Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/10.7GAFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 50.º E 56.º, DO CP
Sumário: I - Não praticando o recorrente, apesar das repetidas e renovadas diligências efectuadas nesse sentido, um único acto, proactivo, tendente ao cumprimento das obrigações impostas, nem durante o período inicial da suspensão nem durante o período da sua prorrogação, violando assim, de forma grosseira e reiterada, os deveres impostos, justifica-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

II - Faltando sistematicamente às sucessivas convocatórias e furtando-se sistematicamente a qualquer contacto quer ao longo do período inicial da suspensão, quer durante o período de prorrogação (em que assumiu o compromisso renovado e expresso de o fazer) inviabilizando, em absoluto, a realização do plano de reinserção social, nunca tendo comparecido às consultas para despistagem e tratamento de alcoologia ou de prevenção da circulação rodoviária, manifestou total desprezo, reiterado e ostensivo, pelas obrigações impostas como condição da suspensão.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

I.

A..., arguido nos autos, recorre do despacho, proferido em 05/06/2014 (cfr. fls. 354 a 363), no qual o Mº Juiz, considerando que o arguido se alheou completamente dos significados decorrentes da condenação de que foi alvo, impossibilitando a elaboração do plano de readaptação social, condição de que dependia a suspensão da pena, decidiu:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, de acordo com o disposto no artigo 56.º, al. a) do CP, revoga-se a suspensão da execução da pena imposta ao arguido A..., e, em consequência, ordena-se o cumprimento da pena aplicada nos presentes autos, que se traduz 9 (nove) meses de prisão”.

*

Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:

O Arguido/Recorrente sustenta o presente recurso nos seguintes pilares:

I) DA NECESSIDADE DE CORRECÇÃO DA DOUTA DECISÃO POR MERO LAPSO

[artigos 380º, nº 1, al. b), n.º2 e n.º3 do Código de Processo Penal];

II) DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 495º, Nº2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL;

III) DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 56, Nº1, DO CÓDIGO PENAL;

IV) DA NÃO PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA (VIOLAÇÃO DO ARTIGO 55.º DO CÓDIGO PENAL)

ASSIM:

I) DA NECESSIDADE DE CORRECÇÃO DA DOUTA DECISÃO POR MERO LAPSO [artigos 380º, nº1, al. b), n.º2 e n.º3 do Código de Processo Penal].

1. Na esteira da douta decisão proferida, enceta a Mª Juiz "a quo” o seu Relatório referindo e transcreve-se “Nestes Autos de Processe Comum (....)",

2. Ora o Processo em causa foi Autuado a 22/12/2010 como Processo Sumário, pelo que a referência ao mesmo enquanto Processo Comum, apenas se poderá tratar de um mero lapso, pelo que onde se lê “Nestes autos de Processo Comum", haverá de ler-se "Nestes autos de Processo Sumário".

3. O Artigo 380º do Código de Processo Penal contempla a possibilidade do Tribunal de

Recurso proceder à correcção de mero lapso ocorrido em sentenças ou despachos alvo de Recurso.

4. Neste sentido, nos termos do artigo 380, nº1, al. b) e n.º2 e 3 do Código de Processo Penal, deverá o Tribunal Recurso, e salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, proceder à mera correcção nos termos explanados supra, e onde se lê “Nestes autos de Processo Comum", haverá de ler-se "Nestes autos de Processo Sumário".

II) DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 495º, Nº2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:

5. O douto Despacho/Decisão de Revogação da Suspensão da Execução da Pena constata fundamentalmente no seu Relatório a matéria factual dada como provada, para a qual se remete por questões de economia processual.

6. Mais acrescenta em tal decisão o douto Tribunal "a quo” que apenas se debruçaria atentas as questões a decidir, quanto ao incumprimento do plano de reinserção social, porquanto o crime cometido pelo arguido não foi praticado no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão [afastando a análise da prática, pelo arguido, em 17.02.2012, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto de uso de veículo, pelo qual foi condenado na pena única de 16 meses de prisão substituída por igual período (sentença proferida no âmbito do processo nº 76/12.8GB5RT que data de 06.06.2013, tendo transitado a 04.10.2013, porque tais factos ocorreram em 17.02.2012, ou seja, após o termo do primeiro período da suspensão da pena de prisão (31.01.2012) e o início do prazo de prorrogação da referida suspensão da pena de prisão (02.05.2013)].

7. Aquando da sua Fundamentação considerou o douto Tribunal "a quo” que:

- Já com a prorrogação da suspensão da execução da pena foi dada uma segunda oportunidade ao Arguido para demonstrar que se encontrava motivado no seu cumprimento.

- O arguido/condenado nem deu hipótese de a DGRS aferir da necessidade de tais consultas e de acompanhar o arguido na obtenção da carta de condução em Espanha.

- O Arguido não compareceu às consultas, nem às entrevistas, concluindo o Relatório da DGRS a impossibilidade de cumprimento do plano determinado.

- O Arguido encontra-se “em Espanha (cremos que ainda a trabalhar, pese embora o Arguido não tenha comparecido e por isso não tenha prestado declarações nesse sentido), mas não pode o trabalho servir de «desculpa» (ainda que o arguido não a tenha dado, porquanto não compareceu!) para não atender sequer os telefonemas da DGRS; para não comparecer às convocatórias, não apresentando qualquer justificação posteriormente qualquer justificação; para se eximir completamente do acompanhamento que lhe foi imposto em sede de sentença".

- “E não se diga que «a distância [entre Portugal e Espanha] tem dificultado o cumprimento do regime de prova, sendo que a dificuldade nos contactos telefónicos se terão, com certeza, por incompatibilidades de horários, atento o horário de trabalho referido pelo arguido das 05h30 da manhã até às 22h00 da noite» (artigo 11º do requerimento do arguido).

- O Arguido evidenciou desprezo absoluto.

- O Arguido não comparece na OGRS, nem nas consultas, não atende os telefonemas realizados pela DGRS como também, notificado para ser ouvido pelo Tribunal atento o reiterado incumprimento, o arguido não se dignou a comparecer e não justificou '" sua ausência.

- Pelo que o comportamento do Arguido se traduz numa completa falta de respeito pela condenação de que foi alvo e o mais elementar desprezo pelo cumprimento da pena substitutiva (suspensão da execução da pena) e mostra a maior adversidade perante a hipótese de colaborar com as entidades competentes, com vista a sua integração social.

- A atitude do arguido evidencia que as razões que justificaram uma prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido e que estiveram na base da aplicação da pena de substituição, não se concretizaram.

- E, a atitude assumida pelo arguido torna justificada e óbvia a conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

8. Ora, a douta M.ª Juiz “a quo” baseou tão só a sua decisão nos incumprimentos do Arguido/condenado e na não comparência do mesmo às consultas médicas, às entrevistas com a DGRS, aos não contactos com tal entidade e à não comparência a Audiência para efeitos de Audição presencial do Arguido;

9. Desconhecendo como claramente se refere (“Cremos que ainda a trabalhar, pese embora o arguido não tenha comparecido à diligência".) se o mesmo trabalha e quais as condições, motivos para os invocados incumprimentos, sendo que informações concretas nesse sentido apenas o foram dadas pelo Arguido aquando da sua Audição em 14/12/2012.

10. Pelo que se desconhece qual a situação económica do Arguido, sabendo-se tão só da matéria junta aos Autos que o mesmo vive em Espanha desconhecendo-se se ainda trabalha em tal empresa e se consegue ou não efectivar deslocações a Portugal para efeitos de cumprimento de consultas e entrevistas na DGRS.

11. Note-se que aquando da sua última Audição o Arguido comprometeu-se a deslocar-se a Portugal de 2 em 2 meses, e que a douta decisão de prorrogação evidenciou a necessidade de ser levado em linha de conta para a periodicidade de consultas e entrevistas dado que o Arguido trabalha no estrangeiro, sendo a DRGS, sempre tentou contactos com periodicidades quase mensais.

12. Ademais, comprometeu o Arguido a tirar a Carta de Condução em Espanha, ora não havendo contacto com o Arguido/Condenado, também não se poderá aferir se o mesmo cumpriu ou não com tal inscrição. É certo que não havendo comparecido o Arguido para sua audição presencial nos termos do artigo 495º, nº2 do CPP e estando devidamente notificado, aceita-se que estariam esgotadas as possibilidades da sua audição até porque o Arguido se encontra no Estrangeiro, e a emissão de mandados de detenção nos termos conjugados dos artigos 116º, nº2 do CPP e até da Lei 65/2003 de 23 de Agosto (Mandado de Detenção Europeu), seria inaplicável in casu.

13. Não obstante, determina igualmente o artigo 495º do CPP, em concreto no seu nº2 que "O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão".

14. Pelo que salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, e face aos elementos carreados nos autos, não estaria o Douto Tribunal “a quo", munido das respectiva prova necessária para o efeito.

15. Note-se que sabendo o Douto Tribunal a morada da evidenciada Entidade Empregadora sempre haveria de diligenciar no sentido de saber se o Arguido/Condenado ainda ai se encontra a laborar em Espanha, qual o seu rendimento, qual o seu horário de trabalho, se são efectivadas pelo mesmo deslocações a Portugal, e em caso afirmativo como são concretizadas as mesmas.

16. Ora, o despacho recorrido foi proferido sem precedência da recolha de qualquer prova sobre as circunstâncias do não cumprimento, das condições em causa com a agravante de não se haver conseguido proceder à audição do arguido, o que ainda mais reforça a necessidade de recolha de provas que fundamentem o incumprimento.

Ademais,

17. No caso em concreto se é certo que se esgotaram as tentativas de ouvir o arguido, verdade também é que não foi ordenada qualquer norma de inquérito sobre o mesmo, quando o douto tribunal estava munido das respectivas moradas de residência e de eventual local de trabalho.

18. Pelo que, o não comparecimento (até porque o Arguido chegou a comparecer junto da

DGRS em Maio de 2013), não justificam desde logo, per si, motivo para violação grosseira ou reiterada das imposições determinadas pelo douto Tribunal.

19. No mesmo sentido refere o douto Tribunal "a quo" que não se diga que a distância tem dificultado o regime de prova, porquanto se tem evidenciado um desprezo absoluto para com a Justiça

20. Ora, desconhecendo a situação económica do arguido, atento o evidente grau de escolaridade, como pode o Douto Tribunal afirmar que não pode a distância conduzir à dificuldade no cumprimento do regime de prova?

21. O já referido art. 495º, nº2 do CPP não impõe ao arguido o ónus de carrear para os autos a prova dos factos em que o tribunal deve basear a apreciação sobre a falta de cumprimento dos deveres e regras de conduta incumbindo ao tribunal a recolha da prova necessária para tal apreciação; a imposição de tal ónus ao arguido viola o disposto no art. 495º, nº 2, do CPP e os princípios da culpa e das garantias de defesa do arguido consagrados no art. 32º, nº 1, 2 e 7 da CRP.

Aliás,

22. A Jurisprudência tem precisamente entendida que “ Para se poder concluir, que o arguido de uma maneira voluntária e consciente, deixou de cumprir as obrigações impostas, infringindo-as grosseiramente é necessário averiguar, se as condições deixaram de ser cumpridas por motivos imputáveis ao arguido ou se o arguido não as cumpriu por não ter possibilidades económicas” (Ac. TRL de 22-04-2008 in www.dgsi.pt/).

23. Tem-se ainda defendido Jurisprudencialmente que, "1 - Existindo incumprimento dos deveres a que tenha ficado condicionada a suspensão da pena, e antes de decidir sobre as medidas a decretar, o tribunal deverá notificar o arguido para esclarecer as razões do seu procedimento e solicitar ao Instituto de Reinserção Social a elaboração de inquérito sobre as condições de vida do mesmo e os motivos ta violação dos deveres impostos. 2 - Nas medidas a tomar, o tribunal deverá optar pelas menos gravosas e só decidir por uma quando conclua pela inadequação da que, imediatamente, a antecede.» (Acórdão da Relação de Lisboa de 96/05/28, in Colectânea de: Jurisprudência (CJ), ano XIX, tomo III, pág. 143).

24. Ademais, diga-se a este nível que a Defensora oficiosa após promoção da Digníssima Magistrada do Ministério Público para Revogação ele Suspensão de Execução da Pena requereu que se apurasse junto da entidade empregadora do Arguido, supondo-se como a mesma inicialmente indicada nos autos, para informar os horários do Arguido e os períodos em que o mesmo tem férias ou que de desloca a Portugal, não havendo obtido neste sentido qualquer deferimento ou indeferimento por parte do douto Tribunal “quo”!.

25. Motivos pelos quais se entende que violou o douto Tribunal “a quo” a norma vertida no artigo 495.º, n.º2 do C.P.P. devendo neste sentido serem efectivadas diligências de prova no sentido de aferir da situação social e profissional do Arguido, bem como no sentido de tentar apurar do seu grau de dificuldade em contactar com Portugal e deslocar-se ao mesmo País.

De igual forma e na mesma linha sequencial argumentativa,

III) DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 56, Nº1 DO CÓDIGO PENAL:

26.Conforme já se referiu supra o douto Tribunal omitiu recolha de prova que se entende como fundamental, e diga-se fundamental porque,

27. O artigo 56º, nº1, al. a) do Código Penal enumera as circunstâncias que conduzem à Revogação da Suspensão da Execução da Pena Aplicada.

28. Não obstante tal Revogação não opera de forma automática ou tão só pela violação de regras impostas, a lei exige uma infracção grosseira e repetida, quer dizer que o Arguido/Condenado actue em violação desses deveres ou regras de forma objectivamente relevante e com a consciência disso mesmo, supondo pois uma violação culposa.

29. Esta culpa, grosseira e ou repetida refere-se, apenas, aos deveres ou regras de conduta de que depende a suspensão da pena e não a outras pelo que e atendendo que está em causa uma culpa é necessário apurar a mesma.

30. Ora, conforme já se gizou supra o despacho recorrido foi proferido sem precedência da recolha de qualquer prova sobre as circunstâncias do não cumprimento das condições em causa e sem precedência da audição do arguido.

31. Pelo que ausentes que se encontrem as diligências fundamentais para o apuramento das circunstâncias do incumprimento não se poderá determinar o incumprimento reiterado e grosseiro, pelo que e neste sentido não se pode concluir, sem mais, que, materialmente, se encontra preenchido o requisito do art. 56º nº 1 al. a) do CPP - que o condenado tenha "infringido grosseira e repetidamente" os deveres impostos.

32. Motivos pelos quais entende o Recorrente que a revogação da suspensão da execução da pena sem que esteja verificada a culpa grosseira do arguido no incumprimento da condição, configura a violação do disposto no art. 56º, nº 1 do Código Penal.

Caso assim não se entenda,

IV) DA NÃO PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA (VIOLAÇÃO DO ARTIGO 55.º DO CÓDIGO PENAL)

33. O artigo 55.º do Código Penal determina "Se durante o período da suspensão, o condenado, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de Reinserção, pode o tribunal: a) fazer uma advertência solene, b) exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; c) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado (...)"

34. Consagra pois tal artigo outras medidas face ao incumprimento, inclusive a inserção de novas regras de conduta, prorrogação do prazo da suspensão, podendo as mesmas ser de aplicação cumulativa.

Ademais,

35. A Revogação da suspensão da execução da pena nos termos e para os efeitos do artigo 56º, nº 1, al. a) do CP, implica uma atitude de rejeição total, devendo igualmente ser valorado neste juízo de prognose favorável/desfavorável a personalidade do arguido, o seu entorno social e a forma como a violação se processou.

36. Ora, nunca qualquer Relatório de Avaliação junte aos autos aponta no sentido de rejeição total do cumprimento do Regime de Prova doutamente determinado.

37. É certo que o Condenado não compareceu a alguns agendamentos mas a sua ausência não foi total.

38. Ademais, o incumprimento não se encontra justificado mas a distância e o grau de escolaridade do arguido, assume deste logo relevância.

39. Por outro lado, os próprios primeiros Relatórios de Avaliação juntos aos autos pela DGRS evidenciam que o Arguido deixou de ter comportamentos ligados ao álcool, encontra-se bem inserido e cumpre com as suas obrigações profissionais.

40. Pelo que a simples ameaça da eventual aplicação de pena de prisão efectiva, consagra per si o cumprimento das finalidades da punição, devendo por isso optar-se ainda pela prorrogação da Suspensão da Execução da Pena.

41. Aliás, não deverá olvidar-se que a prisão deve ser entendida como medida de ultima ratio e que o instituto da suspensão da execução apresenta a vantagem de alcançar as finalidades preventivas da punição sem que o agente tenha que ser submetido ao ambiente criminógeno da prisão (in Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, § 509), tratando-se de uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, consubstanciando um poder vinculado do Julgador que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das referidas finalidades sempre que se verifiquem os seus pressupostos.

42. Pelo que face à ocorrência de alguma das circunstâncias que conduzam à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, o Tribunal a quo ponderará se a revogação é a única forma (cláusula de ultima ratio) de atingir a: finalidades da punição, visto que a revogação determina, nos termos do artigo 56º, nº2, CP, o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (ob. cit., § 545)

43. Devendo por isso ser prorrogado o período de suspensão da pena aplicada com a imposição de exigências acrescidas ao plano de Reinserção Social de fls. 116 e 118. Tudo nos termos e para os efeitos do artigo 55º, al. b) e c) do Código Penal.

44. Pelo que não tendo o Douto Tribunal "a quo" ponderado pela aplicação de medidas alternativas à Revogação da Suspensão da Execução da Pena como medida de ultima ratio violou in casu o artigo 55.º do Código Penal.

TERMOS EM QUE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DOUTO DESPACHO EM CONFORMIDADE E DECIDINDO-SE POSTERIORMENTE, E OPERADAS AS RESPECTIVAS DILIGÊNCIAS, PELA PRORROGAÇÃO DO PERIODO DE SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO APLICADA AO ARGUIDO, ORA RECORRENTE.

*

Respondeu a digna Magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido, sustentando, em síntese conclusiva:

O arguido, durante o primeiro prazo de suspensão da execução da pena já havia incumprido o plano de reinserção social, o que determinou a prorrogação desse período.

No decurso do segundo período de suspensão, o arguido incumpriu novamente as condições que lhe foram impostas.

O tribunal reuniu (sem qualquer colaboração do arguido) toda a prova tida por necessária para aferir do carácter desse incumprimento, tendo concluído que o mesmo era grosseiro.

O arguido incumpriu as condições da suspensão pela segunda vez, não deu qualquer justificação para tal facto ao Tribunal, faltou à diligência para a qual tinha sido notificado para comparecer, não justificou essa falta nem indicou as razões para o incumprimento nem para a manifesta falta de colaboração com o Tribunal.

O arguido já beneficiou da prorrogação do período da suspensão da execução da pena;

O que não foi suficiente para que o mesmo adequasse a sua conduta e, designadamente, decidisse cumprir as condições que lhe foram impostas na sentença condenatória.

As condutas assumidas pelo arguido durante o período de suspensão da execução da pena, subsumíveis na alínea a) do n°1 do art. 56º do Código Penal, traduzem claramente o facto de as finalidades subjacentes à suspensão não terem sido alcançadas, por via da mesma.

Assim, uma nova prorrogação do período da suspensão da execução da pena não se revela suficiente nem adequada às finalidades da pena.

*

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual manifesta a sua concordância com a resposta apresentada na 1ª instância, desenvolvendo argumentação no mesmo sentido.

Corridos vistos, cumpre decidir.


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II.

1. Invoca o recorrente, em suma: - do ponto de vista formal, a omissão de diligências, pelo tribunal recorrido, no sentido de apurar as causas do incumprimento; e, - do ponto de vista material, que não se mostram verificados os pressupostos materiais da revogação da suspensão ou da sua prorrogação.

2. Omissão de diligências

Alega o recorrente que “o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 495.º, n.º2 do C.P.P. devendo ter efectuado diligências de prova no sentido de aferir da situação social e profissional do Arguido, bem como no sentido de tentar apurar, junto da entidade patronal do arguido em Espanha, o grau de dificuldade em contactar com Portugal e deslocar-se ao mesmo País”.

Ora, no caso, estando em causa o apuramento do cumprimento das condições da suspensão, foi elaborado um relatório especificado sobre todos os incidentes da execução das medidas – cfr. Relatório elaborado pela DGRSP, datado de 01.11.2013, a fls. 250 a 253.

Por outro lado, resultam desse relatório as sucessivas diligências efectuadas pelos Serviços daquela DGRSP: - convocatória do arguido para comparecer no dia 12.04.2013; Nova convocatória para comparecer no dia 03.05.2013; contactado para comparecer no dia 17.05.2013, o arguido esteve presente, tendo-se comprometido a manter contactos telefónicos com a DGRSP, com periodicidade a fixar pelo serviço; porém em Junho de 2013 foi contactado mas aquele não atendeu; A partir de então e até Novembro de 2013, foram tentados contactos telefónicos com o arguido, que nunca atendeu. Nada tendo feito, durante todo o período da suspensão e da sua prorrogação, no sentido de tentar justificar-se, apesar dos deveres específicos que sobre ele impendiam como condição da suspensão.

A invocada situação social e profissional do Arguido em Espanha foi, aliás, valorada de forma expressa na decisão que prorrogou o período de suspensão da pena. Não havendo, por isso que investigar um facto adquirido nos autos. O que evidencia a desnecessidade da diligência para o efeito em vista.

Improcede, pois, a invocada nulidade.


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3. Com relevo para a apreciação de mérito, emergem dos autos como dados relevantes:

O arguido foi condenado, nos presentes autos – processo sumário nº 96/10.7gafvn, do tribunal judicial de Figueiró dos Vinhos - por sentença proferida em 30/12/2010, transitada em julgado em 31/01/2011 (fls. 56 a 69), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do D. L. n o 2/98, de 03/01, e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n°1 do Código Penal, praticados no dia 22 de Dezembro de 2010, na pena única de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova, tendo sido fixadas várias obrigações (cfr. fls. 68 e 69) nomeadamente, submeter-se a um plano de reinserção social (P.R.S.), a elaborar pela D.G.R.S., incluindo despistagem e tratamento a problemas de alcoolismo e circulação rodoviária,

Após algumas situações de incumprimento do plano de reinserção social (P.R.S.) homologado, o Tribunal, por decisão proferida em 21/03/2013 (cfr. fls. 237 a 240), determinou a prorrogação do período de suspensão da execução da pena por mais um ano, igualmen­te sujeito ao regime de prova, continuando o arguido sujeito aos deveres e obrigações já anteriormente determinados, ressalvando que «a periodicidade das consultas de alcoologia, se ainda considerarem necessárias, devem ter em atenção que o arguido trabalha em Espanha, e que a carta de condução pode ser obtida nesse país».

Pela DGRSP o arguido foi convocado para comparecer no dia 12.04.2013, faltou; Novamente convocado para comparecer no dia 03.05.2013, faltou;

Contactado para comparecer no dia 17.05.2013, esteva presente, tendo-se comprometido nessa altura a manter contactos telefónicos com a DGRSP, com periodicidade a fixar pelo serviço.

Em Junho de 2013 o arguido foi contactado a fim de ser agendada data para que se deslocasse ao Centro de Saúde da Sertã mas não atendeu;

Convocado para comparecer na DGRS no dia 18.10.2013, não compareceu;

Agendada a consulta de alcoologia para dia 13.11.2013, não compareceu.

A partir desse momento e até Novembro de 2013 foram encetados contactos telefónicos com o arguido que nunca atendeu;

Não compareceu à audição, para que foi notificado, designada pelo Tribunal nos termos e para efeito do disposto no art. 495°, n°2 do C.P.P., nem justificou a sua falta.

No âmbito do processo comum singular nº 76/12.8gb5rt do tribunal da comarca de Sertã, por sentença de 06.06.2013, transitada em julgado em 04.10.2013 (cfr. certidão a fls. 297 e segs.) foi o arguido condenado pela prática, em 17.02.2012 [ou seja, após o termo do primeiro período da suspensão da pena de prisão (31.01.2012) e antes do início do prazo de prorrogação da referida suspensão da pena de prisão (02.05.2013)] de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto de uso de veículo, em cumulo jurídico na pena única de 16 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.


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4. A decisão recorrida não teve por fundamento a prática, superveniente, de qualquer crime durante o período da suspensão de execução da prisão, mas o incumprimento de outros deveres – teve por fundamento o disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. a) do CP.

Postula tal disposição legal: «1 - A suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; (…)».

Além de grosseira ou repetida, a violação de deveres, vista a sua razão de ser e racionalidade, há-de apresentar-se suficientemente intensa e adequada a por em causa ou quebrar o juízo de prognose em que repousou a suspensão da execução da prisão. Inscrevendo-se, como tal, na violação do juízo de prognose subjacente à decisão – evidenciando que o arguido, pelo seu comportamento subsequente, não mereceu aquele juízo de prognose favorável a que se reporta o art. 50º do CP como pressuposto da suspensão.

No caso, pondera o tribunal recorrido, como fundamento da revogação da suspensão decretada:

Foram vários os meses – de Abril a Novembro de 2013 – de desprezo absoluto. Nem um telefonema, nem uma carta por parte do arguido.

E mais. Não só não comparece na DGRS, não só não comparece nas consultas, não só não atende os telefonemas realizados pela DGRS como também, notificado para ser ouvido pelo Tribunal atento o reiterado incumprimento, o arguido não se digna a comparecer e não justifica a sua ausência”.

Ora trata-se de afirmação-desprezo absoluto pelas obrigações decorrentes das condições opostas à suspensão - evidenciada pela matéria de facto descrita e que o recorrente não rebate.

Não praticando o recorrente, apesar das repetidas e renovadas diligências efectuadas nesse sentido, um único acto, proactivo, tendente ao cumprimento das obrigações impostas. Nem durante o período inicial da suspensão nem durante o período da sua prorrogação. Violando assim, de forma grosseira e reiterada, os deveres impostos.

Acresce que no âmbito do processo comum singular nº 76/12.8GB5RT foi o arguido condenado pela prática, em 17.02.2012, além do mais por crime idêntico aos dos presentes autos, na pena única de 16 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.

Certo é que esta nova condenação não constituiu o fundamento da revogação decretada nos presentes autos, entendendo-se que os crimes causais da nova condenação foram cometidos após o termo do primeiro período da suspensão da pena de prisão nos presentes autos e antes do início do prazo de prorrogação.

No entanto, a prática dos novos crimes, não estando ainda extinta a pena aplicada nos presentes autos, conforta o aludido juízo de que o arguido se alheou, em absoluto, dos deveres decorrentes da suspensão decretada nos presentes autos, ainda pendente á data da prática dos novos crimes.

Nem se diga que a suspensão decretada na nova condenação se impõe ao tribunal da condenação mais antiga. Além do mais porque o tribunal da nova condenação, embora conhecesse os antecedentes criminais do arguido constantes do seu CRC, não podia conhecer da violação dos deveres impostos como condição da suspensão decretada nos presentes autos.

Assim, em conclusão, faltando sistematicamente às sucessivas convocatórias e furtando-se sistematicamente a qualquer contacto quer ao longo do período inicial da suspensão, quer durante o período de prorrogação (em que assumiu o compromisso renovado e expresso de o fazer) inviabilizando, em absoluto, a realização do plano de reinserção social, nunca tendo comparecido às consultas para despistagem e tratamento de alcoologia ou de prevenção da circulação rodoviária, manifestou total desprezo, reiterado e ostensivo, pelas obrigações impostas como condição da suspensão.

Não merecendo, por isso, censura a decisão que decretou a revogação da suspensão ao abrigo do disposto no art. 56º, nº1, al. a) do C. Penal,

III.

Nestes termos decide-se julgar o recurso improcedente com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Coimbra, 4 de Fevereiro de 2015

(Belmiro Andrade - relator)

(Abílio Ramalho - adjunto)