Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
99/16.8T8TBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: PESSOA COLECTIVA
APREENSÃO DE VEÍCULO
SUBSTITUIÇÃO
SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO COM MOTOR
SUSPENSÃO DA SANÇÃO
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TÁBUA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 147.º, N.º 3, DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: I – O decretamento da apreensão de veículo com motor, em substituição da sanção de inibição de conduzir, ao abrigo do disposto no artigo 147.º, n.º 3, do Código da Estrada, reporta-se sempre ao momento da prática da respectiva contra-ordenação - grave ou muito grave -, sendo, por isso, independente da circunstância de, posteriormente à prática da infracção, o ente responsável da mesma transmitir, por qualquer título, a propriedade ou a posse da viatura.

II - Não pode ser decretada a suspensão da referida sanção acessória de apreensão de veículo imposta a pessoa colectiva.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I - Relatório


1. No recurso de contra-ordenação n.º 99/16.8T8TBU que correu termos na Instância Local de Tábua 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, comarca de Coimbra, a arguida “A..., Lda, interpôs recurso judicial de impugnação da decisão da ANSR que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias. E por se tratar de pessoa colectiva substituiu tal sanção acessória pela apreensão do veículo com a matrícula NH... pelo período de 30 dias, suspendendo a sua execução por um período de 180 dias, não condicionada a prestação de caução de boa conduta.
2. A acoimad A... Ld.ª no recurso judicial de impugnação da decisão da ANSR requereu a revogação da decisão de obrigatoriedade de entrega dos documentos por a decisão se encontrar suspensa e por o cumprimento da sanção acessória ser materialmente impossível.

3. Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida Sentença que julgou parcialmente procedente o recurso interposto e revogou a suspensão da sanção acessória de apreensão do veículo por 180 dias, revogou a própria sanção de apreensão do veículo por 30 dias e, em substituição, determinou a aplicação à Recorrente de uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por igual período.

4. Inconformado com o assim decidido, o MP interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

“1.       Ao revogar a sanção acessória de apreensão do veículo, ao determinar a aplicação à Recorrente de uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias sem a substituir pela apreensão do veículo e ao suspender a execução desta sanção por igual período de tempo o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 147.º n.º 3 e no art.º 141.º, ambos do Código da Estrada.

2.         As contraordenações classificadas como graves pelo Código da Estrada são sancionáveis com coima e com sanção acessória, consistindo esta na inibição de conduzir, nos termos do disposto no art.º 138.º n.º 1 do Código da Estrada.

3.         Se a responsabilidade for imputada a pessoa coletiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período de tempo idêntico, nos termos do disposto no art.º 147.º n.º 3 do Código da Estrada.

4.         Sendo a Recorrente pessoa coletiva e a responsável pela infração praticada a sanção acessória de inibição de conduzir é insuscetível de ser suspensa na sua execução devendo ser substituída pela apreensão do veículo pelo período de tempo fixado para a inibição de conduzir.

5.         A apreensão do veículo interveniente na infracção visa evitar que fiquem impunes situações de infração pelo facto de a pessoa coletiva não ter identificado o condutor e, dessa forma, desincentivar condutas que por essa via pudessem frustrar a finalidade que o legislador visa prosseguir com a inibição de conduzir.

6.         A Recorrente é a responsável pela infracção cometida e, por isso, a sanção acessória de apreensão do veículo deve ser cumprida.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso ora interposto pelo Ministério Público revogando-se a Douta Sentença proferida na parte que revogou a sanção de apreensão do veículo e na parte que suspendeu a execução da sanção acessória de inibição de conduzir por 30 dias, com as consequências legais expostas, no que farão V. Ex.ªs JUSTIÇA!”

4. Por despacho foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

5. Não houve resposta.

 6. Na Relação pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.

7. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, sem que tenha havido resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

Nos termos estatuídos no artº 75º, nº 1 do RGCOC, este Tribunal conhece apenas de direito.

Por outro lado são as conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.

Questões a decidir: possibilidade de revogação da apreensão de veículo prevista no art.º 152.º, n.º 4 do Código da Estrada com fundamento na sua impossibilidade material por o veículo já não se encontrar em poder da pessoa colectiva acoimada - e sua substituição pela sanção acessória de inibição de conduzir. E se a apreensão de veículo decretada em substituição da pena acessória de inibição de conduzir pode ser suspensa na sua execução.


3. Decidindo:

A matéria de facto a considerar, porque apurada no tribunal a quo é a seguinte:

“1 – No dia 18.11.2013, pelas 15h30 no local EN 17, KM 68.850 - Venda da Esperança, comarca de Tábua, mediante a condução do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula NH..., foi praticada a seguinte infração: o veículo circulava pelo menos, à velocidade de 75 km/hora, correspondente a uma velocidade registada de 80 km/h, deduzido o valor de erro máximo admissível.

2- A velocidade máxima permitida no local era de 50 km/h (dentro de localidade).

3- A velocidade foi verificada através do Radar Multanova MR – 6FD, n.º 2-91-706, aprovado pela ANSR, conforme Despacho n.º 15919/11 de 12 de Agosto e pelo IPQ por renovação de aprovação de modelo n.º 111.20.11.3.23 de 2001-04-09 e aprovações complementares n.º 111.20.06.3.43, através do Despacho n.º 22742/2007 de 18 de Junho e n.º 111.22.10.3.15, Despacho n.º 1394/2010 de 24 de Novembro.

4- Não foi possível identificar o condutor do veículo.

5- O condutor do veículo agiu, revelando desatenção e inobservância irrefletida do limite máximo de velocidade no local.

6- Agiu com falta de cuidado e prudência, fê-lo de forma livre e consciente bem sabendo que a conduta descrita nos autos é proibida e sancionada pela lei contraordenacional.

7- No dia 11.01.2014, foi a recorrente notificada da prática dos factos, montante da coima respetiva e para identificar o condutor do veículo.

8- A recorrente não identificou o condutor do veículo.

9- A recorrente pagou voluntariamente a coima, pelo valor mínimo de €120,00.

10- Por decisão datada de 5.05.2014, proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, foi aplicada à recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.

11- Foi substituída a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, por apreensão do veículo por 30 dias, suspendendo-se a sua execução por 180 dias, não condicionada a prestação de caução de boa conduta.

12- O veículo ligeiro de passageiros com a matrícula NH..., tinha sido alugado pela recorrente, à locadora B... , por contrato n.º 2012276003, pelo valor mensal de €535,75.

13- O veículo NH..., foi entregue pela recorrente, à locadora B... em 13.01.2015.

 14- A recorrente não tem averbado ao seu registo de condutor, outras contraordenações.

15- No ano de 2015, a recorrente declarou um resultado líquido de €3.951.103,15 de rendimentos.”

A decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, proferida em 5.05.2014, nos autos de contraordenação n.º 913352357, responsabilizou a recorrida A... Ld.ª como autora de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 27.° n.º 1, 27.° n.º 2 alínea a) e artigo 2.º, 138.° e 145.° alínea c), todos do Código da Estrada.

Aplicou-lhe a sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 30 dias e pelo facto de ser uma pessoa colectiva, determinou em substituição da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada, nos termos do n.º 3 do artigo 147.° do Código da Estrada, a apreensão do veículo referido nos autos, pelo período fixado de 30 dias, suspendendo a respectiva execução por um período de 180 dias, não condicionada a prestação de caução de boa conduta.

A contra-ordenação pela qual a arguida foi responsabilizada é classificada como grave e é sancionável com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos conjugados dos arts 136º, 138º e 145º, ambos do C. Estrada.

Se a responsabilidade for imputada a pessoa colectiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período de tempo idêntico, nos termos do disposto no art.º 147.º n.º 3 do Código da Estrada.

Com efeito, dispõe o art.º 147.º do CE:

      “ 1 - A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.

2 - A sanção de inibição de conduzir tem duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contra-ordenações graves ou muito graves, respectivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.

 3 - Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa colectiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia.”

Constata-se que o legislador impôs a substituição da inibição de conduzir pela apreensão do veículo nos dois casos excepcionais mencionados - pessoa singular não habilitada com título de condução e pessoa colectiva.

Solução lógica porque a inibição de conduzir é inócua no caso de pessoa singular não habilitada com título de condução e inoperante no caso de pessoa colectiva que obviamente não conduz veículos motorizados.

Como é sabido, a sanção acessória de inibição de conduzir visa a prevenção especial, através de uma actuação directa sobre o agente da infracção para que no futuro não pratique infracções idênticas e no caso das pessoas colectivas a sanção acessória de apreensão do veículo interveniente na infracção visa evitar que fiquem impunes situações de infracção pelo facto de não ter identificado o condutor e, dessa forma, desincentivar condutas que por essa via pudessem frustrar a finalidade que o legislador visou prosseguir com a inibição de conduzir - (Acórdão TRC de 25-10-2006).

E assim sendo, a operada substituição da apreensão do veiculo pela sanção acessória de inibição de conduzir a recorrida (pessoa colectiva) vem a traduzir-se numa clamorosa impunidade.

Tem pois razão o recorrente ao insurgir-se contra a substituição efectuada pelo tribunal a quo.

Ademais, a aplicação da sanção acessória ao respectivo responsável reporta-se sempre ao momento da prática da respectiva contra-ordenação grave ou muito grave, sendo por isso independente da circunstância de, posteriormente à sua prática, o responsável transmitir, por qualquer título, a propriedade ou a posse do veículo.

Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2-05-2007, “ao decretar a apreensão de um veículo automóvel em substituição da sanção de inibição da faculdade de conduzir, tratando-se de pessoas colectivas, o direito mais não faz do que sancionar aquelas pessoas, no caso a recorrente, proprietária do veículo à data da prática da infracção. Se, entretanto, a pessoa colectiva (ou a pessoa singular não habilitada com título de condução) transmitir, por qualquer título, a propriedade do veículo, fá-lo por sua conta e risco, sendo o facto absolutamente irrelevante para efeitos da extinção de responsabilidade contra-ordenacional ou da sanção acessória aplicada. Ela continua a ser responsável pela infracção cometida e, por isso, o veículo deve ser apreendido. E será, obviamente, responsável pelos prejuízos causados a terceiros, a que tiver dado causa. Só assim se cumpre a lei.” (relator Des. Cruz Bucho, in Coletânea de Jurisprudência, 2007, Tomo III, p. 291)

Em conformidade, o fundamento invocado no recurso de impugnação não era motivo de alteração de medida de substituição imposta.

Da suspensão da execução apreensão do veículo

Dispõe o n.º 1, do artigo 141.º do CE (Suspensão da execução da sanção acessória) que “pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.”

Tal suspensão exige a verificação dos pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, ou seja, os consignados no art.º 50.º do Código Penal.

Assim, o tribunal suspende a execução da pena se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

É óbvio que a suspensão prevista assenta em critérios que não são adaptáveis às pessoas colectivas.

Ora, se fosse intenção do legislador clarificar uma qualquer intenção de aplicabilidade às pessoas colectivas do instituto de suspensão, não poderia deixar de começar pela definição das condições que a estas seriam exigíveis para efeitos da suspensão - cfr Ac T Rel Coimbra, de 25-10-2006, relator Des.  Freitas Vieira.

Assim sendo, parece-nos indubitável que o instituto da suspensão não se aplica a pessoas não físicas.

Logo, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 147.º n.º 3 e no art.º 141.º, ambos do Código da Estrada.

Ante os factos dados como provados, considerando que a Recorrente é pessoa coletiva deve ser mantida a decisão da autoridade administrativa de apreensão do veículo por trinta dias em substituição da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do disposto no art.º 147.º n.º 3 do Código da Estrada, decisão insusceptível de suspensão na sua execução ante o exposto no art.º 141.º do mesmo diploma legal.

III DISPOSITIVO

Face ao exposto, julga-se procedente o recurso, revoga-se a sentença recorrida e mantem-se a decisão da autoridade administrativa de apreensão do veículo por trinta dias em substituição da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do disposto no art.º 147.º n.º 3 do Código da Estrada, revogando-se a decretada suspensão da respectiva execução.

Sem tributação

(Processado informaticamente e revisto pela relatora).

Coimbra, 24 de Maio de 2017

(Isabel Valongo – relatora)

(Jorge França – adjunta)