Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2215/05.6TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
UNIÃO DE FACTO
RENDIMENTO
FUNDO DE GARANTIA
Data do Acordão: 05/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3.º, N.º 2 DO DL 164/99, DE 13/05; LEI 75/98 DE 19/11; ART. 1576.º DO CC
Sumário: 1. Na fixação de alimentos devidos a menor é de ter em conta, para efeitos do cálculo dos rendimentos auferidos pelo agregado familiar em que se insere a menor, os auferidos pelo companheiro da mãe.

2. Para se chegar à capitação prevista no artigo 3.º, n.º 2 do DL 164/99, de 13/05, o critério a ter em conta é o da capitação dos rendimentos do agregado familiar, tendo por referência o limiar mínimo do salário mínimo nacional, independentemente das despesas efectuadas, as quais variam de agregado familiar, consoante uma gestão mais ou menos prudente que de tais rendimentos façam.

3. O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, só intervém a título de natureza subsidiária e garantística.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            Conforme sentença proferida nos autos de regulação do poder paternal a que os presentes se acham apensos, foi homologado por sentença de 28 de Novembro de 2005, já transitada, o acordo relativo à menor A...., nos termos do qual os requeridos B.... e C..., seus pais, acordaram que o pai ficaria a contribuir com a quantia de 200,00 € mensais, a título de alimentos à supra identificada A..., a entregar à mãe (a guarda de quem a mesma ficou) até ao dia 2 do mês a que dissesse respeito.

            Através de informação prestada pelo requerido e constante de fl.s 202, datada de 17 de Outubro de 2008, veio este informar que por se encontrar desempregado não teria possibilidades de continuar a pagar tal quantia a partir do mês de Novembro de 2008, o que se veio a concretizar.

            Na sequência do que veio o MP, cf. fl.s 226, promover se declarasse o incumprimento no pagamento da prestação de alimentos por parte do requerido e porque a mãe também se encontrava desempregada, se determinasse, a título provisório, que fosse o FGADM, a pagar quantia igual à que o requerido estava obrigado a pagar a título de alimentos à menor.

            Tal promoção veio a ser acolhida no despacho de fl.s 233 e 234, no qual se solicitou a realização de inquérito à situação da menor e respectivo agregado familiar e se determinou o pagamento, a título provisório, pelo referido Fundo, da quantia de 200,00 € mensais, a título de alimentos à menor A....

            Elaborou-se tal Relatório, o qual se acha junto de fl.s 254 a 259.

            De acordo com o mesmo, a mãe da A...vive em união conjugal com um companheiro, o qual aufere um salário ilíquido de 950,00 € mensais, a mãe da menor aufere rendimentos mensais de 289,61 €, relativo a uma bolsa de formação, 300,00 € de renda do apartamento que esta possui na ... e a de 52,32 € de prestações familiares da menor.

            A nível de despesas mensais suporta o referido agregado familiar as seguintes:

            435,00 €, de renda de casa, água, luz e gás;

            297,24 €, de prestação do crédito bancário do apartamento da B.... na ...;

            44,00 € de um seguro de saúde da referida B....;

            93,00 € referente a um seguro de saúde da menor e despesas na escola.

            O requerido encontra-se desempregado desde Novembro de 2008, não se lhe conhecendo quaisquer rendimentos.

            Em seguida foi proferida a decisão de fl.s 261 a 268, na qual se fixou uma pensão de alimentos no valor de 200,00 € para a menor, actualizável, anualmente, no mês de Janeiro, de acordo com o índice aprovado pelo Governo para os aumentos da carreira geral do funcionalismo público.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 289), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões (resumidas):

            1. A douta decisão de que se recorre é definitiva, considera, incorrectamente, que estão preenchidos os pressupostos para a intervenção do FGDAM.

Com efeito, o agregado familiar no qual se insere a menor é constituído por três pessoas e tem um rendimento mensal de cerca de 1.591,93 € mensais, que corresponde a 530,64 € per capita, valor superior ao fixado para o salário mínimo nacional para 2010.

2. Nos termos do entendimento jurisprudencial prevalecente, que se subscreve, o rendimento líquido a considerar para efeitos da aplicação dos diplomas do FGADM “é o que efectivamente se recebe, e no momento em que tal se verifica (…) independentemente das despesas que, mensalmente, cada um efectue” – cf., Ac. da Relação de Lisboa, de 21/02/2008, Recurso 10565/07-2.

3. A imposição legal do confronto do rendimento líquido do agregado familiar com o salário mínimo nacional teve em vista o rendimento efectivamente auferido, independentemente das despesas suportadas por aqueles.

4. Tal justifica-se plenamente, atenta a margem de discricionaridade que a qualificação das despesas relevantes iria trazer ao regime.

5. Não fora assim, e o FGDAM asseguraria prestações de alimentos a requerentes que indicam como despesas a prestação do carro, a internet, seguros de saúde e empréstimos diversos, correspondentes a opções económicas de índole estritamente pessoal, pelo que não deverão ser impostas ao Estado e aos contribuintes.

6. A intervenção do recorrente tem natureza subsidiária e as suas prestações são de índole assistencial, portanto, diversa da dos alimentos em termos gerais de Direito Civil, sendo que o Estado não se substitui ao obrigado por via directa, nem na mesma medida.

7. O recorrente considera, pois, não estar preenchido in casu um dos pressupostos necessários ao pagamento da prestação de alimentos em substituição do devedor, mais especificamente, que “o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre”.

8. Pelo que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 1.º, in fine e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98 e artigo 3.º, n.º 1, al. b) e 2 do DL 164/99.

9. Sem prescindir, se assim não for entendido, e face aos rendimentos do agregado, requer que a prestação fixada ao FGDAM seja reduzida para um valor não superior a 100,00 € mensais, nos termos dos artigos 2.º, n.º 2 da Lei 75/98 e 3.º, n.º 3, 2.ª parte do DL 164/99.

            Termina, pedindo a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e se profira nova decisão em que se exima o recorrente de prestar alimentos à menor ou, se assim não se entender, que a prestação fixada seja reduzida para um valor que não ultrapasse os 100,00 € mensais.

            Contra-alegando, a requerida B...., pugnou pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que o seu companheiro não é responsável por prestar alimentos à menor, nem se pode substituir em tal responsabilidade ao pai da menor.

            Contra-alegou o MP, sustentando, em resumo, que se deveria averiguar melhor a estabilidade da relação da mãe da menor com o seu companheiro e qual o rendimento líquido por este auferido, para o que se deveria anular a decisão requerida e após a indagação de tais elementos se proferiria nova decisão, a título definitivo, com intervenção do ora recorrente.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se se verificam os pressupostos necessários à intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor e;

            B. Assim sendo, se a prestação fixada deve ser reduzida para um valor que não ultrapasse os 100,00 € mensais.

            A matéria de facto a ter em conta é a que resulta do relatório que antecede.

            A. Se se verificam os pressupostos necessários à intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor.

            Alega o recorrente que os mesmos não se podem ter por verificados, uma vez que o agregado familiar em que se insere a menor possui rendimentos superiores ao salário mínimo nacional, dado que são também de contabilizar os rendimentos auferidos pelo companheiro da mãe da menor, para além de que tais rendimentos, para efeitos de capitação, a que se alude no artigo 3.º, n.º 2 do DL 164/99, de 13/5, devem ser considerados independentemente das despesas suportadas, sob pena de se cair no puro arbítrio, dada a grande diversidade de despesas que haveria a considerar.

            Assim, com vista a resolver a questão que nos é colocada, importa averiguar qual o conceito de agregado familiar a considerar, isto é, se devem, também, ser computados os rendimentos auferidos pelo companheiro, de facto, da mãe da menor e forma de cálculo de capitação de tal rendimento, por referência ao salário mínimo nacional.

                       

Efectivamente, a menor vive com a mãe e um companheiro desta, auferindo este um salário de 950,00 €, ilíquidos, mensais, o que lhes permite um maior desafogo económico, pois assim não fora e o mesmo agregado familiar não poderia suportar as despesas acima referidas e relativas a renda de casa e demais gastos conexos com a habitação e demais despesas pessoais.

            Se a união de facto deve ser tida em conta para a atribuição de direitos também tem de o ser para a fixação de deveres e para efeitos de direitos e deveres inerentes à segurança social – neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 22/5/2003, in CJ, 2003, 2, 68 e Colectânea de Jurisprudência on line (Ref. 3491/2003) e desta Relação, de 26/11/2002, in CJ, 2002, 5, 23, bem como o da Relação do Porto, de 03/11/2005, Processo 0534922, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp, de onde decorre deverem ser contabilizados os rendimentos obtidos pelo companheiro de facto da mãe, sob pena de desigualdade perante os cônjuges, só porque estes recorreram ao casamento, o que não se pode conceber. Se quem opta pela união de facto não pode ser prejudicado, também não pode, por via disso, ser beneficiado em relação aos demais.

            Como se escreveu no Aresto do STJ acima referido, seguindo os ensinamentos de Pereira Coelho, in RLJ, ano 120, pág. 120 e seg.s, a união de facto deve ser igualmente protegida do ponto de vista das relações familiares, embora sem que lhe sejam extensíveis todos os efeitos do casamento.

            No entanto, de acordo com o artigo 67.º da CRP, a família constitucionalmente protegida é não só a do casamento, mas ainda a natural, a adoptiva e ainda a união de facto, de onde se extrai a conclusão de que o conceito de agregado familiar empregue em muitos diplomas legislativos, designadamente no campo do direito de segurança social, deva ser entendido de forma mais ampla do que a prevista no artigo 1576.º CC.

            Asserção que se aplica ao conceito de agregado familiar tal como previsto na Lei 75/98, de 19/11 e DL 164/99, de 13/5, em que “A lei abstrai da fonte donde brota o agregado familiar.

            O que releva para o fim pretendido é a capacidade económica desse núcleo de pessoas ligado entre si, de que faz parte a pessoa a cuja guarda se encontra o menor e onde este também foi integrado.”, como se refere no Acórdão do STJ acima citado.

            Assim, respondendo à primeira das elencadas sub-questões, conclui-se que é de ter em conta, para efeitos do cálculo dos rendimentos auferidos pelo agregado familiar em que se insere a menor, os auferidos pelo companheiro da mãe.

            E nem tal coloca em risco a subsistência da menor, pois que alterada que seja tal situação, deve a sua progenitora disso dar conta a fim de que seja, à luz da nova situação, apreciada a questão da intervenção do FGDAM.

            Já quanto à segunda de tais sub-questões (se devem considerar-se, para efeitos de capitação dos rendimentos obtidos as despesas efectuadas ou os rendimentos efectivamente auferidos) importa ter em consideração o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do referido DL 164/99, de acordo com o qual:

            “Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.”.

            O direito a alimentos, especialmente em caso de crianças, é um direito constitucionalmente garantido (artigo 24.º da CRP).

            A referência que no ora referido artigo 3.º, n.º 2 se faz ao salário mínimo nacional, tem de entender-se no sentido de que o legislador entendeu que aquele direito a alimentos só estará devidamente salvaguardado se o rendimento auferido pelo agregado familiar em que a criança se insere for superior, em termos de capitação, àquele salário.

            No entanto, salvo o devido respeito, não concordamos com a sentença recorrida quando nela se refere que “Para se chegar à capitação prevista no artigo 3.º, n.º 2 do DL 164/99, de 13/5, deduzem-se aos rendimentos do progenitor as despesas, sendo este valor dividido pelo total dos membros que constituem aquele agregado familiar”.

            Efectivamente, nada neste preceito inculca a ideia de que assim seja.

            Pelo contrário, por rendimento líquido entende-se o que se recebe, depois dos legais descontos que incidem sobre o rendimento bruto, independentemente das despesas que cada agregado familiar efectue.

            E compreende-se que assim seja pois, de contrário, careceríamos de critério válido para qualificar as despesas relevantes para tal efeito, pois que não se pode o Estado substituir, de modo vago e impreciso, às obrigações que, em primeira linha, cabem ao agregado familiar em que se insere a criança carente de alimentos.

            Dito de outra forma, o critério a ter em conta é o da capitação dos rendimentos do agregado familiar, tendo por referência o limiar mínimo do salário mínimo nacional, independentemente das despesas efectuadas, as quais variam de agregado familiar, consoante uma gestão mais ou menos prudente que de tais rendimentos façam e a considerar tais despesas ficaríamos numa situação de grande diversidade, que se afastaria do critério utilizado pelo legislador – neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto, de 24/02/2005, Processo 0530542, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Lisboa de 21 de Fevereiro de 2008, in Colectânea de Jurisprudência on line (Ref.4012/2008).

            Consequentemente, há que atender ao rendimento do agregado familiar usado na sentença recorrida, mas sem lhe deduzir as despesas, sendo aquele no montante de 1.591,93 € mensais.

            Ainda que deduzindo os legais impostos ao rendimento auferido pelo companheiro da mãe e dividindo-os por 3, teremos uma quantia superior à de 450,00 €, que é o salário mínimo nacional fixado para o ano de 2009, cf. DL 246/2008, de 18/12, bem como para o de 2010 (475,00 € - cf. DL 5/2010, de 15/1).

            No que se refere à pretendida intervenção do Fundo de Garantia, tem de ater-se ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, al.s a) e b), do DL 164/99, de 13/5, de acordo com o qual:

            1 – O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:

            a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e

            b) o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.”.

            Sendo que, nos termos do n.º 2, de tal preceito, in casu, a capitação de rendimentos do agregado familiar em que se encontra o menor seria de calcular atendendo aos rendimentos obtidos e o número de pessoas que o constituem.

            Ora, atendendo a que os requisitos exigidos na lei para que o Fundo de Garantia seja responsabilizado pelo pagamento dos alimentos devidos a menores são cumulativos e, desde logo, falece o previsto na referida alínea b), é evidente que não se pode determinar o uso de tal procedimento, pelo que é de proceder a pretensão do ora recorrente.

            Isto porque o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, só intervém a título de natureza subsidiária e garantística – neste sentido, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto, de 19/9/2002, in CJ, 2002, 4, 180 e desta Relação, de 4/10/05, in CJ, 2005, 4, 21.

            Pelo que, nos termos ora expostos, não é de responsabilizar o sobredito Fundo pelo pagamento dos alimentos devidos à menor A..., em função do que fica prejudicado conhecimento e decisão da questão acima elencada em B.

           

Nestes termos se decide:       

            Julgar procedente a apelação deduzida, revogando-se a sentença recorrida, em função do que se exime o FGDAM de prestar alimentos à menor A....

            Sem custas (artigo 3.º, n.º 1, al. b) do CCJ).