Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4673/07.5TJCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO DO DIREITO
OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 814º, Nº 1, AL. G) DO CPC (ARTº 729º, Nº 1, AL. G) DO NCPC).
Sumário: I – Tal como em relação aos demais factos extintivos ou modificativos da obrigação, previstos na al. g) do nº 1 do artº 814º do CPC [artº 729º, nº 1, al. g) do NCPC] a prescrição do direito ou da obrigação só constitui fundamento de oposição a execução baseada em sentença desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde a sentença foi proferida.

II – A posterioridade relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa exigida pela lei é a posterioridade da ocorrência da prescrição e não a posterioridade da invocação da mesma.

III – Isto é, se o lapso de tempo estabelecido na lei para a prescrição já tinha decorrido aquando do encerramento da discussão na acção declarativa, não é a circunstância de a sua invocação só ser feita na oposição à execução que lhe confere a pretendida posterioridade.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. RELATÓRIO

Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa em que é exequente S…, S. A., que, apresentou como título executivo a sentença proferida na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09) que, com o nº …, correu termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra – e executado N…, foi por este deduzida, em 16/02/2012, oposição à execução com fundamento na prescrição da obrigação exequenda.

A exequente contestou, em 28/03/2012, defendendo a improcedência da oposição, quer porque o fundamento se não ajustava ao disposto no artº 814º do Cód. Proc. Civil então em vigor (artº 729º do actual Cód. Proc. Civil), quer porque, ainda que assim não fosse, a obrigação exequenda não se encontra prescrita.

Entendendo que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, o Mº Juiz proferiu, em 10/09/2013, saneador-sentença julgando procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução.

Inconformada, a exequente interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

                Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. Proc. Civil aplicável[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas duas questões: (1) a da integração ou não da prescrição invocada pelo opoente na al. g) do nº 1 do artº 814º do anterior CPC [al. g) do artº 729º do actual NCPC]; e (2) a da prescrição ou não da obrigação exequenda.

                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                As ocorrências factuais e processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório e ainda as seguintes:

a) S…, S.A. intentou, em 20/12/2007, acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, com as alterações do Decreto-Lei nº 107/05, de 01/07, contra N…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 6.389,09 (sendo € 5.222,07 de capital e € 1.167,02 de juros de mora vencidos) acrescida dos juros vincendos.

                b) Alegou para tanto, em síntese, que:

                1) A sua incorporada …, no exercício da sua actividade de prestação de serviços de comunicações electrónicas, celebrou com o R. um contrato de prestação de serviços de comunicações, ao qual foi atribuído o nº …, activado em 23/01/2005;

                2) Na sequência de tal contrato, iniciou a prestação regular dos seus serviços, com efectiva utilização do R.;

                3) Não obstante os serviços prestados e as inúmeras diligências da A., o R. não pagou as facturas emitidas em 10/08/05, 10/09/05, 13/10/05 e 10/11/05, nos valores de € 2.251,07, € 2.409,56, € 552,23, e € 9,21, vencidas em 31/08705, 27/09/05, 28/10/05 e 28/11/05, todas enviadas antes das datas dos respectivos vencimentos;

                c) O R. foi citado em 04/02/2008, nos termos dos nºs 4 e 5 do artº 237-A do Cód. Proc. Civil então vigente, e não contestou;

                d) Em 10/03/2008 foi proferida decisão, nos termos do artº 2º do anexo a que se refere o artº 1º do Decreto-Lei nº 269/98, conferindo força executiva à petição.

                2.2. De direito

                Na data em que foi proferida a decisão que constitui o título executivo vigorava, no que respeita ao regime da acção executiva, o Cód. Proc. Civil (CPC) aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08/03 e na data em que foi deduzida a oposição vigorava o mesmo Código, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11.

                Em qualquer das duas versões estipulava o artº 814º que, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos enumerados nas suas oito alíneas [a) a h)], entre elas a alínea g), onde se enuncia como fundamento de oposição à execução baseada em sentença “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio”[2].

Em anotação à norma legal referida, escreve o Prof. Lebre de Freitas[3]:

“Diversamente das anteriores, a alínea g) trata da oposição de mérito à execução. Abrange as várias causas de extinção das obrigações, designadamente o pagamento, a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação, a novação, a remissão e a confusão (arts. 837 CC e ss.), bem como aquelas que as modificam (designadamente por substituição do seu objecto, extinção parcial, alteração de garantias ou modificação do esquema do cumprimento), a prescrição e, no que respeita às pretensões reais, as causas de extinção e de modificação do direito em que se baseiam (incluindo aquelas de que decorre a transmissão do direito real), bem como a usucapião. (…).

Ao exigir-se a prova documental destes factos, introduz-se um desfasamento entre o direito substantivo (em que só vigora a limitação do art. 395 CC, que apenas abrange o devedor, mas não terceiro, nomeadamente o terceiro garante ou proprietário dos bens dados em garantia e o adquirente condenado na acção pauliana) e o direito processual executivo: pode, por exemplo, uma obrigação estar extinta por contrato de remissão realizado verbalmente e, no entanto, esta extinção não ser invocável em oposição à execução, prosseguindo esta com base no título constitutivo dum direito insubsistente.  

Por sua natureza, exceptuam-se da exigência da prova por documento os factos relativas à prescrição e, por igual razão, os relativos à usucapião, à verificação de condição resolutiva e outros semelhantes em que não é normal ou possível a prova documental (…).”

Referindo-se à correspondente norma legal então vigente [artº 813º, al. h)], ensinava o Conselheiro Eurico Lopes Cardoso[4]:

“Quando o título executivo seja uma sentença, é necessário ainda, consoante dispõe a alínea h) do artigo 813º:

a) Que o facto extintivo seja posterior ao encerramento da discussão no processo onde essa sentença foi proferida; e

b) Que, salvo quanto à prescrição, se prove documentalmente.

No que se refere ao requisito da alínea a), explica o mesmo autor, em nota de rodapé:

“O artigo 813º do Código de 1939 enumerava a «prescrição do direito ou da obrigação» à parte dos outros fundamentos extintivos ou modificativos e não exigia expressamente, para ela, que fosse posterior ao encerramento da discussão no processo declarativo. Todavia, já então se devia considerar necessária a posterioridade. Isso se defendeu nas primeiras edições do presente Manual, dizendo-se:

«A prescrição do direito ou da obrigação só pode ser a que se verifique depois da sentença exequenda: - Se o direito ou a obrigação já estavam prescritos antes, mas não se alegou tal circunstância no processo de declaração, também se não poderá invocar na acção executiva, porque nesta não pode ser alterado o julgado»”.

Com efeito, de acordo com o artº 489º do Cód. Proc. Civil vigente nas datas quer da prolação da sentença que constitui o título executivo, quer da apresentação da oposição à execução[5], “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado” (nº 1), só podendo ser deduzidas depois da contestação “as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”. É uma manifestação do princípio da eventualidade ou da preclusão, segundo o qual há ciclos rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos[6].

A prescrição, como facto extintivo do direito, não se enquadra em qualquer das excepções ao ónus de dedução de toda a defesa na contestação, previstas na parte final do nº 1 e no nº 2 do artº 489º. Consequentemente, tendo ela já operado, isto é, tendo já decorrido o lapso de tempo estabelecido na lei, deve ser deduzida na contestação. Se o não for, não o poderá ser posteriormente.

Assim, tal como em relação aos demais factos extintivos ou modificativos da obrigação, a prescrição do direito ou da obrigação só constitui fundamento de oposição a execução baseada em sentença desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde a sentença foi proferida[7].

A posterioridade relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa exigida pela lei é a posterioridade da ocorrência da prescrição e não a posterioridade da invocação da mesma. Isto é, se o lapso de tempo estabelecido na lei para a prescrição já tinha decorrido aquando do encerramento da discussão na acção declarativa, não é a circunstância de a sua invocação só ser feita na oposição à execução que lhe confere a pretendida posterioridade. Nesse caso, como se referiu atrás, a falta de oportuna invocação fez precludir o correspondente direito processual, não sendo o beneficiário da prescrição admitido a invocá-la na oposição à execução da sentença proferida na acção declarativa que fora o lugar e o tempo certo para a respectiva alegação.

No caso dos autos o opoente defende que “considerando a petição inicial à qual foi conferida força executiva constata-se que o contrato ao abrigo do qual foram prestados os serviços é datado de 23.01.2005 e ativado nessa data” (artigo 9º do articulado inicial da oposição); que “foram emitidas as correspondentes faturas em 10-08-2005; 10-09-2005; 13-10-2005 e 10.11.2005 e enviadas ao executado antes do seu vencimento em 31.08.2005; 27.09.2005, 28.10.2005 e 28.11.2005” (artigo 10º); que “a ação com vista ao pagamento dos referidos créditos foi apresentada em Tribunal em 12 de Dezembro de 2007” (artigo 11º); que “considerando-se ou não que a apresentação das faturas interrompeu o prazo de prescrição que se encontrava a correr, fazendo começar novo prazo de igual duração é seguro que a citação foi realizada depois de decorridos os seis meses da prescrição” (artigo 12º); que “(…) a Lei nº 12/2008 veio alterar o artigo 10 da Lei nº 36/96 (quis-se dizer, certamente, nº 23/96) esclarecendo (nº 1) que ‘o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação’ e que ‘o prazo para a propositura da ação pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço’; e que “in casu, o direito ao recebimento do valor do serviço prestado encontra-se prescrito, prescrição que desde já se invoca, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência publicado no D.R. 1ª Série – nº 14 – 21 de Janeiro de 2010 no sentido de que ‘Nos termos do disposto na redação originária do nº 1 do art.º 10 da Lei nº 23/96 de 26 de Julho, e no nº 4 do artigo 9ºdo D.L. 381-A/97 de 30 de Dezembro, o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação’”.

Atendendo, pois, à forma como o próprio opoente justifica a prescrição que alega, tal prescrição teria operado antes do encerramento da discussão na acção declarativa onde foi proferida a decisão dada à execução, motivo pelo qual não goza a mesma do requisito da posterioridade de que atrás se falou, não se enquadrando em qualquer das alíneas do nº 1 do artº 814º do CPC, designadamente, não preenchendo a previsão da al. g).

Reconhece-se, portanto, nesta parte, razão à recorrente, ficando logicamente prejudicado o conhecimento da questão subsequente, ou seja, da prescrição ou não da obrigação do opoente (artº 608º, nº 2 do NCPC).

Logram êxito, pois, na medida apontada, as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à procedência da apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, improcedência da oposição e prosseguimento execução.

Sumário (artº 663º, nº 7):

I – Tal como em relação aos demais factos extintivos ou modificativos da obrigação, previstos na al. g) do nº 1 do artº 814º do CPC [artº 729º, nº 1, al. g) do NCPC] a prescrição do direito ou da obrigação só constitui fundamento de oposição a execução baseada em sentença desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde a sentença foi proferida.

II – A posterioridade relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa exigida pela lei é a posterioridade da ocorrência da prescrição e não a posterioridade da invocação da mesma.

III – Isto é, se o lapso de tempo estabelecido na lei para a prescrição já tinha decorrido aquando do encerramento da discussão na acção declarativa, não é a circunstância de a sua invocação só ser feita na oposição à execução que lhe confere a pretendida posterioridade.


***

3. DECISÃO

                Face ao exposto, acorda-se em:

                a) Julgar a apelação procedente;

                b) Revogar a decisão recorrida;

                c) Julgar a oposição improcedente, com o consequente prosseguimento da execução.

                As custas, quer da oposição à execução, quer da apelação, são a cargo do opoente/recorrido.

Coimbra, 2014/04/29


[1] Que é, no que tange ao regime do recurso, face à data da sentença e ao disposto no artº 7º, nº 1 da Lei nº 41/2013, de 26/06, o aprovado por esta Lei. São dele as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] É idêntica a redacção da alínea g) do artº 729º do Cód. Proc. Civil actualmente em vigor, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 (NCPC).
[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, pág. 316.
[4] Manual da Acção Executiva, pág. 291.
[5] A que corresponde o artº 573º do NCPC:
[6] Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares da Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 382.
[7] A diferença, neste âmbito, entre a prescrição e os demais factos extintivos ou modificativos da obrigação está apenas em que aquela pode ser provada por qualquer meio e estes só podem ser provados por documento. No mais, nomeadamente na exigência de posterioridade ao encerramento da discussão no processo de declaração, não há diferença, sendo tal posterioridade exigível em relação a todos.