Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARTUR DIAS | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO PRESCRIÇÃO DO DIREITO OBRIGAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 814º, Nº 1, AL. G) DO CPC (ARTº 729º, Nº 1, AL. G) DO NCPC). | ||
Sumário: | I – Tal como em relação aos demais factos extintivos ou modificativos da obrigação, previstos na al. g) do nº 1 do artº 814º do CPC [artº 729º, nº 1, al. g) do NCPC] a prescrição do direito ou da obrigação só constitui fundamento de oposição a execução baseada em sentença desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde a sentença foi proferida. II – A posterioridade relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa exigida pela lei é a posterioridade da ocorrência da prescrição e não a posterioridade da invocação da mesma. III – Isto é, se o lapso de tempo estabelecido na lei para a prescrição já tinha decorrido aquando do encerramento da discussão na acção declarativa, não é a circunstância de a sua invocação só ser feita na oposição à execução que lhe confere a pretendida posterioridade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. RELATÓRIO Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa em que é exequente S…, S. A., que, apresentou como título executivo a sentença proferida na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09) que, com o nº …, correu termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra – e executado N…, foi por este deduzida, em 16/02/2012, oposição à execução com fundamento na prescrição da obrigação exequenda. A exequente contestou, em 28/03/2012, defendendo a improcedência da oposição, quer porque o fundamento se não ajustava ao disposto no artº 814º do Cód. Proc. Civil então em vigor (artº 729º do actual Cód. Proc. Civil), quer porque, ainda que assim não fosse, a obrigação exequenda não se encontra prescrita. Entendendo que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, o Mº Juiz proferiu, em 10/09/2013, saneador-sentença julgando procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução. Inconformada, a exequente interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões: … O recurso foi admitido. Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir. Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. Proc. Civil aplicável[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas duas questões: (1) a da integração ou não da prescrição invocada pelo opoente na al. g) do nº 1 do artº 814º do anterior CPC [al. g) do artº 729º do actual NCPC]; e (2) a da prescrição ou não da obrigação exequenda. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto As ocorrências factuais e processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório e ainda as seguintes: a) S…, S.A. intentou, em 20/12/2007, acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, com as alterações do Decreto-Lei nº 107/05, de 01/07, contra N…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 6.389,09 (sendo € 5.222,07 de capital e € 1.167,02 de juros de mora vencidos) acrescida dos juros vincendos. b) Alegou para tanto, em síntese, que: 1) A sua incorporada …, no exercício da sua actividade de prestação de serviços de comunicações electrónicas, celebrou com o R. um contrato de prestação de serviços de comunicações, ao qual foi atribuído o nº …, activado em 23/01/2005; 2) Na sequência de tal contrato, iniciou a prestação regular dos seus serviços, com efectiva utilização do R.; 3) Não obstante os serviços prestados e as inúmeras diligências da A., o R. não pagou as facturas emitidas em 10/08/05, 10/09/05, 13/10/05 e 10/11/05, nos valores de € 2.251,07, € 2.409,56, € 552,23, e € 9,21, vencidas em 31/08705, 27/09/05, 28/10/05 e 28/11/05, todas enviadas antes das datas dos respectivos vencimentos; c) O R. foi citado em 04/02/2008, nos termos dos nºs 4 e 5 do artº 237-A do Cód. Proc. Civil então vigente, e não contestou; d) Em 10/03/2008 foi proferida decisão, nos termos do artº 2º do anexo a que se refere o artº 1º do Decreto-Lei nº 269/98, conferindo força executiva à petição. 2.2. De direito Na data em que foi proferida a decisão que constitui o título executivo vigorava, no que respeita ao regime da acção executiva, o Cód. Proc. Civil (CPC) aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08/03 e na data em que foi deduzida a oposição vigorava o mesmo Código, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11. Em qualquer das duas versões estipulava o artº 814º que, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos enumerados nas suas oito alíneas [a) a h)], entre elas a alínea g), onde se enuncia como fundamento de oposição à execução baseada em sentença “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio”[2]. Em anotação à norma legal referida, escreve o Prof. Lebre de Freitas[3]: “Diversamente das anteriores, a alínea g) trata da oposição de mérito à execução. Abrange as várias causas de extinção das obrigações, designadamente o pagamento, a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação, a novação, a remissão e a confusão (arts. 837 CC e ss.), bem como aquelas que as modificam (designadamente por substituição do seu objecto, extinção parcial, alteração de garantias ou modificação do esquema do cumprimento), a prescrição e, no que respeita às pretensões reais, as causas de extinção e de modificação do direito em que se baseiam (incluindo aquelas de que decorre a transmissão do direito real), bem como a usucapião. (…). Ao exigir-se a prova documental destes factos, introduz-se um desfasamento entre o direito substantivo (em que só vigora a limitação do art. 395 CC, que apenas abrange o devedor, mas não terceiro, nomeadamente o terceiro garante ou proprietário dos bens dados em garantia e o adquirente condenado na acção pauliana) e o direito processual executivo: pode, por exemplo, uma obrigação estar extinta por contrato de remissão realizado verbalmente e, no entanto, esta extinção não ser invocável em oposição à execução, prosseguindo esta com base no título constitutivo dum direito insubsistente. Por sua natureza, exceptuam-se da exigência da prova por documento os factos relativas à prescrição e, por igual razão, os relativos à usucapião, à verificação de condição resolutiva e outros semelhantes em que não é normal ou possível a prova documental (…).” Referindo-se à correspondente norma legal então vigente [artº 813º, al. h)], ensinava o Conselheiro Eurico Lopes Cardoso[4]: “Quando o título executivo seja uma sentença, é necessário ainda, consoante dispõe a alínea h) do artigo 813º: a) Que o facto extintivo seja posterior ao encerramento da discussão no processo onde essa sentença foi proferida; e b) Que, salvo quanto à prescrição, se prove documentalmente. No que se refere ao requisito da alínea a), explica o mesmo autor, em nota de rodapé: “O artigo 813º do Código de 1939 enumerava a «prescrição do direito ou da obrigação» à parte dos outros fundamentos extintivos ou modificativos e não exigia expressamente, para ela, que fosse posterior ao encerramento da discussão no processo declarativo. Todavia, já então se devia considerar necessária a posterioridade. Isso se defendeu nas primeiras edições do presente Manual, dizendo-se: «A prescrição do direito ou da obrigação só pode ser a que se verifique depois da sentença exequenda: - Se o direito ou a obrigação já estavam prescritos antes, mas não se alegou tal circunstância no processo de declaração, também se não poderá invocar na acção executiva, porque nesta não pode ser alterado o julgado»”. Com efeito, de acordo com o artº 489º do Cód. Proc. Civil vigente nas datas quer da prolação da sentença que constitui o título executivo, quer da apresentação da oposição à execução[5], “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado” (nº 1), só podendo ser deduzidas depois da contestação “as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”. É uma manifestação do princípio da eventualidade ou da preclusão, segundo o qual há ciclos rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos[6]. A prescrição, como facto extintivo do direito, não se enquadra em qualquer das excepções ao ónus de dedução de toda a defesa na contestação, previstas na parte final do nº 1 e no nº 2 do artº 489º. Consequentemente, tendo ela já operado, isto é, tendo já decorrido o lapso de tempo estabelecido na lei, deve ser deduzida na contestação. Se o não for, não o poderá ser posteriormente. Assim, tal como em relação aos demais factos extintivos ou modificativos da obrigação, a prescrição do direito ou da obrigação só constitui fundamento de oposição a execução baseada em sentença desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde a sentença foi proferida[7]. A posterioridade relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa exigida pela lei é a posterioridade da ocorrência da prescrição e não a posterioridade da invocação da mesma. Isto é, se o lapso de tempo estabelecido na lei para a prescrição já tinha decorrido aquando do encerramento da discussão na acção declarativa, não é a circunstância de a sua invocação só ser feita na oposição à execução que lhe confere a pretendida posterioridade. Nesse caso, como se referiu atrás, a falta de oportuna invocação fez precludir o correspondente direito processual, não sendo o beneficiário da prescrição admitido a invocá-la na oposição à execução da sentença proferida na acção declarativa que fora o lugar e o tempo certo para a respectiva alegação. No caso dos autos o opoente defende que “considerando a petição inicial à qual foi conferida força executiva constata-se que o contrato ao abrigo do qual foram prestados os serviços é datado de 23.01.2005 e ativado nessa data” (artigo 9º do articulado inicial da oposição); que “foram emitidas as correspondentes faturas em 10-08-2005; 10-09-2005; 13-10-2005 e 10.11.2005 e enviadas ao executado antes do seu vencimento em 31.08.2005; 27.09.2005, 28.10.2005 e 28.11.2005” (artigo 10º); que “a ação com vista ao pagamento dos referidos créditos foi apresentada em Tribunal em 12 de Dezembro de 2007” (artigo 11º); que “considerando-se ou não que a apresentação das faturas interrompeu o prazo de prescrição que se encontrava a correr, fazendo começar novo prazo de igual duração é seguro que a citação foi realizada depois de decorridos os seis meses da prescrição” (artigo 12º); que “(…) a Lei nº 12/2008 veio alterar o artigo 10 da Lei nº 36/96 (quis-se dizer, certamente, nº 23/96) esclarecendo (nº 1) que ‘o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação’ e que ‘o prazo para a propositura da ação pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço’; e que “in casu, o direito ao recebimento do valor do serviço prestado encontra-se prescrito, prescrição que desde já se invoca, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência publicado no D.R. 1ª Série – nº 14 – 21 de Janeiro de 2010 no sentido de que ‘Nos termos do disposto na redação originária do nº 1 do art.º 10 da Lei nº 23/96 de 26 de Julho, e no nº 4 do artigo 9ºdo D.L. 381-A/97 de 30 de Dezembro, o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação’”. Atendendo, pois, à forma como o próprio opoente justifica a prescrição que alega, tal prescrição teria operado antes do encerramento da discussão na acção declarativa onde foi proferida a decisão dada à execução, motivo pelo qual não goza a mesma do requisito da posterioridade de que atrás se falou, não se enquadrando em qualquer das alíneas do nº 1 do artº 814º do CPC, designadamente, não preenchendo a previsão da al. g). Reconhece-se, portanto, nesta parte, razão à recorrente, ficando logicamente prejudicado o conhecimento da questão subsequente, ou seja, da prescrição ou não da obrigação do opoente (artº 608º, nº 2 do NCPC). Logram êxito, pois, na medida apontada, as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à procedência da apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, improcedência da oposição e prosseguimento execução. Sumário (artº 663º, nº 7): I – Tal como em relação aos demais factos extintivos ou modificativos da obrigação, previstos na al. g) do nº 1 do artº 814º do CPC [artº 729º, nº 1, al. g) do NCPC] a prescrição do direito ou da obrigação só constitui fundamento de oposição a execução baseada em sentença desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração onde a sentença foi proferida. II – A posterioridade relativamente ao encerramento da discussão na acção declarativa exigida pela lei é a posterioridade da ocorrência da prescrição e não a posterioridade da invocação da mesma. III – Isto é, se o lapso de tempo estabelecido na lei para a prescrição já tinha decorrido aquando do encerramento da discussão na acção declarativa, não é a circunstância de a sua invocação só ser feita na oposição à execução que lhe confere a pretendida posterioridade. *** 3. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em: a) Julgar a apelação procedente; b) Revogar a decisão recorrida; c) Julgar a oposição improcedente, com o consequente prosseguimento da execução. As custas, quer da oposição à execução, quer da apelação, são a cargo do opoente/recorrido. Coimbra, 2014/04/29
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