Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO | ||
Descritores: | CUSTAS PROCESSUAIS. CAUSAS DE VALOR SUPERIOR A €275.000 00. REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA. | ||
Data do Acordão: | 05/15/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JC CÍVEL DE LEIRIA – J4 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 3º, 6º E 9º DO RCP (REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS) | ||
Sumário: | I – O Regulamento das Custas Processuais (RCP) consigna que as custas processuais abrangem “a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (artº 3º, nº 1), dispondo no nº 1 do seu art.º 6º: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
II - No n.º 7 desse art.º 6º consigna-se: “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”. III - Na verdade, o citado n.º 7º do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais visa atenuar, antes do termo da causa, a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de maior valor e está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I: O referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final. IV - Nestes casos, os sujeitos processuais pagarão inicialmente o valor correspondente a uma ação de valor entre 250.000€ e 275.000€, mas o juiz poderá dispensar o pagamento do remanescente, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tendo em vista, além do mais, os critérios constantes do n.º 7 do artigo 530.º do CPC -artigo 6.º, n.º 7, do RCP. V - Ou seja, o que sucede é que a lei, no que respeita às causas de valor superior a (euro) 275.000, não exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, dispensando, temporariamente, o pagamento da taxa que corresponde ao montante que excede os €275.000, mas como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar será depois exigido. VI - A maioria da jurisprudência vai em sentido de que as partes, mais a mais quando representadas por profissionais do foro, têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o art.º 6º, n.º 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra
Proc.º n.º 3582/16.1T8LRA-B.C1 1.-Relatório 1.1.-Na presente ação a requerente C... – Instituição Financeira de Crédito S.A. veio requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, subsidiariamente, se assim não for entendido, reduzir parcialmente o remanescente da taxa de justiça que se mostre devido em percentagem não inferior a 90%. 3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.). A questão em apreço consiste em saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue o requerimento apresentado como não extemporâneo. O Regulamento das Custas Processuais (RCP) consigna que as custas processuais abrangem “a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (artº 3º, nº 1), dispondo no nº 1 do seu art.º 6º: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”. No n.º 7 desse art.º 6º consigna-se: “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”. Na verdade, o citado n.º 7º do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, visa atenuar antes do termo da causa a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de mais valor e está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I (já mencionada atrás): O referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final. Nestes casos, os sujeitos processuais pagarão inicialmente o valor correspondente a uma ação de valor entre 250.000€ e 275.000€, mas o juiz poderá dispensar o pagamento do remanescente, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tendo em vista, além do mais, os critérios constantes do n.º 7 do artigo 530.º do CPC - artigo 6.º, n.º 7, do RCP (VERR). Ou seja, o que sucede é que a lei, no que respeita às causas de valor superior a (euro) 275.000, não exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, dispensando, temporariamente, o pagamento da taxa que corresponde ao montante que excede os €275.000, mas, como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar, será depois exigido. A questão em apreço não é pacífica. Na verdade, não desconhecemos que já se tem entendido que a dispensa em causa pode ser requerida pelas partes depois de estas serem notificadas da conta de custas (cfr. neste sentido Acs. do TCAS de 29.05.2014 e de 26/2/2015, relatados por Pedro Marchão Marques, onde se refere que “não se vêem razões preponderantes” para que a decisão deva ser tomada antes da elaboração da conta e que “será após a elaboração da conta, momento processual em que se fica a conhecer o valor exacto dos montantes em causa, que o juiz inclusive melhor poderá decidir”). Porém, ao que sabemos, a maioria vai em sentido oposto, referindo que as partes, mais a mais quando representadas por profissionais do foro, têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o art.º 6º, n.º 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta (cfr. neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 15/10/2015, proc.º n.º 6431-09.3TVLSB-A-L1-6, relatado por António Martins; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20/10/2015, proc.º nº 0468/15, da 1ª Secção; de 29/10/2014, proc.º nº 0547/14, da 2 Secção; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16/12/2015, proc. nº 09173/15 CT- 2.º Juízo; Ac. do T. R. Lisboa de 16.06.2015, proc.º n.º 2264/06.7TVLSB-A-L1-1relatado por Afonso Henriques; Ac. do STA de 29.10.2014, proc.º n.º 547/14, relatado por Aragão Seia; Ac. Rel. de Lisboa de 19 de Maio de 2016, proc.º n.º 670/14.2T8CSC.L1-2 , relatado por Ondina Carmo Alves, no qual cita no mesmo sentido (Ac. R.C. de 03.12.2013. Pº 1394/09.8TBCBR.C1); Acs.R.L. de 16.6.2015 (Pº 2264/06.7TVLSB-A.L1-1), de 15.10.2015, (Pº 6431-09.3TVLSB-A.L1-6) e ainda no Ac. R. L. de 28.04.2016 (Pº 473/12.9TVLSB-C.L1), n.º 670/14.2T8CSC.L1-2 in www.dgsi.pt.). Neste sentido parece ir também Salvador da Costa, ao referir no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/10/2015, proc.º n.º 0468/15, da 1ª Secção, que «(…) A parte sabe que tem que pagar o remanescente e sabe o valor da causa pelo que, se o juiz não usou oficiosamente da possibilidade de, no momento da decisão decidir a referida dispensa, a parte deve fazê-lo em sede de pedido de reforma de custas». Aliás, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201, refere que “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas”, e mais à frente, págs. 354 e 355, refere ainda que“Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados”. Saliente-se que quanto a esta questão o TC teve oportunidade de se pronunciar recentemente, decidindo no Ac. 527/16: Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas. Aderimos a esta posição, porquanto se é verdade que o art.º 6, mormente o n.º 7, do RCP não se prevê, expressamente, o momento em que as partes podem requerer ao juiz a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mas da sua adequada interpretação resulta que a decisão do juiz – ainda que oficiosa - deve ser anterior à elaboração da conta a final, para nesta poder ser considerado e incluído – ou não – o remanescente da taxa de justiça. Temos para nós que a interpretação literal da norma em causa não dá acolhimento à tese da apelante de que nada obstaria a que pudessem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, depois de notificadas da conta de custas. Nem se diga que o elemento literal não concorre para o sentido da decisão recorrida, na medida em que a letra da norma alude a “dispensar o pagamento” e “só se pode dispensar de pagar o que se mostrar liquidado”. Tal argumentação não prova nada, pois parte dum pressuposto não demonstrado, a necessidade de liquidação. Aliás, que não é necessário a liquidação para o pagamento da taxa de justiça prova-o o facto das partes pagarem a taxa de justiça, sem qualquer liquidação da secretaria, mas apenas tendo em conta o valor da ação. Mas além da interpretação literal da norma, a interpretação resultante da unidade do sistema jurídico e a que se impõe atender, como expressamente se preceitua no art.º 9º do Código Civil, não só cauciona a interpretação que advogamos, como afasta a tese da apelante. Na verdade, a taxa de justiça – que corresponde a um montante devido pelo impulso processual e que é fixada em função do valor e complexidade da causa (cfr. art.º 6º nº 1, do RCP e art.º e art.º 529º nº 2, este do CPC 2013) – é em princípio paga em uma ou duas prestações (cfr. nºs 1 e 2 do art.º 14º), prevendo-se expressamente que “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do artigo 6º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo” (cfr. nº 9 do art.º 14º). A adequada interpretação desta última norma citada, nº 9 do art.º 14º, afigura-se-nos ser no sentido de que a notificação para efetuar o pagamento já pressupõe que haja decisão sobre se deve ou não ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do art.º 6º e, consequentemente, que as partes já tenham suscitado a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao tribunal, o que podem fazer em qualquer altura dos autos, logo que considerem que estes fornecem os elementos necessários à ponderação exigida ao juiz pela norma em causa. Aliás, em última análise, face à notificação da decisão que ponha termo ao processo, a parte está em condições, por ter então todos aqueles elementos necessários – máxime “a quantidade e complexidade de todo os atos processuais e diligências praticadas pelos tribunais”. Assim, temos para nós que do art.º 6º, nº 7, do RCP e da interpretação conjugada dos demais preceitos analisados, decorre que a pretensão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulada pela parte – caso não seja conhecida antes oficiosamente pelo juiz, nomeadamente quando da prolação da sentença - em momento anterior à elaboração da conta de custas. Na verdade, não é minimamente correto afirmar-se que só após a elaboração da conta é que se fica a conhecer o valor exato dos montantes em causa e que só nessa altura podem as partes concluir que são exorbitantes. Com efeito, caso não tenha sido determinado, oficiosamente pelo juiz, na sentença, a dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 7 do art.º 6º do RCP, quando da notificação da decisão final, a parte condenada em custas tem todos os dados para saber qual a taxa de taxa de justiça que será então devida e que será incluída na conta de custas, porquanto tal taxa de justiça tem então necessariamente por referência o valor da ação e a tabela I-A anexa ao RCP (cfr. parte final do nº 1 do art.º 6º do RCP). Por outro lado, tendo presente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no art.º 130º do CPC vigente, segundo o qual “não é lícito realizar no processo atos inúteis”, tendo as partes todos os dados de facto necessários para poderem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça antes da elaboração da conta, até porque esta só é elaborada depois do trânsito em julgado da decisão final (cfr. art.º 29º nº 1), constituiria um ato perfeitamente inútil elaborar-se a conta de custas, para depois ser dada sem efeito – ou ser mandada reformar – na sequência de requerimento da parte, o qual podia ter sido apresentado antes da elaboração da conta. Aliás, não podemos deixar de considerar, dado ao preceituado no art.º 9º, nº 3 do Código Civil, nos termos do qual o interprete da lei deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, que se o propósito do legislador fosse permitir que a reclamação da conta pudesse ser usada para efeitos de se poder requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não deixaria de o ter consagrado, na disposição do art.º 31º, na sequência das alterações introduzidas no RCP, pela Lei nº 7/2012. Como fez quanto ao pagamento da taxa de justiça, prevendo um momento próprio para o remanescente devido pela parte que não é condenada a final (cfr. nº 9 do art.º 14º). Assim, face ao exposto não vemos razão para alterar a decisão recorrida, até porque a mesma não violou qualquer preceito legal, mormente o n.º 7 do art.º 6.º e n.º 9 do art.º 14.º, ambos do Regulamento das Custas Processuais; 4. Decisão Nestes termos, julga-se improcedente o recurso mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Coimbra, 15/5/2018. (Pires Robalo – Relator) (Sílvia Pires – adjunta) (Jaime Ferreira – adjunto) |