Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4312/14.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRAZO DE CONCLUSÃO DAS NEGOCIAÇÕES
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
Data do Acordão: 11/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-A A 17º-G, 215º E 216º DO CIRE.
Sumário: I - O decurso do prazo para a conclusão das negociações (dois meses, prorrogável, por uma só vez, por um mês, contados do termo do prazo da impugnação da lista provisória de créditos), sem que seja apresentado o plano de recuperação aprovado, implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz, em princípio, recusar a homologação do plano que venha a ser aprovado depois da extinção daquele prazo.

III - A homologação do plano (também) deve ser recusada, oficiosamente, se o juiz constatar que houve violação não negligenciável de normas de tramitação como são as destinadas a garantir a efectiva possibilidade de participação de todos os credores nas negociações sobre o plano de recuperação proposto, fornecendo-lhes, com transparência e equidade, a informação atempada.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

       “P..., Unipessoal, Lda.” intentou este processo especial manifestando a vontade de encetar negociações conducentes à sua revitalização por meio da aprovação de um plano de recuperação.

b) O requerimento inicial foi liminarmente admitido, foi nomeado administrador judicial provisório (AJP), foi publicada (no portal citius) a lista provisória de créditos, foram decididas as impugnações e, por fim, foi prorrogado (por 1 mês) o prazo para a conclusão das negociações encetadas, cujo termo, nessa sequência, se fixou no dia 23 de Abril de 2015.

c) No referido dia 23/4/2015, pelas 15h01m, a devedora juntou o plano para a sua recuperação com o requerimento de fls. 492, do qual constava a indicação de que a mesma tinha procedido, simultaneamente, ao envio da notificação de tal junção a vários mandatários de credores, entre os quais a M..., SA e a C..., SA.

d) Ainda nesse dia 23/4/2015, pelas 17h33m, a credora M..., SA apresentou o requerimento de fls. 507 juntando cópia da carta que enviara à devedora em 26/12/2014, manifestando o propósito de participar nas negociações do plano de revitalização.

e) A mesma credora M..., SA, através de requerimento que juntou em 6/5/2015 (fls. 514) veio alegar, além do mais: apenas tomou conhecimento de que havia uma versão do plano apta para votação quando, em 27/4/2015, foi notificada via citius de que o mesmo fora junto aos autos na tarde do dia 23/4/2015, depois de, sem ter tido qualquer contacto, ter terminado o prazo para a conclusão das negociações e numa altura em que já não era possível recolher qualquer sentido de voto em tempo útil; posteriormente, a reclamante veio a apurar que o plano havia sido remetido via e-mail para outros credores no dia 20/4/2015; como consequência, apesar de ter manifestado o propósito de participar nas negociações sobre o plano, viu-se impossibilitada de exercer o seu direito de voto.

f) Em 8/5/2015, o AJP apresentou o requerimento de fls. 520 com que juntou a acta de contagem dos votos a que foi aposta a data de 24/4/2015.

g) Em 11/5/2015, a credora C..., SA apresentou o requerimento de fls. 536, expondo o seguinte: teve conhecimento do plano apresentado pela devedora através do requerimento datado de 23/04/2015; em 30/04/2015, enviou para o AJP declaração de voto tendo cumprido o prazo previsto no artigo 17º-F, nº 4 do CIRE; tendo sido notificado do requerimento apresentado pelo AJP datado de 8/5/2015 verificou que o seu voto não foi contabilizado para efeitos da contagem dos votos emitidos. Face ao exposto, requereu nova contagem dos votos emitidos, para ser considerado o seu voto (entregue em 4/5).

h) Em 13/5/2015, a devedora apresentou o requerimento de fls. 552, alegando:

- Perante a escassez de prazo, na impossibilidade premente de negociar com todos os seus credores, a devedora optou por, primeiramente, encetar esforços junto daqueles credores a quem reconhecia maior flexibilidade de negociação, tendo em vista, naturalmente, a aprovação do seu plano, não sobrando tempo para reunir com todos os demais, desde já se penitenciando;

- A devedora enviou o plano a todos os credores, via e-mail, em 20 de Abril, bem como deu entrada do mesmo, na plataforma citius no dia 23 de Abril, tendo a reclamante M..., nesse dia (23), sido notificada via electrónica, ao contrário do que alega (que foi notificada apenas no dia 27);

- Assim, podia a reclamante, no dia 23, ter reivindicado junto da devedora ou do administrador judicial as folhas para a votação e votar, mas não o fez, apenas contactando a devedora no dia 27 de Abril, onde a informou de que não havia recebido o e-mail no dia 20;

- De imediato, a devedora, efectivamente confirmou a recusa do e-mail enviado, referindo-lhe em e-mail que lhe remeteu em 29/4, pelas 19h35m, com conhecimento ao AJP (cf. doc. 3 junto a fls. 559): «…por lapso no mail que remeteu o plano de revitalização supra indicado para votação, o V/e-mail foi recusado, razão pela qual se admite que possam não ter tomado conhecimento do plano antes da notificação via citius. Assim e por esse facto, solicito ao Sr. AJP … que, podendo, receba ainda a vossa votação e a faça constar da acta de contagem de votos».

- Nem nesse momento a reclamante exerceu o seu Direito de voto e, ainda que tivesse votado contra o plano proposto, em nada mudaria o resultado prático das negociações.

i) Em novo requerimento de 12/6/2015, a devedora alegou: se chegado o dia 23 de Abril, o plano se encontrava na plataforma citius, devia a reclamante C..., SA votar o mesmo até ao fim desse mesmo dia, o que não aconteceu, tendo a mesma apenas procedido ao envio do seu voto no dia 30 de Abril de 2015, manifestamente fora do prazo estipulado.

j) Em 15/6/2015 o AJP apresentou o requerimento de fls. 618, invocando: o prazo para as negociações terminou no dia 23 de Abril, o AJP procedeu à contagem dos votos no dia 24, não obstante ter remetido aos autos a acta e respectivos documentos em 8/5, pelo que, em 30/4, já tinha terminado o prazo para as negociações e o AJP já tinha procedido à contagem dos votos; até 24 de Abril não lhe foi remetido qualquer voto da credora M...

l) Em 25/6/2015 a credora C... apresentou o requerimento de fls. 623, alegando: a devedora violou o disposto no art. 17º-D nº 6 do CIRE, pois deu conhecimento do plano a votação a alguns credores por mail, enquanto, designadamente, a ora requerente apenas teve dele conhecimento mediante o requerimento apresentado pela devedora via citius em 23/04/2015; o voto da ora credora foi apresentado tempestivamente, nos termos do nº 4 dos arts. 17º-F e 211º do CIRE (10 dias).

Por decisão de 23/7/2015 o Sr. Juiz recusou a homologação do plano de recuperação proposto, com fundamento em violação não negligenciável de regras procedimentais.

Inconformada, a requerente/devedora recorreu, suscitando a questão de saber se não deveria ter sido recusada a homologação do plano de revitalização (PER) porque:

1. - a requerente/devedora encerrou em tempo, nos termos legais aplicáveis, as negociações e uma vez concluída a votação do plano, não lhe competia a si, mas sim ao AJP, a elaboração e a junção aos autos da acta de contagem de votos;

2. - não existe qualquer prova de que não foi facultada à generalidade dos credores informação atempada sobre o plano de recuperação proposto para sustentar a violação pela apelante do direito à informação dos credores.

Os factos relevantes a considerar são os que se retiram do antecedente relatório.

Importa apreciar a questão enunciada e decidir.

No quadro do programa de assistência financeira a que se submeteu nos últimos anos, o Estado Português vinculou-se a alterar o CIRE ([1]) – em que o processo de insolvência estava erigido, essencialmente, como um instrumento de liquidação – com o proclamado objectivo de facilitar o resgate de empresas viáveis e apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis, em prol da preservação do tecido económico e do emprego.

Foi nesse contexto que emergiu a Lei nº 16/2012 de 20/4, alterando o CIRE, nomeadamente regulamentando o novo processo especial de revitalização (PER).

Para que este processo se inicie, seja, necessariamente, aberto e o juiz nomeie, de imediato, administrador judicial provisório ([2]), é suficiente uma declaração escrita assinada pelo devedor e, pelo menos, por um dos seus credores, expressando a vontade de encetar negociações conducentes à revitalização (art. 17º-A nº 2 e 17º-C nº 1), documento manifestamente desadequado a demonstrar a situação económica difícil ou a insolvência iminente do devedor, sem que o juiz tenha o efectivo controlo da verificação de um ou de outro destes pressupostos.

Com efeito, o processo, embora híbrido, assenta, essencialmente, numa fase nitidamente «extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização» do devedor e conclui-se, depois, com uma fase judicial, à «qual são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras específicas que pautam a homologação do plano insolvencial, maxime, as decorrentes do normativo inserto no artigo 195º do CIRE, constante do Titulo IX, para o qual nos remete o artigo 17º-F, nº5, do mesmo diploma» ([3]).

Incumbido pela Constituição (art. 9º) de transformar e modernizar as estruturas económicas e sociais, o Estado, com o mecanismo ora em apreço, entrega à liberdade e autonomia da maioria qualificada dos credores a particular tarefa da prossecução da preservação do tecido económico ([4]). O papel do juiz neste processo é muito restrito, porquanto o legislador faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia, na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, confiando, quase plenamente, nestes e no administrador judicial ([5]). E prossegue esse desiderato mesmo em detrimento da liberdade contratual individual e da inviolabilidade da esfera jurídica de algum ou alguns dos credores, cujo consentimento, nesse estrito sentido, é dispensado – ainda que com algumas excepções – e admite, inclusivamente, a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios, se tal constar expressamente do plano, nos termos do art. 197°.

«(…) Este regime inculca que o plano de insolvência é um verdadeiro negócio jurídico processual e mesmo uma transacção ([6]) e, portanto, um verdadeiro contrato. A única especialidade, deveras notável, deste negócio processual conformador da decisão da causa consiste em não exigir, para que se tenha por validamente concluído, o consentimento de todos os intervenientes, sendo suficiente, o consentimento de um simples maioria deles: não é, realmente, necessário para que o plano seja aprovado, a unanimidade de votos dos credores, incluindo, por exemplo, os afectados pela supressão ou alteração do valor dos seus créditos, ou das suas garantias no caso dos credores privilegiados ([7]) – basta, por um lado, que obtenha o voto favorável de mais de dois terços de todos os votos emitidos, trate-se de credores comuns, garantidos ou privilegiados e, por outro, que mais de metade dos votos correspondam a créditos não subordinados.

Todavia, para que produza os efeitos jurídicos para que se mostra ordenado, o plano deve ser objecto de homologação judicial: embora a sentença homologatória limite o seu controlo à legalidade do plano - e não, note-se, ao seu mérito - aquele acto decisório do tribunal constitui, porém, uma verdadeira condição de eficácia do plano [8] (artº 217 nº 1 do CIRE).

O juiz da insolvência está, portanto, vinculado ao dever de controlar a legalidade do plano de insolvência, devendo recusar, ex-officio, a sua homologação, designadamente, caso o seu exame o leve a concluir que se verificou uma violação, não negligenciável, de regras procedimentais, das normais processuais integrantes do iter, marcado na lei, conducente à sua aprovação, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (artº 215 do CIRE), as normas que conformam a respectiva substância, designadamente, as que definem um conteúdo vinculado desse mesmo plano. Note-se que, quer se trate de normas de procedimento quer de normas de conteúdo, em causa estão sempre normas processuais, i.e., normas que definem uma consequência processual, ou, mais concretamente, aquelas cuja previsão desencadeia um efeito processual.

Todavia, para recusar, oficiosamente, a homologação do plano não é suficiente a constatação de que houve violação tanto de normas de tramitação como de normas relativas ao conteúdo do plano. A ofensa de normas de qualquer destas espécies só autoriza a recusa da homologação se for não negligenciável, exigência que vincula, evidentemente, à distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes e que traz, naturalmente, implicada a concessão ao juiz de um largo poder de apreciação. Essa apreciação deve nortear-se pelos princípios orientadores, em geral, da nulidade processual, entre os quais se conta o da essencialidade, de harmonia com o qual a nulidade não se verifica se a prática ou a omissão do acto ou da formalidade não influir no exame e na decisão da causa (artº 195 nº 1, in fine, do nCPC, ex-vi artº 17 do CIRE).» ([9]).

A regulamentação da tramitação do procedimento – cujo núcleo central, como se disse, é constituído pela fase negocial, que decorre informal e exteriormente ao processo judicial – é marcada pela evidente exiguidade dos prazos, sequencialmente determinados. Assim, o prazo para a conclusão das negociações é de dois meses, contados do termo do prazo da impugnação da lista provisória de créditos; tal prazo é, porém, prorrogável, por uma só vez, por um mês, por acordo prévio entre o administrador e o devedor, que deve ser junto ao processo e publicado no portal citius (art. 17º-D nº 5). O decurso desse prazo sem que seja apresentado o plano de recuperação, implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar a homologação do plano aprovado depois da extinção daquele prazo (art. 17-G nº 1) ([10]).

À decisão de homologação (ou não) do plano de revitalização são, pois, aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras dispostas para o plano de insolvência no título IX, quanto aos fundamentos da recusa da sua homologação (arts. 17º-F nº 5 e 215º e 216º) ([11]). E, a par dos vícios de conteúdo, as regras procedimentais também são abarcáveis pelo conceito de violações não negligenciáveis constitutivas de fundamento da recusa de homologação do plano de recuperação.

Perante o plano que seja aprovado e com a finalidade de o homologar ou de recusar a sua homologação, o juiz deve proceder ao seu exame sob o ponto de vista do procedimento e sob o ponto de vista do seu conteúdo. Na primeira vertente, o exame terá por objecto as normas de tramitação, que regulam a sequência de actos que constituem o processo relativo à aprovação e à apresentação do plano, e, na segunda, esse objecto é constituído pela normas de conteúdo, as normas processuais que permitem determinar o conteúdo desse mesmo plano. Portanto, no exame do ponto de vista do procedimento, deverá averiguar se o plano acatou as normais processuais integrantes do iter marcado na lei, conducente à sua aprovação; no exame do conteúdo, o juiz indagará se o plano observou as normas que conformam a respectiva substância, designadamente, as que definem um conteúdo vinculado desse mesmo plano.

Salvo o devido respeito, neste processo, a devedora/apelante cometeu as violações cristalinamente aduzidas pelo Sr. Juiz para fundamentar a sua recusa, flagrantemente patenteadas na sequência fáctica acima exposta. Vejamos.

É incontroverso nestes autos que em 23/4/2015 deveriam as negociações estar já concluídas. E, como a própria apelante acaba por reconhecer no recurso, nos termos do art. 17º-F (cf. epígrafe e nºs 1 e 2), as negociações concluem-se com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor. Assim não sucedendo, ou seja, mostrando-se concluído o processo negocial sem tal aprovação ou ultrapassado o aludido prazo de dois meses prorrogável por mais um, deve esse processo ser encerrado e ponderada a declaração de insolvência do devedor (art. 17º-G nºs 1, 2 e 5).

A apelante alegou que tinha enviado o plano a todos os credores, via e-mail, em 20 de Abril, bem como deu entrada do mesmo, na plataforma citius no dia 23 de Abril. Todavia, ela própria admitiu que, pelo menos, a reclamante M... não teria tomado conhecimento do plano antes da notificação via citius e daí que tenha solicitado ao AJP que considerasse ainda a sua votação.

Ora, apenas se apura que, naquele último dia 23, pelas 15h01m, a devedora apresentou no Tribunal o plano para a sua recuperação e que, também só nesse momento, via citius, tratou de dar conhecimento do respectivo conteúdo a, pelo menos, duas das suas credoras (a M... e a C...), que, como consequência, apenas no dia 27 seguinte (2ª-feira) se consideram dele notificadas.

Não resultando demonstrado que o AJP haja fixado qualquer diferente prazo para o efeito, as credoras disporiam de 10 dias para votar por escrito, contados, naturalmente, desde a data da notificação da proposta de plano (arts. 17º-F nº 4 e 211º).

Por conseguinte, se é certo que a devedora apresentou no Tribunal o plano para a sua recuperação no último dia do prazo de que dispunha para o efeito, não o é menos que não só o mesmo estava desacompanhado do documento demonstrativo da sua aprovação, porque, realmente, não estava então aprovado em conformidade com o iter legalmente traçado, como a devedora apenas depois de findo o prazo para o apresentar em Tribunal previamente aprovado notificou o conteúdo do seu projecto a (pelo menos) duas das suas credoras.

Neste ponto deparamos com um vício procedimental relevante ou não negligenciável, porque, para além de o mesmo vício ter afastado duas das suas credoras do processo conducente à sua aprovação, o facto de não se mostrar aprovado, por si só, obstaria ao seu exame, com vista à sua homologação (ou não).

Considerando, como já acima anotámos, que a simples ultrapassagem não significativa do prazo das negociações, sem mais, não constituiria uma causa peremptória de recusa de homologação do plano de recuperação, o certo é que a concreta irregularidade em apreço cometida pela devedora tem um carácter não negligenciável por ter tido uma influência determinante no resultado obtido. Com efeito, como demonstrou o Sr. Juiz – sem que nisso tenha sido adversado pela apelante –, com a participação das ditas credoras (arredadas das negociações), não seria obtida a percentagem de votos necessários à aprovação do plano, dado que as mesmas votariam contra a proposta ([12]).

Noutra vertente, é a própria apelante a reconhecer que, pelo menos, às duas aludidas credoras não facultou informação atempada sobre o plano de recuperação proposto. E tal assim é não apenas, evidentemente, porque apenas as notificou do respectivo conteúdo depois de esgotado o prazo para a conclusão das negociações como também porque, como confessou, perante a escassez de prazo, optou por, primeiramente, encetar esforços junto daqueles credores a quem reconhecia maior flexibilidade de negociação, tendo em vista a aprovação do seu plano, não tendo sobrado tempo para reunir com todos os demais.

O descrito comportamento da devedora parece não ter sido o mais prudente, pois que, cautelarmente, até seria com os credores menos “flexíveis” que seria aconselhável um respeito mais apertado da “cartilha” ([13]). Seja como for, o que releva é que, durante as negociações, para que estas se pudessem ter realizado de forma transparente e equitativa, a devedora deveria ter prestado toda a informação pertinente a todos os seus credores devendo manter sempre actualizada e completa a informação facultada aos credores, como lhe impunha o art. 17º-D nº 6.

Ao optar por não cumprir esse comando com todos os credores, tripudiando largamente as exigidas transparência e equidade, a devedora/apelante cometeu uma evidente violação não negligenciável do direito à informação atempada, consagrado no citado preceito, por coarctar a efectiva possibilidade de participação das duas referidas credoras nas negociações sobre o plano de recuperação proposto.

É bom de ver que se o Estado entrega a prossecução do interesse público em que se traduz a saúde da economia à primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, exige que o devedor não incorra em infracções relevantes de regras de procedimento impostas para garantir, escrupulosamente, as autênticas liberdade e autonomia dos particulares, nessa prossecução. O que, no caso, não sucedeu.

A improcedência da questão suscitada pela apelante é evidenciada, com suficiência, por tudo o que acaba de se expor e que se resume através da seguinte

Síntese conclusiva:

1ª) O decurso do prazo para a conclusão das negociações (dois meses, prorrogável, por uma só vez, por um mês, contados do termo do prazo da impugnação da lista provisória de créditos), sem que seja apresentado o plano de recuperação aprovado, implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz, em princípio, recusar a homologação do plano que venha a ser aprovado depois da extinção daquele prazo.

2ª) A homologação do plano (também) deve ser recusada, oficiosamente, se o juiz constatar que houve violação não negligenciável de normas de tramitação como são as destinadas a garantir a efectiva possibilidade de participação de todos os credores nas negociações sobre o plano de recuperação proposto, fornecendo-lhes, com transparência e equidade, a informação atempada.

Decisão.

Pelo exposto, julgando improcedente o recurso, decide-se confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

                   Coimbra, 03/11/2015 

Alexandre Reis (Relator)

Adjuntos:

1º - Jaime Ferreira

2º - Jorge Arcanjo

***

[1] Diploma a que pertencerão as normas que vierem a ser citadas, sem indicação de ortigem.

[2] Despacho que é, de imediato, notificado, publicado e registado (art. 17 nºs 3, a), e 4).

[3] Ac. do STJ de 25/11/2014 (p. 414/13.6TYLSB.L1.S1-Ana Paula Boularot).

[4]«(…) ninguém está melhor colocado para decidir sobre o estado de insolvência ou de recuperação do devedor que os seus credores. A este propósito deve notar-se que a declaração de insolvência, no contexto do processo especial de revitalização, só é admissível no caso de o processo negocial se mostrar concluído sem a aprovação de plano de recuperação e só tem lugar depois do encerramento do processo (artº 17-G nºs 1 e 2 do CIRE).» (Ac. desta secção de 15/2/2015, p. 626/13-Henrique Antunes).

[5] Neste sentido, o Ac. da RP de 30/6/2014 1251/12.0TYVNG.P1-Caimoto Jácome).

[6] Gisela Teixeira Jorge Fonseca, “A natureza jurídica do plano de insolvência”, in Direito da Insolvência, Estudos, Coordenação Rui Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 122.

[7] Ac. da RL de 06.07.09, www.dgsi.pt.

[8] Eduardo Santos Júnior, “O plano de insolvência: Algumas notas”, cit. pág. 590.

[9] Citado Ac. desta Relação de 15/2/2015 e, ainda, Ac. da RC de 17/3/2015 (p. 338/13-Henrique Antunes: «(…) só releva a violação que seja susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que comprometa, irremediavelmente, o fim que a lei se propunha atingir; quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezível, e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a nulidade correspondente. Neste contexto, a violação do princípio da igualdade dos credores deve ter-se, em regra, por não negligenciável, com a consequente recusa de homologação do plano (…). A resposta exacta a este problema é esta: o vício do voto é relevante – mas só põe em causa a deliberação se o voto for determinante para essa mesma deliberação, segundo a regra da maioria aplicável. Esta é a comummente chamada prova de resistência, que no nosso ordenamento surge disposta na lei civil geral para os votos em situação de conflito e, na lei societária, para os denominados votos abusivos (artº 176 nº 2 do Código Civil e 58 nº 1 a), in fine, do CSC). Um tal regime é, patentemente, simples emanação do princípio geral de aproveitamento do acto jurídico, traduzido pela regra utile per inutile non vitiatur. É de elementar bom senso – sublinha-se – não invalidar uma deliberação por serem nulos os votos inúteis para a deliberação a tomar.».

Neste sentido, também Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, II, Lisboa, Quid Iuris, 2006 pág. 119 e, segundo Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, o juiz deve ater-se às situações de «violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois que, as “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano».

[10] Ac. da RL de 13/3/2014 (1904/12.3TYLSB.L1-2-Jorge Leal). Porém, como, aliás, este acórdão sublinha, a ultrapassagem do prazo das negociações não constitui uma causa absoluta ou peremptória de recusa de homologação do plano de recuperação: constatada a apresentação do plano depois do esgotamento do prazo das negociações, esse facto só é susceptível de constituir fundamento de recusa da sua homologação caso se não deva concluir pelo carácter negligenciável da irregularidade.

[11] Actualmente, no tocante tanto às maiorias exigíveis para a sua aprovação dispõe o art. 17º-F nº 3 al. a) (na redacção introduzida D.L. 26/2015 de 6/2) «Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que … Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os nºs3 e 4 do artigo 17º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções…».

[12] Os votos emitidos passariam a representar 65,92% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto e destes, a proposta do plano de recuperação recolheria 53,86% de votos favoráveis e 46,14% de votos desfavoráveis, dos quais 25,34% representariam os créditos das mencionadas credoras.

[13] Para mais, depois de uma manifestação formalizada do propósito de participar nas negociações.