Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
497/10.0GBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE OLIVEIRA DO BAIRRO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 143.º, N.º 1, 144.º, AL. B), 20.º E 72.º, DO CP
Sumário: I - A imputabilidade diminuída do arguido não conduz necessariamente à atenuação especial da pena, podendo mesmo, dependente das qualidades pessoais do agente reflectidas no acto, levar à respectiva agravação.

II - Não obstante a imputabilidade do arguido se revelar diminuída, perante o acervo factual dado como provado, evidenciando: um grau muito elevado de ilicitude, quer em função do modo de execução do crime - ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, al. b), do CP -, traduzido em pancadas com um ferro [de 1,50 metros] no corpo da vítima, designadamente na cabeça, que persistiram mesmo após esta já se mostrar caída no chão, quer em virtude das muito expressivas consequências ao nível das lesões provocadas - as quais determinaram a necessidade de intervenções cirúrgicas - e que, até 30.10.2012, demandaram um período de doença fixável em 723 dias, com afectação da capacidade para o trabalho geral, com as inerentes dores; a inevitável superioridade em função da diferença de idades entre ofendida e arguido, o qual não se mostrou minimamente sensível ao facto de a vítima ser sua mãe, tão pouco num momento em que a mesma já estava prostrada no solo - logo com uma capacidade de defesa fortemente afectada -, a imagem global dos factos é de tal modo grave - patenteando o arguido qualidades altamente desvaliosas face ao direito -, que não consente um juízo de especial atenuação da pena.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 497/10.0GBOBR da Comarca do Baixo Vouga – Oliveira do Bairro – Juízo de Instância Criminal foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, por referência aos artigos 132.º, n.º 1, alínea a), e 144.º, alínea b), todos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 02.04.2014, depositada na mesma data, o tribunal decidiu [transcrição parcial]:

«1. Absolver o arguido A... pela prática do crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e artigo 132.º, n.º 1, al. a) e 144.º, al. b) todos do Código Penal, de que se encontrava acusado;

2. Condenar o arguido A... pela prática do crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144.º, al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva».

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144.º, al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva;

2. A moldura penal do tipo de crime de ofensa à integridade física grave prevê a aplicação da pena de prisão de 2 a 10 anos (cfr. art. 144º do C. Penal);

3. É da medida da pena aplicada pelo Douto Tribunal a quo que se discorda.

4. O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova pericial, documental, Certificado de Registo Criminal, relatório social e relatório médico-legal;

5. Na análise da prova pericial, nomeadamente do relatório médico – legal, a Meritíssima Juiz a quo entendeu que a patologia detectada ao arguido, face aos factos provados em que se envolveu, não permitiam sustentar um qualquer juízo de imputabilidade diminuída que levasse a uma diminuição da ilicitude; mas por outro lado, também não permitiam a qualificação do crime, ou seja, não se pode dizer que exista especial censurabilidade ou perversidade do arguido (SIC).

6. Com efeito, pode ler-se no relatório médico-legal que: A avaliação psicológica reforça a ideia de patologia da personalidade, sugerindo que a mesma se enquadra num espectro litigante, de afronta das normas, regras e convenções sociais, pela desconfiança em relação às mesmas, não afastando a hipótese da passagem ao acto. Nem no momento da avaliação nem em toda a sua biografia, com os dados fornecidos, foi possível constatar a presença de actividade psicótica, não se apurando também, de forma indirecta, qualquer deficit intelectual, pelo que se considera que não se verificam limitações na vontade do indivíduo por força de doença mental grave ou compromisso de inteligência. Contudo, admite-se que a presença de uma estrutura de personalidade como a descrita pode condicionar o controlo do impulso do indivíduo bem como favorecer uma leitura enviesada dos dados com que se depara, não acessíveis à sua auto-crítica, a sua determinação surge parcialmente condicionada. (SIC) – ponto 10 dos factos provados – sublinhados nossos.

7. Conclusões: Do acima exposto: 1. O examinando padece de Perturbação da Personalidade Paranóide (ICD9 – 301.0) 2. Deve ser considerada imputabilidade atenuada para o acto descrito (…) (SIC) – ponto 10 dos factos provados – sublinhados nossos.

8. “(…) A pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”, Dixit Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, pág. 213 e seguintes. Tal entendimento tem consagração legal no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, onde expressamente se diz que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” O n.º 2 deste preceito legal determina que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e das exigências de prevenção.”

9. O arguido, salvo o devido respeito pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, mostrou arrependimento, dizendo por mais do que uma vez ao Tribunal que “muito lamentava o sucedido”, o que demonstra claramente alguma auto-censura, e o facto de ter tido uma reacção manifestamente desproporcionada (no entendimento e palavras da Sra. Juiz a quo) deve-se ao facto de, conforme prova pericial (relatório médico-legal, se verificar que a presença de uma estrutura de personalidade como a descrita (Perturbação da Personalidade Paranóide) possa condicionar o controlo do impulso do indivíduo bem como favorecer uma leitura enviesada dos dados com que se depara, não acessíveis à sua autocítica, a sua determinação surge parcialmente condicionada. (SIC) – sublinhados nossos.

10. Se o artigo 72.º do C. Penal dispõe que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, então, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria ter entendido que, no momento da prática dos factos, o arguido tinha o controlo dos seus impulsos condicionado, bem como a sua determinação para agir, devido, precisamente, à Perturbação da Personalidade Paranóide de que padece, por ser uma circunstância que diminui de forma acentuada a culpa.

11. O Tribunal de 1.ª Instância considerou não ser de aplicar o artigo 72º do CP por entender que a ilicitude dos factos e a necessidade da pena são muito elevadas, considerando as circunstâncias em que o crime foi cometido, e a total desprotecção da vítima, não só pela idade, mas também porque o arguido é seu filho (SIC), acrescentando que não se verifica qualquer circunstância que possa justificar uma atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72º do Código Penal, apesar de a culpa do agente se mostrar diminuída; (sublinhado nosso).

12. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, devendo, no entender do arguido, ter-se considerado a culpa diminuída para atenuar especialmente a pena.

13. É que a culpa não constitui apenas o pressuposto e fundamento da validade da pena, mas traduz-se no seu limite máximo, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo.

14. A escolha do tipo de pena depende apenas de considerações de prevenção geral e especial, mas já a determinação da sua medida, depende fundamentalmente da culpa do agente. Assim, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir para a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos.

15. Para além das considerações que antecedem sobre a culpa do arguido, de per si, e sem prescindir, entre 26 de Setembro de 2010, data dos factos, e 02/04/2014 o arguido manteve boa conduta (Cfr. art. 72º, n.º 2, d) C.P.), não tendo havido nenhuma condenação entre as datas que medeiam as supra referidas. Tal circunstância importa porque o tempo que medeia entre a prática do crime e a aplicação da sanção dilui as necessidades de prevenção geral e especial, quer porque o facto de terem decorrido vários anos sobre a prática de um crime mantendo o arguido uma boa conduta é um dos factores determinantes para a atenuação especial da pena, por existir uma diminuição da ilicitude do facto e da culpa do agente, ou mesmo da necessidade de pena.

16. Ao condenar o arguido numa pena de prisão efectiva de 4 anos, a Sra. Juiz a quo fixou erradamente a medida concreta da pena e violou as normas dos artigos 71º, n.º 2 e 72º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

17. Consequentemente, a pena aplicada ao ora recorrente é excessiva tendo sido ultrapassada a medida da culpa.

18. Pelo que, e salvo o devido respeito, a pena deverá ser reformada e substancialmente reduzida, assim fazendo Vossas Excelências a costumada Justiça.

4. Por despacho exarado a fls. 660 veio o recurso a ser admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

5. Ao recurso respondeu a Digna Procuradora – Adjunta, o que fez refutando toda a argumentação recursiva, concluindo:

«Atento tudo o que se deixou exposto é nosso entendimento que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício, nem violou qualquer princípio ou disposição legal, nomeadamente, o disposto nos artigos 71º, n.º 2 e 72.º, n.º 1 e 2 do Código Penal referidos pelo arguido/recorrente nas conclusões do seu recurso, devendo, em consequência, ser o mesmo declarado improcedente, por infundado, mantendo-se integralmente a sentença recorrida» - [cf. fls. 666 a 672].

6. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, corroborando, no essencial, a resposta apresentada em 1.ª instância, emitiu o parecer junto a fls. 679 a 680, do qual se extracta:

«Confessamos, com o respeito devido, já o dissemos, que até nos causa alguma estupefacção que uma pena tão adequada ao caso (4 anos de prisão) possa ser apodada de excessiva e se considere que “foi ultrapassada a medida da culpa”, quando é certo que o Tribunal, em razão das características de personalidade do arguido, conforme avaliação médico-legal, já afastou a especial censurabilidade ou perversidade em que aliás assentava a pronúncia.

O artigo 72.º do C. Penal, que prevê a atenuação especial da pena, exige para a sua aplicabilidade que ocorram circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

(…)

Ora, avultando no caso que o Arguido molestou fisicamente com um ferro a sua própria mãe, “sem dó nem piedade”, à frente do pai e de uma irmã, sem motivo minimamente plausível e de forma escandalosamente desproporcionada;

Com consequências e sequelas graves para a Ofendida;

Já tem antecedentes criminais no âmbito da ofensa à integridade física;

Tendo em conta ainda que o Tribunal nem sequer considerou que ele tenha demonstrado auto-censura ou arrependimento, tudo considerado e sopesado, é de concluir que não estão, evidentemente, reunidas condições mínimas para poder ser equacionada a aplicação de qualquer dos aludidos institutos jurídicos.

Com efeito, não ocorre manifestamente qualquer diminuição (muito menos considerável) da ilicitude ou da culpa, e o juízo de prognose só pode ser, infelizmente, negativo».

Conclui, assim, no sentido da manutenção da decisão condenatória.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

      De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço questiona o recorrente a medida da pena aplicada, constituindo, pois, este o objecto do recurso.

2. A decisão recorrida

Ficou a contar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

II – Resultaram provados os seguintes factos

1. Em 26 de Setembro de 2010, pelas 17.00 horas, o arguido encontrava-se na casa onde então residia com B..., sua progenitora, sita na R. (...), Oliveira do Bairro, nesta comarca.

2. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, no pátio daquela casa, encetou-se uma discussão entre o arguido e B....

3. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido muniu-se de um ferro com 1,50 m e, com ele, desferiu pancadas no corpo de B..., designadamente na cabeça.

4. Devido às pancadas desferidas com o ferro no corpo de B..., esta caiu, tendo o arguido continuado a bater-lhe com o ferro pelo corpo.

5. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultou para B...:

- fractura dupla da diáfise do cúbito direito, fractura sem desvio do colo da homoplata direita, fractura da diáfise do peróneo direito, o que determinou imobilização em gesso braquipalmar à direita, tala engessada na perna direita, suspensão braquial à direita;

- ferida inciso-contusa no couro cabeludo, com 4x05 cm suturada com 4 pontos de fio, no crânio;

- edema no braço direito; no membro inferior direito, equimose arroxeada com 28x25 cm na nádega direita;

- pseudoartrose proximal do cúbito direito.

6. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido e das lesões por ele causadas, B... foi operada em 04.10.2011 e feita cruentação do foco, enxerto ósseo e aplicação de material de osteossíntese com placa; em 11.06.2012, encontrava-se sem queixas clínicas, mas com discreto défice da extensão do cotovelo direito, sem evidência radiológica de calo ósseo, pelo que foi proposta para revisão da osteossíntese, encontrando-se a aguardar o agendamento da cirurgia à data de 30.10.2012.

7. À data de 30.10.2012, B..., como consequência directa e necessária das lesões causadas pela conduta do arguido:

- não conseguia segurar e levantar objectos pesados com a mão direita;

- apresentava fenómenos dolorosos na face póstero-lateral do antebraço direito, que surgem com a realização de esforços e mudanças de temperatura;

- apresenta edema do cotovelo e do antebraço direitos;

- apresenta diminuição da força da mão direita;

- evidencia dificuldade em utilizar os talheres, fazer a cama, realizar a higiene pessoal, vestir-se e despir-se; não consegue lavar a roupa à mão; não consegue segurar, levantar e transportar objectos com pesos superiores a 5 kg; manifesta dificuldade na realização das actividades agrícolas e criação de animais;

- apresenta rigidez da articulação do cotovelo, com défice da extensão de -30º e da flexão de -40º, com arco de movimento flexão/extensão de 110º/30º, respectivamente, que impedem de levar a mão à região cervical posterior, conseguindo, contudo, levar a mão à boca;

- apresenta défice acentuado da pronação – faz até 45º - e ligeiro da supinação – faz até 60º;

- apresenta dor à mobilização do punho, mais acentuada no desvio radial;

- apresenta discretos sinais de algodistrofia do antebraço, por provável desuso;

- apresenta, no membro inferior direito, joelho não doloroso à apalpação, sem sinais de derrame articular, nem instabilidade ligamentar ou défices das amplitudes articulares;

- apresenta, no membro inferior esquerdo: aumento de volume e dor generalizada do joelho, por provável patologia degenerativa;

- apresenta complicação na fractura do cúbito com pseudartrose, motivo pelo qual até à data de 30.10.2012 ainda se encontrava em fase de seguimento clínico e tratamento;

- até à data de 30.10.2012, apresentava um período de doença fixável em 723 dias, com afectação da capacidade para o trabalho geral;

- apresentava à data de 30.10.2012 limitações das mobilidades do cotovelo e punho direitos – sendo este o lado activo de B..., as quais afectam de maneira grave a capacidade de utilizar o membro superior direito, quer para as actividades da vida diária, quer para os trabalhos agrícolas, sendo que a situação clínica de B... ainda não se encontrava totalmente estabilizada à data de 30.10.2012.

8. O arguido agiu de forma livre, voluntária, com o propósito concretizado de, com a conduta descrita, causar lesões no corpo e saúde de B..., que sabia ser sua Mãe, bem conhecendo as características contundentes do objecto utilizado e a aptidão respectiva para potenciar lesões físicas, bem sabendo o arguido ainda que a zona da cabeça aloja órgãos vitais e sensoriais e que a zona do tronco aloja órgãos vitais, e que, mediante o emprego daquele objecto, lhe diminuía a capacidade de se defender, bem sabendo ainda que, com a conduta descrita, lhe poderia afectar de maneira grave a capacidade de utilizar o membro superior direito, quer para as actividades da vida diária, quer para os trabalhos agrícolas, resultado esse que representou e que quis.

9. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

10. Foi realizada perícia médico-legal ao arguido, tendo sido formulada a seguinte conclusão:

“Da análise longitudinal da biografia do examinando resulta um padrão de comportamento constante desde o início da idade adulta, marcado pela desconfiança, litigação, querela e contestação das normas, que foi empobrecendo progressivamente a vida social do indivíduo. Ainda que se perceba uma maior intensidade do atrito com os seus pais, facilmente se percebe que este é generalizado a diversas pessoas, grupos ou entidades, mantendo o examinando a mesma postura, rígida e conflituosa, perante as mesmas. Admite ter passado ao acto num episódio anterior, acima descrito, optando por não revelar muitos dados sobre o episódio actual, referindo que são dados essenciais em sua defesa que prefere apresentar em julgamento.

A avaliação psicológica reforça a ideia de patologia da personalidade, sugerindo que a mesma se enquadra num espectro litigante, de afronta das normas, regras e convenções sociais, pela desconfiança em relação às mesmas, não afastando a hipótese da passagem ao acto. Nem no momento da avaliação nem em toda a sua biografia, com os dados fornecidos, foi possível constatar a presença de actividade psicótica, não se apurando também, de forma indirecta, qualquer deficit intelectual, pelo que se considera que não se verificam limitações na vontade do indivíduo por força de doença mental grave ou compromisso da inteligência.

Contudo, admite-se que a presença de uma estrutura de personalidade como a descrita possa condicionar o controlo do impulso do indivíduo bem como favorecer uma leitura enviesada dos dados com que se depara, não acessíveis à sua autocrítica, a sua determinação surge parcialmente condicionada.

Quanto à perigosidade social, na perspectiva do risco de repetição de um gesto de natureza como o descrito, esta não se pode excluir, sugerindo-se acompanhamento em consulta externa de Psiquiatria.

Conclusões:

Do acima exposto:

1. O examinando padece de Perturbação da Personalidade Paranóide (ICD9-301.0).

2. Deve ser considerada imputabilidade atenuada para o acto descrito.

3. Apresenta perigosidade social.”

11. O arguido já foi anteriormente condenado nos seguintes processos:

I – Comum Singular nº 202/10.1GBOBR, do Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, comarca do Baixo Vouga, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, por factos de 25.04.2010, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, por sentença proferida em 21.09.2011, e transitada em julgado em 21.10.2011.

II – Comum Singular nº 2054/10.2TDLSB, do 2º Juízo Criminal, 2ª Secção, de Lisboa, pela prática de um crime de difamação agravada e um crime de ameaça agravada, por factos de 03.2010, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano, por sentença proferida em 13.02.2012, transitada em julgado em 21.03.2012, já extinto em 21.03.2013.

12. O arguido tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade; vive com os pais, em casa própria destes, com infra-estruturas e condições de habitabilidade; o arguido ocupa um quarto que mantém sempre fechado à chave; o agregado familiar assenta essencialmente na reforma de invalidez atribuída ao pai (€ 900/mês); esta situação é percepcionada como frágil pelo arguido, uma vez que se encontra desempregado e dependente do agregado para satisfazer as suas necessidades básicas, referindo que consegue algum dinheiro de bolso com encontros afectivos que marca via internet.

13. O arguido não exerce actividade laboral regular, não sendo do conhecimento que efectue procura activa de emprego.

14. O relacionamento intra-familiar parece condicionado pela tendência mística do arguido, comunicação deficiente ou inexistente e situações marcadas por níveis de grande conflitualidade perpetradas pelo arguido.

15. O arguido refere não manter há mais de um ano a última terapêutica medicamentosa (Xanax, Risperdal e Anaframil) prescrita, por considerar que está compensado, referindo que a conflitualidade relacional se deve aos consumos aditivos (álcool) que atribui a ambos os progenitores.

16. Privilegia os seus tempos livres em contexto familiar (no seu quarto ocupado no computador), dedicando algum tempo a apoiar o pai na agricultura. Refere fazer parte do “Rancho Folclórico da (...)”, em (...), e do Grupo de Cantares “(...)”, no entanto, estas actividades parecem reportar-se ao passado, uma vez que refere que não tem comparecido nos ensaios.

17. No meio comunitário os pais do arguido beneficiam de imagem social de integração; já em relação ao arguido, as pessoas contactadas tendem a ser cautelosas, não fornecendo informação relevante. Não lhe são conhecidos relacionamentos sociais privilegiados e não frequenta espaços de sociabilidade locais.

18. Em contacto com as forças policiais que intervêm na zona de residência, foi apurado que há registo de factos em desabono do arguido.

19. O arguido mostra alguma apreensão face à situação processual, não tanto por reconhecer o desvalor e ilicitude da sua conduta, mas antes por ter interiorizado um conjunto de crenças de que as mulheres têm uma posição privilegiada face à Justiça “as mulheres são perigosas e ganham nos Tribunais…”, sic.

III - Factos não provados

Resultaram não provados os seguintes factos:

- O arguido ao mesmo tempo batia com o ferro dizia a B... que ainda havia de levar mais, que “tinham sido poucas”.

IV - Motivação da decisão de facto

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, da seguinte forma:

No depoimento da ofendida B..., que depôs de forma convincente, sincera, exprimindo os seus sentimentos e tristezas, uma vez que o arguido é seu filho; explicou que andava a varrer o milho na eira e resmungou porque mais ninguém (marido e filhos, incluindo o arguido) a ajudava; de repente, o arguido virou-se contra ela, com um ferro, e bateu-lhe por todo o corpo, mesmo depois de ter caído ao chão; começou a gritar por ajuda, apareceu a filha, e o arguido parou; ficou com a cabeça, braço e perna partidos, tendo sido operada 2 ou 3 vezes, já não se recorda bem, e ainda anda a fazer exames, porque não ficou recuperada; não tinha nenhuma catana na mão, nem tem por hábito ingerir bebidas alcoólicas, pois é diabética e não pode; refere que não tinha discutido com o arguido, até porque há mais de 10 anos que ele não fala com a mãe; depois desta situação tem dificuldade em desempenhar todas as tarefas diárias, incluindo as de higiene pessoal e da lide doméstica, tendo ajuda de familiares e vizinhos; referiu ainda que o arguido já lhe andava a bater há vários anos, mas nunca apresentou queixa porque é seu filho.

No depoimento da testemunha C... , pai do arguido, que prestou declarações, de forma isenta e objectiva; confirma que a mulher se queixou porque ninguém a ajudava, sendo que o arguido apareceu do quarto, foi à oficina buscar um ferro, pegou nele, e bateu na mãe, “sem dó, nem piedade”, citando o depoimento; a mulher caiu, e mesmo no chão, o arguido continuou a bater com o ferro; referiu que a mulher não se encontra bem, tendo dificuldade em desempenhar as tarefas diárias, e que ainda naquele dia tinham vindo do hospital de Aveiro; a esposa não tinha nenhuma catana na mão, tinha um ancinho para apanhar o milho.

No depoimento das testemunhas militares da GNR D..., E... e F..., que têm conhecimento destes factos, no exercício das suas funções; deslocaram-se a casa do arguido, tendo visto a ofendida a ser assistida pelos Bombeiros, apresentando ferimentos, pois estava com sangue na zona da nuca; estavam no local, o marido, filha e neto da vítima, tendo sido este que indicou o tubo de ferro, como sendo o objecto de agressão, que apresentava manchas de sangue, pelo que foi apreendido; o arguido encontrava-se aparentemente calmo, de braços cruzados, a ver a mãe; abordaram o arguido, para proceder à sua identificação, e este recusou-se – foi a irmã que o identificou; explicaram ainda que o arguido tinha o seu carro a tapar a garagem do pai, impedindo este de tirar o carro para ir ao hospital saber da mulher, pelo que tiveram de o abordar, solicitando que o fizesse – como o arguido se recusou, chamaram o reboque; no entanto, o arguido acabou por retirar o veículo; ninguém agrediu o arguido.

Já em relação às declarações prestadas pelo arguido, as mesmas não se revelaram credíveis, porque vagas e contraditórias; assim, referiu que a única coisa que se recorda deste dia é da mãe bêbada, alterada e virou-se para o arguido, com uma catana na mão, pelo que ficou em pânico; não se recorda de mais nada – no entanto, sempre indicou o nome dos militares da GNR que se deslocaram ao local, apesar de dizer não os conhecer de outras situações; só tomou novamente consciência quando estava perto do seu carro, no chão, a ser agredido pela polícia; não sabe o motivo pelo qual discutiu com a mãe; aceita que pode ter praticado estes factos, e lamenta o que se passou; nega que o pai tenha tentado sair com o carro e não pudesse por causa de ter o seu carro a tapar a garagem, o que também não foi confirmado pelas restantes testemunhas; também é estranho que tenha tido um “apagão” na memória, relativamente a estes factos, e consiga recordar-se onde se encontrava o ferro que utilizou, explicando que estava arrumado na oficina das ferramentas; refere que a relação familiar com o pai é boa, mas com a mãe evitava falar com ela.

Ajudou ainda a formar a convicção do Tribunal a prova pericial de fls. 19-22, 29, 38-40, 119-121, 179-181, 201-203, 233-234, 244-246, 272-275, 281-283, 301-305, auto de apreensão de fls. 15, e documental de fls. 28, 33-35, 142-156, 196-197, 223-225, 248-249, 259-260, Certificado de Registo Criminal de fls. 552-555, relatório social de fls. 412-414 e relatório médico-legal de fls. 522-526.

Quanto aos factos não provados, porque não se logrou provar, pois a ofendida nada disse.

3.Apreciação

Sem questionar a integração dos factos no crime de ofensa à integridade física grave [artigo 144.º, al. b) do Código Penal], nem vendo este tribunal motivo para, oficiosamente, a colocar em crise, insurge-se o recorrente contra a medida da pena aplicada, defendendo, desde logo, ter resultado violado, por via da não atenuação especial da pena, o artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, indicando, ainda, como disposição infringida o n.º 2 do artigo 71.º do mesmo diploma legal.

Atenuação especial da pena que reclama em função da constatação, decorrente do relatório de perícia médico-legal [requisitada ao Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação Centro, realizada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental] de uma «imputabilidade atenuada para o acto descrito».

Não reside, pois, no facto de o arguido não haver sido declarado inimputável – circunstância que sempre se nos afiguraria de difícil sustentação tendo presente o relatório pericial, de cujo teor se realça «Nem no momento da avaliação nem em toda a sua biografia, com os dados fornecidos, foi possível constatar a presença de actividade psicótica, não se apurando também, de forma indirecta, qualquer deficit intelectual, pelo que se considera não se verificam limitações na vontade do indivíduo por força de doença mental grave ou compromisso de inteligência» - o motivo de discordância do recorrente, situando-se este, antes e tão só, na medida da pena encontrada, a qual - aduz - deveria ter sido objecto de atenuação especial, tanto mais que teria o tribunal a quo afastado o tipo de culpa agravada [artigo 145.º, n.º 1, al. b) do C. Penal], segundo o entendimento de a «patologia detectada ao arguido», não consentir a «qualificação do crime, ou seja, não se pode dizer que exista especial censurabilidade ou perversidade …», aspecto, este, que - tratando-se de recurso interposto, apenas, pelo arguido - está, na prática [por insusceptível de produzir qualquer efeito útil], vedado a este tribunal questionar, porquanto um juízo diverso só poderia conduzir ao agravamento da responsabilidade do recorrente.

O que urge responder é se em função da «imputabilidade atenuada para o acto descrito» - com «perigosidade social», decorrente «do risco de repetição de um gesto de natureza como o descrito» [cf. relatório pericial], deveria/deverá, perante o acervo factual apurado, ser a pena especialmente atenuada.

Se é certo que, em caso de imputabilidade diminuída, em momento algum decorre, expressamente, da lei a imposição de aplicação do instituto em questão, também nos parece isento de dúvida perante os factos provados – e só estes relevam – que inexiste, na situação em apreço, espaço para afirmar uma diminuição acentuada da culpa, a qual só poderá ser considerada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao crime [Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime “1993, pág. 306 e ss].

Especificamente a propósito da imputabilidade diminuída no sentido de não ter de conduzir à atenuação especial da pena, podendo mesmo, dependente das qualidades pessoais do agente reflectidas no acto, levar à respectiva agravação, lê-se no acórdão do STJ de 03.07.2014 [proc. n.º 354/12.6GASXL.L1.S1] «Tradicionalmente (…) era reconhecida como cobrindo as situações em que o agente está fortemente limitado na sua capacidade de avaliação da ilicitude do ato e de determinação de acordo com essa avaliação, sem que tal capacidade esteja completamente eliminada. A diminuição dessa capacidade determinaria a diminuição da culpa, o que por sua vez obrigaria à atenuação da pena.

Esta conceção da imputabilidade diminuída, fundada na diminuição da culpa, não tem, porém, correspondência na lei penal vigente.

É nos n.ºs 2 e 3 do art. 20º do CP que a lei trata das situações em que a capacidade de avaliação e autodeterminação do agente se encontra “sensivelmente diminuída”. Na verdade, o n.º 2 prevê a extensão da inimputabilidade aos casos em que o agente, “por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída”. E o n.º 3 acrescenta que a comprovada insensibilidade do agente às sanções penais pode constituir índice da situação prevista no n.º 2.

Estes dois preceitos preveem afinal casos em que, apesar de o agente não se encontrar destituído de capacidade de avaliação, a gravidade da situação permite assimilá-la à de autêntica inimputabilidade (a do n.º 1). Trata-se, pois, de situações de imputabilidade duvidosa (…) Verdadeiramente, ao permitir a integração dessas situações na inimputabilidade, a lei admite uma inimputabilidade fictícia, uma vez que a situação não é de total carência de capacidade de avaliação e de determinação. Entendeu, porém o legislador que, nos casos mais graves, o tribunal deve poder optar (“pode se declarado inimputável …”) entre a decisão de imputabilidade ou de inimputabilidade, ou seja, entre a aplicação de uma pena ou antes de uma medida de segurança, conforme faça ou não sentido censurar eticamente a conduta do agente (n.º 2), ou tentar (ainda) influenciar a sua conduta futura mediante a aplicação de uma pena (n.º 3).

Ou seja: os casos de “diminuição sensível da capacidade de avaliação” podem ser tratados como de inimputabilidade ou antes de imputabilidade (diminuída), de acordo com o juízo que o tribunal faça sobre os pressupostos referidos nos n.ºs 2 e 3 do art. 20º do CP.

No caso de o tribunal considerar o agente imputável, estaremos perante um caso de imputabilidade diminuída, mas o legislador não determina nem sequer prevê a atenuação da pena, como se imporia caso a imputabilidade diminuída se fundasse numa presumida diminuição da culpa.

É que na determinação do grau de culpa na imputabilidade diminuída há que levar em conta as qualidades pessoais do agente, reflectidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponderá uma pena necessariamente mais grave.

No mesmo sentido pronunciou-se o acórdão do STJ de 27.04.2011 [proc. n.º 693/09.3JABRG.P2.S1] quando realça: «A semi-imputabilidade não está directamente prevista no art. 20º, n.º 2, como causa de atenuação da pena.

Mesmo em caso de comprovada imputabilidade diminuída, o agente que padece de anomalia psíquica, pode se não ver reconduzido a uma situação de atenuação da pena, se não mesmo incurso na sua agravação, nos casos em que as qualidades pessoais do agente, que fundamentam o facto, se revelem, apesar da diminuição da imputabilidade, particularmente desvaliosas e censuráveis, v.g., de brutalidade e crueldade que acompanham muitos factos».

Também assim o acórdão do STJ de 19.03.2009 [proc. n.º 09P0315], no qual se mostra consignado: «… como refere Figueiredo Dias (Pressupostos da Punição, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 77), «não diz a lei se a imputabilidade diminuída deve por necessidade conduzir a uma pena atenuada. Não o dizendo, parece, porém, não querer obstar à doutrina – também entre nós defendida por Eduardo Correia e a que eu próprio me tenho ligado, de que pode haver casos em que a diminuição da imputabilidade conduza à não atenuação ou até mesmo à agravação da pena. Isto sucederá, do meu ponto de vista, quando as qualidades pessoais do agente que fundamentam o facto se revelem, apesar da diminuição da imputabilidade, particularmente desvaliosas e censuráveis, v.g. em caos como os da brutalidade e da crueldade que acompanham muitos factos dos psicopatas insensíveis, os da inconstância dos lábeis ou os da pertinácia dos fanáticos», prosseguindo o aresto «…mesmo que se provasse a existência de imputabilidade diminuída esta não justificaria uma atenuação especial da pena, face à perigosidade do arguido (…) e à especial censurabilidade e preversidade».

Retomando o caso, como já atrás adiantámos, perante o acervo factual assente, evidenciando um grau muito elevado de ilicitude, quer em função do modo de execução do crime, traduzido em pancadas com um ferro [de 1,50 metros] no corpo da vítima, designadamente na cabeça, que persistiram mesmo após esta já se mostrar caída no chão, quer em virtude das muito expressivas consequências ao nível das lesões provocadas - as quais determinaram a necessidade de intervenções cirúrgicas - e que - até 30.10.2012 - demandaram um período de doença fixável em 723 dias, com afectação da capacidade para o trabalho geral, com as inerentes dores; a inevitável superioridade em função da diferença de idades entre ofendida e arguido, o qual não se revelou minimamente sensível ao facto de a vítima ser sua mãe, tão pouco num momento em que a mesma já se mostrava prostrada no solo - logo com uma capacidade de defesa fortemente diminuída - a imagem global dos factos é muito grave – revelando o arguido qualidades altamente desvaliosas face ao direito -, não consentindo um juízo de especial atenuação da pena, porquanto é inegável não se assistir a uma acentuada diminuição de culpa, sendo irrefutável que o afastamento da especial censurabilidade – para efeito do funcionamento de um tipo de culpa agravada à luz do artigo 145.º do C. Penal - não conduz, por si, ao juízo de uma acentuada diminuição da culpa.

Irrelevante, ainda, a invocada «boa conduta» do arguido, a qual não encontra sustentação nos factos apurados; bem pelo contrário!

Não resulta, assim, violado o artigo 72.º do C. Penal.

Também no que concerne à pena concretamente encontrada, no seio de uma moldura penal abstracta cujo limite mínimo e máximo é respectivamente de dois e dez anos de prisão, à luz das circunstâncias apuradas, das fortes exigências de prevenção especial – o arguido vive com os pais, na casa destes, protagonizando situações marcadas por níveis de grande conflitualidade, com o risco [tal como evidenciado no relatório pericial] de repetição de actos da mesma natureza – e geral – em função da frequência com que vem ocorrendo episódios de grave violência no seio familiar -, das condenações anteriormente sofridas pelo arguido, também, por crimes contra as pessoas – não tendo deixado de ter sido objecto de ponderação nesta sede [em benefício do arguido] a perturbação da sua personalidade, afigura-se necessária, adequada e proporcional a pena de 4 [quatro] anos de prisão, que não ultrapassa a medida da culpa [artigos 40.º e 71.º do C. Penal], sendo de afastar, como o fez – e bem – o julgador a suspensão da respectiva execução, desde logo por os contornos revelados nos factos não consentirem qualquer juízo de prognose favorável sobre uma futura conduta conforme às normas por parte do arguido, aspecto, aliás, que nem sequer vem questionado pelo recorrente.

Conclui-se, assim, por também nesta parte falecer razão ao recorrente.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que integram este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Condena-se o recorrente em 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça.

Coimbra,  15 de Outubro de 2014

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)