Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
49/99.4JALRA-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
ALTERAÇÃO DOS DEVERES IMPOSTOS COMO CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 55º D) CP
Sumário: A alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, tem como pressuposto ter o incumprimento ocorrido com culpa no não cumprimento da obrigação.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. No âmbito dos autos supra elencados, mostra-se proferido a fls. 1.652 e seguintes, despacho judicial com o teor seguinte:

«Por acórdão transitado em julgado em 21.12.2006, o arguido A... foi condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, suspensão esta subordinada à condição de pagar à demandante cível, no prazo de 4 anos, o valor de € 50.000,00, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal aplicável às dividas de natureza civil, desde a data da sua notificação para contestar o pedido de indemnização cível.


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O prazo de suspensão de execução da pena terminou em 21.12.2010 (sem que do CRC do arguido constem condenações por ilícitos praticados nesse período), sem que o arguido tenha cumprido a condição de que dependia a dita suspensão de execução da pena.

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O arguido admitiu, a fls. 1613 e seguintes, não ter cumprido tal condição, justificando tal facto com a sua situação económica, alegando que esta não o permitiu, não tem trabalho, todos os seus bens estão penhorados e o seu estado de saúde é débil, encontrando-se de baixa médica desde 18.11.2009 (juntando aos autos cópias dos respectivos certificados de incapacidade).

Conclui alegando que o incumprimento da supra mencionada condição não foi doloso mas se deveu apenas ao facto de não ter condições económicas para o fazer e requer a prorrogação do período de suspensão de execução da pena por mais 4 anos, tendo em vista estabilizar a sua situação económica e poder pagar aquela quantia.


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Ouvido em declarações, o arguido A... referiu:

- Foi vítima de um acidente em 2002, tendo estado um mês internado e quase um ano de baixa.

- Em 2009 teve um problema numa vista e esteve de baixa até 2011, o que o impedia de trabalhar, pois necessitava de utilizar óculos escuros e tinha visão turva.

- É sócio-gerente de uma empresa, a W…Lda., do ramo da construção civil, sendo os seus únicos sócios o arguido e a esposa; esta empresa 2006 ou 2007 tinha três trabalhadores. Porém, a empresa parou devido à falta de trabalho.

- A sua esposa actualmente está desempregada e está inscrita no Centro de Emprego.

- O arguido tem 3 filhos, um de 10 anos, outro de 18 anos e um terceiro de 22 anos. A sua filha de 10 anos está a estudar, o seu filho de 18 anos vai começar a trabalhar na empresa T…Lda., de que é sócio e o seu filho de 22 anos que se encontra há um ano em França a trabalhar.

- O arguido está prestes a ir trabalhar para a empresa T…Lda. criada há pouco tempo e de que são únicos sócios o seus filhos de 22 e de 18 anos. Esta empresa tem no seu património uma retro-escavadora e uma camioneta já com alguns anos, as quais, segundo o arguido, foram adquiridas com dinheiro do padrinho do seu filho mais velho.

- As entradas necessárias ao capital social foram feitas, segundo o arguido, com dinheiro que o padrinho do seu filho mais velho.

- O gerente desta sociedade é o seu filho mais velho.

- O arguido vai trabalhar para essa sociedade com as máquinas.

- A referida T…Lda. é empresa de construção civil que já foi constituída há algum tempo, embora tivesse uma outra denominação e objecto (antes era uma empresa de pneus). O arguido chegou inclusive a ser gerente da referida sociedade. Esta já foi constituída há algum tempo sendo ainda menores à data os seus filhos.

- As instalações desta sociedade estão implantadas num terreno propriedade de sua sogra.

- O arguido vive com os seus dois filhos, a sua esposa e a sua sogra e tem tido a ajuda da família.

- A W…Lda. fazia obras públicas, abrindo valas e fossas, tendo algum dinheiro a receber ainda de alguns devedores. O património da W…Lda. era apenas constituído por uma máquina e uma camioneta velha, sendo que a máquina se encontrava em leasing tendo sido devolvida.

- O arguido vive em casa própria, numa moradia composta por rés-do-chão, 1.º andar e quintal, sendo que no rés-do-chão existe um café que é explorado pela sua sogra, que tem uma reforma de cerca de 200 €.

- Esta moradia está inacabada e encontra-se hipotecada a favor do banco e penhorada no âmbito de um processo de execução.


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O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que, ao abrigo do disposto no art.º 55.º, al. d) do CP, o prazo de suspensão de execução da pena seja prorrogado por mais um ano, devendo nesse mesmo período de tempo o arguido comprovar nos autos o cumprimento da condição de suspensão.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do art.º 55.º do C. Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 48/1995, “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem de forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”

Ora, no caso em apreço, muito embora o arguido venha invocar razões económicas para não proceder ao pagamento da quantia em dívida, alegando sucessivos problemas de saúde que o impediram de trabalhar, o certo é o arguido juntou aos autos documentos que apenas atestam que no período entre num período ocorrido entre Novembro de 2009 e Maio de 2011 o arguido esteve incapacitado de trabalhar por doença. O arguido não juntou quaisquer outros meios de prova de onde decorra que tenha ficado impossibilitado de trabalhar entre a data do trânsito em julgado e a data do início da incapacidade para trabalhar.

Mais, sendo o arguido sócio gerente de uma sociedade, não decorre necessariamente que a impossibilidade para o trabalho o tenha privado de rendimentos durante tal período temporal.

Mas mesmo que assim fosse, não se poderá deixar de concluir que o arguido desde o trânsito em julgado da decisão até a Novembro de 2009 não procedeu ao pagamento da quantia a que estava obrigado a entregar, nem procedeu a qualquer pagamento por conta de tal valor, não obstante o arguido ter referido que em 2006 ou 2007 a sociedade de que era sócio tinha três trabalhadores. Ou seja, o arguido esteve mais de três anos totalmente alheado do dever de proceder ao pagamento da referida quantia, não demonstrando qualquer interesse em cumprir o dever que lhe foi imposto.

Mais. Verifica-se pelas declarações do arguido, que, existem uma conjunto de pessoas especialmente próximas do arguido (como é o caso dos filhos com apenas 18 e 22 anos de idade) que, muito embora não tenham qualquer rendimento ou tenham parcos rendimentos, figuram como são sócios e gerentes de uma sociedade que tem agora o objecto idêntico ao objecto da sociedade que de que o arguido já foi sócio-gerente e que, segundo o arguido, parou devido à crise (e, da qual, curiosamente, o arguido foi até, à alteração do seu objecto social, também sócio gerente), assumindo o arguido nessa empresa tão somente a qualidade de simples trabalhador, a quem competirá apenas trabalhar com máquinas. Verifica-se também, pelas declarações do arguido, que no rés-do-chão da sua casa funciona um café que é, nas suas declarações, explorado pela sua sogra, que aufere apenas uma pensão de cerca de 200 euros.

Ora, tal como doutamente promovido, afigura-se que os motivos indicados pelo arguido para o não cumprimento da condição não devem ser considerados totalmente relevantes, designadamente na parte em que refere a impossibilidade de cumprimento por estar de baixa desde 18.11.2009 já que, tendo o período de suspensão se iniciado em 21.12.2006, a baixa médica ocorreu passados 3 anos.

Relativamente às demais “dificuldades” alegadas, o arguido não as comprovou.

Acresce que não se poderá ficar indiferente à circunstância de o arguido vir alegar dificuldades económicas para cumprir e, de outro lado, verificar-se que os filhos do arguido – de apenas 18 e 22 anos de idade – serem os únicos sócios e gerente de uma sociedade de que o arguido será simples trabalhador.

Ainda assim, entende o tribunal que face ao valor da quantia que o arguido está obrigado a pagar e que é condição do não cumprimento efectivo da pena de prisão, o facto de não constar que, entretanto, tenha sido condenado por novos crimes e, tendo em consideração a possibilidade prevista no art.º 55.º, al. d) do CP, o Tribunal decide prorrogar por mais um ano o prazo de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, devendo nesse mesmo período de tempo o arguido comprovar nos autos o cumprimento da condição de suspensão, sob pena de, não o fazendo, cumprir a pena de prisão em que foi condenado.

Notifique.»

1.2. Não se conformando, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos constantes da motivação que apresentou, e que termina com a formulação das seguintes conclusões (!):

1. A decisão recorrida estriba a sua fundamentação no estatuído pelo art.º 55.º, alínea d), do Código Penal.

2. Uma das condições objectivas aí previstas é a culpa do não cumprimento da obrigação que, sabemos, consiste na censura dirigida ao agente por ter praticado um facto típico e ilícito.

3. Vários são os artigos do nosso código penal que fazem referência à culpa, nomeadamente os art.ºs 17.º, 35.º; 37.º e 40.º, em cujo n.º 2, se pode ler que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

4. Ninguém pode ser condenado em pena superior ao grau de culpa que lhe seja atribuído.

5. Tal dispositivo é a decorrência do princípio constitucional da culpa e da dignidade da pessoa humana, previsto nos art.ºs 1.º e 2.º, da Constituição da República Portuguesa.

6. A culpa abrange a capacidade de culpa, a consciência do ilícito, e a ausência de causas de desculpa, ou seja, a culpa consubstancia um juízo de censura do agente.

7. É necessário que o agente tenha capacidade de entender o significado das suas decisões e dos seus actos, que tenha conhecimento (ou tal possibilidade) do que é permitido e proibido.

8. A culpa é um conceito pessoal, pois refere-se ao indivíduo, e à personalidade que se exprime no acto.

9. É um juízo que abrange a opção de vida que se expressa na conduta típica.

10. Existem também as “causas que excluem a ilicitude e a culpa” presentes no Código Penal, nos art.ºs 31.º e segs.

11. No decorrer do depoimento do ora recorrente, por várias vezes referiu que teve conversas com o legal representante da demandante, em cujo decurso o qual sempre disse compreender a situação económica que o aquele atravessava/atravessa, e que, não se importasse muito com prazo que lhe foi concedido, deixando protelar no tempo, o tempo para o pagamento que fora condenado a efectuar.

12. A demandante foi dando o seu consentimento expresso, para o não cumprimento com o sentenciado.

13. Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 1, do Código Penal, estamos perante uma causa de exclusão de ilicitude.

14. Causa essa que não foi tomada em conta no despacho recorrido.

15. Mesmo acaso assim se não entenda, em momento algum a demandante veio executar o ora recorrente – sinal de consentimento.

16. E se não existir um consentimento expresso, atento o relatado, existirá um consentimento presumido, nos termos do disposto no n.º 2, do subsequente art.º 39.º.

17. Elemento algum dos autos comprova que o incumprimento ficou a dever-se a culpa do arguido. Com efeito, vem assente que,

18. Após o trânsito em julgado do Acórdão condenatório, alteraram-se as condições económicas do arguido e do respectivo agregado familiar.

19. E, entre o período que mediou o trânsito em julgado desse Acórdão e a sua baixa médica por doença a empresa de que era gerente ficou sem trabalho, ficou com dívidas e acabou por ter de fechar as portas.

20. O arguido permaneceu de baixa médica durante 1 ano e meio, ou seja, mais meio ano do que o tempo concedido pela M.ma Juiz recorrida para liquidação de € 50.000,00.

21. Por isso, em termos proporcionais, mostra-se o tempo de baixa médica menor ao concedido ao recorrente.

22. A decisão recorrida inculca a ideia de que ter sido gerente comercial de uma sociedade – como sucedeu com o arguido –, é sinal de riqueza, ou de rendimentos, ou de que a crise económica pessoal deixou de existir.

23. Parece ignorar o facto de o filho mais velho do arguido (22 anos) ter tido de emigrar para França, porque em Portugal não há trabalho.

24. Sendo tal filho o sócio-gerente de uma sociedade.

25. Durante o lapso de tempo ocorrido, a sociedade do recorrente cessou a laboração, visto que o mercado estagnou por completo, e com isso, deixou ele de poder pagar aos seus fornecedores, bem como, ao invés, os clientes que tinha deixaram de lhe pagar, tudo conduzindo ao encerramento da empresa.

26. E a que o arguido deixasse de auferir qualquer tipo de rendimento.

27. Mostra-se provado que o arguido não cumpriu com o sentenciado, por motivos alheios á sua vontade.

28. Como o próprio referiu A M.ma Juiz a quo, é seu propósito cumprir com a obrigação em causa.

29. Atenta a sua actual situação económica, é-lhe de todo impossível cumprir no prazo fixado de um ano.

30. Tudo conjugado, impõe-se a prorrogação do prazo para cumprimento da condição em causa, para 4 anos.

31. Lendo-se o despacho recorrido, podemos concluir que nele não é indicado um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da decisão, o que tudo atenta contra os art.ºs 374.º; 375.º e 379.º, do Código de Processo Penal.

32. Assim violando ainda o art.º 208.º, da Lei Fundamental, em cujos termos “As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei.”

33. Também se mostra questionado o art.º 207.º, da Constituição da República, uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os tribunais apliquem normas que a infrinjam, bastando que sejam violados “os princípios nela consignados.”

34. Ademais questionou o despacho recorrido o princípio da igualdade estabelecido no art.º 13.º [Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei], da dita Lei Constitucional.

Terminou o arguido pedindo a revogação do despacho recorrido, substituindo-se por outro que adira à pretensão assim formulada.

1.3. Acatado o disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público, sufragando o improvimento respectivo.

1.4. Proferido despacho admitindo-o, cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos para esta instância de apelo.

1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do citado diploma adjectivo, o Ministério Publico emitiu parecer conducente ao provimento (parcial) do recurso, pois que a dever prorrogar-se o prazo da suspensão facultado, embora apenas por dois anos.

1.6. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nenhuma réplica foi apresentada.

Aquando do exame preliminar a que alude o n.º 6 desse inciso, consignou-se que nenhuma circunstância determinava a apreciação sumária da impugnação, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir, com a recolha de vistos e submissão à presente conferência.

Urge, pois, ponderar e decidir.


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II – Fundamentação.

2.1. Como é consabido, o objecto de um recurso penal é definido através das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso [art.ºs 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal].

Na realidade, de harmonia com o aqui disposto, e conforme jurisprudência pacífica e constante[1], o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar [ditos art.ºs 403.º, n.º 1 e 412.º, n.ºs 1 e 2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva[2], “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.”

Nesta perspectiva, porque não ocorre qualquer circunstância conducente à aludida intervenção oficiosa, vistas as conclusões apresentadas pelo recorrente, única questão decidenda consiste em aquilatarmos se os autos não comportavam elementos conducentes à prorrogação do prazo de suspensão de execução da pena facultado ao arguido; sendo a resposta negativa, isto é, devendo facultar-se tal prorrogação, qual então o prazo que incumbia arbitrar.

Vejamos.

2.2. Ao que para a dilucidação daquela primeira questão pode relevar, dispõe o art.º 55.º, do Código Penal:

Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres (…) impostos (…), pode o tribunal:

(…)

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º

Asserção que a interpretação deste segmento impõe, inequivocamente, a de que a prevista forma de alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação.

Logo, indagação primeira que importa fazer a de saber se o condenado se encontra ou não em condições financeiras de pagar indemnização, pagamento que foi estatuído como condição de suspensão da execução de pena, já que a impossibilidade de o fazer exclui a culpa e, portanto, impede/ impossibilita essa prorrogação.

Para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar as quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar que ele tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho.
Caso contrário não se pode formular o juízo de que o condenado «podia e devia» ter pago.

In casu, o recorrente começa por opor um consentimento – expresso ou, quiçá, inclusive tácito – da própria ofendida em não receber o montante arbitrado, pois que, alega, ela própria o afirmou (desistência expressa) e, acresce e sucede, não executou a decisão (desistência tácita).

Aquela primeira alegação vale o que vale, pois que prova alguma se encontra junta aos autos capaz de a suportar.

A segunda, por seu turno, também não aponta no sentido invocado; na verdade, pode dar-se o caso de a ofendida se limitar a aguardar o normal desenvolvimento da lide, expectativa legítima de qualquer pessoa no desempenho do sistema judicial do País, e que algum elemento junto aos autos infirma. Tudo pois mera conjectura, sem a virtualidade e alcance almejado pelo arguido.

Acto contínuo, alega o recorrente que não cumpriu com o pagamento arbitrado, sem culpa, atenta a sua situação económica, que o não possibilitou, estando sem trabalho, mostrarem-se todos os seus bens judicialmente penhorados e ser débil o seu estado de saúde.

A prova produzida para instruir o incidente em causa, foi a que o próprio arguido apresentou, donde que se insuficiente, sibi imputet.

Depois, o despacho recorrido, no que concerne, desconstrói, fundamentadamente, isto é, na observância dos mandamentos constitucionais e ordinários sobre a fundamentação dos actos judiciais – art.ºs 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal –, a defesa assim oposta pelo recorrente, quando, assertivamente, ainda, considerou:

«Ora, no caso em apreço, muito embora o arguido venha invocar razões económicas para não proceder ao pagamento da quantia em dívida, alegando sucessivos problemas de saúde que o impediram de trabalhar, o certo é o arguido juntou aos autos documentos que apenas atestam que no período entre num período ocorrido entre Novembro de 2009 e Maio de 2011 o arguido esteve incapacitado de trabalhar por doença. O arguido não juntou quaisquer outros meios de prova de onde decorra que tenha ficado impossibilitado de trabalhar entre a data do trânsito em julgado e a data do início da incapacidade para trabalhar.

Mais, sendo o arguido sócio gerente de uma sociedade, não decorre necessariamente que a impossibilidade para o trabalho o tenha privado de rendimentos durante tal período temporal.

Mas mesmo que assim fosse, não se poderá deixar de concluir que o arguido desde o trânsito em julgado da decisão até a Novembro de 2009 não procedeu ao pagamento da quantia a que estava obrigado a entregar, nem procedeu a qualquer pagamento por conta de tal valor, não obstante o arguido ter referido que em 2006 ou 2007 a sociedade de que era sócio tinha três trabalhadores. Ou seja, o arguido esteve mais de três anos totalmente alheado do dever de proceder ao pagamento da referida quantia, não demonstrando qualquer interesse em cumprir o dever que lhe foi imposto.

Mais. Verifica-se pelas declarações do arguido, que, existem uma conjunto de pessoas especialmente próximas do arguido (como é o caso dos filhos com apenas 18 e 22 anos de idade) que, muito embora não tenham qualquer rendimento ou tenham parcos rendimentos, figuram como são sócios e gerentes de uma sociedade que tem agora o objecto idêntico ao objecto da sociedade que de que o arguido já foi sócio-gerente e que, segundo o arguido, parou devido à crise (e, da qual, curiosamente, o arguido foi até, à alteração do seu objecto social, também sócio gerente), assumindo o arguido nessa empresa tão somente a qualidade de simples trabalhador, a quem competirá apenas trabalhar com máquinas. Verifica-se também, pelas declarações do arguido, que no rés-do-chão da sua casa funciona um café que é, nas suas declarações, explorado pela sua sogra, que aufere apenas uma pensão de cerca de 200 euros.

Ora, tal como doutamente promovido, afigura-se que os motivos indicados pelo arguido para o não cumprimento da condição não devem ser considerados totalmente relevantes, designadamente na parte em que refere a impossibilidade de cumprimento por estar de baixa desde 18.11.2009 já que, tendo o período de suspensão se iniciado em 21.12.2006, a baixa médica ocorreu passados 3 anos.

Relativamente às demais “dificuldades” alegadas, o arguido não as comprovou.

Acresce que não se poderá ficar indiferente à circunstância de o arguido vir alegar dificuldades económicas para cumprir e, de outro lado, verificar-se que os filhos do arguido – de apenas 18 e 22 anos de idade – serem os únicos sócios e gerente de uma sociedade de que o arguido será simples trabalhador.»

Porque nada se nos vislumbra com interesse acrescentar, concluímos, consequentemente, que estavam verificados os pressupostos para que o Tribunal a quo decretasse a prorrogação do prazo concedido ao arguido para pagamento da indemnização arbitrada como condição de suspensão da execução da pena de prisão na qual se encontra sentenciado.

2.3 Tarefa subsequente cometida, a de aquilatarmos da bondade (ou não) do prazo fixado.

Normativo convocável, o da aluída alínea d), que, quando conjugadamente interpretado com o antecedente art.º 50.º, n.ºs 1 e 5, impõe a conclusão de que a prorrogação do período da suspensão não pode ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de cinco anos. Tanto que, se o período inicial for superior a 4 anos, o período da suspensão não pode ser prorrogado[3].

Transpondo estes mandamentos para o caso vertente, conclusão manifesta a de que outro não poderia ter sido o prazo concedido no Tribunal a quo. Na verdade, tendo sido fixado no acórdão condenatório o prazo de suspensão de execução da pena de prisão de 4 anos, não podendo a prorrogação ser inferior ao prazo de um ano [ut art.º 55.º, n.º 1, alínea d)], apenas esse prazo era insusceptível, por seu lado, de ultrapassar o prazo máximo admissível de 5 anos [art.º 50.º, n.º 1].

Bem andou assim o despacho recorrido ao decidir pela forma em que o fez.


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III – Decisão.

São termos em que, atento todo o exposto, negando provimento ao recurso interposto, consequentemente mantemos o despacho sindicado.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.

Notifique.


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Brízida Martins (Relator)
Orlando Gonçalves



[1] Designadamente, do Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos respectivos de 13 de Maio de 1998; de 25 de Junho de 1998 e de 3 de Fevereiro de 1999, in, respectivamente, BMJ´s 477/263; 478/242 e 477/271.
[2] In “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2.ª edição, 2000, fls. 335.
[3] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, pág. 201.