Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2343/11.9T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CONTA BANCÁRIA
CÔNJUGE
BENS COMUNS
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV - AVEIRO - JPMIC - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.516, 944, 1692, 1717,1722, 1725, 1729 CC.
Sumário: 1.O dinheiro depositado em conta do casal presume-se comum.

2.Usado este dinheiro para pagar dívida da exclusiva responsabilidade de um dos ex-cônjuges, é o património comum que tem um crédito sobre este.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

P (…), residente na Rua (...), em Aveiro, intentou ação contra J (…), residente na Rua (...), Aveiro, pedindo a condenação deste a pagar-lhe € 22.141,87, com juros vencidos e vincendos a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese:
Autora e Réu casaram em 20 de Abril de 1991;
O casamento foi dissolvido por divórcio de 2006;
Instaurado processo de inventário, neste foi reclamado pela Autora, como passivo a seu favor, o valor de € 21.091,78, relativo a encargos com a aquisição de bem próprio do Réu e realização de benfeitorias no mesmo;
Aquele dinheiro foi-lhe doado pelos seus pais;
A Autora estava convencida de que estava a contribuir para a aquisição de um bem comum;
No inventário, para dirimir a questão relativa a este passivo, os interessados foram remetidos para os meios comuns.
Contestou o Réu, em síntese:
Na conta bancária de que ambos são titulares, os depósitos destinados à amortização do empréstimo foram sempre efectuados com verbas do Réu;
O montante de € 1.350,00, respeitante a depósitos feitos pela autora e cuja devolução esta reclama, foi pela mesma levantado;
A Autora sempre teve despesas muito acima das suas possibilidades, as quais eram suportadas, para além do seu ordenado (quando a autora o tinha pois não trabalhou nos anos de 1993, 1994, 1996 e 1999), com os rendimentos do trabalho do réu e com quantias que a mãe da autora lhe dava;
O Réu apenas fez pequenas alterações na cozinha e na casa-de-banho, sendo as mesmas feitas a suas expensas exclusivas e o respectivo custo não foi superior a € 250,00.
Realizado o julgamento, a ação foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido. Em síntese, a sentença considerou que o valor apurado é crédito da mãe da Autora e não desta.
Foi ainda julgado improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
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            Inconformada, a Autora recorreu e apresenta as seguintes conclusões:
(…).
*
            Não foram apresentadas contra-alegações.
*
            As questões a decidir são as seguintes:
            A) A reapreciação da matéria de facto incluída nos quesitos 3º a 5º.
            B) Como se qualifica o valor apurado e entregue pela mãe da Autora, para liquidar o empréstimo bancário? Quem é o titular do pretenso crédito?
*
A) A reapreciação da matéria de facto incluída nos quesitos 3º a 5º.
(…)
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação da resposta dada aos referidos quesitos, mantendo-a.
*
            São então estes os factos a considerar:
1. A Autora e o Réu contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, a 20 de Abril de 1991.
2. Este casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida a 3 de Maio de 2006, no processo nº (...)/05.0TMAVR do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, transitada em julgado a 18 de Maio de 2006.
3. Por apenso a este processo foi instaurado o inventário para separação de meações, que ainda se encontra pendente, sob o nº (...)/05.0TMAVR-A, no Juízo de Família e Menores de Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga.
4. A Autora apresentou reclamação à relação de bens apresentada pelo ora Réu no processo de inventário identificado em 3 onde, para além do mais, requereu que fosse relacionado, como passivo a seu favor, a quantia de € 21.091,78, despendida por esta “para aquisição de bem próprio do cabeça-de-casal e da realização de benfeitorias e obras de conservação do mesmo”.
5. O cabeça-de-casal, ora Réu, não aceitou a referida reclamação à relação de bens.
6. Foi proferido despacho no inventário nº (...)/05.0TMAVR-A, a 30/05/2007, a remeter os interessados para os meios comuns, relativamente ao pretenso passivo.
7. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o nº (...)/19860121-J a seguinte fracção: o sótão do lado direito. Sala adaptável a um estúdio ou quarto, uma divisão para arrumos, kitchenet.
8. Esta fracção encontra-se inscrita em nome do ora Réu, por compra, pela inscrição Ap. 21 de 1987/12/23.
9. Esta fracção foi adquirida com recurso a crédito bancário e encontra-se onerada com duas hipotecas voluntárias a favor da Caixa Geral de Depósitos, inscritas pela Ap. 22 de 1987/12/23 e pela Ap. 14 de 1988/05/23, cujo capital é, respectivamente, de 2.000.000$00 e de 196.059$72.
10. A dada altura da respectiva amortização, embora não no seu início, a prestação mensal do empréstimo a pagar ao Banco mutuante era de cerca de 15.000$00.
11. A Autora começou a habitar a fracção identificada em 7 antes do seu casamento com o Réu.
12. A Autora depositou na conta titulada pelo Réu, na Agência da Caixa Geral de Depósitos, sob o n.º O (...), no período compreendido entre Agosto de 2004 a Maio de 2006, a quantia global de € 1.050,00.
13. As quantias depositadas pela Autora nesta conta, no período de Junho de 2004 a Maio de 2006, que somam € 1.350,00, foram posteriormente levantadas por ela naquele mesmo período.
14. A Autora é também titular da referida conta bancária e sempre teve acesso a ela, movimentando-a.
15. Para pagamento das prestações do empréstimo contraído para compra da fracção referida em 7, foram depositadas pela mãe da autora, na conta bancária identificada em 12, as seguintes quantias: € 1.200,00 de Março a Novembro de 2002; € 1.200,00 de Março a Dezembro de 2003; € 900,00 de Fevereiro a Junho de 2004.
16. Durante a convivência conjugal, a mãe da autora contribuiu com valor não concretamente apurado, para a realização de obras de conservação do imóvel atrás referido e nela incorporadas, designadamente: a) remodelação da cozinha, colocação de mármore e substituição de todo o mobiliário em madeira; b) substituição de pavimentos e mármores na casa de banho.
17. A mãe da autora, ao abrir mão das quantias referidas em 15 e 16, estava convencida de que estava a contribuir para a aquisição de um bem comum ao casal constituído por A. e R.
18. Em Março de 2004, a A. abandonou a casa de morada de família e nunca mais voltou a residir na mesma.
19. Em 06.06.2004, o saldo da conta bancária referida em 12 era de 215,95€.
20. O pagamento dos reembolsos do empréstimo referido passou, após 26.06.2004, a ser efectuado noutra conta da CGD, aberta pelo R.
21. A 26 Junho de 2004 foi efectuado o último débito, de € 107,10, na conta identificada em 12, para pagamento do reembolso do mútuo concedido pela CGD ao Réu.
22. A partir de Junho de 2004, o Réu não efectuou qualquer movimento, a crédito ou a débito, na conta referida em 12, nem foi efectuado na mesma qualquer débito por conta dos mútuos concedidos pela CGD ao Réu.
23. O Réu é e sempre foi uma pessoa muito poupada, que apenas despende o estritamente essencial, sem quaisquer luxos.
24. A Autora não trabalhou no ano de 1993 e nos anos de 1994, 1996 e 1999 não declarou quaisquer rendimentos às Finanças.
25. Nos restantes anos, com excepção dos anos de 1992 e 1997, o autor teve um rendimento superior ao da autora.
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B) Como se qualifica o valor apurado e entregue pela mãe da Autora, para liquidar o empréstimo bancário. Quem é o titular do pretenso crédito.
As partes casaram em 1991, sem convenção antenupcial.
Na falta desta, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de (bens) adquiridos. (art.1717º do Código Civil)
O imóvel identificado em 7 dos factos é bem próprio do Réu, por ter sido adquirido por este, em solteiro. (art.1722º, nº1, a), daquela lei.)
A dívida subscrita para a sua aquisição e que o onerava é da responsabilidade do Réu, seu proprietário. (arts.1692º, c) e 1694º, nº2, da lei em análise.)
Por outro lado, ainda em face do regime de bens sob que se considera celebrado o casamento entre as partes, presume-se que a conta bancária referida em 12, titulada por ambos, é um bem comum (artº 1725 do Código Civil).
O acórdão do STJ, de 22.2.2011 (no processo 1561/07.9TBLRA.C1.S1, em www.dgsi.pt), assinala que, havendo que distinguir entre a titularidade da conta e a propriedade das quantias depositadas, pela presunção “tantum iuris”, aplicável às contas solidárias do art.516º do Código Civil, na relação interna, os depositantes participam no crédito em partes iguais.
Depois deste enquadramento, importa relevar que a Autora apresentou a causa de pedir na perspectiva das doações da sua mãe, sem curar da presumida comunhão dos valores da conta bancária.
Como interpretar então as entregas feitas pela mãe da Autora?
O facto sob o nº17 (sem desconsiderar tudo o que a testemunha disse) permite perceber que a Senhora pretendeu ajudar o casal a pagar a casa, sem contrapartida para si, salvo a consideração de pensar que a casa era de ambos.
Os seus depósitos na conta do casal também fazem presumir que quis beneficiar os ex-cônjuges, em partes iguais. (arts.944º, nº1 e 1729º, nº1, do Código Civil.)
Este conjunto de ponderações suporta a ideia de que as entregas feitas pela mãe da Autora são doações ao casal e, sendo assim, elas têm um efeito transmissivo a favor do património comum. (art.954º, a), da lei em análise.)
Ora, “sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.” (art.1697º, nº2, do mesmo código)
Na base desta norma, diz-nos o acórdão desta Relação, de 8.11.2001 (no processo 4931/10.1TBLRA.C1, no sítio digital já referido), está “um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum. Se um cônjuge utilizou bens ou valores comuns deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente. A compensação devida será calculada no pressuposto de que o objecto do depósito deveria ser dividido por metade, pelo que a prova de uma diferente conformação das relações internas ficará a cargo do cônjuge que a invocar.”
Para pagar aquela dívida foi utilizado dinheiro comum (e não apenas o dinheiro provado como doado pela mãe da Autora). Interessarão as verbas documentadas da referida conta, como destinadas ao pagamento do referido empréstimo.


Chegados aqui, em parte como defendido pela Autora, encontramos um obstáculo à sua pretensão: o crédito não é seu, directamente contra o Réu, mas sim um crédito do património comum. A sua meação neste só é entregue depois de conferido o que cada cônjuge deve a este património e o que este deve a terceiros. (arts.1689º do Código Civil e 1345º, nº5, do Código de Processo Civil.)
Este processo não dispõe de todos estes elementos, necessários à referida liquidação, e está limitado pelo pedido feito.
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Decisão.
            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida, embora com fundamentação diversa.
Custas pela Recorrente.
            Coimbra, 2014-2-18

 (Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )
 (Luís Filipe Dias Cravo)
 (Maria José Monteiro Guerra)