Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1724/20.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: CITAÇÃO POR VIA POSTAL
INCAPACIDADE DE FACTO
JUSTO IMPEDIMENTO
REVELIA DO RÉU
EXCEPÇÕES
Data do Acordão: 02/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 234.º, 568.º E 574.º, TODOS DO CPC, 223.º E 364.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I - O artigo 234.º CPC, sobre incapacidade de facto do citando, aplica-se também à citação por via postal, pelo que quando o distribuidor postal se aperceba da notória incapacidade de facto do citando deve abster-se de fazer a citação, lavrar nota da ocorrência e devolver o expediente ao tribunal.

II – Quando o distribuidor postal não se aperceba de que o citando está incapacitado de perceber o sentido da citação ou que não se encontra no livre exercício da sua vontade, e esteja em causa uma incapacidade acidental, o citando que se queira fazer valer dessa incapacidade, a fim de contestar fora do prazo que lhe foi assinalado, deve, logo que cessar a sua incapacidade, oferecer prova de que estava incapacitado no momento da citação e apresentar a contestação, invocando a figura do justo impedimento.

III - Os factos que não se consideram confessados no caso de o réu não contestar, apesar de ter sido regularmente citado, dizem respeito a declarações negociais que devem obedecer por força da lei ou da convenção das partes a documento escrito.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – A. e B., instauraram a presente ação declarativa com processo comum contra C. e D., Lda., pedindo que a ação seja julgada procedente e, em consequência:
 a) Seja o 1º R. condenado a liquidar aos AA. a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), correspondente ao dobro do sinal por estes entregue;
b) Acrescido do valor de € 5.315,07 (cinco mil trezentos e quinze euros e sete cêntimos), correspondente aos juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data em que terminou o prazo no qual o 1º R. deveria ter procedido à devolução do dobro do sinal aos AA., na sequência da interpelação por estes efetuada, até à presente data;
c) Bem como de todos quantos venham a vencer-se até efetivo e integral pagamento (…);
d) Seja a 2ª R. condenada a devolver aos AA. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) relativa à cobrança ilegítima de comissão de intermediação do negócio,
e) Acrescida de juros calculados à taxa legal em vigor, desde a data em que a 2ª R seja citada para a presente ação e até efetivo e integral pagamento (…)
f) Seja a 2ª R. condenada, solidariamente com o 1º R., a restituir aos AA., a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), entregue pelos AA. a um representante da 2ª R. em 05 de novembro de 2017, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 18º, nº.1 da Lei nº.15/2013, de 08/02.»
Para fundamentar a sua pretensão, alegaram, em síntese, que celebraram com o 1º R. um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, que este incumpriu de forma definitiva, e  entregaram à 2ª R., empresa de mediação imobiliária, escolhida pelo 1º R.,  € 50.000, a título de sinal e princípio de pagamento, e ainda  € 5.000, a título de adiantamento da remuneração da mesma, que esta, instada, recusa devolver.
Os RR., citados, não contestaram, nem constituíram mandatário.
Notificados os AA., nos termos do artigo 567º/2 do CPC, para apresentaram alegações, vieram os mesmos fazê-lo, reiterando o alegado na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, assinalando-se a regularidade da instância e, atento o disposto no artigo 567º/1do CPC, consideraram-se provados os factos articulados pelos AA., em função dos quais foi proferida sentença que, tendo fixado à causa o valor de € 110.315,07, julgou a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência:
A. Condenou o réu C., entregar aos autores a quantia de € 100.000 (cem mil euros), correspondente ao dobro do sinal e princípio de pagamento entregues pelos autores, dos quais € 10.000 (dez mil euros), solidariamente com a ré D., Lda.; 
B. Condenou a ré D.,, Lda., solidariamente com o réu C., restituir aos autores a quantia de € 10.000 (dez mil euros), correspondente ao montante por estes entregue em depósito; 
C. Condenou a ré D., Lda., a restituir aos autores a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), correspondente ao valor do adiantamento por conta da remuneração que estes lhe entregaram;
 D. Condenou os réus a pagarem aos autores juros de mora sobre as quantias referidas em A), B) e C), à taxa legal em vigor para as obrigações civis, devidos desde a citação até integral pagamento;
 E. Absolveu os réus do mais peticionado.

II - Do assim decidido, apelou o R. C., que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
1-O ora recorrente apenas tomou conhecimento efetivo da existência dos presentes autos, aquando da notificação da sentença proferida, de que agora recorre.
2- Certo é que, o ano transato, constituiu um período conturbado e atípico que acabou por lhe gerar alterações e desequilíbrios no seu dia a dia que deixaram o ora recorrente incapaz de gerir adequadamente a sua vida, o que, desde logo, é reflexo a não contestação dos presentes autos, pois estamos em crer que nem consciência terá tido das consequências negativas resultantes dessa omissão.
3 - Sendo uma pessoa que, atualmente, tem mais de 70 anos, cuja capacidade cognitiva se tem vindo a degenerar substancialmente nos últimos tempos.
4 - Isto para dizer que, o 1º R. não se encontra minimamente em condições físicas, psíquicas e mentais para perceber o constante e consequências daquela citação e até mesmo de lhe atribuir a importância devida, o que é compreensível em face do seu débil estado de saúde.
5-Assim, e em face de todo o aduzido, é por demais evidente que o ora recorrente não reunia, à data da citação, as condições físicas e o discernimento mental necessário para assimilar a importância do teor da citação recebida.
6-A verdade é que, o ora recorrente, em resultado da vida descontrolada que levou acabou por ser vítima de uma doença grave (AVC), ficando, assim, impedido, em absoluto, por si ou através de outra pessoa, de praticar qualquer ato processual, dispor do exercício pleno da sua capacidade judiciária.
7-Ora, “in casu”, o que deverá relevar decisivamente para a verificação de justo impedimento – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do ato - é a inexistência de culpa por parte do ora recorrente na ultrapassagem do prazo perentório, a qual deverá, naturalmente, ser também valorada no caso vertente.
8-O ora recorrente não teve qualquer consciência do que representava aquela citação, porque desconhecia tal negócio nos termos apresentados pelos autores, pois só agora percebeu todo o procedimento adotado, à sua revelia.
 9-A verdade é que, tendo a citação, dos presentes autos, sido efetuada na pessoa do Réu, e estando este incapacitado de a receber devido ao seu estado débil a nível psíquico, verifica-se a falta de citação nos termos do art.º 188, n.º 1, al. e) do CPC pois, “…o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.”, verificando-se a nulidade prevista no artigo 187, a) do CPC.
10-Em consequência do seu comportamento, que teve como consequência direta o Acidente Vascular Cerebral por si sofrido, o ora recorrente, viu a sua capacidade mental fortemente diminuída, manifestando confusão e desorientação no tempo e no espaço, bem como falta de consciência na sua vivência diária com terceiros.
11-Sem capacidade de exercício não pode, pois, o aqui recorrente, exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres, isto é, não pode estar, por si só, em juízo, e entender os atos processuais praticados de forma a tomar decisões que decorram da tramitação do processo.
12-Ora, carecendo o incapaz de representante geral requer-se a nomeação deste, sem prejuízo da imediata designação de um curador provisório.
13-Consta da douta sentença que o tribunal não pode conhecer oficiosamente da validade formal do CPCV, pois, tais factos não foram suscitados nem questionado pelos réus em contestação.
14-Assim, duvidas não existem de que o CPCV, constante dos presentes autos, tratando-se de um simples documento particular, não reúne os requisitos formais essenciais e necessários para a sua validade jurídica, sendo, em consequência, inapto a produzir quaisquer efeitos jurídicos; nulidade formal que, desde já, se deixa invocada para todos os devidos e legais efeitos.
15-Acresce que, o ora recorrente, não subscreveu, nem assinou o CPCV junto aos autos pois, a verdade é que, nem tampouco conheceu os promitentes compradores previamente à outorga do contrato.
16-Ainda que, a assinatura constante do CPCV possa ser a assinatura do Réu, a mesma terá sido aposta numa folha em branco e posteriormente aproveitada para aquele fim.
17- Pelo que, desde já, se impugna a genuinidade do documento nos termos do art.º 444º do CPC, no seu n.º1.
18-Arguindo-se a falsidade do documento, pois só agora se teve conhecimento do seu conteúdo e da sua existência, cfr. art.º 444º, n.2 do CPC.
19-Com efeito, a falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa a que alude o art.º 410º, n.º 3 do CC, acarreta a invalidade do negócio jurídico, sujeita embora a um regime especial que permite qualificá-la como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo.
 20-Para além de que, verifica-se que não é legalmente admissível considerar-se como factos provados o contante dos pontos 1, 2 e 3 do probatório porquanto, se tratam de factos para cuja prova a lei exige documento escrito, que é o caso dos autos.
21-Pelo que, atento o disposto no normativo 568º, al. d) do CPC, não é admissível considerar como provados os factos referidos, tanto mais que, o referido documento não reúne os requisitos de validade formal, legalmente exigidos.
22-Compulsados que foram os presentes autos, verifica-se que, por despacho datado de 28/04/2020, foi notificada a Autora B. para que procedesse à junção aos autos de procuração forense, uma vez que, na petição inicial não procedeu à sua junção.
23-Com efeito, em 29/04/2020, veio então a Autora, juntar a procuração em falta sem, contudo, ratificar todo o anteriormente processado.
24-Ora, a este respeito, cumpre, desde logo, fazer referência ao artigo 40º do Código de Processo Civil, que tem pro epígrafe “Falta, insuficiência e irregularidade do mandato.”
25-Ora, a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato têm consequências tanto para a parte como para o advogado que subscreveu a peça processual.
26-Sendo certo que, é à parte, enquanto mandante, que cumprirá suprir a falta de procuração e ratificar o processado.
27-Ora, prescrutados os autos, verifica-se que a Autora, apesar de ter junto procuração, a mesma é omissa relativamente à ratificação do processado, nulidade essa que, desde já, se deixa invocada para todos os devidos e legais efeitos.
28-Com efeito, a decisão de que ora se recorre foi proferida na sequência de uma nulidade cometida, com influência no exame e decisão da causa, incorporando-a; a saber, a omissão de pronúncia por parte do douto tribunal a quo, relativamente ao facto de a parte não ter junto procuração a ratificar todo o processado.
29-Pois, o que realmente importa, em situações análogas à dos presentes autos é que a parte, ou seja, a Autora, ao ter sido notificada por parte do douto tribunal para proceder à junção da procuração, tinha ainda o ónus de ratificar o processado e, assim, suprir a irregularidade processual que ainda se mantém e aqui se deixa invocada.
30-Na sequência do que supra se deixou escrito, devia a Autora ter sido notificada para juntar procuração a ratificar o processado, sendo que, a omissão de tal ato se traduziu numa irregularidade, com influência, necessariamente, no exame e na decisão da causa, integradora de nulidade.
31-E porque essa nulidade foi praticada a coberto de despacho judicial, é a mesma impugnável por via do presente recurso.
32-Com efeito, sendo a ratificação a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o ato jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação ( artº 268º Código Civil), e ainda que se entenda que a junção da procuração sana a falta do mandato, tal instrumento, simples, não valida o processado anteriormente que se desenvolveu e que necessita de ratificação, dado que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário não está incluído o de ratificação.
33-O erro de julgamento (error in judicando), tal como é pacífico e unânime a nível da doutrina e da jurisprudência, resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou normativa.
34-Aliás, a declaração de recebimento de um preço ou de uma quantia só tem a plenitude desse valor probatório se o pagamento ou a entrega que se mencione, tiver sido diretamente percecionado pelo notário que presidiu o ato e atestado o documento, pelo que, desde já, se deixa impugnado o teor do mesmo para todos os devidos e legais efeitos.
35-Com efeito, não existindo prova plena da demonstração da entrega da quantia pelos AA., incumbe a estes o ónus da prova da entrega de tal quantia ao Sr. E., uma vez que, apenas sustentam tal alegação, numa declaração, sem apresentarem outro meio probatório que demonstre a efetiva entrega de tal montante, pelo que, será de concluir, pelo não preenchimento dos requisitos do direito de crédito de que o A. se arroga titular.
36-Até porque, a declaração extrajudicial escrita feita perante terceiro que, aliás, não interveio sequer na outorga do contrato promessa de compra e venda, não produz prova plena da entrega da quantia alegadamente entregue.
37-Ora, partindo da ideia, essa sim unânime, segundo a qual uma escritura pública constitui um documento autêntico cujo valor probatório é fixado pelo art.º 371º do CC, preceito do qual resulta a atribuição de força probatória plena a factos relatados pela autoridade ou agente público com funções de atestação, mas apenas na medida em que sejam percecionados pela entidade documentadora, faz-se extrair desta primeira conclusão normativa a consequência de a declaração de recebimento de um preço ou de uma quantia só ter plenitude desse valor probatório se o pagamento ou a entrega que se mencione tiver sido diretamente percecionado pelo notário que presidia ao ato e como tal atestado o documento, tal como supra se deixou referido.
38-Ora, na aplicação dos argumentos expostos à matéria apurada nos autos, verificamos que, indiscutivelmente, à luz da regra geral do art.º 342º, n.º1 do CC, incumbe aos AA. demonstrar o ónus da prova da entrega de tal quantia ao Sr. E..
39-Porém, não tendo os AA, aqui recorridos, para efeitos do cumprimento de tal ónus logrado aportar aos autos um qualquer outro meio probatório (cheque; transferência bancária ou outro meio de igual natureza ou tipo), pois que não é razoável nem verosímil que uma quantia tão avultada, “in casu”, no montante de €50.000 (cinquenta mil euros), possa ter sido paga em numerário, será de concluir que o A, ao contrário do sentenciado, não logra demonstrar o preenchimento dos requisitos do direito de crédito invocado.
 40-Ora, aqui chegados, importa referir que, uma ação, qualquer que ela seja, está enformada por uma causa de pedir que, traduzida em factos concretos, fornece o fundamento à pretensão deduzida, de forma tal que não basta invocar uma qualidade de credor, sem dizer de onde surge a obrigação para que se possa condenar no cumprimento da obrigação.
41-Relativamente a documento particular de “confissão de dívida” e “fiança” autenticado por notário (com o correspondente “termo de autenticação”) consideram-se plenamente provados os factos referidos como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, e bem assim as declarações atribuídas aos seus autores (cf. os art.º 371º, n.º 1, 1ª parte; 376º, n.º 1 e 377º do CC).
42-Quanto aos factos que não ocorreram na presença do notário e quanto às declarações que lhe foram feitas, pode demonstrar-se por qualquer meio que não correspondem à verdade, independentemente de arguição de falsidade do documento.
43-O documento faz assim prova plena quanto à ´materialidade` (prática, efetivação) de tais atos e declarações; mas não quanto à sua sinceridade, à sua veracidade ou à falta de qualquer outro vício ou anomalia.
 44-Tanto mais que, é com absoluta perplexidade que o ora recorrente encara o facto de que o Sr. E., declare ter recebido uma quantia tão avultada, sem estar munido de procuração por parte do réu, pois sempre se deveria considerar que foi no interesse deste que foi celebrado o contrato de compra e venda.
45-Para tanto, basta atentar no mencionado contrato e, consequentemente, verificar que no mesmo não consta este terceiro, mas apenas o Réu, na qualidade de primeiro outorgante.
46-Assim, os factos dados como provados constantes dos pontos 7;8;9;10, não podiam ser considerados provados pois, tais factos obrigatoriamente dependem da correspondente emissão de documento de suporte, quer os pagamentos, quer o respetivo fluxo financeiro, tendo em conta, o seu valor global 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros).
47-Pelo que, atenta a proibição de realização de pagamentos em numerário, conforme dispõe o art.º 63º-E, da LGT, que, conjugado com o disposto no art.º 568º, al. d), CPC, resulta claro que tais pagamentos para serem válidos e considerados provados nos autos tinham que estar documentalmente suportados.
48-Conforme consta da PI e o alegado pelo A., terá sido entregue a quantia de 55 mil euros ao Sr. E. tendo, inclusivamente, junto aos autos uma declaração supostamente, assinada pela pessoa indicada como tendo recebido tal quantia.
49-Razão pela qual, não poderia a douta sentença considerar e, consequentemente, dar como provados estas factos constantes da petição inicial, mesmo tendo em conta a falta de contestação dos réus, pois, atento o disposto no art.º 568º, alínea d) do CPC,, tratando-se de factos que a lei exige prova documental não se podendo considerar como provados os factos constantes do articulado inicial quando a lei exige expressamente prova documental.
50-Cotejados os autos, verifica-se não terem os réus sido notificados de nenhum ato processual praticado nos presentes autos, nomeadamente, os Réus não foram notificados para que se pudessem pronunciar sobre o despacho que considerou as citações dos Réus válidas e confessados os factos articulados pelo autor o que configura nulidade que se deixa invocada para os devidos e legais efeitos
51-Resulta dos fatos dado como provados constantes dos pontos 7 a 10 do probatório integrado na douta sentença aqui em dissidio que a quantia global de 55.000 Euros (cinquenta e cinco mil) foi entregue pelos Autores ao senhor E….
52-Pelo que só chamando à colação E., residente na Rua Dr. …,… haverá condições para a resolução do litígio nos presentes autos.
53-Pelo que, se requer a sua Intervenção Principal Provocada, afim do ora recorrente ser absolvido do pedido, por não ter recebido qualquer quantia relativa ao presente contrato promessa subjacente aos presentes autos, e não ter praticado qualquer ato passível de configurar qualquer tipo de responsabilidade que lhe possa ser imputada.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V.Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida em primeira instância, e substituída por outra, atentos os vícios indicados, e que, nessa conformidade, absolva o Réu do pedido formulado pelos Autores, com todos os demais efeitos legais daí decorrentes.

Nem os AA. nem a R. D. apresentaram contra alegações.
 
 III – No Tribunal da 1ª instancia julgaram-se provados os seguintes factos, «atento o disposto no art 567º/2 CPC»:
1. Por contrato-promessa de compra e venda datado de 8 de setembro de 2017, o 1º R. prometeu vender aos AA., pelo preço global de € 75.000 (setenta e cinco mil euros), o prédio urbano, composto por um lote de terreno destinado a construção, com a área de 1.448 m2, sito em .., freguesia de …, …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 169 e descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o nº. 4253/19991108, (cfr. docs. nºs.1 a 3, que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos);
2. Mais acordaram que naquela data os AA. entregariam ao R. a quantia de €20.000 (vinte mil euros), a título de sinal (cfr. doc. nº.1, cláusula 3ª), liquidando o remanescente € 55.000 (cinquenta e cinco mil euros), mediante a entrega de €20.000 (vinte mil euros) no prazo de 45 (quarenta e cinco dias) após a outorga do contrato promessa;
3. E os restantes €35.000 (trinta e cinco mil euros) no ato da outorga da escritura pública de compra e venda (cfr. doc. nº.1, cláusula 3ª);
4. Todo o processo e negócio foi mediado pela 2ª R., que havia sido contratada pelo 1º R. e por este foi apresentada aos AA;
5. Consta da cláusula 4.ª, do contrato-promessa referido no ponto 1, que: 1-“Correm por conta do primeiro outorgante [primeiro réu] todas as despesas relativas à obtenção dos documentos necessários para a celebração da escritura”. 2-“Correm por conta do primeiro outorgante todas as despesas relativas a alteração do caminho público”. 3-“Correm por conta dos segundos outorgantes [os autores] todas as despesas relativas à celebração da escritura pública de compra e venda, dos registos e dos impostos devidos referentes à referida escritura de compra e venda”.
6. Consta da cláusula 5.ª, do contrato-promessa referido no ponto 1, que: 2- “Caso o contrato prometido não se realize por culpa imputável à primeira outorgante [primeiro réu], ficará esta vinculada à devolução da quantia entregue a título de sinal, em dobro”. 3- “A restituição referida no parágrafo anterior não desvincula a primeira outorgante ao suporte e pagamento dos valores convencionados a título de comissão de pagamento de prestação de serviços, com empresa de mediação imobiliária”.
 7. Até 5 de novembro de 2017, os AA. entregaram a E., em representação da 2ª R., a quantia global de €55.000 (cinquenta e cinco mil euros), (cfr. doc. nº.4, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido);
8. Dos quais €50.000 (cinquenta mil euros) correspondiam ao sinal e pagamento antecipado devido ao R., nos termos do disposto na cláusula 3ª do contrato promessa de compra e venda outorgado em 08 de setembro de 2017;
9. E €5.000 (cinco mil euros), para pagamento da comissão devida à 2ª R. pela mediação feita;
10. Todas estas quantias, a pedido da 2ª R., foram entregues em numerário;
11. Foi, ainda, consagrado no contrato promessa de compra e venda outorgado que a escritura pública de compra e venda seria realizada no prazo máximo de 3 (três) meses a contar da data da outorga do CPCV, (cfr. doc. nº.1, cláusula 3ª, nº.2);
12. Podendo tal prazo prorrogar-se, excecionalmente, por mais 30 (trinta) dias, uma única vez, nos termos do acordado na cláusula 5ª, nº.1, (cfr. doc. nº.1, cláusula 5ª);
13. Mais se determinou que era da responsabilidade do 1º R. a obtenção de todos os documentos necessários à outorga de tal escritura, os quais este deveria entregar para o agendamento e outorga de tal escritura;
14. Por carta registada com aviso de receção, datada de 15 de novembro de 2018, os AA. interpelaram o 1º R. para que entregasse os documentos e se agendasse e concretizasse a mencionada escritura pública, (cfr. doc. nº.7, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido) ou, na sua falta, considerasse o contrato promessa outorgado resolvido, por incumprimento imputável ao 1º R., que determinava a perda de interesse dos AA. na manutenção do negócio;
15. Missiva à qual não obtiveram resposta;
16. Concomitantemente, os AA. ainda tentaram, sem sucesso, diversos contactos com a 2ª R. a fim de apurar da possibilidade de, por meio da intervenção destes, conseguirem concretizar a mencionada escritura ou, em alternativa, para que lhes fosse devolvido o valor entregue em novembro de 2017, no montante global de €55.000 (cinquenta e cinco mil euros);
17. Em 21 de fevereiro de 2020, os autores endereçaram nova missiva registada com aviso de receção ao 1º R. interpelando-o para cumprimento do CPCV outorgado, doc. nº. 8, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido), dando conhecimento de que se encontrava agendada a escritura pública em falta, para o dia 11 de março de 2020, pelas 11h00, no Cartório Notarial de Coimbra, a cargo da Exma. Sra. Dra.F., sito na Rua do …, …;
18. Na qual o 1º R. deveria comparecer, devidamente munido de toda a documentação necessária para o mencionado ato, nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula 4ª, nºs. 1 e 2, do CPCV outorgado em setembro de 2017;
19. A esta missiva os AA. igualmente não obtiveram resposta, sendo que, no dia, hora e local agendados, o 1º R. não compareceu, nem se fez representar, não tendo, também, procedido à entrega ou envio dos documentos necessários.

IV – Confrontando as conclusões das alegações com a decisão recorrida, resulta constituírem objecto do presente recurso, as seguintes questões, que aqui se colocam em função da precedência lógica na respectiva apreciação:
- falta de citação do R./apelante, nos termos da al e) do art 188º CPC;
- justo impedimento, a permitir a apresentação da contestação nas alegações de recurso;
- nulidade  processual, por omissão da  notificação do R./apelante para o efeito do disposto no nº 2 do art  567º CPC;
- nulidade da sentença, por omissão da notificação da A. para ratificar o processado; 
- inadmissibilidade da aquisição processual dos factos constantes dos pontos 1,2,  3, em função da nulidade do contrato promessa por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos respectivos outorgantes;  
- inadmissibilidade da aquisição processual dos factos constantes dos pontos 7, 8, 9 e 10 da matéria fáctica por se tratarem de factos para cuja prova a lei exige prova documental;
-  anulada que seja a sentença, necessidade de fazer prosseguir os autos com a nomeação imediata de curador provisório ao apelante e efectuação de prova pericial ao documento dito Contrato Promessa de Compra e Venda, atenta a impugnação da genuinidade  desse documento e arguição da respectiva falsidade.
 
Importa desde já assinalar que as duas primeiras questões evidenciadas se assumem como prejudiciais em relação às demais, na medida em que, concluindo-se pela falta de citação do R. e pela verificação de justo impedimento para a apresentação extemporânea da contestação, as alegações de recurso passarão a valer como contestação, cessando, nessa decorrência, todos os efeitos da operacionalidade da revelia, impondo-se a prossecução dos autos nos termos requeridos pelo apelante.
Mas, decidindo-se em sentido contrário, apenas se poderão conhecer as questões constantes das alegações de recurso que se reconduzam a defesa oficiosa.

Veja-se em 1º lugar a arguida falta de citação, que constitui uma das defesas posteriores que a lei autoriza.   
Dispõe a al e) do art 188º CPC que «quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, há falta de citação».
Importa, assim, verificar em que termos ocorreu a citação do R., agora apelante.
O R. foi citado por carta registada com aviso de recepção, nos termos do art 228º CPC, «para, no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a acção acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor».
O aviso de recepção mostra-se junto a fls 73 dos autos e está assinado pelo R. contendo o número, a data e a entidade emissora do cartão de cidadão do mesmo.
Preceitua o art 228º/2, para o que aqui releva, que «a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando (…)», explicitando o nº 3 da mesma norma que, «antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando (…) anotando os elementos constantes do cartão de cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação».
Como decorre do art 225º/2 al b), a citação é pessoal quando, entre outras situações, é feita pela entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção.  Quer dizer que, nessas circunstâncias, a citação postal vale como pessoal.
Invoca, no entanto, o apelante que no acto da citação não tinha condições físicas nem discernimento mental para compreender a citação recebida, estando incapaz de gerir adequadamente a sua vida, não conseguindo perceber o conteúdo desse acto, mais referindo que em consequência do quadro destrutivo em que então se encontrava, veio a acomete-lo um AVC, estando hoje incapaz de exercício.
O art  234º CPC,  regendo especificamente para as situações  em que a citação teve lugar por contacto pessoal com o citando – tendo sido realizada por agente de execução ou funcionário judicial, nos termos da al c) do nº 2 do art 225º - não deixa de ter aplicação a situações como a dos autos, em que a citação foi postal, como o refere Lebre de Freitas/Isabel Alexandre [1], quando assinalam, em comentário àquela norma, que, «a notória incapacidade de facto do citando constitui motivo de impossibilidade de entrega da carta se outra pessoa não a receber e assinar o aviso de recepção». Sendo que esta consideração deixa aberta a possibilidade ao funcionário postal de, além de não entregar a carta ao cintando por lhe parecer que o mesmo não está capaz de a receber, poder providenciar pela entrega da mesma a outra pessoa que, tal como o refere do nº 2 do art 228º, se encontre na sua residência ou local de trabalho, e que declare responsabilizar-se, de modo a vir, se for o caso, suscitar a questão da incapacidade do citando ao processo. Pensa-se, no entanto, que melhor fará que proceda nos termos do art 234º CPC, procedendo como aí se determina para o agente de execução ou para o funcionário judicial, abstendo-se de fazer a citação, lavrando nota da ocorrência e devolvendo o expediente ao tribunal (cfr nº 7 do art 228º).
Situação em que o tribunal procederá em conformidade com o demais disposto na norma do art 234º, que implicará que, ouvido o autor, colhendo as informações que tenha por adequadas e ordenando a produção das provas julgadas necessárias, se vier a concluir  pelo reconhecimento da incapacidade, temporária ou duradoura, nomeie ao citando curador provisório, no qual será feita a citação, sendo que, quando este não conteste, se procederá à citação do mesmo nos termos do art 21º, como o determina o nº 4 do referido art 234º .
Mas, como é evidente, bem pode suceder que o distribuidor postal, em função do pouco contacto implicado na actuação pressuposta no referido no  nº 3 do art 228º,  não se aperceba de que o citando está incapacitado de perceber o sentido da citação ou que não se encontra no livre exercício da sua vontade, desde logo porque estas situações não se apresentem como notórias.
Nessas circunstâncias, estando em causa uma incapacidade acidental, o citando, ultrapassada a situação que a determinou, e logo que se aperceba da existência e conteúdo da carta de citação ou da existência do processo em função de qualquer notificação que dele receba – como o pretenderá o aqui apelante depois que foi notificado da sentença recorrida - dever-se-á de imediato apresentar em juízo dando conta da situação e fazendo valer-se da figura do justo impedimento.
Refere a respeito deste o art 140º do CPC:
“1 - Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Desta norma resulta  que o efeito do justo impedimento é o de suspender o termo de um prazo peremptório deferindo-o para o dia imediato àquele que tenha sido o último de duração do impedimento [2].
Ma,s para que assim funcione, a invocação do justo impedimento tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva, a prova do mesmo tem de ser oferecida de imediato,  e o requerente tem que proceder à prática em simultâneo do acto em falta.
Com efeito, está assente na doutrina e jurisprudência que  o justo impedimento implica  que a «parte que o invoque para a prática de um acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento».[3]
Quer dizer, a parte deve apresentar-se a requerer logo que o justo impedimento cesse oferecendo de imediato a respetiva prova e praticando ao mesmo tempo e o ato processual cujo prazo já expirara.
 Ora, se é certo que o réu nas alegações de recurso contestou, de algum modo, a acção, e, antecedentemente suscitou o incidente do justo impedimento, a verdade é que não apresentou de imediato qualquer prova relativa à sua incapacidade de facto à data da  citação e, subsequentemente a esta, como invoca.
A apresentação da prova tem de ser imediata, e só é admissível que o não seja quando o evento que despoleta o justo impedimento se mostre objectivamente imprevisível. Quando assim não seja, como o não é na situação dos autos, só oferendo a parte, de imediato, prova-  necessariamente documental - fará sentido que, em função desse “principio de prova”, se pare o processo, para averiguar com maior profundidade as razões que subjazem à invocação da parte.
Não basta requerer diligências de prova ou indicar testemunhas para o efeito, como o aqui apelante o fez, ao requerer que seja oficiado o Centro Hospitalar de….,…para juntar aos autos histórico clínico dos últimos  anos do R. e ao indicar duas testemunhas.
Utilizando o nº 2 do art 140º a expressão  «oferece logo a respectiva prova»,  e não “indica logo a prova” , é  muito expressivo no sentido defendido .
 Note-se que a exigência de (alguma) prova imediata – que, já se referiu que, pela sua imediatez, terá de ser documental -  não obsta a que, em situações como as dos autos, se complemente com outra a ser produzida e que relevará  para sustentar a anterior e ainda para comprovar o prolongamento no tempo do impedimento e de que apenas com a notificação para qualquer acto do processo tivesse sido possível à parte aperceber-se da sua existência.
No sentido que se defende parece orientar-se José Alberto dos Reis quando refere, a respeito da instrução do incidente em causa, que «o requerente deve oferecer logo as provas dos factos que alegar. Naturalmente as provas adequadas são documentos e testemunhas. Os documentos têm que ser juntos ao requerimento; neste hão-de ser indicadas as testemunhas». [4]
A jurisprudência também o evidencia [5]
Nem se diga que o apelante juntou com as alegações de recurso prova documental,  porque a mesma – consubstanciando-se na cópia da primeira página de uma oposição a uma execução - em nada releva para a prova que está em causa.

Do que se vem de dizer, decorre que o R. não logrou provar que não tivesse tido  conhecimento da citação, pois que essa prova estava dependente da que obtivesse no incidente de justo impedimento. Quer dizer, apenas a prova deste permitiria que se admitisse que o desconhecimento dos efeitos da citação existisse nesse momento, e  se tivesse mantido até à data da notificação da sentença, por facto  que não lhe tivesse sido imputável.

Com esta conclusão – que implica que o R. foi citado regularmente e não contestou no prazo de que para o efeito dispunha  - e porque, para além disso, não constituiu mandatário  nem interveio de qualquer forma no processo, art 566º/1,  há que concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que entrou em revelia absoluta.
E revelia operante, que tem como efeito, como é sabido, a confissão dos factos articulados pelo autor, como se estabelece na parte final do art 567º/1.  
Fala-se a este respeito de confissão tácita ou ficta, embora Lebre de Freitas prefira a expressão “admissão de factos”[6] .

Resultando os factos alegados na petição, provados, em função da operância da revelia, há que, nos termos da parte final do nº 2 do art 567º, «julgar a causa conforme for de direito», o que deve ser antecedido de despacho no qual se faculte o processo para exame, «primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu», para alegarem por escrito.
Esta norma é muito clara no sentido de que o réu só é admitido a alegar por escrito se tiver constituído mandatário. Na falta deste, não poderá alegar de direito, o que, pelo menos nos processos em que seja obrigatória a constituição de mandatário, como é o caso do presente, bem se compreende. [7]
Esta asserção exclui a nulidade do processo por omissão de despacho, em função do qual, se tivesse proporcionado ao R. alegar de direito.

Pretende o R/apelante que a sentença recorrida enferma de nulidade, na medida em que foi proferida, não obstante a A. não ter chegado a ser notificada para ratificar o processado que teve lugar nos autos sem que se mostrasse junta procuração da mesma ao respectivo mandatário. 
È verdade que a petição inicial só veio acompanhada de procuração do A., e que em 28/4/2020 foi notificado o Advogado subscritor da petição para a juntar aos autos.
O que o mesmo fez, de imediato, em 29/4/2020, verificando-se estar a procuração em causa datada, tal como a conferida pelo A., de 6/12/2019, momento este antecedente ao da interposição da acção.
O que significa que, afinal, nenhum processado nos autos teve lugar à revelia da vontade da A., e que, por isso, nada haveria para ratificar por esta, tendo sido por mero lapso do Exmo Advogado dos AA. que subscreveu a petição, que a procuração conferida pela A. não foi logo junta com esta como o foi a conferida pelo A.
Mas mesmo que assim não fosse de se entender, a verdade é que nenhuma consequência processual negativa para a A. poderia advir da não ratificação do processado em função da não notificação da mesma para esse efeito.
È certo que a não regularização da situação decorrente da falta de ratificação do processado, susceptível, como é, de, nos termos do nº 2 do art 48º, implicar que fique «sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário», poderia dar lugar na situação dos autos,  nos termos do art 41º (e no entendimento de haver listisconsórcio  necessário dos AA., marido e mulher, na propositura da acção), à absolvição da instância dos RR.
Só que, a esse resultado, sempre se deveria entender obstar a solução contida no nº 3 do art 278º CPC.
Dessa norma decorre - e aplicando-a, desde já, à situação concreta dos autos - que, estando em causa um vicio decorrente da violação de um pressuposto processual - no caso, falta de patrocínio judiciário no referente à A. [8] -  a sua persistência por falta de sanação - decorrente de ter sido omitida a notificação desta relativamente à ratificação do processado - não deve produzir o seu efeito normal  de absolvição da instância dos réus, porque, destinando-se esse pressuposto processual, in casu, a tutelar o interesse da A., nenhum outro motivo obstava no momento da apreciação do vicio – sentença, nos termos do nº 2 do art 567º CPC- a que a decisão no processo lhe viesse a ser  integralmente favorável, como o foi, em função da procedência total da acção.
Assim, a sentença não é nula.

Objecta o apelante que sempre obstaria a uma total operância da revelia a circunstância de, relativamente aos factos que se deram como provados nos pontos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 10 da matéria fáctica, a  lei exigir para a prova dos mesmos  prova documental.         Recordem-se aqui os factos em causa:
1. Por contrato-promessa de compra e venda datado de 8 de setembro de 2017, o 1º R. prometeu vender aos AA., pelo preço global de € 75.000, o prédio urbano, composto por um lote de terreno destinado a construção, com a área de 1.448 m2, sito em …, freguesia de .., …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de .. sob o artigo 169 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº. 4253/19991108.
2. Mais acordaram que naquela data os AA. entregariam ao R. a quantia de €20.000, a título de sinal (cfr. doc. nº.1, cláusula 3ª), liquidando o remanescente € 55.000  mediante a entrega de €20.000  no prazo de 45  após a outorga do contrato promessa;
3. E os restantes €35.000  no ato da outorga da escritura pública de compra e venda 
7. Até 5 de novembro de 2017, os AA. entregaram a E., em representação da 2ª R., a quantia global de €55.000 .
8. Dos quais € 50.000 correspondiam ao sinal e pagamento antecipado devido ao R., nos termos do disposto na cláusula 3ª do contrato promessa de compra e venda outorgado em 08 de setembro de 2017;
9. E € 5.000, para pagamento da comissão devida à 2ª R. pela mediação feita;
10. Todas estas quantias, a pedido da 2ª R., foram entregues em numerário;
 È verdade que a al d) do art 568º CPC estabelece que a revelia não produz efeitos quando se trate de factos para prova dos quais se exija documento escrito.
Em sintonia com o aí prescrito, também em matéria do ónus de impugnação, estabelece o art 574º que não se verifica admissão por acordo de factos alegados pelo autor que não tenham sido impugnados pelo réu, se tais factos só puderem ser provados por documento escrito.
Estas normas têm por objecto factos, em que a lei  substantiva –art 364º CC - ou a convenção das partes  -art 223º CC -, torne exigível para a emissão de declarações negociais a adopção pelas partes de determinada forma, visando-se que a eventual falta de contestação em processo conduza a um resultado contrário ao dessa lei substantiva ou dessa convenção.
Assim, dispõe  o art 364º,  sob a epigrafe “Exigência legal de documento escrito” que, «quando a lei exigir, como forma de declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior».
O contrato promessa é em principio um contrato não formal, mas deixa de o ser quando o seu objecto seja um contrato para o qual a lei exija documento autêntico ou particular, pois, nesses casos, também a validade do contrato promessa depende de ser celebrado por documento assinado pelas partes ou apenas pela que se vincula, se se tratar de contrato promessa unilateral.
Assim, no que toca ao contrato promessa de compra e venda cuja existência e conteúdo está em causa nos assinalados pontos 1, 2 e 3 dos factos provados, apenas se exigia documento escrito assinado por ambas as partes, por estar em causa contrato promessa bilateral.
E esse documento está junto aos autos a fls 14/15.
É  certo que, no caso de promessa respeitante à celebração  de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, se exige que o documento escrito assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato promessa  seja unilateral ou bilateral, contenha o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção referida no número anterior, o que não sucede com o documento junto aos autos.
 Mas nessa norma – nº 3 do art 410º CC,-  acrescenta-se que o contraente que promete transmitir ou construir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.
Do que decorre que a omissão daquelas formalidades só pode ser invocada pelo promitente da transmissão ou constituição do direito quando tenha sido culposamente causada pelo beneficiário da promessa, cabendo, naturalmente, àquele, a prova dessa culpa.  Já este - o beneficiário da promessa – pode invocar livremente aquela omissão sem fazer qualquer prova, não podendo a mesma ser invocada por terceiros ou conhecida oficiosamente pelo Tribunal.
Se é certo,  como o evidencia Menezes  Leitão  e Menezes Cordeiro [9], que «não se está perante uma exigência de forma, uma vez que não se revela por esta via qualquer vontade negocial, tratando-se antes de formalidades exigidas para a validade plena do negócio», por ser ideia do legislador estabelecer em beneficio do promitente adquirente um controle notarial dos contratos promessa relativos a edifícios ou a suas fracções autónomas por forma a evitar a sua celebração em casos de construção clandestina[10], desde o momento em que o tribunal não pode oficiosamente conhecer da nulidade em causa, não pode também excluir a prova da existência e conteúdo do contrato promessa de compra e venda de imóvel contido em documento escrito junto aos autos  sem aquelas formalidades quando o promitente vendedor não tenha contestado a acção, como sucedeu nos presentes autos.
 Do que resulta que para efeito da operacionalidade da revelia basta que o contrato dos autos se contenha em documento particular assinado por ambas as partes, devendo ser dado como provado todo o conteúdo desse documento, como se fez nos pontos de facto  em referência.
Do que resulta inócuo que o R./apelante impugne agora a genuinidade do documento em causa e argua a sua falsidade.

No que se reporta aos factos 7 a 10 – de que resulta que os AA. entregaram à R., através de  E., que agiu como representante daquela,  a quantia global de € 55.000, dos quais € 50.000 correspondiam ao sinal e pagamento antecipado devido ao R., nos termos do disposto na cláusula 3ª do contrato promessa de compra e venda acima referido e  € 5.000, ao pagamento da comissão devida à 2ª R. pela mediação feita, sendo que todas estas quantias, a pedido desta 2ª R., foram entregues em numerário- as objecções do R./apelante a que os mesmos sejam tidos como confessados por efeito do disposto no nº 2 do art 567º, resultam das seguintes  circunstâncias:  de um documento autêntico só poder resultar plenamente provado o pagamento ou entrega que nele se mencione se a mesma tiver sido directamente percepcionada pelo notário; a declaração extrajudicial escrita feita por terceiro não pode produzir prova plena da entrega da quantia que nele se refira; não se mostrar  crível que o montante de € 50.000 tenha sido pago em numerário, além de que  o art 63º - E da LGT  proíbe a realização de pagamentos em numerário.
Nenhuma das objecções assinaladas afasta a prova por confissão do R. relativamente aos factos acima mencionados, nos termos do nº 2 do art  567ºCPC, pela simples razão de que em nenhuma das situações referidas está em causa a exigência pela lei substantiva, da adopção pelas partes de determinada forma.
Sequer, o mandato, com ou sem representação, além de que se mostra provado que «todo o processo e negócio foi mediado pela 2ª R., que havia sido contratada pelo 1º R. e por este foi apresentada aos AA» (facto 4º).
De todo o modo, não pode deixar de se observar que as considerações que o apelante tece em torno dos documentos autênticos e da respectiva força probatória são totalmente descabidas na matéria de facto em referência, em que não está em causa nenhum documento autêntico, mas, quando muito, um documento particular, dito “Declaração”, não se vendo que os factos que dela constem  se subtraiam à admissão ou confissão resultante do art 567º/2 CPC.
Quanto ao art 63º da LGT (Lei Geral Tributária), a circunstância de proibir a realização de pagamentos em numerário em montante superior a € 3.000 não afasta que tais pagamentos, por esta ou aquela razão, tenham lugar. A infracção dessa norma, podendo fazer incorrer quem assim proceda em sanções ao nível tributário, não tem qualquer relevo ao nível do disposto no art 364º CC.
Nenhuma razão tem, pois, o R./apelante quando pretende que sem documentos de suporte não era possível ao tribunal julgar provados os pagamentos em causa nos pontos de facto 7 a 10.

Do que se veio de ponderar, resulta que nenhum motivo há para anular a sentença ou excluir dela qualquer dos factos em que a mesma se baseou.
Do que resulta, naturalmente, que nenhuma razão existe para que no âmbito dos presentes seja nomeado curador provisório ao R.
A apelação improcede.

V- Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
 
Custas pelo apelante.

Coimbra, 1 de Fevereiro de 2022
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
                                                                                   (Pires Robalo)
           


(…)


                [1] - «Código do Processo Civil Anotado», pag 455
                [2] - Ac RE de 02/12/2009, (Bernardo Domingos)
                [3] - Ac. RC de 18/07/2006 (Garcia Calejo)
                [4]  «Comentário ao Código de Processo Civil», Vol. II, p.79/80 «No preciso momento em que o interessado se apresenta para praticar o acto intempestivo, é que tem de fazer a alegação e prova do justo impedimento». 
                [5] A titulo de exemplo, o já citado  Ac R E 2/12/2019 (Bernardo Domingos)  e Ac R C 26/10/2021 (Vitor Amaral)
                [6]- «A Confissão no Direito Probatório»,  Coimbra 1993,  p 483 
                [7] Pronuncia-se neste sentido Lebre de Freitas. «A Acção Declarativa.Comum à luz do CPC de 2013» , 3ª ed., p 92 ; Montalvão Machado «O Dispositivo e os poderes do tribunal à luz do novo CPC», 2ª ed, nota de rodapé na p 194.
                 Teixeira de Sousa, «Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed. sustenta que, nestas circunstâncias e em função do principio  de igualdade ,também o autor não poderá produzir alegações de direito, o que de resto, os AA. na presente acção, não fizeram.
                [8] - Ao contrário do que sucede com a falta de patrocínio judiciário quanto ao réu que é apenas  pressuposto de actos processuais, como decorre da sua falta apenas implicar que fique sem efeito a defesa- parte final do art 41º CPC
[9]Direito das Obrigações, Vol I, 5ª ed, p 225  e Menezes Cordeiro, «Tratado» I, p 566
[10] O entendimento a que se vem fazendo referência,  para além de estar assente na doutrina, chegou a justificar dois assentos  no domínio do DL 236/80 de 18/1 , o assento nº 15/94 de 28/6/1994 (DR I Serie A de 12/10/1994)  e o assento nº 3/95 de 1/2/199  (DR I Serie A de 22/4/1995 ), aquele referindo que «no domínio do nº 3 do art 410º CC (redacção do DL 236/80 de 18/7) a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser invocada por terceiros», e este  que, «no domínio do nº 3 do art 410º CC (redacção do DL 236/80 de 18/7) a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal».