Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1689/11.0TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO
Data do Acordão: 01/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 360.º, N.º 1, DO C.P
Sumário: Comete o crime de falsidade de testemunho aquele que, em fases distintas do mesmo processo ( inquérito e audiência de julgamento), na qualidade de testemunha, produz depoimentos contraditórios sobre a mesma realidade, não interessando saber para preenchimento do tipo de ilícito qual é o depoimento falso.
Decisão Texto Integral:

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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


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No processo supra identificado foi proferida sentença que condenou o arguido A..., pela prática em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo art. 360.º, n.º 1, do C.P., na pena na pena de 200 (duzentos) dias, de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), perfazendo o total de 1.200,00 € (mil e duzentos euros).
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Desta sentença interpôs recurso o arguido, B....
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:

I- O recorrente entende que houve erro na apreciação da prova produzida e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, al.s a) e c), CPP).
II- Efectivamente e também a expensas do infra alegado, o recorrente não pode deixar de considerar que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado que:
"O arguido, em declarações prestadas à Polícia Judiciária, como testemunha no âmbito do inquérito n.º 397/09.7 JACBR, no dia 25 de Outubro de 2009, referiu que já tinha adquirido heroína e cocaína no R/C Esq. Do Lote 2 do W... e que aí se encontrava uma cigana muito bonita,"
II- Quando inquirido, como testemunha, na audiência de julgamento realizada no dia 7 de Julho de 2011, no âmbito do processo comum colectivo n.º 379/09.7 JACBR, após prestar juramento, que correu termos na Vara de Competência Mista - 2.a Secção do Tribunal Judicial de Coimbra, declarou que não estava a ver onde era o lote 2, do R/C Esq., do W...."
III- De facto, o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão apenas no teor da prova documental junta aos autos, não tendo havido recurso a qualquer outro meio de prova, sendo que o arguido recusou prestar declarações sobre os factos de que vinha acusado, remetendo-se ao silêncio.
IV- Ora, a prova documental invocada pelo Tribunal a quo não foi produzida ou examinada em audiência, pelo que não deveria ter sido valorada, não devendo valer em jultgamento1 nomeadamente para efeitos de convicção do Tribunal.
V- Acresce que o Tribunal a quo valorou as declarações do arguido, prestadas a órgão de polícia criminal, na qualidade de testemunha, sem ter prestado juramento e sem ser advertido das consequências da sua conduta, declarações essas que não poderiam ser lidas em audiência, no âmbito do processo anele foram prestadas.
VI. Não deveria, ainda, ter sido dado como provado que:
3 "O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de prestar declaração falsa quanto ao seu conhecimento dos factos, que eram relevantes para a dedução da acusação, bem como para o julgamento, o que representou.
Bem sabia que a sua conduta era proibida e punida como ilícito criminal."
VII. Não resulta provado que o arguido mentiu ou prestou falsas declarações, uma vez que o Tribunal não determinou qual a verdade objectiva para poder aferir que o testemunho do arguido é falso.
VIII. Dos autos e da produção de prova efectuada, que se reduz a zero, não resulta a intenção do arguido em prestar falso testemunho. Mesmo que se aceite que tais documentos podem ser valorados, da sua leitura não resulta a intenção de prestar declarações falsas.
IX- Assim, o douto Tribunal a quo, que devia ter tido em conta tais dúvidas, vaiara-as contra o arguido pondo em causa o princípio" in dubio pro reo".
X- O Tribunal a quo, atesta a inexistência de prova produzida (uma vez que os documentos em que baseou a sua decisão não foram produzidos ou analisados em audiência, e contêm declarações que não poderiam ser lidas no processo onde tiveram a sua origem), e não se fez uso de qualquer outro meio de prova), dá como provado o tipo objectivo e subjectivo de ilícito, condenando o arguido.
XI- No caso em concreto, resulta claro que o Tribunal a quo andou mal em dar como provado que o arguido praticou o crime de falsidade de testemunho, sem saber, por um lado, qual a verdade objectiva e, por outro, se o arguido o fez com intenção de falsear a sua declaração.
XII- As razões aduzidas pelo recorrente, supra, são, salvo melhor entendimento, suficientes para pôr em causa a convicção do Tribunal a quo, pelo que se pode afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova.
XIII- Daí que, nesta perspectiva, o Arguido entenda haver insuficiência para a decisão da matéria de facto e que esta tem influência na decisão final. Tais factos merecem indagação e são necessários para a formulação de um juízo decisório que, no caso, é de absolvição.
XIV- De facto, o Tribunal a quo condenou sem estar na posse de elementos probatórios que levassem à conclusão que o arguido praticou um crime.
XV- Mais, condenou sem se preocupar em munir-se de todos os meios de prova que pudessem levar ao preenchimento do tipo objectivo ou subjectivo do tipo de crime, ou ao seu afastamento.
XVI- A Sentença de que se recorre parte de insuficiência da matéria de facto dada como provada e sofre de erro notório na sua apreciação, pois revela um juízo ilógico na apreciação efectuada pelo Tribunal a quo.
XVII- Impõe concluir-se que a versão dos factos dada como provada pelo Tribunal a quo não está de acordo com as regras da experiência comum, do que resulta que o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento .
XVIII- O recorrente não praticou qualquer crime: "O preenchimento do crime de falsidade de testemunho, p. e p, pelo art. 360. º do CP, pressupõe a demonstração de que o concreto depoimento não corresponde à verdade, não se bastando com a circunstância de existir divergência relativamente a outro prestado." - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-04-2012, in www.dgsi.pt. Acórdão da Relação de Guimarães, de 29-06-2009, in www.dgsi.pt. Acórdão da Relação do Porto, de 14-09-2811, in www.dgsi.pt, Acórdão da Relação do Porto. de 05-07-2006, in www.dgsi.pt.
Sem prescindir,
XIX- O Tribunal a quo decidiu com base em documentos que não foram analisados em sede de audiência de discussão e julgamento: a dispensa de exame ou leitura dos documentos viola os princípios da imediação, publicidade e oralidade, valendo para os intervenientes do processo, mas também ao público em geral e para o controle da população face à própria actividade jurisdicional. - Cfr, Silva, Germano Marques, Curso de Processo Penal, Vol. III, Editorial Verbo, Lisboa, 2000, pg 253 e 254.
XX- Acresce que o Tribunal a quo valorou, como meio de prova, a certidão extraída dos autos de processo n.º 397/09.7 JACBR, onde o arguido prestou declarações na qualidade de testemunha, perante órgão de policia criminal, Ora, nos termos do art, 356.°, n.º 1, ai. b) e nº l do código de Processo Penal, a leitura de tais declarações em audiência não é permitida.
XXI- O art, 356.° do CPP não distingue entre as declarações prestadas no processo em que são lidas e as declarações prestadas em outro processo. Portanto, nada obsta à junção aos autos de certidão de prova testemunhal prestada noutro processo, desde que se cumpram todos os requisitos deste artigo.- Cfr. Albuquerque, Paulo Pinto de, comentário ao (Código de Processo Penal, art, 356.º Universidade Católica Editora, Lisboa, p, 898.
XXII- Em nenhuma outra circunstância é admissível a leitura de depoimento de testemunha ou declarante prestado noutro processo, sendo que nenhuma daquelas circunstâncias se verificou, pelo que a leitura das declarações prestadas no processo 391/09.7 JACBR, não podiam ser lidas no presente processo. Não podendo ser lidas, não podem ser valoradas, nos termos do art, 355º, nº 1 e 2. do CPP.
Sem prescindir,
XXIII. Prevê o art, 364.°, al. a) do Código Penal a possibilidade de atenuação especial da pena dispensa da pena se a falsidade disser respeito a circunstâncias que não tenham significado essencial para a prova a que o depoimento se destinar.
XXIV- Ora, ao contrário cio entendimento do Tribunal a quo o arguido, quando prestou declarações como testemunha em sede de inquérito no âmbito do processo n.º 397/09.7 JACBR nunca disse que a arguida C...traficava estupefacientes e que residia no W..., Lote 2, R/C esq.
XXV. Das declarações do arguido (cfr. certidão das declarações prestadas no inquérito) não resulta que o arguido comprou os estupefacientes à C..., nem que esta trafica estupefacientes, nem que a mesma reside no Lote 2, RI C esq. (podia estar lá a comprar, como ele).
XXVI. Na audiência de discussão e julgamento (cfr. transcrição da sessão de audiência e julgamento), o arguido refere que não está a ver onde é o Lote 2 e refere que não comprou estupefacientes às arguidas presentes na sala. Referindo, ainda, que terá visto uma delas dentro de alguma casa onde ele foi comprar droga, não se recordando em qual.
XXVII- Na essencialidade da questão - provar que a arguida C...traficava estupefacientes - o arguido não prestou qualquer depoimento falso, pelo que não pode, de todo, concordar com a posição do Tribunal a quo quanto à não aplicação da dispensa de pena ou sua atenuação especial,
XXVIII- Estão verificados os pressupostos para a aplicação do instituto da dispensa de pena, no; termos do art, 364.°, al. a) do Código Penal, bem como os previstos nas alíneas do art. 74.º do mesmo Código, De facto, a ilicitude do facto e a culpa do agente foram diminutas, até porque o arguido é toxicodependente e nem sempre está inteiramente lúcido, e à dispensa de pena não se opõem razões de prevenção geral ou especial (Não havendo a obrigação do arguido indemnizar o assistente, então não existe qualquer reparação a fazer, justificando­-se que, verificados os demais requisitos, aquele seja dispensado da pena em que foi condenando." - Cfr, Acórdão da Relação do Porto, de 18-01-2012, in www.dgsi.pt.).
XXIX Mas mesmo que assim não se entenda, o Tribunal a quo, deveria, pelas razões apontadas, que se prendem com a não essencialidade do declaração do arguido, aplicar a atenuação especial obrigatória da pena.
Sem prescindir,
XXX- O arguido foi condenado em 200 dias de multa, não tendo sido feita, como vimos, qualquer atenuação especial.
XXXI- Acresce que o grau de ilicitude do facto não é elevado, nem as suas consequências são graves, sendo que não foi dado como provado, pelo Tribunal a quo, qualquer consequência resultante da actuação do arguido.
XXXII, Não resulta dos factos dados como provados que o arguido tenha agido com dolo, pelo que não pode considerar-se que a intensidade do dolo foi elevada, nem o meio de execução do crime foi especialmente censurável,
XXXIII- Assim, o Tribunal a quo deveria ter aproximado a medida da pena do mínimo legal.
XXXIV- Acresce que não foi perguntado ao arguido da sua situação económica e dos seus encargos, De facto, o arguido remeteu-se ao silêncio relativamente aos factos de que vinha acusado. Pese embora resulte da acta de julgamento que tais perguntas foram feitas e estão gravadas, o certo é que isso não aconteceu. - Cfr. CD - declarações do arguido.
XXXV- Foram violados os artigos 71.°, n.º 1, 2 e 3, 72.°, 73.°, 74.º, 360,°, n.º 1 e 364.°, al. a) do Código Penal, os artigos 32.º, n.º 2 e 5, 202.°, n.º 1 e 206.° da Constituição da Republica Portuguesa, e os artigos 321º n.º 1, 355.°, n.º 1 e 2 e 356.°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal.
ASSIM, SEM MENOSPREZO PELA DOUTA SENTENÇA DE QUE SE RECORRE E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VV. EXA.S, ESPERA-SE QUE SEJA O ARGUIDO ABSOLVIDO DO CRIME DE QUE VEM ACUSADO
VV. Exas., ASSIM DECIDINDO, FARÃO JUSTIÇA

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo dos vícios constantes do art 410 nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. O arguido, em declarações prestadas à Polícia Judiciária, como testemunha no âmbito do inquérito n.º 397/09.7JACBR, no dia 25 de Outubro de 2009, referiu que já tinha adquirido heroína e cocaína no R/C, Esq.º do Lote 2 do W... e que aí se encontrava uma cigana muito bonita.
2. Quando inquirido, como testemunha, na audiência de julgamento realizada no dia 7 de Julho de 2011, no âmbito do processo comum colectivo n.º 397/09.7JACBR, após prestar juramento, que correu termos na Vara de Competência Mista 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Coimbra, declarou que não estava a ver onde era o Lote 2, do R/C Esq.º, do W....
3. O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de prestar declaração falsa quanto ao seu conhecimento dos factos, que eram relevantes para a dedução da acusação, bem como para o julgamento, o que representou.
4. Bem sabia que a sua conduta era proibida e punida como ilícito criminal.
Mais se provou que:
5. O arguido foi condenado nos seguintes processos:
􀂷 Processo Comum Singular n.º 165/05.5PAPBL, com dispensa de pena, pela prática, em autoria material de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184º, do Código Penal, transitada em julgado em 12/09/2006,
por factos praticados em 28/06/2005;
􀂷 Processo Comum Singular n.º 284/06.0GAANS, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00, pela prática, em autoria material de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, transitada em julgado
em 18/07/2007, por factos praticados em 25/11/2006;
􀂷 Processo Sumaríssimo n.º 5/07.0GELRA, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5,00, pela prática, em autoria material de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, transitada em julgado em
01/09/2008, por factos praticados em 1/06/2006;
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Factos não Provados
Da discussão da causa, com interesse para a decisão, não resultou provado:
1. Que o arguido seja toxicodependente e que sempre teve medo e receio da polícia, pois já teve sérios problemas com as autoridades e sempre saiu mal tratado;
2. Quando foi notificado para prestar depoimento no âmbito do processo n.º 379/09.7JACBR, teve medo e sentiu ataques de pânico;
3. Que tenha tomado estupefacientes suficientes para lhe passar o medo e colaborar com os inspectores da Polícia Judiciária, pelo que deve ter dito o que não sabia e confirmado certezas, que aliás era o que queria a investigação;
4. Que tenha dito disse sim a tudo;
5. Que o arguido não se lembra de alguma vez ter entrado no bloco dois do rés-do-chão esquerdo do W...;
6. Quando esteve na Polícia Judiciária, porque tinha consumido imensa droga, não sabe ao que respondeu, nem como respondeu aos inspectores.
Motivação da Decisão de Facto
Funda-se a convicção do Tribunal, quer positiva, quer negativa, no teor da prova documental junta aos autos, analisada de forma crítica e com o auxílio de juízos de experiência comum, nos termos do art. 127.º e ainda nos termos do art. 163.º, ambos do Código de Processo Penal.
Pelo que foi tomado em consideração, quanto à prova documental, o teor:
􀂷 Da certidão junta a folhas a 7, da qual se retiram as declarações prestados pelo arguido, junto da Polícia Judiciária, no âmbito do Processo n.º 397/09.7JACBR;
􀂷 Da certidão do acórdão, relativo ao Processo n.º 397/09.7JACBR, junta a
folhas 14 a 42.
􀂷 Da transcrição da sessão de audiência em julgamento, junta a folhas 43 a 66, de onde se extrai o testemunho prestado pelo arguido em sede de audiência e julgamento, relativo ao Processo n.º 397/09.7JACBR.
􀂷 E do CRC do arguido junto a folhas 93 a 97.
O arguido optou por se remeter ao silêncio relativamente aos factos que lhe foram imputados, declarando não desejar prestar declarações em sede de audiência.
Assim, dada a prova documental existente nos autos certidão do auto de
interrogatório de arguido junto da Polícia Judiciária, certidão da sentença condenatória proferida no Processo n.º 397/09.7JACBR, a transcrição da sessão de audiência em julgamento, de onde se extrai o testemunho prestado pelo arguido em sede de audiência e julgamento, relativo ao Processo n.º 397/09.7JACBR, o tribunal considerou provados os factos supra descritos, com excepção dos factos 3 e 4.
Relativamente aos factos provados nos pontos 3 e 4, os mesmos assim o foram dados como provados recorrendo às regras de experiência comum da vida e analisando com espírito crítico o conteúdo dos documentos supra referidos.
Pelo que fazendo uso das regras de experiência comum, se alguém afirma que esteve em determinado local (R/C Esq. do Lote 2) a adquirir determinado produto estupefaciente e tenha apontado que no seu interior esteva uma cigana muito bonita, e mais tarde, afirma não sabe sequer onde é o referido Lote e que nuca esteve no seu interior, terá que se concluir, com toda a certeza que há a prestação de depoimentos divergentes, em dois momentos distintos, e que o arguido sabia que existia tal divergência e assim o quis.
Perante este quadro factual, e os factos dados como provados, foi possível chegar ao aspecto subjectivo, ponderando-se o iter criminis do arguido, ou seja, a acção objectivamente apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência comum, da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento, pelo que se pode concluir que o mesmo prestou depoimentos divergentes em dois momentos distintos, como fez e pretendia, bem sabendo que actuando como actuou faltava à verdade e violava deveres que lhe eram legalmente impostos.
No que tange aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 93 a 97.
Quanto aos factos não provados, o Tribunal considerou-os como tal porque não foi feita qualquer prova acerca da respectiva verificação.

*****

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Se há erro notório na apreciação da prova;
- Se a prova documental não pode ser valorada;
- Se a pena peca por excessiva;
- Se há lugar à dispensa de pena ou atenuação especial;

O recorrente invoca os vícios constante do art 410 nº 2 al a) e c) do Código Processo Penal, esquecendo-se que de acordo com aquele normativo qualquer dos vícios consignados naquele nº 2 para relevar, têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
O recorrente frisa que o fundamento do recurso são os vícios constantes do art 410 nº 2 al a) e c), ou seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, no entanto, o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Vejamos, então, se a sentença recorrida está ferida dos vícios constantes do art 410 nº 2 do CPP.
Atento o que dispõe o art 339 nº 4 do CPP a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.
Ora, só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito (proc. 48531 de 8/2/96); ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo (proc. 147/96 de 23/10/96).
Esta insuficiência não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras de experiência.
No caso vertente, o tribunal apreciou os factos constantes da acusação que enumerou nos termos exigidos pelo art 374 nº 2 do CPP e os factos provados permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento.
A decisão recorrida é coerente, lógica, está bem estruturada e devidamente fundamentada.
Analisando os factos apurados temos de concluir que tudo o que era essencial foi devidamente apurado e são suficientes para se decidir.
Aliás, o recorrente embora alegue que a sentença enferma de vício plasmado na al a) do nº 2 do art 410 do CPP a verdade é que não indica que diligências é que o Tribunal não fez, podendo fazê-lo, que investigações podia ter efectuado para melhor esclarecimento da verdade e para a boa decisão da causa.

O recorrente frisa que existe erro na apreciação da prova, no entanto, o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Ora, vejamos:
Só há erro na apreciação da prova, quando:
- “há erro na crítica dos factos. Não se confunde com erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito;
- se decide contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado;
- se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida;
- se afirma algo que se não pode ter verificado;
- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável;
- se valoriza prova contra regras da experiência comum ou critérios legalmente fixados
- é um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da sentença. As provas revelam, claramente um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela, algum facto essencial.
- Dá-se como provado o que notoriamente está errado, não pode ser.
No caso vertente não se verifica a existência deste vício.
O tribunal foi claro quanto à formação da sua convicção e que não nos merece qualquer dúvida ou censura.
Ora, atento os factos apurados e compulsada a fundamentação do Tribunal não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova.
O que recorrente faz é a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que o acórdão recorrido deu como provado.
Aliás o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou a prova documental em que se fundou para formar a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
Este princípio da livre apreciação da prova, implica que “salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
As normas da experiência são como refere o prof. Cavaleiro Ferreira, “...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade”. (cfr “Curso de processo penal, Vol II, pg 30).
Sobre a livre convicção refere o mesmo Professor que esta “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade” (ob. cit.).
Diz, ainda o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz “é uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (Direito Processual Penal, 1º Vol, pg 203).
Assim sendo, lendo os factos provados e a fundamentação temos de concluir que não houve erro na apreciação da prova. Tal vício não ocorre na decisão recorrida. Na verdade, não se pode confundir “erro notório” “com uma diferente convicção probatória relativamente aos elementos analisados em audiência. Como se refere no Recurso nº 854/2000 desta Relação “o vício de erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”.
O recorrente confunde erro notório na apreciação da prova com erro de julgamento. Na verdade, da leitura da motivação verifica-se que, o que o recorrente entende é que houve erro de julgamento. Ou seja, estamos perante um erro de julgamento quando mediante as provas apresentadas tiram-se conclusões da prova que a prova não contém. Estamos perante um erro na apreciação da prova quando se aprecia mal a prova e não já os factos.
Portanto, aquele vício é um erro de raciocínio na apreciação da prova e não um erro, em ordem a aplicar o direito, dos factos provados.
Quer da leitura da motivação, quer da leitura das conclusões verifica-se que o recorrente apenas faz a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que a sentença recorrida deu como provado.
Como acima referimos, o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção. A convicção foi correcta e bem alicerçada.
No entendimento do recorrente o Tribunal não se muniu de todos os meios de prova que pudessem levar ao preenchimento do tipo objectivo ou subjectivo do tipo de crime, ou ao seu afastamento.
O Tribunal tomou em consideração os documentos junto aos autos que retratam a actuação do arguido. Este no âmbito do processo nº 397/09.7JACBR, em duas fases processuais distintas – inquérito e julgamento – consciente de que o seu testemunho se destinava, assim como a restante prova, a esclarecer os factos objecto daquele, sabendo e alertado de que não podia faltar à verdade, fez afirmações contraditórias sobre factos de que tinha conhecimento directo.
O crime de falso testemunho é um crime “de mão própria”, perigo abstracto e de mera actividade, pois é praticado por quem reveste certa qualidade, “não é necessário que a declaração falsa prejudique efectivamente o esclarecimento da verdade suporte da decisão nem sequer que em concreto o tenha colocado em perigo”, e a conduta esgota-se na prestação do depoimento falso não exigindo lei qualquer resultado (e quando o faz é como circunstância agravante) – in Comentário Conimb. Ob e loc. cit.
Como o bem jurídico protegido é a “administração da Justiça como função do Estado” traduzindo o “interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais ou análogos, na medida em que constituem suporte para a decisão” Ob. loc. cit.; ocorrerá lesão de tal bem jurídico sempre que tal não ocorra.
No caso vertente, o arguido no processo em fase de inquérito prestou um depoimento e na audiência de julgamento prestou um depoimento contrário. Ou seja, no mesmo processo embora em fases distintas o arguido prestou um depoimento falso.
Dos documentos junto aos autos resulta que, efectivamente, o arguido prestou um depoimento falso, na medida em que são contraditórios sendo pelo menos, um deles falso, e porque o “fundamento do ilícito é… a própria declaração falsa, independentemente da sua efectiva influência na decisão “ Ob. Loc. Cit. não interessa saber para preenchimento do tipo de ilícito qual é o depoimento falso.
O dever de uma testemunha, no processo, qualidade em que o ora arguido estava investido, era o de prestar um depoimento verdadeiro e completo – cfr. artº 348º, 138º3 e 91º CPP “ dizer toda a verdade e só a verdade” , e o seu dever é nunca faltar á verdade, não mentir nunca. Ora o arguido faltou á verdade, não cumprindo o seu dever, desobedecendo ao comando legal e pondo em causa o bem jurídico protegido, ocorrendo falsidade da declaração proferida no processo judicial em curso, no qual os depoimentos contraditórios incidem sobre a mesma realidade, e que visava a realização da justiça no caso.
Sustenta o recorrente que o Tribunal decidiu com base em documentos que não foram analisados em sede de audiência de discussão e julgamento. Ora, os documentos junto aos autos forem indicados como prova no despacho de acusação do qual o arguido foi notificado e apresentou contestação.
O artº 355º nº 1 do CPP apenas visa evitar que o Tribunal forme a sua convicção com base em material probatório que não foi apresentado e junto aos autos pelos diversos intervenientes processuais e, ao qual não tenha sido exercido o principio do contraditório (Cons. Maia Gonçalves).
As provas constituídas por documentos junto aos autos são provas que, necessariamente, estão presentes na audiência de discussão e julgamento e submetidas ao contraditório sem necessidade de serem lidas na mesma audiência, já que as partes têm conhecimento do seu conteúdo. Portanto, o artº 355º, nº 1 não exige a leitura em audiência de discussão e julgamento dos documentos constantes dos autos, bastando a existência dos mesmos e a possibilidade de em relação a eles poder exercer-se o contraditório.
Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque ao referir que “a formação da convicção com documentos juntos com a acusação, constante dos autos não lidos nem explicados na audiência, não viola o principio do contraditório, quer na modalidade do principio da oralidade, quer da imediação”
Portanto, o Tribunal analisou a prova junta aos autos e dela resulta, sem qualquer dúvida, a existência de depoimentos prestados pelo arguido, contraditórios, no mesmo processo.
É verdade, que o arguido se remeteu ao silêncio, não prestando declarações. E é certo que um arguido que mantém o silêncio em audiência não pode ser prejudicado, mas, também é certo que prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de esclarecer pontos de que tem um conhecimento pessoal. Assim, não pode, depois, reclamar que foi prejudicado pelo seu silêncio.
Assim, não se vê em que termos é que o tribunal violou o princípio “in dúbio pró reo”.
A presunção da inocência é identificada com o princípio “in dubio pro reo”, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac STJ de 2/5/996 in CJ, ASTJ, Ano VI, 1º, pg, 177).
No caso “sub judice”, não há lugar a aplicação de tal princípio. Na verdade, as provas existentes nos autos são deveras convincentes e não criaram ao tribunal recorrido qualquer dúvida que levasse o mesmo a socorrer-se do referido princípio, de molde a proferir um juízo decisório favorável ao arguido.

Quanto à determinação e medida da pena, o recorrente limita-se a discordar da mesma, entendendo que a pena deveria ter sido especialmente atenuada e, como tal, dispensado de pena. Defende-se, ainda, com o argumento que nada resulta nos autos sobre a sua situação económica e encargos.
É de notar que estamos perante um “crime contra a função da administração da justiça, onde a prestação dos depoimentos assumem uma importância vital para uma correcta decisão: que sejam verdadeiros - sem o que não é possível a Justiça que todos reclamam”.
De acordo com o disposto no artº 364º, al. a) do CPenal, as penas são especialmente atenuadas, podendo ter lugar a dispensa da pena quando a falsidade disser respeito a circunstâncias que não tenham significado essencial para a prova a que o depoimento (…) se destinar.
Como vem referido na decisão recorrida nos termos desta disposição, a falsidade de uma declaração respeitante a circunstância considerada não essencial, constitui fundamento de atenuação especial da pena, obrigatória, ou de dispensa da pena, facultativa.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque A não essencialidade da circunstância a que respeita a declaração falsa é apreciada objectivamente, em função da totalidade do objecto da acção processual em causa. Tratando-se de uma acção penal, é decisiva a delimitação dos factos constante da acusação, pronúncia ou contestação. Todas as circunstâncias que possam elucidar as provas dos factos da acusação, pronúncia ou contestação são essenciais, assim como os factos atinentes à situação pessoal do agente do crime. (in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1ª edição, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2008, pág. 853).
Uma vez que deflui da certidão do acórdão proferido no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 397/09.7JACBR, que C...da Costa Cardoso se encontrava acusada do crime de tráfico de estupefacientes, e que a mesma era residente no W..., Lote 2, R/C, esq., factualidade essa que o arguido confirmou em sede de inquérito, e disse desconhecer em sede de julgamento, em total contradição com o que afirmara no inquérito, não pode reputar-se por não essenciais as declarações do arguido, pelo que não há lugar nos presentes autos à aplicação do regime previsto no artigo 364º C.P.
Assim, do exposto e atendendo ao passado criminal do arguido, ao facto de não ter confessado os factos, não houve arrependimento, não se encontram preenchidos os pressuposto que podiam permitir a atenuação especial, ou seja, não se vislumbram quaisquer circunstâncias que de alguma forma diminuam por forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
E não diga o recorrente que nada ficou apurado sobre a sua situação económica e encargos. Como acima se referiu o arguido tem direito ao silêncio e não pode ser prejudicado por se remeter ao silêncio. No entanto, com tal opção, prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de esclarecer pontos de que tem um conhecimento pessoal, como por exemplo, a sua situação económica. Assim, não pode, depois, reclamar que foi prejudicado pelo seu silêncio.
Considerando todos os elementos trazidos aos autos, o grau de ilicitude dos factos, o dolo directo e intenso a pena de multa aplicada não nos merece qualquer censura por esta se mostrar adequada, proporcional e equilibrada.

Termos em que se tem o recurso interposto por improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.

Coimbra,


Alice Santos

Belmiro Andrade