Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1755/10.0T2AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
AMBIENTE
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – ÁGUEDA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 17º Nº 4 DO RGCO; DECRETO-LEI Nº 196/2003 DE 23 DE AGOSTO; DECRETO-LEI Nº 64/2008 DE 08 DE ABRIL; LEI Nº 50/2006 DE 29-08; LEI 89/2009 DE 31DE AGOSTO
Sumário: 1.- No caso de a norma não distinguir, o montante máximo da coima que por comportamento negligente pode ser sancionado, tem como limite metade do montante da coima prevista para o comportamento doloso.
2.- Assim constitui esse o limite máximo abstracto da coima que tem de ser considerado para o efeito de determinação do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, de acordo com o Regime Geral.
3.- Não viola o princípio da proporcionalidade a norma que sanciona com a coima mínima de € 20.000,00, a contra-ordenação prevista pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 e 4 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril e punida nos termos do art. 22 nº 4 al. a) da lei nº 50/2006 de 29-08, com as alterações da Lei 89/2009 de 31-08, pois se trata de infracção ambiental muito grave e, sendo infracção muito grave tem a sanção de ser condizente.
Decisão Texto Integral: pág. 31
No processo supra identificado foi proferida sentença na qual e em relação ao arguido CB..., se decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de impugnação e:
- absolver o arguido da prática, como autor, de uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 2 do art. 9º, al. a) do nº 1 do art. 32º do Decreto-lei nº 230/2004 de 10 de Dezembro;
- condenar o arguido da prática, como autor, em concurso efectivo e na forma consumada, operada que se mostra a alteração da qualificação jurídica dos factos, de uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 23º e al. b) do nº 1 e nº 3 do art. 67º do Decreto-lei nº 178/2006 de 05 de Setembro; uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º, al. c) do nº 1 e nº 2 do art. 17º do Decreto-lei nº 111/2001 de 06 de Abril, na redacção do Decreto-lei nº 43/2004 de 02 de Março; uma contra-ordenação p. e p. pela al. b) do art. 5º, al. b) do nº 1 e nº 2 do art. 25º do Decreto-lei nº 153/2003 de 11 de Junho; e uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 e 4 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril:
- nas coimas parcelares de € 1.000,00 (mil euros), € 400,00 (quatrocentos euros), € 800,00 (oitocentos euros) e de € 20.000,00 (vinte mil euros), respectivamente;
- em cúmulo jurídico, condenar o arguido no pagamento da coima única de € 20.800,00 (vinte mil e oitocentos euros), a que acrescem juros contados desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa ao arguido, à taxa máxima estabelecida na lei fiscal (art. 53º da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto).
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Inconformado, o arguido CB..., recorre para esta Relação.
Na motivação do recurso apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do mesmo:
1- O arguido insurge-se contra a decisão condenatória devido a dois aspectos essenciais da mesma: em primeiro lugar, entende que não podia ter sido dado como provado que o mesmo se dedicasse ao desmantelamento de veículos em fim de vida, sendo que tal ausência de prova resulta do próprio texto de decisão recorrida.
2- Das declarações prestadas em Julgamento, as testemunhas disseram claramente que o arguido apenas reúne uma série de materiais que as pessoas deixam na sucata, e que os carros existentes na sucata destinam-se a abate, e que o arguido apenas lhe tira as rodas para os transportar melhor.
3- Tais testemunhas disseram claramente que na sucata do arguido não se procede ao desmantelamento de qualquer veículo em fim de vida, e das testemunhas de acusação ambas disseram que não encontraram em tal sucata um local destinado á desmontagem dos veículos, tendo a testemunha PJ... apenas referido que visualizou alguns veículos parcialmente desmantelados.
4- Não obstante o depoimento de tais testemunhas e do arguido ser no sentido de que o arguido não se dedica ao desmantelamento de veículos em fim de vida, entendeu o tribunal recorrido de acordo principalmente com as fotografias juntas aos autos, que o arguido se dedicava a tal actividade.
5- Quanto á fundamentação do Mmº Juiz a quo como forma de rebater a quase unanimidade dos depoimentos prestados em audiência, no sentido de o arguido não proceder ao desmantelamento em fim de vida, parece, salvo melhor opinião, que a mesma não é suficiente para afastar os mesmos, daí que o mesmo devesse ter sido absolvido de acordo com o Princípio In Dubio Pro Reo.
6- De facto, perante toda a prova produzida em Julgamento, parece, salvo melhor opinião, que o Tribunal se deveria ter colocado num estado de dúvida razoável, que permitiria e impunha a absolvição do arguido.
7- E salvo melhor opinião, não procede a argumentação do tribunal a quo que invocando as fotos do local donde resulta a existência de pneus e jantes de algum modo aglomeradas, assim como de amortecedores, revela alguma organização por parte do arguido, não compatível com a mera desmontagem das rodas para o transporte dos veículos para reciclagem.
8- Tanto mais, que como foi relatado pelas testemunhas e consta do texto da decisão recorrida, as pessoas deixam em tal sucata diversos materiais e que o arguido leva os veículos para abate, apenas retirando as rodas para os transportar melhor.
9- Perante toda esta factualidade vertida na decisão recorrida, foi violado o Principio In Dubio Pro reo, principio este que é decorrência do princípio da presunção de inocência.
10- Ao decidir desta forma violou o tribunal a quo o art. 32 nº 2 da CRP.
11- Outro vício da sentença é que do texto da decisão recorrida por si só, há contradição insanável entre os fundamentos e a decisão.
12- Estes vícios da sentença revelam-se confrontando-se o teor da mesma, com a definição legal de desmantelamento de veículos em fim de vida.
13- Nos termos do art. 2 do Decreto-Lei 64/2008 de 8 de Abril, é definido desmantelamento como "a operação de remoção e separação dos componentes de VFV, com vista á sua despoluição e á reutilização, valorização ou eliminação dos materiais que o constituem".
14- Ora, se o tribunal deu como provado o desmantelamento, como operação de remoção e separação dos componentes do VFV, invocando como chegou a tal conclusão, não referiu no entanto em sede de sentença/fundamentação que tais operações tivessem em vista, como fim a despoluição, a reutilização, valorização ou eliminação dos materiais que constituem o VFV.
15- Inversamente, acabou por referir que dos resíduos constantes de tais meios de transporte, o arguido não lhes deu o fim adequado, mais concretamente foi dito o seguinte aquando da verificação dos elementos objectivo e subjectivo do ilícito: "por se tratar de meios de transporte que, consabidamente, têm de ter tratamento adequado, atentos os resíduos contidos e de molde a assegurar a respectiva réu-
16- Tilização, reciclagem e outras formas de valorização, ao não prover por tal destino nem que incorria por esse facto, em responsabilidade contra-ordenacional, o que estava ao seu alcance, preencheu igualmente o tipo subjectivo da contra-ordenação em análise".
17- Ou seja, do texto da decisão recorrida não resulta qualquer referência ao desmantelamento de veiculo em fim de vida, com vista a qualquer das operações previstas em tal conceito, tal como estatui o art. 2 do decreto-lei 64/2008 de 8 de Abril.
18- Ora, não resultando do texto da decisão tal referência imposta pelo dispositivo legal em cima referido, não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o arguido procedia ao desmantelamento de veículos em fim de vida.
19- Daí que resulte a este propósito a violação do art. 2 do decreto-lei 64/2008 de 8 de Abril, de acordo com o teor da decisão recorrida.
20- De facto e salvo melhor opinião, do texto da decisão recorrida por si só, existe contradição insanável entre os fundamentos e a decisão.
21-Existe esta contradição insanável, porque não se pode dar como provado que o arguido se destine ao desmantelamento de veículos em fim de vida, ao mesmo tempo que se afirma que o arguido procedeu a tal desmantelamento sem visar qualquer das operações previstas em tal conceito.
22- O conceito de desmantelamento só se verifica na íntegra provando-se que o arguido além de proceder ao desmantelamento, fá-lo com vista á sua despoluição, reutilização, valorização ou eliminação dos matérias que o constituem".
23- Daí que o Tribunal a quo interpretou de forma errada o conceito de desmantelamento de fim de vida previsto no art. 2 do dec. Lei 64/2008 de 8 de Abril.
24- Como entende a Jurisprudência do Supremo tribunal de Justiça "Por contradição, entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas (Vide in Ac. STJ de 96.05.08, Proc. Nº 327/96).
25-Deste modo, foram violados os arts. 374 nº 2 do CPP, o art. 2 do Dec. Lei 64/2008 de 8 de Abril e o art. 32 nº 2 da CRP.
26- Entende o aqui arguido, salvo melhor opinião, que é inconstitucional, por violação do principio da proporcionalidade, a alínea a) do arte 20 n° 4 da lei nº 50/2006 de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n° 89/2009 de 31 de Agosto, ao estabelecer como montante mínimo de coima 20 mil Euros para as operações de desmantelamento de VFV sem licenciamento, para as pessoas singulares (Vide neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 09-12-2009, proc. 79/09.0TBCBR.Cl, Relator João Trindade, in).
27- Deste modo, e porque violadora do principio da proporcionalidade, invoca o aqui arguido de forma clara e inequívoca a inconstitucionalidade material, do art. 20 nº 4 alínea a) da Lei n° 50/2006 de 29 Agosto na redacção dada pela lei n° 89/2009 de 31 de Agosto, requerendo-se por conseguinte a sua desaplicação ao caso concreto.
28- Por outro lado, o art. 20 nº 4 alínea a) da Lei nº 50/2006, viola o principio da culpa, previsto no art. 40 nº 2 do CP e aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional, requerendo-se também por violação deste principio fundamental a desaplicação de tal norma.
29- Nestes termos, desaplicando-se a norma que se reputa inconstitucional e a entender-se que o arguido praticou a infracção, ter-se-á que aplicar o valor de coima previsto no art. 17 n° 3 do Regime geral das Contra-ordenações (DL 433/82 de 27 de Out.), que tem como limite máximo 1870, 49 Euros, dado que a infracção lhe foi imputada a nível negligente.
30-Ao aplicar-se esta disposição legal (art. 17 nº 3 do DL 433/82 de 27 de Outubro), de acordo com as condições económicas do arguido e o grau de culpa que lhe foi imputado (negligência inconsciente) em sede sentença (nos factos provados), o valor de coima dever-se-á situar próximo do mínimo legal aí estabelecido.
31-A entender-se que o arguido exercia a actividade de desmantelamento de veículos em fim de vida tal como se encontra definida no art. 2 do Decreto-Lei 64/2008 de 8 de Abril, (o que não é verdade), o arguido nunca em momento algum equacionou a hipótese de ter de requerer uma licença para proceder ao desmantelamento de um veículo em fim devida.
32- Entende o arguido, salvo melhor opinião, que agiu com todo o cuidado que lhe era exigível, nunca tendo consciência do desvalor da sua actividade negligente, e de acordo com a sua formação, não se pode concluir que esteja cumprido o requisito de diligência subjectiva (cuidado de que o agente é capaz) para que possa ser punido a título negligente por esta infracção.
DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO PARCIALMENTE O ACORDÃO RECORRIDO, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
Não foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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É a seguinte a matéria de facto apurada e elementos de determinação das coimas:
Factos provados
Com relevo para a decisão do presente recurso de impugnação judicial foram apurados os seguintes factos:
1. o arguido dedica-se a receber e recolher vários tipos de materiais, explorando uma sucata sita na Rua …, bem como efectuar desmantelamento de veículos em fim de vida;
2. no dia …, pelas 19h30m, na sucata referida em 1., existiam metais ferrosos e não ferrosos, pneus, baterias de automóveis, electrodomésticos, veículos em fim de vida, motores industriais e de ciclomotores;
3. encontravam-se ainda motores de veículos em contacto com o solo, de alguns dos quais tinham derramado óleo para o solo devido a operações de desmantelamento;
4. existiam no local, espalhados pela referida sucata, dez acumuladores de automóveis (baterias), sem estarem armazenados em contentor estanque;
5. o arguido procedia ao desmantelamento de veículos em fim de vida, sem que para tal tivesse qualquer autorização;
6. existiam vários componentes de automóveis como amortecedores, um bidão com filtros de óleos, um bidão de discos de travões, colocados sem protecção de impermeabilização do solo ou protecção contra as condições atmosféricas;
7. o arguido tinha na sucata electrodomésticos como frigoríficos, arcas frigoríficas, televisores, fornos eléctricos e máquinas de lavar roupa e motores com clorofluorcarbonetos (CFC’s) em contacto com o solo;
8. o arguido não possuía licença ou autorização do Ministério do Ambiente para a recolha e armazenamento de materiais como metais ferrosos e não ferrosos;
9. o arguido não possuía qualquer autorização para o armazenamento de pneus usados;
10. ao efectuar operações de gestão de resíduos como metais ferrosos e não ferrosos sem a competente licença, ao proceder ao armazenamento de pneus usados sem licença, ao permitir o derrame de óleos usados no solo e ao proceder a operações de desmantelamento de veículos em fim de vida sem o competente licenciamento, o arguido podia e devia ter previsto que incorria em responsabilidade contraordenacional e ainda assim não o previu tal possibilidade;
11. o arguido, após a fiscalização de que foi objecto, tem diligenciado por encaminhar os materiais para empresas de reciclagem dos mesmos;
12. o arguido aufere mensalmente quantia não inferior a € 750,00 e a esposa é doméstica;
13. pratica ainda agricultura e pecuária de subsistência;
14. reside com a mãe a sogra, que ajudam nas despesas da casa com as respectivas pensões de reforma;
15. o arguido tem, como veículo automóvel, uma carrinha de marca …, do ano de 1998;
16. reside em casa própria, pagando € 200,00 a título de prestação bancária do empréstimo que contraiu para a respectiva aquisição;
17. tem três filhos que se encontram a estudar;
18. tem como habilitações académicas o 6º ano de escolaridade;
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Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não ficou provado que:
. ao não entregar equipamentos eléctricos e electrónicos nos locais para a sua recolha, o arguido podia e devia ter previsto que incorria em responsabilidade contraordenacional e ainda assim não o previu tal possibilidade;
. o arguido tivesse apenas seis pneus armazenados;
. os pneus se encontravam no local há pouco tempo;
. os materiais apenas ficam breves dias na sucata do arguido;
. após a prática dos factos, o arguido procedeu a uma limpeza da sucata;
. o arguido despende uma média de € 200,00 mensais em alimentação;
. os filhos do arguido gastam uma média de € 100,00 mensais nas suas deslocações para a escola e nos encargos da sua vida escolar.
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Fundamentação da matéria de facto
Para a decisão da matéria de facto o Tribunal procedeu a uma análise global e criteriosa de todos os elementos constantes dos autos.
Desde logo, o Tribunal atendeu à cópia das fotografias de 9 a 16 e ainda os documentos juntos pelo arguido, constantes de fls. 122 a 138.
O arguido, nas suas declarações, reconhecendo embora ter sido objecto de fiscalização, negou que desmantelasse carros, afirmando que são as pessoas que os deixam no local e que depois diligencia pelo respectivo transporte, o mesmo sucedendo com as baterias, que são deixadas por pessoas no local.
Os discos de travões e os filtros de óleo são para vender e os pneus dos veículos automóveis são retirados para facilitar o respectivo transporte em cima do camião, desconhecendo ser necessária qualquer licença.
Negou ainda que houvesse qualquer óleo derramado no solo, tanto mais que tem os seus animais à solta no local, mais afirmando que julgava que cumpria todas as obrigações legais na matéria e que, como tal, não estava a incorrer na prática de contra-ordenações.
Informou ainda o Tribunal das suas condições pessoais.
MN... e PJ..., militares da Guarda Nacional Republicana, relataram os termos em que procederam à fiscalização e os materiais encontrados na sucata explorada pelo arguido, em termos globalmente consonantes com a matéria factual dada como provada na decisão administrativa.
Aquela primeira testemunha esclareceu ainda que os sinais de óleo não correspondiam a derrames prolongados, assim como que não encontrou um local destinado à desmontagem dos veículos.
A testemunha PJ... confirmou igualmente que os derrames existentes eram de óleo, atenta a viscosidade e cor negra do produto, assim como que havia veículos parcialmente desmantelados, cerca de dez, ainda que não tivesse encontrado um local especialmente destinado para o efeito.
RP... informou o Tribunal que o arguido reúne produtos metálicos que depois transporta para a fundição, encontrando-se no local duas empresas de reciclagem do ramo automóvel.
BC... afirmou que as pessoas deixam produtos junto da casa do arguido, que este depois leva para empresas que se dedicam à reciclagem e ainda que retira as rodas dos veículos automóveis para os transportar melhor.
Por último, DD... afirmou ainda que o arguido leva os veículos automóveis existentes na sua sucata para o abate, assim como que este reside com duas senhoras idosas.
Da ponderação de toda a prova produzida, e sendo que o arguido não colocou em crise a presença dos materiais no local, sendo que, de resto, nesse mesmo sentido foram as fotografias cujas cópias constam dos autos, foi essa matéria factual dada como provada.
Por sua vez, pese embora o arguido ter afirmado que as pessoas deixavam junto da sua sucata, além do mais, os veículos automóveis, tal facto não é impeditivo de ser o arguido quem procedia ao respectivo desmantelamento.
E ainda que as testemunhas tenham afirmado que na sucata não existia um local próprio para o desmantelamento dos veículos, o certo é que, tal não era estritamente necessário, considerando que se trata de veículos já em fim de vida, conforme se visiona de modo claro da cópia da fotografia nº 16 (constante de fls. 16).
Aliás, desta fotografia resulta que os veículos têm ainda as suas rodas montadas, sendo que a própria disposição, em fila e junto de um muro, é reveladora de estarem no local durante algum tempo.
Acresce ponderar que das fotografias n.ºs 2 (fls. 9), 4 (fls. 10), 6 (fls. 11) e 8 (fls. 12) resulta a existência de pneus montados ou apenas jantes de algum modo aglomeradas, assim como mesmo de amortecedores (fotografia nº 7, constante de fls. 12), o que revela alguma organização por parte do arguido, não compatível com a mera desmontagem das rodas para o transporte dos veículos para local de reciclagem.
Como tal, não foram as declarações do arguido, neste segmento, tidas por verosímeis, nem merecedor de crédito o depoimento de DD..., ao afirmar que o arguido não desmancha automóveis, pois que não trabalha com o mesmo e o facto de ter empresas de reciclagem perto não obsta a que o arguido desmonte os veículos, tanto mais que o mercado de peças usadas é igualmente rentável, mais até que a venda apenas a venda do metal a peso.
De igual modo e quanto ao facto de sustentar que a substância encontrada no chão não ser óleo, atestando esse facto o de ter os seus animais no local, trata-se de factualidade não demonstrada e, ainda assim, não impeditiva da existência de derrames de óleo.
Acresce que as testemunhas militares da Guarda Nacional Republicana foram peremptórias quanto ao facto de se tratar de óleo, seja pela cor do produto, seja pela viscosidade da substância, sendo que, para além dos especiais conhecimentos que estes militares têm na matéria e o desinteresse revelado nos seus depoimentos, é perfeitamente compatível com as regras do normal acontecer que assim seja, considerando tratar-se de partes de automóveis e ser resultante do respectivo desmantelamento.
Assim, foi essa factualidade igualmente dada como provada, em detrimento da versão dos factos trazida pelo arguido.
No que tange à conduta empreendida pelo arguido após a fiscalização, dando destino aos materiais estiveram os documentos de fls. 122 a 126 e 133 a 137.
Por último, no que concerne ao facto de o arguido ter todas as condições de prever que, ao deter todos esses materiais, incorria em responsabilidade contraordenacional estiveram o facto de, conforme afirmou, explorar a sucata há cerca de 10/11 anos, assim como a preocupação que exprimiu em levar os materiais às empresas que se dedicam à reciclagem (facto atestado igualmente pelos documentos de fls. 127 a 132 e 138),
Mais do que ter noção, em termos técnicos, do que se trata a gestão de resíduos, o arguido acabou por relevar, nas suas declarações, ter a consciência da necessidade de dar destino correcto aos diversos materiais, termos em que foi dado como provado que podia e devia ter previsto que, ao não fazê-lo e ao não ser titular das necessárias licenças, incorria em responsabilidade contraordenacional.
Acresce que as preocupações ambientais, ainda que se tratando de um assunto actual, não é recente, sendo as exigências na matéria crescentes, mas que se vêm afirmando há já anos, sobretudo relativamente a indústrias poluentes, em que os empresários têm especiais responsabilidades, devendo manter-se actualizados em termos de exigências legais da actividade.
Isto, tanto mais que qualquer cidadão tem conhecimento que, para exercer determinada actividade profissional, mais a mais um empresário em nome individual e numa área que bule com as exigências ambientais, tem de estar licenciado para o efeito, termos em que, também por apelo às regras da experiência comum, foi essa factualidade dada como provada.
As condições pessoais foram relatadas pelo próprio arguido.
Relativamente à matéria de facto dada como não provada, e conforme será infra analisado, não constituindo a mera detenção de electrodomésticos comportamento previsto e punido como contra-ordenação, não podia o arguido prever a ilicitude dessa conduta.
No demais não foi produzida prova concreta quanto ao período em que os materiais ficavam na sucata do arguido, sendo que nenhuma das testemunhas logrou esclarecer tais factos.
Quanto ao número de pneus, desde logo é elucidativa a fotografia cuja cópia consta de fls. 12 (fotografia 8), atestando um número de pneus bem superior.
No demais, e relativamente aos concretos gastos e limpeza do estaleiro da sucata, não foi produzida qualquer prova, termos em que essa factualidade foi dada como não provada.
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Da medida da coima
De acordo com o n.º 1 do art. 20º da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
A aplicação da coima justifica-se pela necessidade de conservação e reforço da norma violada (valendo aqui a ideia de prevenção geral positiva), funcionando ainda como admonição, uma especial advertência, conducente à observância de certas proibições ou imposições legais que o agente da contra-ordenação não respeitou.
Por sua vez, e na medida em que toda a sanção tem por suporte uma culpa concreta, este juízo de censura afirma-se como limite inultrapassável da coima, nos termos dos arts. 71º e 72º do Código Penal, aplicáveis ex vi art. 32º do RGC e do art. 2º da Lei nº 50/2006.
Elementos a considerar na determinação concreta da medida da coima serão o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a respectiva motivação, o modo de execução da contra-ordenação, a gravidade das suas consequências, o grau de conhecimento e intensidade da vontade no caso de dolo ou de leviandade, no caso de negligência.
Havendo diversos infractores com diferentes meios de solver a coima, procurar-se-á esbater tais diferenças, bem como, tendencialmente, neutralizar os benefícios económicos, isto é, os proventos que não ocorreriam no património do agente caso tivesse adoptado a conduta imposta pelo ordenamento jurídico, cujo valor tem relevo, conjugado com os limites mínimo e máximo da coima abstractamente previstos.
Revertendo, uma vez, mais, ao caso sub iudice, verifica-se que ao arguido foi aplicada, entre € 750,00 e € 1.870,00 a coima de € 1.000,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 23º e al. b) do nº 1 do art. 67º do Decreto-lei nº 178/2006 de 05 de Setembro; entre € 50,00 e € 3.740,00 com a coima de € 500,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º, al. c) do nº 1 e nº 2 do art. 17º do Decreto-lei nº 111/2001 de 06 de Abril, na redacção do Decreto-lei nº 43/2004 de 02 de Março; entre € 250,00 e € 3.740,00 na coima de € 1.500,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º e pela al. b) do nº 1 do art. 25º do Decreto-lei nº 153/2003 de 11 de Junho; entre € 20.000,00 e € 30.000,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na coima única de € 23.000,00 (vinte e três mil euros).
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Como ponto prévio da apreciação da medida das coimas parcelares e da coima única aplicada, urge aferir, antes de mais, da aplicabilidade da al. a) do nº 4 do art. 20º da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto, que, na perspectiva do arguido, não é conforme à Constituição da República Portuguesa, por não respeitar o princípio da proporcionalidade (nº 2 do art. 18º da Lei Fundamental).
Desde já se adianta não assistir razão ao arguido.
E isto por que, desde logo, no art. 21º da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto, “para determinação da coima aplicável e tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados, as contra-ordenações classificam-se em leves, graves e c muito graves”, ou seja, o legislador optou por fazer uma classificação tripartida das contra-ordenações em função da sua gravidade.
E, no que tange a contra-ordenações praticadas a título negligente, o legislador, tendo estabelecido as respectivas molduras, através da Lei nº 89/2009 de 31 de Agosto, veio a baixar os respectivos limites mínimos e máximos nos seguintes moldes: (n.ºs 2 a 4 do art. 22º da Lei nº 50/2006 na referida redacção).
“Às contra -ordenações leves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 200 a € 1000 em caso de negligência e de € 400 a € 2000 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas colectivas, de € 3000 a € 13 000 em caso de negligência e de € 6000 a € 22 500 em caso de dolo.
Às contra -ordenações graves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 2000 a € 10 000 em caso de negligência e de € 6000 a € 20 000 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas colectivas, de € 15 000 a € 30 000 em caso de negligência e de € 30 000 a € 48 000 em caso de dolo.
Às contra -ordenações muito graves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 20 000 a € 30 000 em caso de negligência e de € 30 000 a € 37 500 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas colectivas, de € 38 500 a € 70 000 em caso de negligência e de € 200 000 a € 2 500 000 em caso de dolo”.
Sendo que a contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril, está classificada de muito grave, escapa à compreensão do Tribunal em que moldes se poderá sustentar haver violação do princípio da proporcionalidade.
Em primeiro lugar, e conforme já analisado, há uma classificação tripartida das contra-ordenações, sendo que o limite mínimo das leves, tratando-se de conduta negligente e estando em causa uma pessoa singular, é de apenas € 200,00.
Por outro lado, e não deixando de ter em mente todo o ordenamento jurídico ao nível contraordenacional, existindo molduras variadas e com limites mínimo e máximo perfeitamente distintos, que nos movemos no domínio ambiental, em que o não respeito das normas administrativas em vigor pode ser potenciador de elevadíssimos danos que afectam um número indeterminado de pessoas e cujos efeitos se prolongam no tempo.
Não desmerecendo domínios como o estradal e do consumo, sendo inúmeras as contra-ordenações praticadas e cuja impugnação reclama a apreciação judicial, o domínio ambiental vem assumindo especial acuidade nas últimas décadas, face a uma consciência que se vem afirmando como crescente e sensível, não permitindo condutas que hipotecam o futuro de gerações em termos de vida num ambiente saudável.
São prementes os interesses que se fazem sentir nesta matéria, que, em segmentos, reclamam mesmo a consagração de crimes, evidenciando que, mais do que interesses administrativos, há verdadeiros bens jurídicos a defender nesta matéria (vide arts. 274º, 278º a 281º do Código Penal).
E desde modo se compreende que a fasquia do montante mínimo da coima seja fixada a um nível já elevado, não se vislumbrando, com todo o respeito por entendimento diverso, que, face aos interesses em causa e elevada potencialidade danosa, que haja uma desconformidade à constituição, seja da al. d) do nº 1 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril, seja da al. a) do nº 4 do art. 20º da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto na actual redacção e como tal, haver fundamento para a sua não aplicação.
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Ponderando a culpa com que o arguido actuou, a sua potencialidade poluidora por ser necessariamente elevadíssima, atento o numero de resíduos com que labora e que reclamam especiais cuidados na sua manipulação e acondicionamento, os rendimentos que gera e ainda o facto de ter necessariamente não dispendido quantias monetárias pelo facto de não ter requerido, desde logo, as necessárias licenças e assegurado, em tempo, a gestão de todos os resíduos, entendemos adequadas as seguintes coimas parcelares (tendo em consideração o disposto no nº 4 do art. 17º do RGC):
- entre € 750,00 e € 1.870,00 a coima de € 1.000,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 23º e al. b) do nº 1 do art. 67º do Decreto-lei nº 178/2006 de 05 de Setembro;
- entre € 50,00 e € 1.870,00 com a coima de € 400,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º, al. c) do nº 1 e nº 2 do art. 17º do Decreto-lei nº 111/2001 de 06 de Abril, na redacção do Decreto-lei nº 43/2004 de 02 de Março;
- entre € 250,00 e € 1.870,00 na coima de € 800,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º e pela al. b) do nº 1 do art. 25º do Decreto-lei nº 153/2003 de 11 de Junho;
- entre € 20.000,00 e € 30.000,00, a coima de € 20.000,00 pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, republicado pelo Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril.
Encontrando-se as contra-ordenações em concurso efectivo, entre € 20.000,00 e € 22.200,00 (n.os 1 e 3 do art. 28º da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto), ponderando que o arguido, nas suas condutas, espelhou uma evidente falta de diligência ante as exigências ambientais na sua área de trabalho, actuando com negligência inconsciente, bem como sopesando ter beneficiando do não dispêndio de quantias monetárias ao não requerer, desde logo, a concessão das licenças devidas e sopesando ainda as fortes exigências em termos de prevenção geral positiva, entende-se ajustada a coima única de € 20.800,00 (vinte mil e oitocentos euros).
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Conhecendo:
O recorrente alega:
- A violação do princípio in dúbio pró reo;
- Não preenchimento do conceito de operação de desmantelamento de veículos em fim de vida;
- Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- A inconstitucionalidade da norma do art. 20 nº 4 al. a) da Lei 50/2006 de 20-08, na redacção dada pela lei 89/2009 de 31-08, por violação do principio da proporcionalidade.
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Questão prévia:
O recorrente foi condenado pelo cometimento de contra-ordenações, nomeadamente as seguintes:
- uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 23º e al. b) do nº 1 e nº 3 do art. 67º do Decreto-lei nº 178/2006 de 05 de Setembro;
- uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º, al. c) do nº 1 e nº 2 do art. 17º do Decreto-lei nº 111/2001 de 06 de Abril, na redacção do Decreto-lei nº 43/2004 de 02 de Março;
- uma contra-ordenação p. e p. pela al. b) do art. 5º, al. b) do nº 1 e nº 2 do art. 25º do Decreto-lei nº 153/2003 de 11 de Junho;
Resulta da decisão recorrida, nomeadamente da matéria de facto que tais infracções foram cometidas a titulo de negligência, “ao efectuar operações… o arguido podia e devia ter previsto que incorria em responsabilidade contra-ordenacional”.
Nos termos do art. 17 nº 4 do RGCOC, o montante máximo da coima por comportamento negligente pode ser sancionado até metade do montante da coima prevista para comportamento doloso, isto no caso de a norma não distinguir.
Assim que o montante máximo das coimas correspondentes àquelas infracções referidas é de 1.870,00€ (correspondente a metade de 3.740,00€).
É este o limite máximo abstracto da coima que tem de ser considerado para o efeito de determinação do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, de acordo com o Regime Geral.
Neste sentido, Ac. da Rel. Porto, de 06/02/2008, Rec. Contra-ordenacional nº 6294/07 - 4ª Sec., que refere: “O prazo de prescrição do procedimento pela contra-ordenação prevista no nº 2 do art. 27º desse DL nº 38/99, punível com coima de € 1.246,99 a € 3.740,98, não se distinguindo aí o comportamento doloso do negligente, se for praticada por negligência, é de 1 ano, na medida em que nesse caso o máximo da coima aplicável é, por força do disposto no nº 4 do art. 17º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, igual a metade do limite máximo daquela moldura”.
Entendemos verificar-se, relativamente a estas contra-ordenações, questão prévia que obsta ao conhecimento de mérito.
Os factos ocorreram em 09-09-2008 (nº 2 dos factos provados);
A cada uma das infracções imputadas correspondia uma coima com o limite máximo abstracto 1.870,00€.
Pelo que, nos termos do art. 27 al. c) do RGCOC, o prazo prescricional é de um ano.
Assim, entendemos que se encontra prescrito o procedimento contraordenacional (apenas quanto a estas contra-ordenações refeidas).
A prescrição opera pelo simples decurso do tempo, independentemente de qualquer condição, devendo ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento -Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Drs O. Mendes e Santos Cabral, anotação ao art. 27.
O art. 27°-A veio estabelecer três casos de suspensão:
- não puder legalmente iniciar-se ou continuar (o procedimento) por falta de autorização legal;
- estiver pendente (o procedimento)a partir do envio do processo ao M.º Público e até à devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40°;
- estiver pendente (o procedimento) a partir da notificação do despacho exame preliminar do recurso da decisão que da procede ao administrativa que aplica a coima, autoridade até à decisão final do recurso.
O seu n.º 2, veio fixar como limite máximo da suspensão (nos casos das als. b) e c) em seis meses.
E o art. 28° indica os casos de interrupção da prescrição
Mas o seu n.º 3 especifica que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
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Em resumo:
- os prazos são os referidos no art. 27°;
- a interrupção tem lugar nos casos previstos no art. 28°;
- a suspensão tem lugar nos casos do art. 27°-A;
- a suspensão não pode ir além de seis meses (apenas se verifica o caso previsto na al. c) do n. 1 do art. 27-A;
- a prescrição que resulta tem como prazo máximo o prazo normal (art. 27°) acrescido de seis meses suspensão e de metade daquele prazo normal.
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- O prazo prescricional, face á moldura das coimas, é de um ano (al. c), do art. 27°);
- Interrompeu-se (art. 28°);
- Suspendeu-se (art. 27°-A) também;
Mas sendo o prazo de prescrição de um ano (art. 27°, al. c), acrescido de meio ano de interrupção (n. 3 do art. 28°) e de seis meses (art. 27-A, n.º 2), o seu máximo é de dois anos.
Como os factos em causa nos autos ocorreram em 08 de Setembro de 2008, prescreveu o respectivo procedimento contraordenacional em 09 de Setembro de 2010.
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Conforme expõem os Exm.ºs Conselheiros na obra e local supra citado, a prescrição deve ser qualificada como uma causa extintiva ou de exclusão da punibilidade, pois que por via dela vem a cessar a possibilidade de realização da pretensão punitiva, não pode exercitar-se a acção contra-ordenacional, e que o instituto da prescrição deve ser visto e considerado como uma renúncia do Estado ao jus puniendi.
Assim e com estes fundamentos há-de ser julgado parcialmente procedente o recurso e extinto o procedimento contraordenacional, por prescrição, relativamente a estas contra-ordenações.
E, consequentemente, desfeito o cúmulo jurídico efectuado.
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Resta analisar a contra-ordenação pela qual o arguido foi condenado, uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 e 4 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril (punida nos termos do art. 22 nº 4 al. a) da lei nº 50/2006 de 29-08, com as alterações da Lei 89/2009 de 31-08 – acrescentamos nós).
Matéria de facto:
Conforme resulta do art. 75 nº 1, do RGCOC, a Relação apenas conhecerá da matéria de direito.
A matéria de facto apenas poderá ser alterada se se verificar algum dos vícios enunciados no nº 2 do art. 410 do CPP, aplicável ex vi art. 41 do RGCOC. Este tribunal pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão recorrida que contendam com a apreciação de facto (os vícios do art. 410 hão-de resultar da análise do texto da decisão recorrida).
Referem os Cons. S. Cabral e O. Mendes em “Notas ao RGCOC”, anotação ao art. 75 que, “consubstancia-se tal recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte o raciocínio lógico subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal”.
O recorrente alega a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
Este vício há-de manifestar-se por uma incoerência, oposição incompatibilidade manifesta entre a fundamentação ou entre esta e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir - cfr., entre outros vários, Acs. STJ de 22/5/96 in Proc. 306/96 de 12/127)9 in Proc. 1046/98 in Sumários nº 36.
Verifica-se quando sobre o mesmo facto ou sobre a mesma questão constam, do texto da decisão recorrida, posições antagónicas e inconciliáveis, haja oposição entre factos que mutuamente se excluam por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade.
E tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto.
Apesar do esforço do recorrente em tentar enquadrar a sua alegação na verificação deste vício, o que resulta é que o mesmo entende a prova mal apreciada, ou não apreciada nos termos, pelo mesmo, pretendidos.
Entende que fez prova para que a matéria de facto provada fosse outra e se não considerasse como preenchido o conceito de operação de desmantelamento de veículos em fim de vida.
Entende que o seu depoimento conjugado com o das testemunhas DD..., RP... e BC... eram suficientes para que o tribunal se convencesse de que o arguido não exercia a actividade de “operações de tratamento de VFV” nem era “operador de desmantelamento”, ou que pelo menos deveria justificar-se a dúvida.
Porém esta situação não se enquadra em qualquer dos vícios do referido art. 410 nº 2 do CPP.
Sem qualquer contradição, o julgador refere as provas que o convenceram e justifica, fazendo análise crítica da prova, porque a versão do arguido o não convenceu.
Além das fotografias constantes dos autos e referidas na motivação, as mesmas demonstram a actividade do arguido, sendo acrescentado na motivação que as testemunhas MN... e PJ..., agentes da GNR, relataram os termos da fiscalização que efectuaram e, os materiais que encontraram “em termos globalmente consonantes com a matéria factual dada como provada na decisão administrativa”, referindo que “havia veículos parcialmente desmantelados, cerca de dez, ainda que não tivesse encontrado um local especialmente destinado para o efeito”.
Assim que não se verifica o vício da contradição insanável, nem o mesmo se mostra notório na análise do texto da decisão recorrida.
Nem se verifica violação do princípio in dúbio pró reo.
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange (situação alegada no recurso), a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), não ter o Tribunal, mesmo após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, (expressa na motivação supra transcrita) obtido convicção plena, subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a actividade levada a cabo pelo arguido.
O que, diferentemente, o arguido pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira do recorrente, substituindo-se ele -recorrente- ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
Assim que se tem por fixada a matéria de facto.
Determinação do montante da coima:
Tem o recorrente que a coima aplicada é excessiva.
Na determinação da medida da coima, deve ser observado o preceituado no art. 18 do RGCOC.
Aí se refere, no nº 1 que, a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
No mesmo sentido o art. 20 da lei nº 50/2006 de 29-08 RCOA, específica para a determinação das sanções nas contra-ordenações ambientais. Aí se refere que, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. Sendo, ainda, tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
Nesta parte o recorrente não questiona, até porque lhe foi aplicada a coima pelo mínimo.
Suscita sim, a inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da proporcionalidade.
Como já se referiu, o mínimo da coima é de 20.000,00€ para infracção negligente cometida por pessoa singular, o que já é uma quantia considerável.
E, tem de haver alguma proporcionalidade entre a multa aplicada e o dano causado, ou o benefício retirado do mesmo. E no caso, nem um nem outro se apuraram.
E, qualquer sanção só cumpre eficazmente as suas finalidades de orientação de condutas e de eliminação de infracções, quando há proporcionalidade entre a gravidade do facto e a sanção – neste sentido, O. Mendes e S. Cabral in RGCOC, anotação ao art. 18.
Sobre esta matéria directamente se pronunciou o legislador há pouco tempo, pois que diminuiu o montante da coima em 2009.
A lei original, Lei 50/2006 para a situação em análise previa a coima de 25.000,00€ a 30.000,00€, sendo que como já referido, a mesma lei resultante da alteração operada pela lei 89/2009 de 31/08 prevê a coima de 20.000,00€ a 30.000,00€.
O legislador se apercebeu que haveria algum exagero e baixou ao limite que entendeu correcto para a gravidade da infracção, entendendo que assim haveria proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a sanção, no entanto nenhuma explicação é dada em preâmbulo para aquela redução.
Há que ponderar que as contra-ordenações ambientais têm diferentes categorias e classificações indo de infracção leve a muito grave, sendo que a cometida pelo recorrente se enquadra nas classificadas de muito graves.
O (RCOA), no art. 21 refere que para a determinação da coima aplicável é tido em conta a relevância dos direitos e interesses violados e por isso, as contra-ordenações classificam-se em leves, graves e muito graves.
Uma infracção ambiental leve tem como mínimo na coima 200,00€, a grave 2.000,00€ e a muito grave 20.000,00€, para as pessoas singulares e quando cometidas a titulo de negligência – art. 22 nºs 2, 3 e 4 do RCOA.
E, nos termos do art. 22, a cada escalão classificativo de gravidade das contra-ordenações ambientais corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau de culpa.
O montante da sanção, nomeadamente o mínimo, e in casu assenta no facto de se tratar de infracção muito grave e, sendo infracção muito grave tem a sanção de ser condizente.
Esta tem sido a interpretação do TC, nomeadamente no ACÓRDÃO N.º 132/2011, de 3 de Março, no qual se decidiu: “Não julgar inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, a norma extraída da conjugação dos artigos 2.º, n.° 1, 3.°, n.° 1, alínea b), n.° 4 e 9.°, n.º 1, alínea a) e n.° 3, todos do Decreto-Lei n.° 156/05, de 15 de Setembro, no sentido de sancionar, com a coima mínima de € 15.000,00, as pessoas colectivas fornecedoras de bens e prestações de serviços, que recusam facultar, imediata e gratuitamente, o livro de reclamações aos utentes, sempre que por estes tal lhe seja solicitado, quando tal recusa se mantém mesmo após intervenção da autoridade policial”.
Este Ac. revoga o desta Relação citado pelo recorrente, proferido no proc. 79/09.0TBCBR.C1.
O TC tem entendido, que “a fixação da dosimetria sancionatória, maxime, em sede contra-ordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 574/95,)”.
Tal asserção é sobretudo significativa no domínio do ilícito de mera ordenação social, porquanto – pode ler-se no mesmo aresto – “as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais – para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”.
Não sendo de descurar a concorrência e regulação económica.
Na linha da jurisprudência consolidada no TC, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”.
Assim que entendamos inexistir violação de preceitos constitucionais, nomeadamente a violação da norma que consagra o princípio da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13.º e 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Erro sobre a proibição:
Alega o recorrente a falta do requisito subjectivo do ilícito, porque não sabia da necessidade de licença. “o arguido nunca em momento algum equacionou a hipótese de ter de requerer uma licença para proceder ao desmantelamento de um veículo em fim de vida”.
O tipo de ilícito - primeiro degrau valorativo da doutrina do crime - tem por função dar a conhecer ao destinatário que determinada espécie de comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico e é sempre constituído por uma vertente objectiva (os elementos descritivos do agente, da sua conduta e do seu circunstancialismo) e por uma vertente subjectiva: o dolo ou a negligência. Só da conjugação dos dois elementos ou vertentes (objectiva e subjectiva) pode resultar o juízo de contrariedade da acção à ordem jurídica, o mesmo é dizer, o juízo de ilicitude – cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal - Parte Geral” Tomo I, pág. 231.
Como refere Figueiredo Dias, é necessário que o agente “conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta. Por isso, numa palavra, o conhecimento da realização do tipo objectivo de ilícito constitui o sucedâneo indispensável para que nele se possa ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a esse título, com a consequência de que sempre que o agente não represente, ou represente erradamente, um qualquer dos elementos do tipo de ilícito objectivo, o dolo terá, desde logo, de ser negado” – Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 334 e 335.
Mas o dolo é ainda a expressão de uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença, perante o dever-ser jurídico-penal, sendo, nesta perspectiva, um elemento constitutivo do tipo de culpa dolosa.
O princípio da culpa constitui uma máxima fundamental do direito penal, do que deriva a exigência de que a aplicação de qualquer pena supõe sempre que o ilícito típico foi praticado com culpa, traduzindo-se esta numa censura dirigida ao agente pela prática do facto.
Ora, o tipo de culpa doloso verifica-se quando, perante um ilícito típico doloso, «se comprova que o seu cometimento deve imputar-se a uma atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao Direito e às suas normas; se uma tal comprovação se não alcançar ou dever ser negada o facto só poderá eventualmente vir a ser punido a título de negligência» idem, pág. 488.
Apesar das divergências existentes na doutrina quanto aos efeitos da ausência daquela consciência do ilícito (teorias do dolo, estrita e limitada e teorias da culpa, estrita e limitada), o certo é que tal ausência deixou de ser irrelevante (a ausência de conhecimento da lei pode eximir responsabilidade criminal, contrariamente ao Código de 1886 no qual se afirmava que a ignorância da lei não aproveitava a ninguém).
No direito penal português actual existem duas espécies de erro jurídico-penalmente relevante, com duas formas de relevância e diferentes efeitos sobre a responsabilidade do agente: uma exclui o dolo, ficando ressalvada a negligência nos termos gerais (art. 16.º, do CP); a outra, exclui a culpa, se for não censurável, constituindo causa de exclusão da culpa, mantendo-se a punição a título de dolo se for censurável, embora com pena especialmente atenuada (art. 17.º, do CP).
Segundo o nosso Código Penal, há três situações em que o erro exclui o dolo:
- quando verse sobre elementos de facto ou de direito, de um tipo de crime;
- quando verse sobre os pressupostos de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa;
- quando verse sobre proibições cujo conhecimento seria razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência do ilícito.
É esta a concepção básica sobre o dolo do tipo, a consciência do ilícito e a culpa dolosa que está mesmo na base do regime constante dos art. 16.º e 17.º “.
De uma ou de outra forma, aquele conhecimento tem de resultar directa ou indirectamente da matéria de facto provada.
“O erro sobre a ilicitude tem que resultar dos factos provados”, Ac. desta Relação (no site), de 4-03-09 , no proc. 184/08.5TBCBR.C1.
Mantendo-se fixada a matéria de facto, da mesma resulta, ponto 10 dos provados, que, “ao efectuar as operações… sem a competente licença… o arguido podia e devia ter previsto que incorria em responsabilidade contraordenacional”.
Nem podia ser de outro modo já que há pelo menos 10 anos vinha exercendo aquela actividade e com alguma dimensão, como se constata da prova, nomeadamente fotográfica.
Isso é referido na fundamentação da matéria de facto: “no que concerne ao facto de o arguido ter todas as condições de prever que, ao deter todos esses materiais, incorria em responsabilidade contraordenacional estiveram o facto de, conforme afirmou, explorar a sucata há cerca de 10/11 anos, assim como a preocupação que exprimiu em levar os materiais às empresas que se dedicam à reciclagem (facto atestado igualmente pelos documentos de fls. 127 a 132 e 138),
Mais do que ter noção, em termos técnicos, do que se trata a gestão de resíduos, o arguido acabou por relevar, nas suas declarações, ter a consciência da necessidade de dar destino correcto aos diversos materiais, termos em que foi dado como provado que podia e devia ter previsto que, ao não fazê-lo e ao não ser titular das necessárias licenças, incorria em responsabilidade contraordenacional.
Acresce que as preocupações ambientais, ainda que se tratando de um assunto actual, não é recente, sendo as exigências na matéria crescentes, mas que se vêm afirmando há já anos, sobretudo relativamente a indústrias poluentes, em que os empresários têm especiais responsabilidades, devendo manter-se actualizados em termos de exigências legais da actividade.
Isto, tanto mais que qualquer cidadão tem conhecimento que, para exercer determinada actividade profissional, mais a mais um empresário em nome individual e numa área que bule com as exigências ambientais, tem de estar licenciado para o efeito, termos em que, também por apelo às regras da experiência comum, foi essa factualidade dada como provada”.
Assim que não se verifica qualquer erro que exclua a ilicitude ou a culpa do recorrente.
Se o recorrente se encontrava numa situação de ignorância, só a si e à sua omissão em diligenciar no sentido de se informar, como lhe competia e devia ter feito, respeita.
Ainda que houvesse erro, o que não resulta dos factos provados, esse erro era censurável ao arguido.
Também, e a haver erro sobre a ilicitude, este erro é censurável ao arguido pela violação do dever de cuidado que devia ter.
“Há censurabilidade de erro sobre a ilicitude quando o agente não actuou com o cuidado que uma pessoa portadora duma recta consciência ético-jurídica teria, informando-se e esclarecendo-se convenientemente sobre a proibição legal” – Ac. desta Relação de 19-10-1983, in Col. Jurisp. tomo IV, pág. 83.
Dos factos provados não resulta a falta de consciência da ilicitude do arguido, não resulta falsa ou equívoca suposição da legalidade.
Assim, temos que improcede a alegação de actuação sem consciência não censurável da ilicitude da actuação, ou actuação no pressuposto da legalidade.
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Nos termos expostos, se julga improcedente o recurso.
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
1- Em julgar extinto, por prescrição, o procedimento contrordenacional contra o arguido CB..., relativamente aos factos que preenchiam as seguintes contra-ordenações:
a)- uma contra-ordenação p. e p. pelo nº 1 do art. 23º e al. b) do nº 1 e nº 3 do art. 67º do Decreto-lei nº 178/2006 de 05 de Setembro;
b)- uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 5º, al. c) do nº 1 e nº 2 do art. 17º do Decreto-lei nº 111/2001 de 06 de Abril, na redacção do Decreto-lei nº 43/2004 de 02 de Março;
c)- uma contra-ordenação p. e p. pela al. b) do art. 5º, al. b) do nº 1 e nº 2 do art. 25º do Decreto-lei nº 153/2003 de 11 de Junho;
2- Consequentemente é desfeito o cúmulo jurídico efectuado.
3- Quanto ao mais, mantém-se a decisão recorrida, a condenação pela prática da contra-ordenação prevista pelo nº 1 do art. 20º e pela al. d) do nº 1 e 4 do art. 24º do Decreto-lei nº 196/2003 de 23 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 64/2008 de 08 de Abril e punida nos termos do art. 22 nº 4 al. a) da lei nº 50/2006 de 29-08, com as alterações da Lei 89/2009 de 31-08.
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Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 5 Ucs.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins