Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
968/10.3TXCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PARECER Mº Pº
RECURSO
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 12/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 177.º, N.º 1, DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE, APROVADO PELA LEI N.º 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO
Sumário: Não é admissível recurso do despacho judicial que julgou não verificada a irregularidade consubstanciada na falta do envio dos autos para elaboração do parecer a que se reporta o artigo 177.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro .
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No âmbito do processo de liberdade condicional, registado sob o n.º 968/10.9TXCBR-A, do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, o Ministério Público interpôs recurso do despacho judicial que julgou não verificada a irregularidade arguida pelo referido Magistrado, consubstanciada na alegada falta do envido dos autos para elaboração do parecer a que se reporta o artigo 177.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (doravante apenas designado por CEPMPL).
*

2. O recorrente extraiu das motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – As normas processuais são de aplicação imediata.

2.ª – As disposições do livro II do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade não se aplicam aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do recluso ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo, continuando, nesses casos, os processos a reger-se, até final, pela legislação ora renovada.

3.ª – O disposto no número anterior não prejudica a aplicação imediata das normas sobre renovação da instância nos processos de liberdade condicional.

4.ª – Os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

5.ª – O Ministério Público, nos cinco dias seguintes à audição do recluso emite, nos próprios actos, parecer quanto à concessão da liberdade condicional e às condições a que esta deva ser sujeita.

6.ª – O recluso foi ouvido em 25/5/10.

7.ª – Foi proferida sentença em 29/5/10.

8.ª – Não há nos autos qualquer facto concreto que indique o agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do recluso ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

9.ª – Aliás, há no processo actos expressamente feitos à luz da nova lei processual.

10.ª – Foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 9.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, e artigos 146.º e 177.º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Termos em que, com os do doutro suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, pois assim é de direito e só assim se fará justiça!


*

3. Devidamente notificado, o recluso Orlando Joaquim Murtas Henriques não respondeu ao recurso.

*
4. A Sr.ª Juiz sustentou o recurso, cfr. decorre de fls. 66/67.
*
5. Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, em parecer a fls. 70, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
*
6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o recluso acima identificado não exerceu o seu direito de resposta.

*

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II. Fundamentação:
No exame preliminar do processo, o relator manifestou o entendimento de se impor a rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, cabendo agora explicitar os fundamentos dessa posição.
*
1. Elementos relevantes:
1. Por decisão de 12-05-2009, com os fundamentos constantes de fls. 3/7 destes autos de recurso em separado, foi negada a liberdade condicional ao recluso P… .
2. Renovada a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 509.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal, em 17 de Março de 2010, foi junto aos autos relatório social no âmbito do então vigente artigo 484.º do Código de Processo Penal (cfr. fls. 10/13, correspondente a fls. 340/343 do processo principal), no qual foi emitido parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional).
3. Com data de 28 de Abril de 2010, o Director do Estabelecimento Prisional de Coimbra elaborou o parecer de fls. 16 (fls. 351 do processo principal), do seguinte teor:
«Em reapreciação, e mantendo-se inalterados os pressupostos que justificaram o indeferimento anterior, continuamos a considerar que não estão reunidas condições para a libertação do recluso P…, pelo que somos de parecer desfavorável».
4. Em 7 de Maio de 2010, O Ministério Público, na Vista que teve do processo, referiu:
«Visto. Deverão os autos ser-nos presentes para emissão de parecer nos termos do artigo 177.º, n.º 1, do CEPMPL».
5. Proferiu, então, a Sr.ª Juíza o despacho a fls. 30/33, de 12 de Maio de 2010, concluindo-o nos termos infra transcritos:
«Pelo exposto, em conformidade com os normativos supra citados e na prossecução da defesa dos direitos liberdades e garantias do recluso, não se aplica ao presente processo, desde já, a nova legislação, mantendo-se a harmonia e unidade processual dos seus actos, pelo que, cumprido que se mostra o artigo 484.º do CPP, impõe-se que se cumpra o artigo 485.º, n.º 1, do mesmo diploma, considerando-se cumpridas as formalidades, mesmo que, após a Vista que ora se determina, o MP não emita parecer».
6. Em nova Vista, o Ministério Público reiterou a posição anterior, aduzindo: «Visto. Sempre ressalvando o devido respeito por posição adversa, deverão os autos ser-nos presentes para emissão de parecer nos termos do artigo 177.º, n.º 1, do CEPMPL».
7. O Conselho Técnico, reunido no dia 25 de Maio de 2010, onde não esteve presente o M.º P.º, emitiu parecer, unânime, desfavorável à concessão da liberdade condicional. Mais foi considerado, nos termos do artigo 175.º, n.º 2, parte final, do CEPMPL, que, «no caso de ser concedida a liberdade condicional, deverá ser sujeita às seguintes condições: as habituais: residência fixada, tutela da D.G.R.S. e observância do plano de reinserção social» (fls. 35/37).
8. No mesmo dia 25 de Maio de 2010, teve lugar a audição do recluso (fls. 38).
9. Em decisão judicial de 29 de Maio de 2010, não foi concedida ao recluso a liberdade condicional (fls. 39/48).
10. Em 2 de Junho de 2010, o M.º P.º veio arguir irregularidade processual, por não lhe ter sido permitida a emissão de parecer, após a reunião do Conselho Técnico e a subsequente audição do recluso, em conformidade com o disposto no artigo 177.º, n.º 1, do CEPMPL (fls. 51).
11. Proferiu então a Sr.ª Juíza despacho deste teor:
(…).
Vem a Magistrada do Ministério Público, num procedimento que lhe é próprio, arguir a irregularidade de alegada falta do envio dos autos para Parecer.
Contudo e como melhor se consta dos mesmos, não lhe assiste qualquer razão, pois que a folhas 366 a 369, determinámos a abertura de Vista para Parecer, determinação que se mostra devidamente cumprida, tendo-lhe sido aberta Vista, em 14/05/10 (folhas 370).
Damos assim por reproduzido o nosso despacho supra aludido, bem como o teor de folhas 378 a 380.
(…).
Porém, não vemos que da “minuta”» relativa à audição do recluso «(…), na qual» os funcionários deste TEP, «por razões de celeridade e uniformidade, colocaram já os novos normativos, resulte qualquer prejuízo e/ou atraso na tramitação processual dos autos, contrariamente ao atraso que manifestamente ocorrerá se, findo o Conselho Técnico, ainda se tiver de seguir, nos processos antigos, a nova legislação, no que concerne a enviar o processo ao Ministério Público, para Parecer, aguardando a disponibilidade da secção de processos para as ulteriores Vistas e Conclusões, o que tudo, vem demorando, nos processos em que assim já se procedeu e procede, quando se dispõe de tempo suficiente, como é do conhecimento da Ilustre Magistrada, cerca de 3 semanas a 1 mês e nalguns casos até mais, impedindo o Juiz de proferir rapidamente sentença, como fazia antes, nesses mesmos processos.
Não vemos pois como verificada qualquer irregularidade, sendo ainda certo que também não se mostram devidamente esclarecidas as razões do prosseguimento dos autos, nos termos da legislação anterior à actual Lei 115/09, de 12/10, decisão essa que, salvo o devido respeito por opinião contrária, cabe ao Magistrado Judicial e não ao Ministério Público, como parece querer a Ilustre Magistrada impor, sem prejuízo que dela venha a recorrer (…)».
*
2. Razões da inadmissibilidade do recurso:
A) Começaremos por dizer que o recorrente não identifica devidamente a decisão da qual recorre. No intróito do recurso, se limita a referir: «O Ministério Público, notificado da decisão de fls. … e seguintes, dela vem interpor o competente recurso, com as seguintes motivações (…)».
Todavia, na economia do recurso, ainda que inicialmente se aluda a «recurso interposto da decisão da M.ª Juiz do TEP que apreciou a liberdade condicional do condenado sem parecer do Ministério Público», vê-se claramente que os fundamentos norteadores do inconformismo do recorrente radicam na violação da disposição transitória do artigo 9.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, e dos artigos 146.º e 177.º, n.º 1, do CEPMPL.
Escalpelada a motivação e conclusões do recurso, é patente que o recorrente não se insurge contra os motivos, contidos na decisão de fls. 39 a 48, determinantes da não concessão, ao recluso P…, da liberdade condicional, nem relativamente a essa decisão está invocada a existência de qualquer vício.
A tese vertida na petição recursória radica, isso sim, na circunstância de ao Ministério Público não ter sido concedida, ao abrigo da lei nova (a aplicável, na sua perspectiva), ou seja, do citado artigo 177.º, n.º 1, do CEPMPL, a faculdade de emitir, nos cinco dias seguintes à audição do recluso, parecer quanto à concessão da liberdade condicional.
Aliás, se analisarmos a fonte normativa indicada pelo Ministério Público para a admissibilidade do recurso, verificamos que está indicado, não o artigo 179.º do CEPMPL, expressamente previsto para a impugnação da decisão que concede ou recusa a liberdade condicional, mas o artigo 235.º, do mesmo diploma, correlacionado com os artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal, estes supletivamente aplicáveis ao caso concreto, segundo a exegese do recorrente, por força do disposto no artigo 154.º do CEPMPL (cfr. explicitação prestada a fls. 64 dos presentes autos).
Acresce ainda que, na motivação do recurso, são omitidas quaisquer objecções expressas à decisão que recusou a liberdade condicional ao recluso e surgem citações de passagens do despacho de fls. 30/33, de 12-05-2010, referido no n.º 5/1, do ponto II deste acórdão, e referências ao despacho proferido, em 14-06-2010, que considerou improcedente a irregularidade invocada pelo Ministério Público (cfr. n.ºs 10 e 11 do ponto II – fundamentação).
Perante o exposto, outra conclusão não é possível extrair senão a de que o despacho substancialmente impugnado, por via de recurso, é o que indeferiu a irregularidade arguida pelo Ministério Público.
*
B) Tendo em conta a data da decisão recorrida (14-06-2010), e o disposto no artigo 9.º do CEPMPL, ao recurso interposto pelo Ministério Público é aplicável a lei nova.
Efectivamente, para a escolha e aplicação da lei processual no tempo na vertente considerada o momento relevante é aquele em que é proferida a decisão, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo do interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
«O momento em que é proferida a decisão “será aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de uma abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário”» Cfr. Acórdão do pleno das secções criminais do STJ n.º 4/2009 (proc. n.º 1957/08), de 18-02-2009, publicado no DR, 1.ª série, de 19-03-2009, citando José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189. .
*
C) Dispõe o artigo 235.º do CEPMPL:
«1 – Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei.
2 – São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas:
a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade;
b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal;
c) As proferidas em processo supletivo».
Contrariamente à posição do recorrente, a previsão do n.º 1 do artigo abrange as situações taxativamente reguladas naquele diploma, carecendo de sentido a aplicação supletiva das normas do artigo 399.º e 400.º do Código de Processo Penal.
Como refere o artigo 239.º, «em tudo o que não for contrariado pelas disposições do presente Código, os recursos são interpostos, tramitados e julgados como os recursos em processo penal». Contudo, no mais, conforme resulta, nomeadamente, dos artigos 236.º e 238.º, o CEPMPL possui uma estrutura recursória própria.
“Os casos expressamente previstos na lei”, (artigo 235.º, n.º 1) são os referidos no próprio CEPMPL, mais precisamente, nos artigos 171.º, 179.º, 186.º, 196.º e 222.º.
No caso em apreciação, importa considerar apenas o artigo 179.º, relativo à liberdade condicional, que estatui:
«1 – O recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional.
2 – Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o recluso, este apenas quanto à decisão de recusa da liberdade condicional.
3 – O recurso da decisão de concessão tem efeito suspensivo quando os pareceres do conselho técnico e do Ministério Público tiverem sido contrários à concessão da liberdade condicional e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151.º».
Independentemente das considerações acima feitas sobre a decisão concretamente recorrida (cfr. alínea A), manifestamente o recurso do Ministério Público não está limitado à questão da recusa da liberdade condicional; diversamente, versa as específicas questões que já ficaram definidas.
Por outro lado, o recurso também não se inclui em qualquer uma das alíneas do n.º 2 do artigo 235.º.
Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 414.º do CPP, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.

Impõe-se, assim, a rejeição do recurso, porquanto não é legalmente admissível, nos termos do disposto nos arts. 235.º e 179.º, do CEPMPL, 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, do CPP.

*

III. Dispositivo:

Termos em que, por não se admissível, se rejeita o recurso.

Sem custas.


(Processado e revisto pelo signatário)
Coimbra, 9 de Dezembro de 2010

……………………………………...
(Alberto Mira)