram que tal não sucederia, mediante o cuidadoso combate do incêndio – ponto 71. da factualidade provada. Desta forma, julgamos que os arguidos representaram a possibilidade de ocorrer o resultado tipicamente previsto (morte ou lesão corporal de pessoas), mas agiram confiando que o mesmo não se verificaria, assim se integrando o elemento subjetivo subjacente às suas condutas nos quadros da negligência consciente.

(…)

Não podendo os arguidos ser punidos pela comissão de qualquer crime de homicídio doloso, importa convocar a norma do art. 285º do Código Penal, o qual exaspera a punição do crime de incêndio florestal – cometido pelos arguidos, como se disse – se dele resultar “morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa”.

Trata-se aqui de uma agravação pelo resultado, que consubstancia um crime agravado pelo evento ou preterintencional. Este verifica-se quando o agente pratica um facto doloso “querendo” produzir um resultado, mas o resultado que vem efetivamente a verificar-se ultrapassa aquilo que o agente quis.

Os crimes preterintencionais ou agravados pelo evento têm como pressupostos a existência de um crime fundamental doloso (…, in casu o crime de incêndio florestal); A verificação de um evento agravante, que não foi abrangido pelo dolo do agente, logo preterintencional; A existência de uma especial agravação da pena cominada pela fusão do crime fundamental doloso com o evento preterintencional, isto é, uma agravação que exceda a que teria lugar pelo simples concurso dos dois crimes; E a imputação do evento agravante ao agente pelo menos a título de negligência, em respeito ao princípio da culpa (art. 13.º Código Penal).

(…)

Assim sendo, no caso em apreço apurou-se a prática pelos arguidos de um crime fundamental doloso (o crime de incêndio florestal), e a verificação de um evento agravante (morte de quatro pessoas), que não foi abrangido pelo dolo que esteve subjacente às suas condutas, e que lhes é imputável a título negligente, como acima se referiu. Além disso, encontra-se tipicamente prevista a especial agravação da pena, na norma legal acima citada.

Resta, porém, determinar se esse evento agravante (morte de quatro pessoas) é ou não objetivamente imputável à conduta dos arguidos.

(…)

Apreciando novamente o caso em apreço, efetuando um juízo de prognose póstuma ou posterior, de cariz objetivo – assumindo a perspetiva do homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente/arguidos, com os conhecimentos concretos que estes dispunham naquela situação, julgamos ser de concluir que ambos (os arguidos) podiam perfeitamente prever que da conduta que praticaram (ocasionando várias ignições, em locais diferentes, naquelas condições de tempo, espaço e vegetação), resultaria com mediana probabilidade a morte e lesão corporal de alguém (sendo o fogo uma evidente fonte de risco, e o combate aos incêndios uma atividade intrinsecamente perigosa, o que os arguidos sabiam).

É, pois, de afirmar o nexo de causalidade entre a atuação dos arguidos e as mortes e lesões físicas ocorridas no combate aos incêndios que aquela desencadeou.

(…)

Ora, no caso sub iudice, julgamos ser manifesto que os arguidos criaram, e depois aumentaram, e muito, um risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica, ou seja, um risco para a vida e integridade física das pessoas que se movimentariam no âmbito territorial e temporal dos incêndios a que deram naturalisticamente origem, desde logo os bombeiros que necessariamente interviriam no combate ao fogo.

(…)

Do acabado de expor resulta, portanto, que se deve afirmar o nexo de imputação objetiva entre a conduta dos arguidos e os eventos ocorridos (as quatro mortes e as lesões corporais), o que, conjugado com o já acima referido quanto à imputação subjetiva (dolo quanto ao crime fundamental de incêndio florestal, e negligência consciente quanto ao resultado agravante), implica que devam ser considerados autores do crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, previsto e punido pelos arts. 274º, nº 1 e 2, al. a), e 285º do Código Penal.

(…)

Todavia, importa não esquecer que basta uma das quatro mortes para agravar o crime fundamental de incêndio florestal, subsistindo os restantes resultados verificados: três mortes e ofensa à integridade física de doze pessoas. Resultados estes objetiva e subjetivamente (a título negligente) imputáveis à conduta dos arguidos, como se disse, e todos eles previstos em tipos legais de crime – de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência.

Vejamos, assim, se os arguidos devem ou não ser considerados autores dessas infrações criminais.

O crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art. 137º, nº 1, do Código Penal, encontra-se sistematicamente situado no Capitulo I (crimes contra a vida) do Titulo I (crimes contra as pessoas) da parte especial do Código Penal. Estipula tal norma que “quem matar outra pessoa por negligência é punido (…)”, sendo certo que na hipótese de tal negligência se caracterizar como grosseira, a punição é a cominada no n.º 2.

(…)

Por seu turno, o crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto no art. 148º, n.º 1 do Código Penal, encontra-se sistematicamente situado no Capítulo III (crimes contra a integridade física) do Título I (crimes contra as pessoas) da parte especial do Código Penal. Estipula o referido tipo-de-ilícito que “quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido (…)”. Também aqui uma simples leitura de tal previsão legal permite concluir que o tipo em causa mais não é do que a punição, a título de negligência, da mesma conduta objetiva incriminada pelo tipo legal do art. 143º, n.º 1 do Código Penal – o crime de ofensa à integridade física simples. O único elemento diferenciador entre tais tipos de legais é, portanto, o elemento subjetivo que subjaz à conduta do agente.

(…)

Desta forma, a imputação de um facto a título de negligência encontra-se sujeita (além do limite imposto pelo princípio da tipicidade previsto no art. 13º do Código Penal) a uma dupla limitação. Por um lado, existe uma limitação de cariz subjetivo, a qual consiste, segundo a lição de Eduardo Correia (…), na possibilidade ou capacidade do agente, segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais (critério do homem concreto), de prever, ou prever corretamente, a realização do evento, ou seja, a sua capacidade de cumprir o dever de cuidado. Por outro lado, existe uma limitação objetiva, ou seja, a ocorrência do resultado deve ser previsível pelo agente, previsibilidade essa determinada de acordo com as regras gerais da experiência dos homens, novamente segundo Eduardo Correia.

Já o dever objetivo de cuidado está conexionado com certas atividades perigosas ou arriscadas, que são admitidas (ou seja, não proibidas) pela ordem jurídica desde que se observem certas regras ou preceitos de cautela.

Ainda de acordo com o pensamento do referido penalista, o fundamento da punição por negligência – que, segundo outros autores, se deve buscar na vontade de resultado, na vontade de violação do dever de cuidado, no pensamento de prevenção geral (Loeffer), na ideia (positivista) de personalidade naturalmente perigosa, ou na ideia de falta de receio, de leviandade (Exner), de falta de interesse (Engisch) do agente pelos resultados produzidos pelas suas atividades – reside no facto de o agente não ter querido, em face do conhecimento de que certos resultados são puníveis, preparar-se para – sempre que uma conduta que projeta seja adequada para os produzir – representar esses resultados (negligência inconsciente – art. 15º, al. b) do Código Penal) ou para os representar justamente (negligência consciente – art. 15º, al. a) do Código Penal). Por outras palavras, trata-se de uma omissão de vontade, ou de uma vontade ou determinação defeituosa, pelo que, neste sentido, a negligência é a negação do dolo. O dolo e a negligência estão, pois, numa relação de A e não-A. Mas existe ainda uma vontade que se junta a este não-A: a vontade que se traduz em não querer cumprir o agente o dever de autodeterminar a personalidade para permitir essa justa representação. Esta posição reconduz-se, assim, à conceção, deste autor, de culpa na formação da personalidade.

Além disso, importa salientar que alguns autores falam de uma negligência agravada, ou “culpa lata”, uma negligência qualificada ou grosseira, a qual deveria dar lugar, segundo alguma doutrina, a uma punição particularmente grave dentro dos quadros da negligência, ou mesmo a uma punição dentro da moldura penal dolosa, embora livremente atenuável. Tal punição mais gravosa resultaria da agravação da culpa decorrente do elevado teor de imprevisão ou da falta de cuidados elementares que qualquer pessoa respeitaria. Com Afirma Maia Gonçalves (…), trata-se de uma negligência temerária, no sentido do direito espanhol.

Entre nós, esta negligência agravada encontra-se prevista, além do mais, no tipo-de-ilícito do art. 137º, nº 2, do Código Penal.

Deste modo, regressando ao caso em análise, e relembrando o acima afirmado, a conduta de ambos os arguidos, agindo em coautoria, causou a morte dessas três restantes pessoas (além da quarta pessoa cuja morte agravou o crime de incêndio florestal), e lesionou a integridade física de doze outras pessoas. Verifica-se entre a conduta dos arguidos e esses eventos (…) os necessários nexos de imputação objetiva e subjetiva (a título negligente – negligência grosseira, atento o elevado grau de falta de cuidado elementar revelado pela conduta dos arguidos), pelo que se deverá concluir que devem ser considerados autores de:

- 3 crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo art. 137º, n.º 1 e 2, do Código Penal;

- 8 crimes de ofensa à integridade física por negligência, previstos e punidos pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal – devendo aqui ter-se em atenção que este crime é semi-público (n.º 4), e os ofendidos M... , N... , e O... declararam não desejarem procedimento criminal (…), o ofendido X... não apresentou queixa tempestivamente (…), e o XXX... não sofreu qualquer lesão. Os restantes oito ofendidos – P... , II... , JJ... , Q... , R... , T... , U... e V... – apresentaram queixa (…).

(…)

Para terminar, encontra-se ainda imputada ao arguido A... a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação, previsto e punido pelo art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, do D.L. nº 2/98, de 03-01.

Ora, sendo certo que o identificado arguido conduziu voluntariamente um ciclomotor (e não um motociclo …) na via pública sem ter habilitação para tal, dúvidas não há que cometeu a infração prevista no art. 3º, n.º 1, do D.L. n.º 2/98, de 03-01 (…)

(…).

Ora, no que respeita a todos os crimes aqui em questão (incêndio florestal, homicídio por negligência, ofensa à integridade física por negligência, e condução sem habilitação legal), é claramente diversa a sua abrangência e distintos os bens jurídicos tutelados – sendo certo que os crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência lesaram bens jurídicos pessoais de pessoas distintas (cf. art. 30º, n.º 3 do Código Penal). Desse modo, verifica-se concurso efetivo de infrações.

Além disso, divisam-se na conduta dos arguidos diversas e autónomas resoluções criminosas, quanto a esses diferentes ilícitos criminais. Ao invés, embora a conduta dos arguidos quanto à ignição de diversos focos de incêndio seja complexa, composta por vários atos, estes traduzem apenas a execução de uma resolução inicial de causar incêndio.

Deverão, pois, os arguidos ser punidos pela prática de todas as apontadas infrações (um crime de incêndio florestal, agravado pelo resultado, 3 crimes de homicídio por negligência grosseira, 8 crimes de ofensa à integridade física por negligência, e um crime de condução sem habilitação legal – este apenas o arguido A... ), em concurso efetivo».

Isto posto.

O tipo de ilícito dos crimes materiais negligente é constituído por três elementos, a saber: (i) a violação de um dever objetivo de cuidado; (ii) a produção do resultado típico; (iii) a imputação objetiva do resultado típico.

Significa, pois, que sempre que o crime exija para a sua consumação a produção de um determinado resultado material, imperioso se torna que ele derive de um comportamento humano e que entre a conduta e o resultado se estabeleça um nexo de causalidade.

 É o que decorre do artigo 10º, n.º 1 do C. Penal quando dispõe que quando o tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão da ação adequada a evitá-lo, exigindo-se, assim, uma relação de adequação entre a ação e o resultado, i. é, é necessário que o resultado possa ser objetivamente imputado à ação descuidadamente praticada.

Como escreve Germano Marques da Silva, o juízo de censura, nos crimes negligentes como nos crimes dolosos «representa a relação do agente com o facto injusto, enquanto lho imputa como seu e por isso que no dolo o facto é imputado ao agente enquanto previsto e querido (art. 14º) e na negligência lhe é imputado enquanto, embora não diretamente querido, era previsível e em razão dessa previsibilidade deveria o agente atuar com o cuidado a que está obrigado e é capaz para evitar a produção do facto injusto (art. 15º).

A representação, no dolo, refere-se ao facto que o agente intenta cometer; a previsibilidade, na negligência, ao facto que será cometido se o agente não atuar com o cuidado a que está obrigado e é capaz; o objeto da previsibilidade na culpa é o mesmo que o da previsão no dolo (…). Diferentemente, porém, do que sucede no dolo, a vontade na culpa não se dirige diretamente ao facto ilícito, não é a vontade do próprio facto e no facto, é uma vontade indireta, funda-se na omissão voluntária do dever».

Sobre a culpa negligente adianta o Autor «(…) pode definir-se como a atitude ético-pessoal de descuido ou leviandade do agente perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela respetiva ação ilícita negligente. O que, no juízo de culpa negligente, se censura ao agente é atitude pessoal de leviandade perante os bens jurídico-penais, que a sua ação, praticada descuidadamente, põe em risco de lesão; atitude ético pessoal esta que se materializa no facto praticado (…).

Como pressupostos específicos do juízo de culpa negligente, temos a previsibilidade subjetiva do perigo e a possibilidade de o agente ter cumprido o dever objetivo de cuidado.

Diferentemente da previsibilidade objetiva, que é pressuposto do ilícito negligente e que se determina por um critério objetivo, aqui, na previsibilidade subjetiva, como pressuposto do juízo de culpa negligente, o critério tem, necessariamente, de ser subjetivo-individual.

Previsibilidade subjetiva do perigo significa a possibilidade de o agente, segundo as suas capacidades individuais e as circunstâncias concretas em que a ação é praticada, ter previsto os perigos ou riscos da sua ação» - [cf. Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin”, Universidade Lusíada Editora, 2002, pág. 148 e ss].

Retomando o caso concreto ao nível da imputação objetiva, o acervo factual provado permite assentar na relação de adequação entre a ação e o resultado (morte e ofensa à integridade física) pois, para além de resultar demonstrado não se traduzir o reacendimento do «incêndio de Alcofra» num novo incêndio, diversamente do que diz o recorrente, não se verificou a «interrupção do nexo de causalidade».

Com efeito, «Os casos de interrupção da causalidade são aqueles em que à causa adequada posta pelo agente se sobrepõe uma outra causa igualmente adequada para produzir o evento, mas que não provém do mesmo agente, quer diretamente, quer como consequência da causalidade inicial.

Tais casos são aqueles em que a causa que produziu o resultado é outra e diversa, inteiramente independente da posta pelo agente, e causa só por si o resultado (…) a causa não se insere no nexo causal iniciado pelo agente» - [cf. Manuel Cavaleiro de Ferreira, “Lições de Direito Penal”, Parte Geral, Editorial Verbo, pág. 148 e ss.].

Ora, pese embora o esforço argumentativo do recorrente, as circunstâncias vertidas no ponto 130. dos factos provados não determinaram, muito menos de forma decisiva, os resultados produzidos, antes se inscrevem nas vicissitudes inerentes ao combate aos grandes fogos florestais (incêndios), combate, esse, que envolve, sempre, um risco muito considerável, designadamente para quem tem por missão combatê-los, aspeto que é do conhecimento comum e, consequentemente, também do recorrente.

É, a propósito, por demais, impressiva a resposta do Exmo. Procurador quando refere: «Na mesma linha, os supostos erros daqueles que combatem os incêndios são próprios de uma atividade que é conhecida por ser perigosíssima muito arriscada, executada em situações de grande tensão, provocada pela necessidade de atuar com muita rapidez, tendo em vista a proteção de áreas populacionais e bens de elevado valor, bem como para a defesa do próprio património ambiental, como aconteceu no caso dos incêndios ateados pelos arguidos, pelo que é natural que os soldados da paz se vejam obrigados a correr riscos e, que, por via disso, fiquem sujeitos a um maior perigo de lesões físicas, perante a urgência da defesa daqueles valores».

Por outro lado, sempre a necessidade do dito combate com os perigos inerentes, designadamente para as vítimas – no caso todos bombeiros, empenhados nas operações -, surge como consequência dos incêndios ateados pelos arguidos, não se traduzindo, como tal, numa causa inteiramente independente da pelos mesmos posta.

Também a previsibilidade objetiva do perigo para determinado bem jurídico e a não observância do cuidado objetivamente adequado a impedir o resultado típico, pressupostos pela violação do dever objetivo de cuidado, há-de ser aferida pelas regras da experiência em correlação com a espécie da ação praticada. «Portanto, o primeiro elemento a analisar, para efeitos de afirmação ou negação do tipo de ilícito negligente, é a previsibilidade objetiva do perigo, só se afirmando este elemento-pressuposto do ilícito negligente, quando a ação praticada aparecer, à pessoa consciente e cuidadosa, como suscetível de provocar um resultado desvalioso» [cf. Taipa de Carvalho, “Direito Penal”, Parte Geral, 2.ª Edição, pág. 525 e ss.].

Formulando, portanto, um juízo ex ante ou de prognose póstuma, reportado ao momento da ação- como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado-com referência às regras gerais da experiência comum aplicadas ao condicionalismo concreto do caso – destacando-se, v.g. as características do terreno, o tipo de vegetação, a época do ano, os diferentes pontos de ignição acionados, sendo, a respeito, elucidativo o ponto 19, que uma vez mais se transcreve: «Os focos de incêndio assim ateados pelos arguidos deflagraram em locais inseridos numa extensa zona florestal, em plena Serra do Caramulo, com condições favoráveis à propagação das chamas, dada a falta de acessos, o relevo irregular, em desfiladeiros ou encostas, com grandes declives, as condições climatéricas favoráveis, a continuidade de combustíveis arbustivos na horizontal e na vertical, e a falta de humidade no solo, características essas que eram do conhecimento dos arguidos» -, não há como negar, na situação em apreço – posto que, também, não ocorrem as hipóteses de “risco permitido, de “ações diminuidoras do risco”, de “risco normal da vida”, de “ações de auxilio arriscadas e falhadas”, as quais, pela ausência da violação do dever objetivo de cuidado, conduzem à exclusão do ilícito criminal negligente - o nexo de adequação entre a ação e as mortes/ofensas à integridade física verificadas, surgindo estas como consequência típica, normal e previsível, segundo as regras gerais da vida, dos grandes incêndios florestais, não assumindo relevância o facto de os eventos  mencionadas nos ponto 51 a 57. dos factos provados, tenham resultado de um reacendimento do incêndio [ocorrido em 29.08.2013], fenómeno que, como aduz o Ilustre Procurador, surge como «uma consequência habitual e natural dos incêndios, sendo, mesmo, como é do conhecimento comum, uma das principais causas de propagação e expansão dos fogos florestais», não comprometendo, em consequência, perante o condicionalismo descrito, a previsibilidade objetiva, cuja verificação, também, não resulta abalada em função de, relativamente a algumas vítimas, os ferimentos se tenham produzido na face plantar dos pés, desde logo porque a previsibilidade – no caso do crime de ofensa à integridade física por negligência - não tem de se dirigir à(s) concreta(s) zona(s) do corpo que virão a ser atingidas, depois porque mesmo envergando o uniforme destinado ao respetivo desempenho, inclusive o calçado, no combate a um incêndio de semelhante envergadura, quer quanto à extensão, quer quanto à intensidade, em solos com as características descritas no ponto 19. dos factos provados, não deixa de ser previsível uma eventual falência do material reservado à proteção de quem o combate, pois se assim não fosse sempre, em caso de combate a incêndios, por parte dos bombeiros, supostamente trajando o uniforme afeto, que lhes adviessem danos, seria de afastar a previsibilidade, já que os meios de proteção revelar-se-iam adequados a evitar, no seio deles, feridos e/ou mortos!

Em suma, em face do condicionalismo apurado, não tem fundamento falar em consequências imprevisíveis, anómalas, excecionais.

Por outro lado, tendo presente as circunstâncias concretas em que os incêndios foram ateados, o número de pontos de ignição acionados, o conhecimento que o recorrente tinha das já identificadas características dos locais em que os fogos deflagraram, era manifesta a possibilidade para o mesmo de ter previsto os perigos e/ou riscos da sua ação e, assim, as mortes e lesões físicas que vieram a ocorrer, em consequência da mesma, juízo que não resulta abalado pelo facto de o arguido/recorrente ter ingerido bebidas alcoólicas [ponto 1. dos factos provados], desde logo, como já acima se teve oportunidade de referir, por não resultar que a sua conduta antes, durante e após os factos, tenha, em função de tal ingestão, refletido qualquer limitação.

É, assim, de afirmar a culpa negligente.

Negligência grosseira?

De acordo com o ensinamento de Taipa de Carvalho «Seja consciente ou inconsciente, o certo é que, tal como na culpa dolosa, também a culpa negligente pode ser mais ou menos grave, podendo ir de um grau da culpa leve a um grau de culpa grosseira ou qualificada.

Em alguns tipos de crime negligentes, o legislador começa a autonomizar, dentro do conceito geral da culpa negligente, a negligência grosseira, como a espécie mais grave ou especialmente qualificada da culpa negligente. Assim, no art. 137.º -2, o legislador considera a negligência grosseira como causa de uma agravação modificativa da pena legal aplicável, em princípio, ao crime de homicídio por negligência.

(…)

A decisão sobre a existência, ou não, de negligência grosseira depende, naturalmente, das circunstâncias concretas do caso, relativas ao tipo de ilícito negligente praticado e à pessoa do respetivo agente.»

Sobre os fatores que podem fundamentar o juízo de negligência grosseira, aponta o Autor: «a especial relevância do bem jurídico lesado ou posto em perigo pela ação descuidada; a intensidade acrescida do perigo, ou seja, o forte (provável) risco de produção do resultado; o especial dever de cuidado, considerado o estatuto, a profissão ou as funções do agente.

Já quanto à localização categorial-sistemática da negligência grosseira, adianta: «… parece claro que esta releva, em primeiro lugar, no plano do tipo de ilícito, sendo, portanto, uma espécie qualificada do ilícito negligente. Mas também parece evidente que, para ter relevância no plano da agravação modificativa da pena (caso do art. 137.º-2) ou da “agravação” dentro do limite máximo da pena legal do crime negligente, o carácter qualificado ou grosseiro da negligência também tem de revelar uma acrescida atitude ético-pessoal de leviandade do agente, uma potenciada culpa negligente» - [op. cit., pág. 533].

Já Cavaleiro de Ferreira e Germano Marques da Silva perfilham o entendimento de que a negligência grosseira deve corresponder à culpa temerária, à omissão das cautelas mais elementares, a uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido.

Seja como for, mesmo para quem considere, também, implicar a mesma uma intensificação ao nível do tipo de ilícito, afigura-se-nos, à luz do acervo factual apurado no respeitante às condições climatéricas, às características do local de deflagração e expansão dos fogos [uma extensa zona florestal, em plena Serra do Caramulo, com condições favoráveis à propagação das chamas, dada a falta de acessos, o relevo irregular, em desfiladeiros ou encostas com grandes declives], à densificação e disposição de combustíveis arbustivos, ao número de ignições acionadas, tudo aspetos do conhecimento do arguido, ser de concluir, como o fizeram os julgadores, pela negligência grosseira, já por via da particular perigosidade da conduta, já em função da acentuada probabilidade do resultado, a que acresce uma incomensurável, e particularmente censurável, leviandade.

Concluindo, mostram-se presentes os elementos objetivos e subjetivos de todos os crimes pelos quais o arguido sofreu condenação, não merecendo, também nesta parte, censura o acórdão recorrido.

Não resultam, assim, violadas as disposições legais invocadas, designadamente os artigos 15.º, 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 285.º,137.º, n.º 2 e 148º, n.º 1, todos do C. Penal, tão pouco o artigo 3.º, nº 1 do D.L. n.º 2/98, de 3.01, bem como os artigos 121º, 125º e 148º do C. da Estrada, 3.º, nº 4 do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir.

g. [ B... e A... - Penas]

Não se conformam os recorrentes com as penas que lhes foram aplicadas.

Nesta sede, sem prejuízo de abordarmos, nos seus traços gerais, em comum a matéria transversal a ambos os recursos, importa, previamente, enfrentar alguns aspetos, tão só, suscitados pelo recorrente A... .

g. [ A... ]

g.a. [Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia]

Diz o recorrente A... enfermar o acórdão, por via da omissão de pronúncia, da nulidade do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, porquanto tendo optado pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa, no caso dos crimes de ofensa à integridade física por negligência e de condução sem habilitação legal, não teria fundamentado tal decisão.

Com efeito, «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» - [artigo 70.º do C. Penal].

Acontece, porém, não se haver o tribunal eximido ao dever legal decorrente da citada norma, antes, tendo discernido a propósito: «Verifica-se, portanto, uma alternativa entre penas principais de prisão e multa, pelo que urge recorrer ao disposto nos arts. 40º e 70º do Código Penal revisto, cujo regime determina que o Tribunal deverá conceder preferência à pena não privativa da liberdade sempre que, por seu intermédio, seja possível realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a saber: a proteção dos bens jurídicos e a integração do agente no meio social. Por conseguinte, tal atividade de escolha é determinada apenas e só por considerações de prevenção geral e especial.

Ora, no caso aqui em análise entendemos que as exigências de reafirmação contrafáctica das normas legais violadas, ou seja, de prevenção geral positiva ou de integração, exigem a aplicação aos arguidos de pena diversa da pecuniária, pois de outro modo a comunidade não confiará na validade das referidas normas de conduta. Além disso, a própria ressocialização dos arguidos não dispensa a aplicação de pena privativa da liberdade, considerando o desvalor de personalidade que ambos revelaram na prática dos factos, e mesmo a conduta posterior aos factos do arguido A... (não denotando qualquer arrependimento)», análise, esta, que dando execução aos parâmetros postos pela lei, contém suficiente concretização, não enfermando, assim, o acórdão da invocada nulidade.

Sempre se acrescentará mostrar-se a dita nulidade dirigida aos casos em que foi omitida pronúncia e não já àqueles outros em que se detete – o que não se nos afigura ocorrer – uma fundamentação menos exaustiva; essencial é, pois, que por intermédio da mesma se compreenda – como é o caso – os motivos que, no confronto com os critérios do legislador, determinaram o afastamento da pena não privativa da liberdade.

Interpretação normativa que não se alcança encerre qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação dos artigos 205º e/ou 32.º, n.º 1, ambos da CRP, porquanto não compromete a fundamentação em questão o controlo da correção material e formal da decisão por parte do respetivo destinatário, aspeto que, decorre, aliás, dos próprios termos do recurso.

g.b. [Do afastamento da pena de multa no que concerne aos crimes de ofensa à integridade física por negligência e de condução sem habilitação legal]

Reagindo à decisão enquanto afastou – quanto aos crimes de ofensa à integridade física por negligência e de condução sem habilitação legal – a aplicação da pena não detentiva, prossegue o recorrente A... : « … os critérios de prevenção geral, in casu não tem nem tiveram em concreto um reflexo na comunidade por si só que imponham pena de prisão», acrescentando no que à prevenção especial respeita. « … deveria ter sido dada relevância aos factos dados como provados em 91. e 96., que igualmente impunham opção pela pena não privativa da liberdade» - [cf. pontos 79. e 80. das conclusões].

Quanto à objeção em sede de prevenção geral positiva, no confronto com os ditos crimes, a regularidade com que se sucedem, a dimensão que assumem, designadamente ao nível da sinistralidade rodoviária, sem descurar o forte impacto na comunidade das ofensas à integridade física produzidas por via de condutas altamente desvaliosas, que tem vindo a repetir-se a um ritmo assustador e, simultaneamente, devastador, não se vê possa a mesma proceder, sendo premente, no caso, a reafirmação da validade das normas jurídicas em questão.

Por outro lado, não é o facto de o recorrente ter uma filha, ainda criança e, bem assim, a circunstância de ter apoio dos pais, que contraria o juízo no sentido de a sua própria ressocialização não dispensar a aplicação de pena privativa da liberdade atento o muito considerável desvalor de personalidade revelado na prática dos factos, não se detetando, no caso do recorrente, qualquer interiorização do mal dos crimes.

Com efeito, surgindo como um aspeto que não pode deixar de influenciar na avaliação da personalidade do agente, mal se compreende a alegação no sentido de que resultaria tal apreciação fator deturpador e contrário ao princípio do due process of law «na vertente da lealdade do procedimento criminal, bem como da estrutura acusatória do processo enquanto reconhecimento do arguido como sujeito processual a quem é garantida efetiva liberdade de atuação para exercer a sua defesa» - [cf. ponto 86 das conclusões]. É que no seio das exigências de prevenção especial de socialização ao juízo sobre as características da personalidade do agente, não é – nem pode ser - estranha a constatação pelo tribunal de que o arguido interiorizou, ou não, os maus efeitos do crime.

Nesta medida, não se vê que semelhante apreciação por parte do tribunal colida com o princípio do due process of law, máxime na vertente assinalada.

Conclui-se, pois, por não merecer censura o acórdão recorrido ao não ter optado pela aplicação da pena de multa, prevista em alternativa à pena de prisão, quanto aos crimes de ofensa à integridade física por negligência e condução sem habilitação legal.

h. [ A... / B... – Penas parcelares]

Reagem ambos os recorrentes às penas parcelares encontradas, considerando-as excessivas, desproporcionais à ilicitude e culpa decorrentes dos factos [recorrente A... ], defendendo o recorrente B... a redução das mesmas para medidas que se aproximem do respetivo limite mínimo e, assim, a substancial redução da pena única.

Vejamos.

Na apreciação das penas aplicadas, o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar prende-se com o disposto no art. 40.º do CP, segundo o qual toda a pena tem como finalidade «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa.

Vem a jurisprudência reiteradamente afirmando, seguindo a doutrina de Figueiredo Dias [Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 227 e ss], que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar”; será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social; quanto à culpa, para além do suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar - [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 24.04.2008 e de 16.10.2008, ambos sumariados in www.stj.pt.].

Isto dito, centremo-nos no caso concreto.

A cada um dos crimes corresponde a moldura penal abstrata de 4 a 16 anos de prisão (incêndio florestal agravado pelo resultado); de 1 mês a 5 anos de prisão (homicídio por negligência grosseira) e de 1 mês a 1 ano de prisão (ofensas à integridade física por negligência e condução sem habilitação legal).

Contudo, no caso do arguido/recorrente B... em consequência da aplicação do Regime Penal Especial para Jovens [D.L. n.º 401/82, de 23.09] foram as penas encontradas no seio da moldura especialmente atenuada, situando-se, assim: de 9 meses e 18 dias a 10 anos e 8 meses de prisão (crime de incêndio florestal agravado pelo resultado); de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão (cada um dos crimes de homicídio por negligência grosseira); de 1 mês a 8 meses de prisão (cada um dos crimes de ofensa à integridade física por negligência).

A propósito, depois de se decidir pela aplicação – a ambos os arguidos - da pena de prisão relativamente a todos os crimes e de expor os princípios norteadores que regem em matéria de determinação da medida da pena, discerniu o tribunal:

«Cada um desses princípios regulativos tem subjacente um substrato, ou seja, um conjunto de circunstâncias relativas ao facto e ao agente (não taxativamente previstas no art. 71º, n.º 2 do Código Penal), que auxiliam o julgador nesta árdua tarefa de determinação do quantum concreto da pena. Tais circunstâncias, sendo umas relevantes por via da culpa, outras por via da prevenção, e grande parte delas ambivalentes, devem ser investigadas e sopesadas pelo julgador, à luz dos referidos princípios regulativos, e respeitando o princípio da proibição da dupla valoração, de forma a concluir pela aplicação de uma pena concreta ao agente.

Assim, pondera-se a favor do arguido B... a sua modesta condição socioeconómica e reduzida instrução, o facto de não ter qualquer antecedente criminal, o facto de ter apoio familiar, e o facto de ter cooperado com a realização da Justiça, designadamente confessando em sede de audiência de julgamento, e de forma espontânea e quase integral, a prática dos factos de que vinha acusado, o que denota sincero arrependimento, que de certa forma diluiu o desvalor de personalidade revelado no momento da prática dos factos. Cooperação esta especialmente relevante no caso em apreço, que permitiu não apenas esclarecer o sucedido, mas também determinar os autores das infrações-factos que, de outro modo, muito provavelmente não teriam sido esclarecidos.

Em desfavor do arguido B... , pondera-se a ilicitude da sua conduta (sublinhando-se o elevadíssimo desvalor do resultado, atendendo aos danos pessoais e patrimoniais verificados), e o seu carácter doloso/negligente (consoante os crimes), o facto de não dispor de um projeto de vida minimamente consistente e de ocupação profissional, e ainda as elevadíssimas exigências de prevenção geral positiva sentidas neste tipo de crimes, exigindo maior esforço no sentido da reafirmação contrafáctica da validade das normas violadas. De facto, é do conhecimento geral e comum o flagelo que constituem os incêndios florestais no nosso país, com graves consequências pessoais e patrimoniais, que importa combater, sobretudo quando são originados por condutas humanas voluntárias.

Por seu turno, beneficiando o A... , pondera-se apenas o facto de ter apoio familiar.

Em seu desfavor (do arguido A... ), pondera-se a ilicitude da sua conduta (sublinhando-se o elevadíssimo desvalor de resultado, atendendo aos danos pessoais e patrimoniais verificados), e o seu carácter doloso/negligente (consoante os crimes), o facto de não dispo de um projeto de vida minimamente consistente e de ocupação profissional certa e estável, os vários antecedentes criminais que ostenta, e ainda as já referenciadas exigências de prevenção geral positiva sentidas neste tipo de crimes. Não se pode ainda olvidar o elevadíssimo desvalor de personalidade manifestado por este arguido, não só no momento em que agiu (denotando significativa indiferença pelos valores lesados, estruturantes da vida em sociedade), mas também posteriormente à prática dos factos, procurando apenas escapar à sua responsabilidade, não assumindo qualquer culpa ou ato, exteriorizando uma incompreensível e intolerável frieza e insensibilidade perante as consequências da sua conduta. Foi essa a sua postura ao longo de todo o processo, e também na audiência de julgamento, pelo que se trata de facetas que necessariamente caracterizam a sua personalidade desviante.

Ponderando globalmente estes fatores, no modo acima descrito, consideram-se ajustadas ao arguido B... as seguintes penas:

- pena de 7 anos de prisão para o crime de incêndio florestal agravado pelo resultado;

- três penas de 2 anos de prisão, uma para cada um dos três crimes de homicídio por negligência grosseiro;

- oito penas de 4 meses de prisão, uma para cada um dos oito crimes de ofensa à integridade física por negligência.

Já para aplicação ao arguido A... elegem-se as seguintes penas:

- pena de 11 anos de prisão para o crime de incêndio florestal agravado pelo resultado;

- três penas de 3 anos de prisão, uma para cada um dos três crimes de homicídio por negligência grosseiro;

- oito penas de 6 meses de prisão, uma para cada um dos oito crimes de ofensa à integridade física por negligência;

- pena de 8 meses de prisão para o crime de condução sem habilitação».

h.a. [ A... ]

Às penas assim encontradas contrapõe o recorrente A... : (i) A circunstância de, quanto à ilicitude da conduta e desvalor do resultado, não haverem sido ponderados «inúmeros fatores», ocorridos entre a conduta inicial de atear o incêndio e as ofensas e mortes, que teriam contribuído de forma decisiva para a verificação e agravamento dos danos pessoais verificados; (ii) O facto de, para efeito da medida da pena, a ser considerada, deveria ser, tão só, a negligência simples; (iii) A falta de fundamento, em face do teor dos factos dados como provados de 88 a 90, da conclusão no sentido da ausência de um projeto de vida; (iv) A imponderação da circunstância de os seus antecedentes criminais se traduzirem em condenações ocorridas há vários anos e, de qualquer modo, por diferentes tipos de crimes, não coincidindo, sequer, quanto à tutela dos bens jurídicos, repudiando - uma vez mais - a avaliação que da sua personalidade, também com referência à constatação da não interiorização dos maus efeitos dos crimes, foi levada a efeito.

O último aspeto já acima foi objeto de tratamento pelo que não o retomaremos.

No que respeita à ilicitude da conduta e ao desvalor do resultado, não cremos que sejam de valorizar as circunstâncias invocadas pelo recorrente, pois que não resultou demonstrado haverem as mesmas contribuído de forma relevante – muito menos decisiva, como afirma - para a verificação e/ou agravação dos danos, traduzindo, antes, um complexo de fatores, em maior ou menor grau, sempre presentes e sistematicamente convocados na época de incêndios, ocasião em que se reacendem, vindo a público, as divergências entre os vários organismos/organizações responsáveis e envolvidos no combate aos fogos florestais; as imputações de culpas recíprocas sobre a falta de coordenação entre os vários protagonistas; a desadequação dos meios a um combate eficaz; a deficiente preparação/formação dos agentes, tudo aspetos que nada de novo trazem, como também não o trazem as «altas temperaturas», «os ventos fortes», as «dificuldades acrescidas de acesso» em função das características do solo e demais desventuras da natureza, aqueles e estes – nem sempre com a mesma intensidade, reconhece-se – de todos conhecidos e, como tal, por todos previsíveis. Revela-se, pois, de todo ajustada a apreciação do tribunal a quo, enquanto, reportando-se à ilicitude, sublinha, atendendo aos danos pessoais e patrimoniais verificados, o elevadíssimo desvalor do resultado. Para tanto, basta atentar, para além, dos danos pessoais, na extensa área de floresta ardida, em parte também ocupada por espaços agrícolas; no considerável montante dos prejuízos originados; nas áreas, populações, casas de campo, habitações, animais, colocados em perigo com a grande aproximação do fogo [cf. vg. os pontos 48., 49., 50. dos factos provados].

Não desprezível, a reiteração da ação de atear os fogos, que não se quedou por um único foco de incêndio – foram ateados oito focos de incêndio -, circunstância demonstrativa de um grau de «inconsciência», de uma leviandade, que nos dispensamos de adjetivar.

Relevante, ainda, o dolo direto e, bem assim, a negligência consciente, consoante os tipos de crime em questão, sendo que, em momento algum, resulta haver o carácter grosseiro da negligência, considerado ao nível do enquadramento jurídico - penal dos factos, pontificado nesta sede, como, ademais, sempre, em função de, no caso, determinar uma agravação modificativa da pena legal aplicável, estaria vedado em relação ao crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 2 do C. Penal, mas não já quanto ao crime de ofensa à integridade física por negligência, no seio do qual, o carácter grosseiro da negligência pode/deve ser tido em conta para a determinação da medida da pena – cf. artigo 71.º do C. Penal, enquanto manda atender à “intensidade da negligência”.

Também, com acerto, surge a ponderação do «elevadíssimo desvalor de personalidade manifestado por este arguido, não só no momento em que agiu (denotando significativa indiferença pelos valores lesados, estruturantes da vida em sociedade), mas também posteriormente à prática dos factos, procurando apenas escapar à sua responsabilidade, não assumindo qualquer culpa ou ato, exteriorizando uma incompreensível e intolerável frieza e insensibilidade perante as consequências da sua conduta», postura que assumiu «ao longo de todo o processo, e também na audiência de julgamento», aspetos «que necessariamente caracterizam a sua personalidade desviante».

Em matéria de antecedentes criminais, não podiam os mesmos deixar de influenciar a medida das penas [artigo 71.º, n.º 2, alínea e) do C. Penal], sendo certo que se reportam, respetivamente a «um crime de furto com recurso a violência física voluntária», a «um crime de acesso fraudulento a uma rede de internet sem fios» e, finalmente, a «crimes de condução em estado de embriaguez e sem carta de condução válida (…) e recusa a obedecer às injunções dos agentes», constatando-se, assim, haver o recorrente «reincidido» na prática do crime de condução sem habilitação legal, não deixando, todas elas, de relevar ao nível da prevenção, demonstrativas, que são, das necessidades de socialização.

Os factos provados inscritos nos pontos 88. a 95. não contrariam o juízo de não dispor o arguido de «um projeto de vida minimamente consistente e de ocupação certa e estável»; pelo contrário, sustentam-no já quando realçam a situação de desempregado em que se encontrava antes da reclusão, já quando apontam para um percurso errático de vida, no âmbito do qual não se deteta, num passado próximo, uma atividade profissional contínua e duradoura.

Se a tudo isto, aliarmos as elevadíssimas exigências de prevenção geral sentidas nestes tipos de crime – incêndio florestal, com consequências, pessoais e patrimoniais, devastadoras – como as verificadas -, a frequência com que se vem repetindo, afetando, de forma drástica, a natureza, com reflexos negativos que não deixam de se repercutir, também, sobre gerações vindouras, comprometendo, necessariamente, por via da afetação do bem comum, a qualidade de vida de todos, impõe-se – sobretudo, como evidencia o acórdão, quando provocados por condutas humanas voluntárias – uma resposta adequada, no caso vigorosa, que reafirme a validade das normas jurídicas violadas por forma a que na comunidade em geral – também ela fortemente afetada por crimes de semelhante natureza – não se instale a descrença nas mesmas.

Decorre, contudo, dos factos beneficiar o recorrente de apoio familiar, ter uma filha, ainda, criança e já haver trabalhado por conta própria em reparação de automóveis e com os pais num restaurante – por estes explorado -, significando, por conseguinte, não se revelar o mesmo despojado de experiências de trabalho, aspeto que merece ser ponderado na medida em que – acredita-se – influenciará positivamente as exigências de socialização.

Por outro lado, não contrariando as considerações tecidas quanto aos respetivos antecedentes criminais, afigura-se-nos não ser de desprezar o lapso temporal decorrido desde as condenações, nenhuma delas em pena de prisão efetiva, não resultando, pois, que em data anterior à sua prisão à ordem dos presentes autos, haja experimentado qualquer tempo de reclusão.

 São circunstâncias que não afastando as carências de socialização, de algum modo as atenuam, crendo-se que satisfazem as exigências de prevenção, a aplicação das seguintes penas:

- 10 [dez] anos de prisão pelo crime de incêndio florestal agravado pelo resultado;

- 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão por cada um dos três crimes de homicídio por negligência grosseira;

- 5 [cinco] meses de prisão por cada um dos oito crimes de ofensas corporais negligentes;

- 8 [oito] meses de prisão para o crime de condução sem habilitação legal – pena aplicada e que se revela ajustada, tendo em conta a condenação já sofrida por idêntico crime.

h.b. [ B... - Penas parcelares]

Entende, por seu turno, o recorrente B... que, por via, no essencial, da confissão dos factos; da postura de colaboração assumida ao longo de todo o processo; da relevância que, para a descoberta da verdade, tiveram as suas declarações; do arrependimento manifestado e das respetivas condições pessoais, pecam por excesso as penas parcelares que lhe foram aplicadas, antes, devendo: quanto ao crime de incêndio florestal agravado pelo resultado situar-se não acima dos 5 anos de prisão; no que ao crime de homicídio com negligência grosseira concerne em 1 ano de prisão [por cada um dos três crimes] e no que às ofensas à integridade física por negligência respeita em 2 meses de prisão [por cada um dos oito crimes].

As considerações acima tecidas [a respeito do recurso do A... ] a propósito das fortíssimas exigências de prevenção geral positiva, do elevadíssimo grau de ilicitude, da intensidade do dolo e da negligência, do grau de perigo causado para bens pessoais e patrimoniais, do montante consideravelmente elevado dos prejuízos causados, da repercussão das condutas no bem comum, são circunstâncias a ponderar no caso do ora recorrente.

Embora os aspetos por si invocados tenham sido valorados em seu benefício, projetando-se na avaliação da sua personalidade, diluindo o desvalor revelado no momento da prática dos factos, crê-se, contudo, deverem influenciar as penas parcelares de um modo um pouco mais significativo.

Efetivamente revelou-se assaz valiosa a cooperação do recorrente no decurso do processo e, bem assim, em audiência de discussão e julgamento, permitindo, como o tribunal a quo reconhece, «não apenas esclarecer o sucedido, mas também determinar os autores das infrações – factos que, de outro modo, muito provavelmente não teriam sido esclarecidos», circunstância que aliada aos demais aspetos ponderados - quer contra si, quer em seu benefício -, levam a que se tenham por adequadas as seguintes penas, especialmente atenuadas, em consequência de haver beneficiado do Regime Penal Especial para Jovens:

- 6 [seis] anos de prisão pelo crime de incêndio florestal agravado pelo resultado;

- 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão, por cada um dos três crimes de homicídio por negligência grosseira;

- 3 [três] meses de prisão, por cada um dos oito crimes de ofensa à integridade física por negligência.

i.  [ A... / B... - Pena conjunta]

Por via da alteração operada relativamente às penas parcelares aplicadas aos arguidos impõe-se reformular o cúmulo jurídico.

Na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares» [cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

Traçadas, no essencial, as coordenadas relevantes na matéria, vejamos, então, o caso concreto.

Com vista a alcançar a pena conjunta há que considerar as seguintes penas parcelares:

A... :

- 10 [dez] anos de prisão (crime de incêndio florestal agravado pelo resultado);

- 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão (por cada um dos três crimes de homicídio por negligência grosseira);

- 5 [cinco] meses de prisão (por cada um dos oito crimes de ofensas corporais negligentes);

- 8 [oito] meses de prisão (crime de condução sem habilitação legal).

B... :

- A pena de 6 [seis] anos de prisão (crime de incêndio florestal agravado pelo resultado);

- A pena de 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão (por cada um dos três crime de homicídio por negligência grosseira);

- A pena de 3 [três] meses de prisão (por cada um dos oito crimes, de ofensa à integridade física por negligência).

Significa, pois, à luz do n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, que a moldura penal abstrata a atender para efeitos do concurso de crimes, no seio da qual há-de ser encontrada a pena conjunta, se situa:

- Entre um limite mínimo de 10 [dez] anos de prisão (correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos vários crimes em concurso) e um limite máximo de 22 (vinte e dois) anos [resultante da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes], no caso do arguido A... ;

- Entre um limite mínimo de 6 [seis] anos de prisão [correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos vários crimes em concurso] e um limite máximo de 13 (treze) anos [resultante da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes], no que ao arguido B... respeita.

Pretendendo-se com a fixação da pena conjunta sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo seu conjunto enquanto tradutor da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso, na determinação da mesma importa averiguar se ocorre ou não conexão entre os factos em concurso, se existe ou não, qualquer relação entre uns e outros, indagar da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente, com vista à obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos … de modo a decidir se o ilícito global é ou não produto de uma tendência criminosa do agente e a fixar a medida concreta da pena dentro da moldura do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que a pena irá exercer sobre ele – [cf. Acórdão do STJ de 27.06.2012, Proc. n.º 151/08.3PAGDM – A.S1].

Na situação em apreço, na concretização dos elementos determinadores da pena conjunta – os factos e a personalidade do agente, considerados no seu conjunto como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado - é de ponderar tratar-se de um complexo delituoso integrado por treze [ A... ] e doze crimes [ B... ], exceção feita ao de condução sem habilitação legal imputado ao arguido A... , numa estreita relação, surgindo os demais em consequência da primeira ação [incêndio florestal agravado pelo resultado], extremamente desvaliosa, culminando na ofensa à vida [quatro mortos] e à integridade física [oito feridos], não se distanciando uns dos outros de forma relevante.

A medida da gravidade do ilícito global apresenta-se muito elevada quando se considera a repetição dos atos de ignição do incêndio, a respetiva dimensão, a grandeza das consequências, pessoais e patrimoniais, devastadoras, mesmo.

O desvalor da personalidade revelado no momento da prática dos factos é muito acentuado, pese embora, no caso do arguido B... , a colaboração espontânea, de extrema relevância ao longo de todo o processo - contribuindo, assim, de forma muito significativa para a descoberta da verdade - aliada ao arrependimento, aponte para a interiorização do mal dos crimes, o mesmo não sucedendo com o arguido A... .

Relevante, ainda, os antecedentes criminais do arguido A... e a ausência de condenações por parte do arguido B... , sendo possível, quanto a este, formular um juízo de pluri-ocasionalidade, o qual não encontra sustentação no que respeita ao A... , detetando-se, no mesmo, uma propensão para a prática de crimes.

É, porém, de realçar, no caso do arguido B... , como aspetos que surgem a reforçar as necessidades de ressocialização, a débil inserção social, alguns hábitos aditivos e a desocupação profissional.

 Em suma, tendo presente que a medida da pena conjunta, respondendo a exigências de prevenção geral – no caso elevadíssimas -, não pode deixar de ser perspetivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente, têm-se por adequado fixá-la em 16 [dezasseis] anos de prisão no caso do arguido A... e em 9 [nove] anos e 6 [seis] meses de prisão no que respeita ao arguido B... , penas estas, que não excedendo, de modo algum, a respetiva culpa, ainda assim, se nos apresentam capazes de satisfazer suficientemente as exigências de prevenção geral positiva, atendendo, tanto quanto possível, aos interesses de ressocialização.

III. Decisão

Termos em que, acordam os juízes que compõem este tribunal:

I.

a. Julgar improcedente o recurso intercalar interposto pelo arguido A... ;

b. Condenar o recorrente em custas, com 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça [artigos 513.º, 514.º do CPP e 8.º do RCP].

c. Julgar parcialmente procedente o recurso do acórdão final interposto pelo arguido A... e, em consequência;

Condenar o arguido A... :

d. Como autor material de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, p. e p. pelos artigos 274.º, nº 1 e 2, al. a), e 285.º do C. Penal, na pena de 10 [dez] anos de prisão;

e. Como autor material de três crimes de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 2, do C. Penal, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, por cada um deles;

f. Como autor material de oito crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 5 [cinco] meses de prisão, por cada um deles;

g. Como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

h. Condenar o arguido, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena conjunta de 16 [dezasseis] anos de prisão;

i. Revogar, em correspondência com o disposto supra, o acórdão recorrido.

Sem tributação.

II.

a. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto do acórdão final pelo arguido B... e, em consequência:

 Condenar o arguido B... :

b. Como autor material de um crime de incêndio florestal agravado pelo resultado, p. e p. pelos artigos 274.º, nº 1 e 2, al. a), e 285.º do C. Penal, na pena especialmente atenuada de 6 [seis] anos de prisão;

c. Como autor material de três crimes de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 2, do C. Penal, na pena especialmente atenuada de 1 [um] ano e 8 [oito] meses de prisão, por cada um deles;

d. Como autor material de oito crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1, do C. Penal, na pena especialmente atenuada de 3 [três] meses de prisão, por cada um deles;

e. Condenar o arguido B... , operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena conjunta de 9 [nove] anos e 6 [seis] meses de prisão;

f. Revogar, em correspondência com o disposto supra, o acórdão recorrido;

Sem tributação.

Coimbra, 7 de Outubro de 2015

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)


[1] Proferido no processo nº 31/01.3IDCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.