Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
220/12.5TBPBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DESTITUIÇÃO
TITULARES DE ÓRGÃOS SOCIAIS
JUSTA CAUSA
CONTRADITÓRIO
OPOSIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 381, 387, 388, 685-B, 1484-B CPC, 257, 403 CSC
Sumário: 1 - A alternativa concedida pelo artigo 388.º do CPC ao Requerido que não foi ouvido antes do decretamento da providência cautelar, refere-se ao momento após a notificação ao Requerido da decisão que decretou a providência, momento processual em que, ou recorre ou deduz oposição, mas não pode usar ambas as formas de reacção.

2 - Porém, optando o Requerido por deduzir oposição, entramos no domínio do n.º 2 do preceito em referência, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

3- Tal significa que só neste momento se abre a via do recurso, o qual abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera, porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária que ocorre nos procedimentos cautelares em que existiu prévio contraditório do Requerido.

4 - De facto, o objecto deste recurso pode compreender a impugnação pelo Requerido dos fundamentos da decisão inicial que decretou a providência, porque esta é, por natureza, uma mera “decisão provisória” e, como tal, insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma.

5 - Em processo que não contenha base instrutória, o ónus imposto ao recorrente que impugne a decisão da matéria de facto de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, só se mostra devidamente cumprido se tal impugnação for efectuada por referência aos factos alegados pelas partes nos articulados.

6 - O processo previsto no artigo 1484.º-B do CPC - suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais -, configura o processo principal e definitivo de destituição, e pode ter enxertada uma providência cautelar de suspensão de titulares de órgãos sociais, por via do disposto no n.º 2 do referido preceito, que expressamente prevê tal possibilidade.

7 - O decretamento de tal providência cautelar inominada depende da verificação cumulativa dos requisitos previstos para as providências cautelares comuns e da prova sumária da existência de “justa causa” para a destituição

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. CD (…) intentou o presente procedimento cautelar contra C (…) SA e CA (…), pedindo que, sem audiência prévia destes, se decretasse a suspensão do 2.º requerido das funções de administrador da 1.ª requerida, nomeando-se provisoriamente um administrador judicial, e que, após citação dos RR, fosse decretada a destituição do 2.º requerido.

Em fundamento do peticionado invocou que:

É accionista da Requerida sociedade C (…) SA, a qual foi constituída por escritura pública celebrada no cartório notarial de Soure, em 4 de Abril de 1995, tendo participado na sua constituição, para além dele próprio, mais quatro sócios, (…) e o Requerido CA (…), que subscreveram, cada um, acções no valor de um milhão de escudos, ou seja, em partes iguais, a totalidade do capital social de cinco milhões de escudos, realizado em dinheiro.

Mais tarde, estes sócios, incluindo o requerente, participaram no aumento de capital desta mesma sociedade de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, com entradas em dinheiro, na proporção das respectivas acções, aumento esse deliberado em Assembleia Geral de 20/12/2001.

Acrescenta que nunca cedeu, deu, vendeu, ou alienou, fosse de que forma fosse, qualquer acção, sendo certo que em assembleias-gerais de 25 de Outubro de 2006, 21 de Maio, 8 de Junho e 17 de Julho de 2007, subscreveu as folhas de presenças de accionistas, de onde consta terem estado apenas presentes dois accionistas, Requerente e Requerido, tendo ambos subscrito a folha de presenças.

Actualmente, o Requerente é titular de 2.000 acções com o valor nominal unitário de €5,00 (cinco euros) cada da sociedade C (…) SA, continuando a deter um quinto, ou seja 20%, do capital social.

Por seu turno, o requerido CA (…) foi nomeado administrador único da requerida sociedade desde a sua criação em Abril de 1995 até 2007.

Contudo, o mesmo, no exercício das suas funções, não entregou os títulos definitivos das acções aos accionistas, e não entrega o livro de registo de acções, dizendo não existir e prestando idêntica informação no que toca ao registo de emissão das acções, afirmando ter destruído os títulos das acções emitidos antes do aumento de capital realizado.

Por outro lado, tenta apropriar-se de acções que lhe não pertencem, através da invocação da detenção dos respectivos títulos, que, enquanto administrador, lhe competia emitir e entregar aos sócios.

Acresce que o requerido, na qualidade de Administrador, não prestou caução pelo exercício do cargo, nem cumpre a obrigação de manter os elementos contabilísticos no estabelecimento principal da sociedade, tendo-os descaminhado.

Mais aduz que o requerido não cumpriu os prazos de cumprimento da obrigação de elaborar os relatórios de gestão e contas relativas aos quatro exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010, não respeita os prazos, nem submete as contas da sociedade ao escrutínio das assembleias-gerais de accionistas, que se não realizam.

Acresce que o requerido, na sua qualidade de presidente da mesa da assembleia-geral, elabora actas falsas, dando como presentes ou representados todos os accionistas e não apresenta as listas de presenças nas assembleias-gerais, dizendo que não existem, e não procede ao registo atempado da prestação das contas no Registo Comercial.

Invoca ainda que o requerido celebrou negócios com a sociedade sem se ter munido do parecer prévio do Fiscal Único e no âmbito de procedimento cautelar que correu termos pelo primeiro juízo deste tribunal declarou que não apresentava os documentos das contas de quatro anos, nem em papel, nem em suporte digital, dizendo ignorar o seu paradeiro, e afirmando que o requerente tenta apropriar-se de suprimentos que lhe não pertencem, elaborando documentos de contabilidade que não retratam a realidade, para justificar uma apropriação de suprimentos que, numa parte lhe não pertenciam, e noutra parte são inexistentes.

Por outro lado, o Requerido diz ter adquirido a totalidade dos títulos das acções da sociedade, mas não comunica tal aquisição nem à administração fiscal, nem à sociedade emitente e não menciona, nos relatórios anuais do órgão de administração, a lista das acções que pretensamente lhe pertencem.

Finalmente, refere que o requerido tenciona vender o património da sociedade, com grave prejuízo para esta, concluindo que o requerido é um administrador que não tem condições para continuar a exercer as funções correspondentes, faltando de forma intolerável aos seus deveres, incorrendo em violação de muitas das obrigações que sobre si impendiam, e não dispondo de condições para continuar a exercer funções de administração da sociedade, verificando-se, assim, a existência de justa causa para a sua destituição.

Por isso, requer, na dependência deste processo cautelar, a nomeação de um administrador para a sociedade C (…), SA, solicitando que tal nomeação recaia sobre P (…), casado, economista e gestor, (…) Montemor-o-Velho.

2. Procedeu-se à realização da audiência final, com a inquirição das testemunhas indicadas pelo Requerente, após o que foi proferida decisão em 16-03-2012, a qual, exarando os factos indiciariamente provados e não provados, decretou a peticionada suspensão, nomeou um administrador provisório e ordenou a citação dos Requeridos.

3. Regularmente citados, os Requeridos apresentaram oposição conjunta, impugnando parte do alegado e invocando que a decisão de suspensão do requerido foi tomada com base nos pressupostos falsos indicados pelo requerente, e aduzindo factos novos em sua defesa, terminando por pedir a revogação da decisão.

Para o efeito, invocaram os requeridos que:

Contrariamente ao que consta da decisão proferida, é o requerido CA (…) o único titular de todas as acções da requerida.

Com efeito, apesar de na escritura de constituição da referida sociedade ficarem a constar como outorgantes (…), na realidade os accionistas fundadores de facto da empresa C (…), S.A. apenas foram o seu administrador e accionista CA (…) ora requerido, e o seu irmão N (…), sendo que os restantes que intervieram em tal escritura pública limitaram-se a “emprestar” o seu nome, não tendo nenhum deles entrado com qualquer participação no capital da sociedade.

Tal circunstancialismo ficou a dever-se ao facto de a lei exigir a intervenção de cinco accionistas, bem como devido ao facto do irmão do Requerido N (…), à data da constituição da sociedade, atravessar dificuldades financeiras, razão pela qual não tinha interesse que o seu nome constasse como accionista.

Ora, em virtude da natureza familiar da sociedade constituída, foi o pai do Requerido quem realizou o depósito da totalidade do capital social legalmente exigido - cinco milhões de escudos - a título de empréstimo, bem como requereu o certificado de admissibilidade de firma ou denominação de pessoa colectiva.

Tal quantia que havia sido emprestada para a constituição do capital social, pertencente a N (…), foi posteriormente levantada pelo requerido, na qualidade de único administrador e devidamente autorizado.

Aquele capital social veio depois a ser sucessivamente realizado pelo requerido através de entradas faseadas, ao longo dos anos seguintes.

Assim, o capital social inicial foi totalmente subscrito pelo requerido e, nessa conformidade, é ele o único accionista da sociedade e titular da totalidade das acções ao portador que haviam sido emitidas.

Por outro lado, confirmam que foi realizada a Assembleia-Geral no dia 20/12/2001, correspondente à acta número oito, mas referem que não se concretizou qualquer aumento do capital social, tendo existido somente uma operação contabilística, tendo sido emitida a respectiva nota de lançamento em 20/12/2001, não tendo havido entrada efectiva de dinheiro, até porque a empresa naquela altura ainda não tinha actividade social.

Todavia, foram emitidas novas acções ao portador em 18/12/2001, com o valor nominal correspondente ao actual valor do capital social, emissão que foi efectuada por (…).

Acrescentam que todas as acções ao portador, perfazendo o valor da totalidade do capital social, foram exibidas na Assembleia-Geral realizada em 20/12/2001, tendo ficado na posse do requerido que já detinha as acções anteriores, dado que foi ele que as subscreveu e se responsabilizou pelo aumento de capital.

Mais afirmam que foi o requerido CA (…)que, na qualidade de administrador e único accionista, inutilizou as anteriores acções.

Ou seja, o requerente não recebeu estas acções, uma vez que não participou com qualquer montante para o capital inicial nem para o aumento de capital, nem, posteriormente, com suprimentos e/ou com prestações suplementares.

Com efeito, desde essa data, as acções estão e sempre estiveram na posse do seu proprietário, o actual e único administrador desde a constituição da sociedade C (..), S.A., CA (…).

Acrescentam que, pese embora o Requerente ter assinado folhas de presença respeitantes às Assembleias-Gerais ao longo de vários anos, certo é que o fez na qualidade de secretário da Mesa e não de accionista, porque não é e nunca foi accionista da sociedade C (…) S.A..

Por outro lado, no que se refere à não existência do livro de registo de acções e do registo de emissão de acções, referem que tal omissão se justifica pelo facto do requerido julgar que esses formalismos não teriam de ser cumpridos, uma vez que ele era e é o único accionista e todas as acções representativas do capital social são tituladas e ao portador.

Acrescentam que em todas as Assembleias realizadas se refere estar presente a totalidade do capital social, as quais se encontram assinadas, quer pelo presidente, quer pelo secretário da mesa da Assembleia, precisamente porque o requerido CA... é o titular de todas as acções.

Nesta conformidade, nunca o requerido devia ter sido suspenso das suas funções de administrador da requerida, na medida em que o requerente carece de legitimidade para o seu petitório por não ser titular de qualquer acção da sociedade requerida e, nessa medida, não detém a percentagem de capital social exigida por lei para requerer a destituição judicial do administrador com fundamento em justa causa.

Mais aduzem que o não registo tempestivo das prestações de contas, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, não é imputável ao requerido, porquanto a aprovação anual das contas foi sempre realizada dentro do período legal, respectivamente no dia 30 de Março de 2008 – acta n.º 24, 30 de Março de 2009 – acta n.º 25 e 30 de Março de 2010 – cfr. acta n.º 27, sendo certo que o respectivo registo é que foi extemporaneamente requerido por negligência do TOC.

Acresce que ao ROC, no exercício das suas funções, cabia exercer uma fiscalização conscienciosa e imparcial e nessa conformidade deveria ter verificado o cumprimento daquele dever.

Mais afirmam que o desconhecimento do paradeiro dos documentos se ficou a dever à mudança do escritório do requerido para a Zona Industrial da Formiga em Pombal, onde foram depositados os elementos da contabilidade da sociedade requerida.

Ora, no imóvel sito na Zona Industrial da Formiga, propriedade da sociedade requerida, estava sediada a empresa do irmão do requerido com a firma “P (…), S.A.”.

Por falta de pagamento das rendas, desde Janeiro de 2011, a requerida requereu uma Notificação Judicial Avulsa a comunicar à P (…) S.A., a resolução do contrato de arrendamento, à qual coube o processo n.º 1403/11.2TBPBL do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Pombal.

Sucede que, em virtude de desentendimentos entre o requerido e o irmão deste, N (…) em Junho de 2011, este mudou a fechadura da porta que dava acesso ao escritório, razão pela qual aquele ficou impedido de aceder à documentação referente à contabilidade da sociedade C (…) S.A.

Com excepção daqueles documentos, todos os outros documentos encontram-se depositados na sociedade de Revisores Oficiais de Contas, denominada Sociedade (…), Lda., nomeada fiel depositária dos mesmos, no âmbito do processo 1795/11.1TBPBL.

Ao longo do exercício da administração tem sido o requerido a realizar todos os suprimentos indispensáveis para a prossecução do objecto social da sociedade requerida, sem os quais seria impossível a manutenção da actividade, dando exemplos de situações em que tal ocorreu, e adiantando que contraiu empréstimo no valor de 200.000,00€ do qual, se não fosse o único accionista da sociedade C (…) S.A. não assumiria a responsabilidade de ser o único avalista, bem como a sua esposa.

Finalmente, afirmam que o requerido CA (…) exerceu o cargo de administrador durante largos anos sem auferir qualquer remuneração pelo mesmo, e pagando outras despesas correntes, nomeadamente impostos, contribuições para a Segurança Social e amortizações de empréstimos da responsabilidade da sociedade C (…), S.A., as quais rondam a quantia mensal de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros),

A única fonte de rendimento da sociedade é o valor de rendas de seis imóveis, dos quais cinco se encontram arrendados à sociedade P (…), S.A., que não efectua o respectivo pagamento e sendo o Requerido quem efectua o pagamento da prestação mensal relativa aos créditos que a sociedade C (…), S.A. contraiu junto da Instituição bancária Caixa Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, bem como as demais despesas correntes supra mencionadas.

Finalmente, aduzem factos que pretendem contrariar que o requerente pretenda acautelar um direito próprio, invocando que tutela interesses do irmão do requerido que intenciona obviar ao despejo face à notificação judicial avulsa com a comunicação de resolução dos contratos de arrendamento dos imóveis, propriedade da sociedade C (…) S.A., por falta de pagamento das rendas respeitantes às sociedades arrendatárias, concretamente a P (…), S.A. e a S (…)Lda., cujo administrador de facto é o irmão do requerido, N (…)

Referem que não ficou demonstrado que a providência é necessária para evitar a lesão invocada, porquanto esta lesão, a existir, já teria ocorrido há mais de dezasseis anos, sem que o requerente se tivesse afirmado como accionista da sociedade requerida e reclamado os direitos daí decorrentes, sendo que da providência decretada o prejuízo causado à sociedade requerida é superior ao dano que alegadamente o requerente pretende acautelar e, nessa medida, não se verifica o preenchimento do último requisito.

Por outro lado, o requerido, no exercício da administração da sociedade requerida, sempre cumpriu os deveres legais a que estava obrigado, agindo constantemente em prol dos interesses societários, pelo que a situação submetida a juízo nos presentes autos é insusceptível de configurar uma situação de justa causa que fundamentasse o decretamento da providência.

Concluem requerendo o levantamento da providência cautelar decretada, arrolando sete testemunhas, juntando documentos e requerendo o depoimento de parte do requerente à matéria que indicaram.

4. Por despacho proferido em 11-05-2012, considerou-se que as testemunhas (…), não podiam ser considerados novos meios de prova, não se admitindo a respectiva inquirição e nada se dizendo quanto ao requerido depoimento de parte nem à prova documental.

5. Em 14-06-2012, foi realizada a audiência, de cuja acta consta logo no seu início que “foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário dos requeridos, e pelo mesmo foi dito que prescindia do depoimento de parte do requerente”.

6. Em 04-07-2012, foi proferida a decisão sobre a oposição, onde se exarou, de entre os factos alegados pelos Requeridos, quais os julgados provados e não provados, e concluindo pela improcedência da oposição.

7. Inconformado, o 2.º R. apresentou em 30-07-2012 recurso de apelação com as respectivas alegações (a fls. 3 a 66 destes autos), em cujas (58!) conclusões suscita a nulidade do dito despacho que não admitiu a inquirição das três testemunhas que os próprios oponentes haviam arrolado, com base em que foram violados os princípios da igualdade e do contraditório referidos aos artigos 3º e 3º-A do CPC, e omitiu a pretensão do requerente quanto ao depoimento de parte; impugna a decisão da matéria de facto da audiência que decretou a providência e na que indeferiu a oposição; invoca não estarem demonstrados os pressupostos para o decretamento da providência, nem verificada a justa causa para a suspensão do administrador. Finalmente, requereu a junção de 36 documentos, ao abrigo do disposto no artigo 693.º-B do Código de Processo Civil[1].

8. O requerente apelado contra-alegou, pugnando pelo desentranhamento dos 36 documentos, pelo indeferimento da nulidade arguida, pela rejeição do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto, pela rejeição do recurso quanto à decisão que decretou a providência; e finalmente pela improcedência do recurso.

9. O recurso foi admitido, com subida em separado (vd. despacho fls. 346 e 382).

10. Nesta Relação, o anterior relator proferiu o seguinte despacho a fls. 386:

«Nestes autos de recurso com subida em separado e efeito meramente devolutivo, o recorrente CA (…) apresentou as alegações que constam a fl. 2 e segs., mas não pediu, após as conclusões das alegações, a extracção de qualquer certidão para instrução do recurso, ónus que sobre a parte recorrente impendia (art. 691º-B, nº 1, do CPC).

E assim não constam destes autos quaisquer outras peças que não sejam as alegações do recorrente e do recorrido, o que se nos afigura obstar ao conhecimento do objecto do recurso.

Ouçam-se as partes sobre esta questão pelo prazo de dez dias, nos termos do artigo 704º, nº 1, do CPC, para querendo se pronunciarem sobre a questão».

11. Perante este despacho, veio o apelante a fls. 390 dizer que, por lapso meramente informático, não pedira a extracção das certidões para instruir o recurso, mas que após a notificação do despacho requereu tal extracção, pelo que pede se considere sanada a falta e se admita a junção que faz dessas certidões. E junta a certidão que consta de fls. 394 a 801.

O apelado nada disse.

12. Por despacho proferido a fls. 806, a ora Relatora considerou sanada a omissão da oportuna apresentação da certidão das peças relevantes, e, verificando a insuficiência dos elementos constantes dos autos quanto à arguida nulidade, solicitou o envio de certidão dos mesmos.

13. Dispensados os vistos por despacho do anterior Relator, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[2].

Em face das questões suscitadas pelas partes, as questões a decidir no presente recurso de apelação, por ordem lógica de apreciação, são as de saber se:

- se verifica a invocada nulidade relativamente ao despacho proferido em 11-05-2012, que indeferiu a inquirição de 3 testemunhas e não se pronunciou quanto ao requerido depoimento de parte;

- a requerida junção de documentos é ou não admissível;

- é ou não admissível o recurso quanto à decisão que decretou a providência;

- é ou não de proceder à reapreciação da matéria de facto nos termos requeridos;

- estão ou não verificados os requisitos para o decretamento da providência requerida.


*****

II – Fundamentos

II.1. – Os factos considerados indiciariamente provados na decisão que decretou a providência são os seguintes:

1) Em escritura pública celebrada no cartório notarial de Soure, em 4 de Abril de 1995, (…), declararam que constituíam uma sociedade anónima.

2) No artigo primeiro do pacto social da sociedade constituída nos termos ditos em 1) consta que a mesma adopta a firma de “C (…)S.A..

3) Do artigo 2º do aludido pacto resulta que a sociedade tem a sua sede na cidade de Pombal, na Rua de Santa Luzia, nº 5, 1º andar esquerdo, centro, frente, Pombal.

4) Do artigo 3º consta que “A sociedade tem por objecto social a aquisição e revenda de prédios, operações sobre imóveis, investimentos imobiliários, execução de loteamentos, construção e promoção imobiliária, administração e arrendamento de imóveis”.

5) Do artigo 5º consta “O capital social é de cinco milhões de escudos, encontrando-se totalmente subscrito e realizado em dinheiro.”

6) Do artigo 6º do pacto social consta “1. O capital social é representado por acções ao portador com o valor nominal de mil escudos cada uma, num total de cinco mil e pertencendo mil a cada sócio subscritor, convertíveis em acções nominativas e em títulos de um, de cinquenta, cem e mil”.

7) Do art. 9º consta que “A condução dos negócios sociais será confiada a um só Administrador”.

8) Do art. 11º consta “A fiscalização dos negócios da sociedade será exercida por um fiscal único”.

9) E do art. 12º do citado pacto consta que “A duração do mandato dos órgãos sociais é de três anos ficando desde já nomeado para o triénio de mil novecentos e noventa e cinco/mil novecentos e noventa e sete, como administrador CA (…) e como fiscal a sociedade de revisores oficiais de contas “(…) (…)”.

10) Da acta da Assembleia-Geral de 20/12/2001 consta: “Entrando na ordem de trabalhos, foi unanimemente decidido aumentar o capital social de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos. Como a sociedade não tem quaisquer reservas, foi deliberado proceder ao aumento através de entradas em dinheiro, sendo estas feitas na proporção das acções detidas pelos accionistas da sociedade, e no valor de cinco milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, correspondente ao aumento deliberado, e tendo este valor dado entrada na caixa da sociedade. / -Seguidamente foi analisado o ponto dois da ordem de trabalhos tendo sido decidido por unanimidade que o capital social da sociedade, expresso em escudos, no montante de 10.024.100$00 (dez milhões vinte e quatro mil e cem escudos) seja redenominado para Euros, passando o mesmo de acordo com o método padrão de alteração unitária, a ser de cinquenta mil euros./ - Passando ao ponto três da agenda foi deliberado, novamente por unanimidade, a renominalização do valor das acções de mil escudos, para cinco euros.- No quarto e último ponto da ordem de trabalhos, foi aprovada por unanimidade uma nova redacção para os artigos 5º e 6º do pacto social, ficando os mesmos de acordo com as deliberações tomadas nos três pontos anteriores, passando estes artigos a ter a seguinte redacção:- “Artigo Quinto – O capital social é de cinquenta mil euros, encontrando-se integralmente subscrito e realizado em dinheiro”. “Artigo sexto – 1.- O capital social é representado por acções ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, num total de dez mil acções, convertíveis em acções nominativas e em títulos de 1 (uma), 10 (dez), 50 (cinquenta), 100 (cem) e 1.000 (mil).

11) O Presidente da Mesa da Assembleia-Geral, que assina a acta dita em 5), é CA (…).

12) Os títulos definitivos, representativos das acções, não foram entregues nem ao Requerente nem aos accionistas (…)

13) Em assembleias-gerais de 25 de Outubro de 2006, 21 de Maio, 8 de Junho e 17 de Julho de 2007, o Requerente subscreveu as folhas de presenças que constam de fls. 41 a 44, igualmente subscritas pelo requerido.

14) CA (…) foi sucessivamente reconduzido no cargo.

15) As deliberações que procederam à sua recondução como administrador único para os triénios de 2008/2010 e 2011/2013 foram judicialmente impugnadas, correndo o respectivo processo de Anulação de Deliberações Sociais no 1º Juízo deste Tribunal Judicial de Pombal, sob o nº 1428/11.6TPBL.

16) O registo definitivo do contrato de sociedade foi realizado em 11 de Março de 1995 e o registo definitivo do aumento de capital social foi efectuado em 6 de Março de 2002.

17) Na transacção celebrada nos autos do procedimento cautelar de apreensão da escrita com o nº 1795/11.1 TBPBL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, preliminar de uma Acção de Simples Apreciação Negativa, o então Requerido CA (…) afirma que: “Os requeridos não procedem à entrega do livro do registo das acções da Sociedade e do registo da emissão das acções da Sociedade por não existirem.”

18) Na acta da transacção dita em 16) o Requerido CA (…) afirma que: “Os requeridos não procedem à entrega do livro do registo das acções da Sociedade e do registo da emissão das acções da Sociedade por não existirem.”

19) Na acta da transacção dita em 16) o Requerido CA (…) afirma que: “Concernentemente ao exemplar dos elementos de contabilidade, melhor descrito na numeração romana VI do pedido, não se procede à entrega dos elementos contabilísticos respeitantes aos anos de 2004/2005 e 2006, porquanto (…) desconhecem o seu paradeiro”.

20) Mais consta de tal acta que “Relativa aos documentos de contabilidade mencionados na numeração romana VIII, não serão entregues os referentes aos anos de 2004/2005/2006 e 2007, por os requeridos desconhecerem o seu paradeiro.”

21) Consta ainda da citada acta que “Os registos das presenças nas assembleias-gerais desde a constituição da Sociedade não existem, pelo que apenas serão entregues a contar de 25/10/2006, data a partir da qual passaram a ser elaboradas.”

22) Actualmente a sede da requerida é Zona Industrial da Formiga Rua Professor Veiga Simão, Lote 4, freguesia e concelho de Pombal.

23) Foi na sede dita em 22) que estiveram a contabilidade e a escrituração da requerida, de onde foram retirados, no ano de 2011, pelo Requerido CA (…)

24) No ano de 2007 o registo das contas da sociedade foi feito em Agosto de 2009.

25) E no ano de 2008 o registo das contas da sociedade foi feito em 14 de Junho de 2010.

26) E no ano de 2009 o registo das contas da sociedade data de 21 de Julho de 2010.

27) A única actividade da requerida consiste no arrendamento de imóveis próprios e recebimento das rendas de dois arrendatários.

28) Em declaração escrita datada de 10 de Janeiro de 2008 o requerido afirma que à data de 31 de Dezembro de 2007 existiam suprimentos em seu nome na requerida sociedade no montante de € 309.500.

29) Em declaração escrita datada de 10 de Janeiro de 2009 o requerido afirma que à data de 31 de Dezembro de 2008 existiam suprimentos em seu nome na requerida sociedade no montante de €265.000.

30) Em declaração escrita datada de 10 de Janeiro de 2010 o requerido afirma que à data de 31 de Dezembro de 2009 existiam suprimentos em seu nome na requerida sociedade no montante de €290.500.

31) Em carta datada de 20 de Junho de 2011, remetida pelo requerido ao requerente, aquele afirma designadamente que “(…) esta firma é uma sociedade anónima de acções ao portador. Tal significa que a qualidade de accionista desta firma é conferida (apenas e só) pela exibição física dos respectivos títulos./ De facto o capital social desta firma foi aumentado em Dezembro de 2001. Este aumento elevou o capital existente naquela data, de 5 milhões de escudos para 50 mil euros, tendo também sido feita a renominação do capital. / Em tal aumento de capital, integralmente realizado, não participou V. Exa./ Nessa data foram emitidas novas acções ao portador, de acordo com a deliberação tomada em Assembleia Geral: 10 mil acções de 5 euros cada. Foram tais acções distribuídas a quem detinha as antigas e a quem subscreveu o aumento de capital, de acordo com as acções detidas e os valores subscritos. As acções antigas foram na sua totalidade destruídas.”

32) Mais afirma que “Para terminar, informamos que esta Firma não detém qualquer acção, desta forma, mesmo que a elas ou alguma parte delas o Sr. tivesse algum direito, não nos compete a nós, sendo inclusive uma impossibilidade, fazer entrega daquilo que não temos. As acções, sendo ao Portador, estão na posse do(s) accionista(s) que as terão que exibir na próxima Assembleia Geral da Sociedade, para atestarem a sua qualidade de accionista(s), à semelhança do que tem acontecido nas Assembleias anteriores.”

33) Em Outubro de 2006, CA (…) procedeu à constituição de uma sociedade, a C(…) Lda, entre a Requerida C (…), SA e ele próprio.

34) O Requerido CA (…) não comunicou à sociedade Requerida a aquisição das acções.

35) O requerido CA (…)não comunicou a aquisição de acções à Direcção Geral dos Impostos.

36) No fim de 2006 estavam contabilizados suprimentos no valor de €531.000.

37) Em 02/02/2005 foi transferido de uma conta de I... no BES o valor de €99 470,72 para a sociedade (…) SA.

38) De documento da contabilidade da sociedade (…) S.A. consta que lhe foi pago pela requerida sociedade o montante dito em 37).

39) Do balancete em saldos iniciais do ano de 2007 constam como accionistas requerente e requerido entre outros.

40) De tal balancete mostram inscritos como credores da sociedade requerida 5 accionistas, entre eles requerente e requerido.

41) No balancete referente a Dezembro de 2007 apenas figura como credor o requerido.

Foram considerados indiciariamente não provados os seguintes factos:

1) Que aquando da realização do aumento do capital social deliberado em Assembleia-Geral de 20/12/2001, os accionistas tenham efectuado entradas em dinheiro, na proporção das respectivas acções.

2) Não foram convocadas e não se realizaram as assembleias-gerais para nomeação ou eleição dos membros dos corpos sociais, nomeadamente para os cargos de administrador único e fiscal único, para os triénios de 2007-2010 e 2011-2013, datadas de 27 de Dezembro de 2007, de 30 de Dezembro de 2010 e de 27 de Abril de 2011, que se não realizaram.

3) Na transacção celebrada nos autos do procedimento cautelar de apreensão da escrita com o nº 1795/11.1 TBPBL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, o Requerido CA (…) diz ter destruído os títulos das acções correspondentes ao capital inicial.

4) O requerido não apresentou os relatórios de gestão, as contas do exercício, nem demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal, nem os colocou à disposição dos accionistas.

5) O Requerido CA (…) não apresentou as contas da sociedade Requerida relativas aos exercícios dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, nem os submeteu à aprovação dos accionistas.

6) E não foram convocadas as assembleias-gerais para apreciação, discussão e votação das contas desses exercícios.

7) No decurso da audiência no âmbito do processo nº 1795/11.1TBPBL, do 1º juízo deste tribunal, CA (…) disse que os documentos foram retirados “à pazada” de um edifício fabril onde laborava a unidade industrial da Sociedade Balmar, uma sociedade de que ele era sócio gerente.

8) CA (…) não procedeu à prestação de caução no montante mínimo de 50.000 euros, pelo exercício do cargo de administrador, que desde o início desempenha na sociedade.

9) Em 13/06/2007, através de escritura pública de abertura de crédito com hipoteca e mandato, celebrada no Cartório Notarial de Pombal, a sociedade contraiu um empréstimo junto da banca, através de um contrato de financiamento que foi recebido pelo Requerido CA (…)

10) O Requerido CA (…) pretende de imediato vender o património imobiliário da sociedade.

11) A sociedade R. é dona de vários imóveis, constantes do inventário contabilístico, todos eles sitos no lugar da Formiga, freguesia e concelho de Pombal.

12) Quando em Outubro de 2006, CA (…) procedeu à constituição de uma sociedade, a C (…) Lda, entre a Requerida C (…), SA e ele próprio, não solicitou o parecer favorável do Fiscal Único.

13) O Requerido veio a perceber uma remuneração de €1.500,00 mensais até 30 de Março de 2010, e, a partir daí, de €:500,00, sem que tal remuneração tenha sido aprovada pela assembleia-geral.

II.2. – Os factos considerados indiciariamente provados na decisão que julgou improcedente a oposição são os seguintes:

1) Em documento escrito, denominado guia de depósito, consta que “Vai N (…) depositar no Banco Borges & Irmão, S.A., em quatro de Abril de 1995, a quantia de 5 000 000$00 (…) em nome da sociedade comercial anónima a constituir com a denominação social C (…), S.A., com sede em Pombal, correspondente à soma das entradas em dinheiro já realizadas pelos sócios”.

2) No final do ano de 2007, existiam contabilizados suprimentos em nome do requerido C (…)no valor de €309.500,00; no final do ano de 2008, existiam contabilizados suprimentos em nome do requerido CA... no valor €265.000,00; no final do ano de 2009, existiam contabilizados suprimentos em nome do requerido CA (…) no valor de €290.500,00; no final do ano de 2010, existiam contabilizados suprimentos a favor do requerido CA... no valor de €212.500,00.

3) Da acta da Assembleia-Geral realizada em 30/05/2007, consta como ponto dois da ordem de trabalhos a entrada de prestações suplementares, tendo sido as mesmas objecto de deliberação e aprovação nos seguintes termos “Passou-se de seguida ao ponto dois da agenda de trabalhos, deliberar sobre a entrada de Prestações suplementares. - Face ao eventual valor da situação líquida, inferior a 50% (cinquenta por cento), do Capital Social, e dados os resultados negativos do último exercício, foi aprovado por unanimidade a realização de prestações suplementares no valor de vinte e cinco mil euros, prestações suplementares essas que serão integralmente realizadas pelo accionista maioritário CA...”.

4) A referida acta n.º 20 está assinada pelo Secretário de Mesa da Assembleia, o requerente.

5) Em Assembleia-Geral realizada em 21/05/2007 foi deliberado contrair um empréstimo junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.

6) Da respectiva acta exarada, consta o seguinte: “ (…) deliberar sobre um empréstimo de 200.000 (duzentos mil euros) a contrair pela “C (…), SA”, junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, constituir uma Hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, e mandatar o Administrador para contrair o mencionado Empréstimo e constituir a referida Hipoteca. Como todos os accionistas se manifestarem favoravelmente nesse sentido, o Presidente da Mesa declarou aberta a sessão. Entrando-se na ordem de trabalhos, foi deliberado por unanimidade o seguinte: Primeiro - A Sociedade está autorizada a contrair um empréstimo a médio/longo prazo, junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, no valor de 200.000 (duzentos mil euros). Segundo – A “ (…) SA”, pelo montante máximo de € 316.000,00 (trezentos e dezasseis mil euros), poderá constituir a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal uma hipoteca que abrangerá três imóveis propriedade da sociedade, sitos na Zona Industrial da Formiga, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Pombal com os números 8860, 8861 e 8862, respectivamente. Terceiro – Mandatar o Administrador único da sociedade CA (…), para negociar o mencionado empréstimo de €200.000,00 (duzentos mil euros) e aceitar para este as condições que entender mais favoráveis, para outorgar a respectiva escritura pública de mútuo ou abertura de crédito e de constituição de hipoteca, requerendo, outorgando e assinando tudo o que for necessário ao cumprimento dos aludidos fins, designadamente, celebrando os correspondentes contratos-promessa nos termos e condições que entender e ainda os poderes para proceder a actos de registo predial, seus averbamentos e rectificações em quaisquer Conservatórias de Registo Predial, bem como poderes para representar junto de qualquer Repartição de Finanças.”

7) Tal acta nº 19 está assinada pelo requerente que participou na Assembleia na qualidade de Secretário de Mesa.

8) Em documento escrito datado de 13 de Junho de 2007 a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo declarou emprestar à requerida C (…)duzentos mil euros, sendo certo que o requerido CA (…) e (…) intervieram em tal acordo como fiadores, tendo declarado que “(…) garantem expressa e pessoalmente o bom e pontual cumprimento pela mutuário das obrigações aqui assumidas obrigando-se solidariamente com ele, e como principais pagadores pessoalmente perante a Caixa, a pagar, logo que avisados por esta, a totalidade da quantia mutuada, bem como os respectivos juros e despesas, conforme estipulado neste contrato, renunciando a todo e qualquer beneficio, designadamente o de prévia excussão que por qualquer forma possa restringir ou limitar as suas obrigações, autorizando, desde já a compensação e/ou a retenção de quaisquer saldos credores de contas existentes nesta Caixa.”

9) O requerente foi secretário de mesa da Assembleia da sociedade C (…), S.A.

Tendo sido considerados indiciariamente não provados os seguintes factos:

1) O requerente não é titular de qualquer acção em virtude de não ser de facto accionista da sociedade requerida.

2) A sociedade C (…) S.A. apenas foi constituída formalmente com os cinco outorgantes supra identificados por ser esse o número mínimo de sócios obrigatórios para a constituição de uma sociedade anónima.

3) Os accionistas fundadores de facto da empresa C (…)S.A. foram CA (…) e o seu irmão N (…).

4) O requerente CD (…), o pai do Requerido N (…) (…) e (…), limitaram-se a “emprestar” o seu nome, assinando a escritura de constituição da referida sociedade, não tendo nenhum deles entrado, com qualquer participação, no capital da sociedade.

5) Os quatro fictícios accionistas assinaram a escritura de constituição da Sociedade C (…), S.A., porque tal favor lhes fora pedido, ao requerente por ser familiar e amigo dos reais criadores da sociedade, ao (…)porque exercia as funções de Técnico Oficial de Contas nas empresas do irmão do Requerido, e ao (…)porque era funcionário do irmão do Requerido e N (…) por ser pai do Requerido e de (…)

6) O irmão do Requerido N (…), à data da constituição da sociedade, atravessava dificuldades financeiras, razão pela qual não tinha interesse que o seu nome constasse como accionista.

7) Nenhum dos demais outorgantes da escritura de constituição da sociedade requerida contribuiu com qualquer quantia para a composição do capital social.

8) A quantia que havia sido emprestada para a constituição do capital social, pertencente a N (…), foi posteriormente levantada pelo requerido, na qualidade de único administrador para lhe ser restituída.

9) Aquele capital social veio depois a ser sucessivamente realizado pelo requerido, através de entradas faseadas ao longo dos anos seguintes.

10) O requerido é o único accionista da sociedade e titular da totalidade das acções ao portador que haviam sido emitidas.

11) Foram emitidas novas acções ao portador em 18/12/2001, com o valor nominal correspondente ao actual valor do capital social, emissão que foi efectuada por Gabriela Silva.

12) O requerido inutilizou as acções iniciais.

13) Todas as acções ao portador, perfazendo o valor da totalidade do capital social, foram exibidas na Assembleia Geral realizada em 20/12/2001, correspondente à acta n.º 8 e ficaram na posse do requerido que já detinha as acções anteriores e que foi quem subscreveu e se responsabilizou pelo aumento de capital.

14) O requerente não participou no aumento de capital formalizado em Dezembro de 2001 e concretizado pelo requerido em 2004, quando intencionou que a empresa começasse a ter actividade.

15) A inexistência do livro de registo de acções e do registo de emissão de acções ficou a dever-se ao facto do requerido julgar que esses formalismos não teriam de ser cumpridos.

16) A sociedade não procedeu à entrega ao requerente das acções, porque não lhe pertenciam, pois o requerente limitou-se a prestar um favor que lhe fora solicitado por familiares, o Requerido e seu irmão Norberto, aceitando apenas assinar a escritura de constituição.

17) A totalidade das acções da sociedade estão na posse do accionista CA (…)

18) Que o requerido CA (…)tenha exibido, em todas as assembleias realizadas, incluindo as assembleias realizadas entre 30/03/2004 e 27/12/2007 onde apenas se encontravam presentes o requerente e o requerido, a totalidade das acções da requerida.

19) O registo da aprovação anual das contas foi extemporaneamente requerido por negligência do TOC.

20) Em virtude de desentendimentos entre o requerido e o irmão deste, N (…), em Junho de 2011 este mudou a fechadura da porta que dava acesso ao escritório do requerido e onde se situava a sede da requerida C (…), desde 2006, razão pela qual aquele ficou impedido de aceder à documentação referente à contabilidade da sociedade C (…), S.A.

21) O requerido receia que nessa altura tenham sido desviados, ou adulterados, documentos contabilísticos da requerida, tendo o requerido retirado os documentos de forma condicionada devido às circunstâncias, para além do facto de o TOC que exerceu funções até ao ano 2007 ter falecido, o que motivou a transferência de documentos contabilísticos.

22) Por estes motivos, o ora Requerido desconhece o paradeiro, uma vez que não estão na sua posse, os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2004/2005 a 2007.

23) À excepção daqueles documentos, todos os outros documentos encontram-se depositados na sociedade de Revisores Oficiais de Contas, denominada Sociedade (…)Lda.

24) O TOC sempre teve acesso à totalidade dos documentos contabilísticos da requerida.

25) O requerido sempre se pautou pelos deveres de correcção, lealdade e fidelidade inerentes ao seu cargo de administrador, actuando com a diligência de um gestor criterioso e ordenado no interesse da sociedade.

26) Ao longo do exercício da administração tem sido o requerido a realizar todos os suprimentos indispensáveis para a prossecução do objecto social da sociedade requerida.

27) O requerido exerceu o cargo de administrador durante largos anos sem auferir qualquer remuneração pelo mesmo.

28) Existem outras despesas correntes, nomeadamente impostos, contribuições para a Segurança Social e amortizações de empréstimos da responsabilidade da sociedade C (…), S.A., as quais rondam a quantia mensal de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), que na presente data são efectivamente pagas apenas pelo Requerido CA (…).

29) A única fonte de rendimento da sociedade é o valor de rendas de seis imóveis, propriedade da sociedade C (…) S.A., dos quais cinco se encontram arrendados à sociedade (…) S.A..

30) Na situação actual em que a sociedade está privada dos recebimentos das rendas dos imóveis referidos, as quais constituiriam as suas únicas receitas, é o Requerido que efectua o pagamento da prestação mensal relativo aos créditos que a sociedade C (…)S.A. contraiu junto da Instituição bancária Caixa Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, bem como as demais despesas correntes supra mencionadas.

31) O requerente não pretende acautelar um direito próprio, mas interesses do irmão do requerido que intenciona obviar o despejo face à notificação judicial avulsa com a comunicação de resolução dos contratos de arrendamento dos imóveis, propriedade da sociedade C (…) S.A., por falta de pagamento das rendas respeitantes às sociedades arrendatárias.

32) O valor real da sociedade é de €642.000,00.


*****

II.2. – O mérito do recurso

II.2.1. Quanto à invocada nulidade do despacho

Pretende o Recorrente que o despacho proferido em 11-05-2012, que indeferiu a inquirição de 3 testemunhas e não se pronunciou quanto ao requerido depoimento de parte é nulo por violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório, vertidos nos artigos 3.º e 3.º-A, do CPC.

Porém, não lhe assiste qualquer razão.

Efectivamente, na sequência da oposição dos Requeridos e correspondente apresentação dos meios de prova, por despacho proferido em 11-05-2012, declarou-se que as testemunhas (…), não podiam ser considerados novos meios de prova, não se admitindo a respectiva inquirição e nada se dizendo quanto ao requerido depoimento de parte nem à prova documental.

Acontece, porém, que este despacho não foi impugnado pelos Requeridos e, em 14-06-2012, foi realizada a audiência, de cuja acta consta logo no seu início que “foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário dos requeridos, e pelo mesmo foi dito que prescindia do depoimento de parte do requerente”.

Atenta a posição assumida pelos Requeridos em audiência, mal se compreende que venham agora invocar em sede de recurso uma nulidade decorrente de uma omissão de pronúncia quanto à admissão de um meio de prova do qual os mesmos, em audiência vieram a prescindir! Trata-se seguramente de comportamento processualmente afastado dos deveres de cooperação e de boa fé processual consagrados nos artigos 266.º e 266.º-A do Código de Processo Civil[3]. Porém, considerando que in casu, a nulidade arguida nunca poderia proceder, relevar-se-á o comportamento processual do Recorrente, porquanto a “sanção” para o mesmo, resultará já do indeferimento da invocada nulidade.

Efectivamente, em face do que dispõe o artigo 203.º, n.º 2, do CPC, não pode arguir a nulidade a parte que expressa ou tacitamente renunciou à arguição.

Como assim, tendo prescindido do depoimento de parte no início da audiência de julgamento, jamais o Requerido poderia vir posteriormente a arguir a nulidade por omissão do despacho sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do depoimento de parte, tanto mais que, não fora tal posição processual do mesmo, ficamos sem saber se tal depoimento seria ou não admitido pela Mm.ª Juiz, porquanto nada impedia que o fizesse em audiência de julgamento – artigo 205.º, n.º 2, do CPC.

Já quanto ao indeferimento do depoimento das três indicadas testemunhas, vale aqui a corrente afirmação de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”[4].

Por isso, não tendo os Requeridos recorrido do despacho que indeferiu o depoimento das referidas testemunhas, o mesmo tem força obrigatória dentro do processo, por força do disposto no artigo 672.º, n.º 1, do CPC, razão por que, não poderia agora ser alterado por este Tribunal, apreciando o bem ou mal fundado do decido.

Acresce que, se os RR. entendiam que antes de ser proferida a decisão final e ora recorrida tinha sido cometida a alegada nulidade, tinham que, em devido tempo, dela ter reclamado no tribunal a quo e, o despacho que decidisse essa reclamação, é que seria sindicável em sede de recurso[5].

Pelo exposto, improcede ou mostra-se deslocada a arguida nulidade do despacho.


*****

II.2.2. Quanto à requerida junção de documentos

A fls. 65, no final das conclusões das respectivas alegações do recurso, o Apelante requereu a admissão da junção de 36 documentos nos termos do artigo 693º-B do CPC, sem que indicasse o que pretende provar com esses documentos, tendo o Apelado deduzido oposição à requerida junção, invocando que a junção dos mesmos já era possível aquando da deduzida oposição.

É consabido que os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efectuada na fase instrutória da causa, como decorre do disposto no artigo 523.º do CPC.

Por isso, a junção de documentos supervenientes no âmbito do recurso de apelação em que nos movemos, só pode ocorrer quando se verifique alguma das situações prevenidas no artigo 693.º-B do CPC, do qual resulta que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) do n.º 2 do artigo 691.º”.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 693.º-B, do CPC, apenas é admissível a junção de documentos no âmbito das alegações de recurso de apelação nestes tipos de situações:

- quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância;

- quando a apresentação se tenha tornado necessária apenas por virtude do julgamento proferido pela primeira instância;

- finalmente, quando se impugnem decisões previstas nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º CPC,

Este preceito foi aditado pelo DL n.º 303/07, de 24 de Agosto, vigorando para os processos instaurados a partir de 01-01-2008, pelo que, é aplicável aos presentes autos (artigos 11.º e 12.º, n.º 1, do citado DL).

Considerando que a situação em apreço se insere na previsão final do preceito, enquadrando-se na alínea l) do n.º 2 do artigo 691.º do CPC, cumpre admiti-los, já que a lei, nesta situação específica, ao invés do que ocorre nos dois primeiros casos, e do que anteriormente acontecia no artigo 706.º do CPC, não condiciona a admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso, à verificação de qualquer uma das outras situações previstas no preceito[6].

Daí que, vistos os documentos cuja junção foi requerida pelo Apelante, e considerando a pretendida modificação da matéria de facto pelo Recorrente - apesar de se verificar que muitos deles são de 2012 (cfr. os de fls. 90 a 121) -, em face da ampliação das possibilidades de instrução documental dos recursos nestas concretas situações previstas na lei, em que independentemente da superveniência do respectivo conhecimento podem ser juntos documentos que contrariem os fundamentos de facto nos quais assentou a decisão recorrida, admite-se a respectiva junção aos autos.


*****

II.2.3. Quanto à admissibilidade do recurso relativamente à decisão que decretou a providência

O Recorrente, para além de impugnar a matéria constante da decisão de oposição à decretada providência, impugnou ainda a matéria ínsita na decisão que a decretou, pugnando o Recorrido para que tal não seja admitido, uma vez que o Requerido usou a alternativa de deduzir oposição à decisão que decretou a providência, em vez de recorrer de tal decisão inicial, tendo agora, na prática, cumulado dois recursos, quando só podia recorrer da decisão final, que constitui complemento e parte integrante da anteriormente proferida.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão, precisamente pelo argumento invocado de que a decisão da oposição constitui parte integrante da decisão anteriormente proferida.

Senão vejamos.

Dispõe o artigo 388.º do CPC, sob a epígrafe “contraditório subsequente ao decretamento da providência”, que:

1 – Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa (…):

a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (…).

Ora, a alternativa concedida por lei ao Requerido que não foi ouvido antes do decretamento da providência cautelar, tem significado diferente do propugnado pelo Recorrido.

De facto, de acordo com o referido preceito, o Requerido tem o direito de recorrer da decisão que decretou a providência. Porém, se usar esse direito desde logo, o recurso terá a função de apreciar apenas a decisão recorrida, já que os recursos não envolvem a apreciação de questões novas mas apenas a reapreciação daquelas de que a decisão de primeira instância já cuidou. Por isso, se o Requerido pretender trazer à colação novos factos ou novos meios de prova não valorados pelo tribunal para a decisão que decretou a providência, visando dessa forma afastar os fundamentos que levaram a tal decisão, ou determinar a sua redução, é-lhe concedida a possibilidade de deduzir supervenientemente a sua defesa. Portanto, a alternativa prevista no preceito refere-se ao momento após a notificação ao Requerido da decisão que decretou a providência. E o espírito da lei é facilmente perceptível: se o Requerido deduz a sua defesa para ser apreciada em primeira instância com vista a afastar os fundamentos em que assentou a decisão que decretou a providência, não faria sentido que, ao mesmo tempo, pudesse também recorrer dos fundamentos da mesma para o tribunal superior, com o inconveniente manifesto de estarem a ser apreciadas questões conexas na primeira instância e na Relação. Por isso, neste momento processual, o Requerido, ou recorre ou deduz oposição, não podendo cumular ambas.

Porém, optando o Requerido por deduzir oposição, entramos no domínio do n.º 2 do preceito em referência. Nesse caso, o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

Compreende-se que, lido apenas o preceito, possa defender-se a interpretação efectuada pelo Recorrido por causa do segmento “cabendo recurso desta decisão”. Porém, a interpretação do mesmo, efectuada nos termos do artigo 9.º do Código Civil, leva-nos necessariamente a conclusão diversa. Na verdade, se esta decisão do juiz constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida, então só neste momento se abre a via do recurso que abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera[7], porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária que ocorre nos procedimentos cautelares em que existiu prévio contraditório do Requerido.

Por isso, apesar de o recurso ser interposto desta decisão, o seu objecto pode compreender a impugnação pelo Requerido dos fundamentos da decisão inicial que decretou a providência[8], e que, por natureza, é uma mera “decisão provisória”[9], e como tal insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma, mormente quando a decisão proferida após a oposição, decidiu manter a providência que havia sido decretada[10]

Pelo exposto, entende-se que o objecto do recurso abrange a decisão que decretou o arresto.


*****

II.2.4. Quanto à reapreciação da matéria de facto

Começando por anunciar que pretende impugnar a matéria de facto dada como indiciariamente provada nos pontos 12, 23 e 34 da decisão proferida em 16/03/2012, na medida em que foram incorrectamente julgados, porquanto, tendo em conta a prova testemunhal gravada, constam do processo elementos de prova seguros, que impunham decisão de facto diferente, enquanto na decisão proferida em 04/07/2012, foram considerados indiciariamente não provados factos que deviam ter sido dados como provados, mormente os constantes dos artigos 1, 2, 4, 5, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 24, 26, 28, 29, 30 e 31.

 Nas suas contra-alegações, o Recorrido, pugna pela rejeição do recurso nesta parte, em virtude de o Recorrente não ter cumprido as especificações legais necessárias para a reapreciação em virtude de não ter levado às conclusões das alegações a especificação da matéria de facto que pretende impugnar; e de não se reportar aos concretos pontos de facto dos articulados mas aos indicados na decisão que não correspondem àqueles.

            Vejamos, pois, se o Recorrente cumpriu ou não os ónus que sobre si impendem na impugnação da matéria de facto que efectuou com vista à sua reapreciação por este Tribunal da Relação.

            Conforme decorre do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º- B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por seu turno, o artigo 685.º-B do CPC impõe ao Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de cumprir o estabelecido no seu n.º 1, por via do qual aquele, obrigatoriamente e sob pena de rejeição da impugnação da matéria de facto, deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

A propósito do ónus imposto pela referida alínea a), já tem sido entendido pelos tribunais superiores que o ónus que sobre o recorrente impende de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados tem que estar cumprido também nas conclusões do recurso[11].

Na verdade, de acordo com o preceituado no artigo 685.º-A, n.º 1, do CPC, “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Por isso, a jurisprudência[12], estribada nos ensinamentos doutrinários[13], tem vindo a entender quanto a este preceito legal, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, uma síntese, explícita e clara, das razões que o recorrente expôs na fundamentação das alegações, havendo que delas se depreender claramente quais as questões postas ao Tribunal ad quem, quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e quais os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação.

Na verdade, sendo pelas conclusões que se limita o objecto do recurso, à luz dos princípios que enformam os preceitos legais aplicáveis, mormente, o princípio da cooperação, o ónus de formular conclusões sintéticas e claras quanto à pretensão do Recorrente visa facilitar a realização do contraditório, e evidentemente balizar o objecto do recurso, a fim de permitir ao Tribunal decidir sobre todas as questões que lhe sejam colocadas, o que, leva àquela referida interpretação, de considerar que, não estando nas conclusões quais os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente pretende ver reapreciados, deve o recurso ser rejeitado.

No caso sub judice, apreciadas as conclusões de recurso apresentadas pelo Apelante, verifica-se que logo do artigo 2.º das mesmas constam os supra indicados pontos de facto quanto a ambas as decisões que o Recorrente pretende ver alterados, razão por que se entende que, por referência à numeração constante em ambas as decisões, houve até especificação nas conclusões de recurso dos concretos pontos da matéria de facto tal como declarada em cada uma das decisões, cuja alteração o Recorrente pretende ver efectuada.

Mas, ainda que assim não fosse, apesar daquele primeiro referido entendimento da jurisprudência no indicado sentido, temos considerado, com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que o facto de não constarem das conclusões de recurso o elenco dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, tal não obsta ao conhecimento do objecto do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto, quando do corpo das alegações tais concretos pontos de facto resultem claramente identificados, nos termos previstos na supra referida alínea a).

De facto, em nosso entender, as conclusões do recurso e o corpo das alegações não podem ser analisados isoladamente, daí que, quando do corpo desta peça processual se identifica claramente a pretensão do Recorrente quanto aos pontos de facto que pretende ver alterados, não seja de rejeitar a apreciação da matéria de facto quando estão cumpridas as demais especificações legais, apenas por não terem sido levados às conclusões respectivas os concretos pontos de facto impugnados.

Assim tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, ao afirmar que “[a]o estabelecer este ónus especial de alegação a cargo do recorrente pretendeu o legislador que ele especificasse de modo claro e inequívoco os pontos de facto de cuja decisão discorda e os fundamentos da discordância, bem como a solução que preconiza e os respectivos fundamentos, deste modo evitando o risco da impugnação genérica e menos reflectida da decisão de facto e a utilização deste recurso com intuitos meramente dilatórios.

(...) É de salientar, contudo, que em parte alguma do referido acórdão se diz, ou sequer sugere, que as especificações a introduzir nas alegações da recorrente teriam que ser levadas às conclusões da minuta; e, efectivamente, bem vistas as coisas, a norma que estamos analisando também não contém qualquer comando nesse sentido, nenhuma referência fazendo à obrigatoriedade da apresentação de conclusões. Em termos rigorosos, parece-nos até que o ónus especial de alegação estabelecido no indicado preceito, na medida em que é um ónus afirmatório, terá de ser cumprido preferencialmente no corpo das alegações do recorrente, e não nas conclusões, certo que estas visam em primeira linha sintetizar o objecto do recurso, condensando as questões a apreciar”[14].

Em síntese, o ónus imposto ao recorrente pela alínea a) do artigo 685.º-B do CPC, deve considerar-se cumprido neste caso.

Questão diferente é a de saber como devem ser identificados os concretos pontos de facto pelo Recorrente.

Acontece, no caso em apreço, que o Recorrente se reporta à alteração dos pontos de facto por referência à sua enumeração em cada uma das decisões, não se reportando aos factos alegados por cada uma das partes nos articulados, factos esses que foram o objecto de prova em audiência de julgamento.

Ora, com o disposto no citado preceito legal, o que se visa é circunscrever a reapreciação do julgamento efectuado pelos Tribunais da Relação a pontos concretos da matéria controvertida, isto porque, os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto, não visam a realização de um segundo julgamento de toda a matéria de facto, nem a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, devendo consequentemente recusar-se a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto[15].

No caso em apreço, tratando-se de decisão proferida em autos que não contemplam a organização da base instrutória, verificamos que o Recorrente indica no corpo das suas alegações os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, por referência à numeração que lhes foi dada em cada uma das decisões proferidas. Será esta invocação bastante ou será necessário especificar quais os correspondentes artigos dos articulados que continham os factos que, na sua perspectiva, foram mal julgados?

Pensamos que, não pretendendo a lei que sejam admitidos recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, para cuja reapreciação a segunda instância tivesse, na prática que efectuar um segundo julgamento global da matéria de facto, mas tão somente que sejam indicados os concretos pontos da matéria de facto relativamente à qual o Recorrente dissente, o cabal cumprimento do rigoroso ónus imposto aos recorrentes só se mostrará cumprido nestes casos, com a indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, efectuada por referência aos articulados apresentados pelas partes quando não exista base instrutória a que o tribunal responda.

Na verdade, não existindo nestes autos base instrutória, a Meritíssima Juíza a quo, ao responder à matéria de facto não efectuou qualquer referência directa aos artigos dos articulados cuja matéria de facto considerou provada, não provada ou provada apenas em parte, descrevendo os factos que julgou provados e não provados com uma numeração própria que não tem qualquer correspondência com a dos artigos da petição inicial e os da contestação, sendo que ao fazê-lo não mencionou a que artigos desses articulados se reportava cada um desses factos.

Ora, o recorrido reporta-se à numeração efectuada pela Mm.ª Juiz e não aos concretos pontos de facto que haviam sido oportunamente alegados por cada uma das partes nas respectivas peças processuais, sem fazer qualquer correspondência entre ambos e, no fundo, sem indicar com referência aos articulados, quais os concretos pontos de facto cuja reapreciação pretendia ver efectuada e, por isso, não circunscrevendo concretamente a matéria de facto que pretende impugnar, já que, “havia que especificar o artigo dos articulados cuja matéria de facto se considera mal julgada, pois é aí que o facto alegado, efectivamente, se encontra e é esse o facto que se entende ter sido objecto de erro de julgamento”[16], não tendo a segunda instância que andar à procura nos articulados quais os factos a que os recorrentes que impugnam a matéria de facto se reportam, para aquilatar se estão ou não provados ou em que termos o estão.

Assim sendo, devemos concluir que, em face do incumprimento pelo Recorrente logo do primeiro ónus imposto pelo artigo 685.º-B, n.º 1, alínea a) do CPC, de acordo com o qual lhe cabia obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, se impõe a imediata rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, já que o preceito em referência, ao contrário do n.º 3 do artigo 685.º-A do CPC, não prevê a possibilidade de convidar o recorrente a aperfeiçoar as alegações de recurso quanto ao cumprimento dos ónus impostos a quem impugne a decisão relativa à matéria de facto[17].

Conclui-se, pois, pela rejeição do recurso apresentado pelo Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto.


*****

II.2.5. Quanto aos requisitos para o decretamento da providência

Pretende o Recorrente que, in casu, não se mostram verificados os requisitos para o decretamento da providência cautelar de suspensão, mormente por não ter ficado demonstrado que a providência é necessária para evitar a lesão invocada, porquanto esta lesão, a existir, já teria ocorrido há mais de dezasseis anos, sem que o requerente se tivesse afirmado como accionista da sociedade requerida e reclamado os direitos daí decorrentes, sendo que da providência decretada o prejuízo causado à sociedade requerida é superior ao dano que alegadamente o requerente pretende acautelar e, nessa medida, não se verifica o preenchimento do último requisito; sendo ainda que o requerido, no exercício da administração da sociedade requerida, sempre cumpriu os deveres legais a que estava obrigado, agindo constantemente em prol dos interesses societários, pelo que a situação submetida a juízo nos presentes autos é insusceptível de configurar uma situação de justa causa que fundamentasse o decretamento da providência.

Vejamos se lhe assiste razão.

Antes de mais cabe afirmar que o caso cautelar em apreço insere-se no âmbito do processo previsto no artigo 1484.º-B do CPC que sob a epígrafe suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais, configura o processo principal e definitivo de destituição, que pode ter enxertado no processo principal, como acontece no presente caso, uma providência cautelar de suspensão de titulares de órgãos sociais, por via do disposto no n.º 2 do referido preceito que expressamente prevê tal possibilidade.

“Por outras palavras, as decisões de suspensão e de destituição são autónomas entre si; apreciando a 1.ª, cautelarmente, tal pretensão cautelar do requerente e, em caso afirmativo, decretando a suspensão; e apreciando a 2.ª, definitivamente, a pretensão principal e definitiva do requerente e, em caso afirmativo, decretando a destituição. (…)

Cada uma das decisões põe termo a procedimentos funcionalmente autónomos e independentes entre si; a sua relação, insiste-se, é a relação que existe entre uma normal decisão cautelar e a posterior decisão da acção principal, com a diferença/especialidade de, aqui, a decisão cautelar ser tomada num incidente tramitado/enxertado na acção principal” [18].

Assim sendo, à suspensão a que alude o n.º 2 do artigo 1484.º-B, do CPC, aplicam-se as regras das providências cautelares não especificadas previstas nos artigos 381.º e seguintes do CPC.

Ora, os procedimentos cautelares genericamente previstos nos artigos 381.º e seguintes do CPC, são meios de tutela provisória do direito que quem os deduz se arroga, sendo dependentes de uma acção já pendente - como acontece no caso em apreço, em que é um procedimento enxertado na acção principal de destituição -, ou que seguidamente vai ser proposta pelo requerente (artigo 383.º do CPC), tendo sempre natureza urgente (artigo 382.º do CPC), porquanto visam acautelar o efeito útil da acção a que alude genericamente o artigo 2.º do CPC, impedindo “que durante a pendência de qualquer acção, declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”[19].

Para além da demonstração do referido perigo da demora inevitável do processo, os mesmos dependem ainda da prova sumária da probabilidade séria da existência do direito, também genericamente prevista no artigo 384.º do CPC, não exigindo esta prova o mesmo grau de convicção que a prova dos fundamentos da acção impõe, atenta a estrutura simplificada própria do procedimento cautelar, consonante, aliás, com o respectivo fim específico, bastando consequentemente o chamado fumus boni iuris. «Trata-se de uma prova sumária que não produz a "plena convicção (moral)", exigida para o julgamento da causa, mas apenas um grau de probabilidade aceitável para decisões urgentes e provisórias, como são as próprias daqueles procedimentos»[20].

Por isso, cabe afirmar que, no caso em apreço, apesar de na acção principal estarmos no âmbito de um processo especial, em face do disposto no art. 383.º, n.º 4, do CPC, “nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”, significando isto que, do ponto de vista da decisão da providência cautelar de suspensão de administrador, nos devemos bastar com a verificação dos pressupostos genéricos definidos por lei para o decretamento das providências cautelares não especificadas.

Assim, para além dos requisitos essenciais que devem verificar-se para o decretamento de qualquer procedimento cautelar, que são a probabilidade séria da existência do direito; o fundado receio da sua lesão; e que tal lesão do direito seja grave e dificilmente reparável, previstos no n.º 1 dos artigos 381.º e 387.º do CPC, acrescem ainda no âmbito dos procedimentos cautelares não especificados, mais os seguintes requisitos resultantes das disposições conjugadas dos artigos 381.º, n.º 3, e 387.º, n.º 2, ambos do CPC: que ao caso seja inaplicável alguma das providências tipificadas na secção seguinte; que a providência requerida seja adequada a evitar a lesão; e que não resulte da providência um dano consideravelmente superior ao dano que com ela se pretende evitar.

A adopção de providência cautelar não especificada exige a verificação cumulativa dos referidos requisitos, pelo que impõe-se também apreciar da sua justeza que há-de aferir-se pela sua adequação, já que, as providências não hão-de ser de molde a causar prejuízos que excedam os danos a que com elas se pretende obstar.

Assim, considerando que o presente procedimento cautelar visa a suspensão judicial de administrador de uma sociedade anónima, que esse procedimento não se mostra tipificado, e que foi pedido no âmbito do processo onde se pediu a respectiva destituição, é evidente que o mesmo é inonimado e dependente de causa já instaurada com vista à resolução definitiva pelo tribunal do conflito de interesses em causa.

Sendo certo que tal conflito de interesses, tendo em conta a sua natureza e o próprio período temporal abrangido pelos actos do administrador, pode ser de resolução demorada razão pela qual, se apresenta como situação em que abstractamente se afigura poder ser necessário proceder à composição provisória da situação controvertida.

De facto, os procedimentos cautelares são meios que não visam, em regra geral, a realização directa e imediata do direito substantivo, mas antes tomar medidas que assegurem a eficácia do resultado da acção destinada à actuação daquele direito provisoriamente tutelado, precisamente para acautelar a utilidade da composição definitiva que vier a ser definida na acção da qual depende, ou por outras palavras, relativamente à qual é instrumental.

Para isso, a lei basta-se com a prova mínima de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, ou seja, considera suficiente um juízo de probabilidade ou de verosimilhança, do qual resulte a aparência do direito, prova indiciária habitualmente designada por “fumus boni juris”.

Depois, o segundo requisito mencionado tem a ver com aquilo que é comummente designado por “periculum in mora”, ou seja, com o perigo de perda do direito por via do tempo necessário para a sua decisão final, elemento que no procedimento cautelar inominado atípico ou comum, como ocorre no caso vertente, depende da prova do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.

Para que se verifique o “fundado receio”, em regra, é necessário que na altura da instauração do procedimento cautelar ocorra uma situação de lesão iminente, ou que já esteja em curso mas ainda não se encontre integralmente consumada, ou, finalmente que se mostre indiciada a possibilidade de ocorrência de novas lesões ao direito já violado.

Assim, quanto a este aspecto, a lei não exige que se verifique, aquando da apresentação do requerimento do procedimento em juízo, um prejuízo concreto e actual, sendo suficiente o fundado receio que outrem cause ao requerente, antes da instauração da acção principal ou durante a sua pendência, lesão grave ou de difícil reparação.

Acresce que, não é qualquer consequência danosa de ocorrência previsível antes da decisão definitiva que justifica o deferimento de uma medida provisória com reflexo imediato na esfera jurídica do requerido, sendo apenas as lesões graves e dificilmente reparáveis as adequadas a poder justificar uma decisão judicial provisória que salvaguarde o requerente da previsível lesão de um direito da sua titularidade que a demora da decisão definitiva pode fazer perigar.

Por isso, mesmo que se revelem irreparáveis ou de difícil reparação, não merecem acolhimento em sede de procedimento cautelar comum as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, ou ainda as que, mesmo sendo graves, sejam facilmente reparáveis.

Efectivamente, a gravidade da previsível lesão há-de aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo presente que no que tange aos prejuízos materiais, eles são, em regra, passíveis de ressarcimento através de restituição natural ou de indemnização substitutiva[21].

Ora, no caso concreto, o recorrente invocou que os pressupostos para o decretamento da providência não se mostram verificados. Mas, à luz do que acabamos de expender, facilmente se alcança o bem fundado da douta decisão recorrida que decretou a providência de suspensão do Requerido da administração da Sociedade Requerida, porquanto todos os referidos pressupostos se mostram indiciariamente demonstrados, conforme ali se expendeu, no seguinte raciocínio que subscrevemos integralmente e passamos a transcrever:

 «Desde logo, a primeira questão que cabe analisar prende-se com a legitimidade do requerente para deduzir o presente procedimento cautelar.

Com efeito, dispõe o art. 403º, 3 do CSComerciais que “Um ou mais accionistas titulares de acções correspondentes, pelo menos, a 10% do capital social podem, enquanto não tiver sido convocada a assembleia geral para deliberar sobre o assunto, requerer a destituição judicial de um administrador, com fundamento em justa causa”.

Ora, havendo possibilidade de destituição judicial, com fundamento em justa causa (arts 403º, 3 e 257º, 3, 4 e 5 do CSC), é facultado enxertar no processo de destituição requerimento de suspensão de administrador – cfr. art. 1484ºB, 2 do CPCivil.

O requerente alega que é accionista da Requerida sociedade C (…)SA, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal sob o Nº 503 535 516.

Tal sociedade foi constituída por escritura pública celebrada no cartório notarial de Soure, em 4 de Abril de 1995, tendo participado na sua constituição, para além dele próprio, mais quatro sócios, (…), que subscreveram, cada um, acções no valor de um milhão de escudos, ou seja, em partes iguais, a totalidade do capital social de cinco milhões de escudos.

Com efeito, nos termos do contrato social, dispunha o artigo 5º “ O capital social é de cinco milhões de escudos, encontrando-se totalmente subscrito e realizado em dinheiro.”

Mais constava do artigo 6º “ 1. O capital social é representado por acções ao portador com o valor nominal de mil escudos cada uma, num total de cinco mil e pertencendo mil a cada sócio subscritor, convertíveis em acções nominativas e em títulos de um, dez, cinquenta, cem e mil….”.

Mais tarde, estes sócios, incluindo ele próprio, participaram no aumento de capital desta mesma sociedade, de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, com entradas em dinheiro, na proporção das respectivas acções, aumento esse deliberado em Assembleia Geral de 20/12/2001.

Mais afirma que a sociedade Requerida e o Requerido CA..., então seu administrador, não lhe entregaram os títulos das acções.

Resulta do estatuído no art. 274º do CSComerciais que a qualidade de sócio surge com a celebração do contrato de sociedade ou com o aumento de capital, não dependendo da emissão e entrega do título de acção ou, tratando-se de acções escriturais, da inscrição na conta de registo individualizado”. (…)

Ora, no caso dos autos o requerente participou na constituição da sociedade requerida, sendo uma das 5 pessoas que celebraram a escritura pública destinada à respectiva constituição.

Acresce que o requerente defende que participou igualmente no aumento de capital efectuado e que nunca lhe foram entregues, nem a ele, nem designadamente aos sócios (…) os títulos correspondentes às respectivas acções, nem inicialmente, nem após a realização do aumento de capital.

Por outro lado, o requerido – se bem que não tenha ainda sido ouvido no presente processo – escreveu uma carta ao requerente onde defende que o mesmo não participou em qualquer aumento de capital e que sendo as acções ao portador é com a exibição das mesmas que se comprova a qualidade de sócio.

Contudo, tal versão dos factos defendida pelo requerido é desde logo contraditada pela circunstância de das folhas de presença referentes às Assembleia Gerais realizadas em 25 de Outubro de 2006, 21 de Maio, 8 de Junho e 17 de Julho de 2007, se mostrarem assinadas pelo requerente e pelo requerido.

Ora, dispõe o art. 382º, 1 e 3 do CSC que o presidente da mesa da assembleia geral deve mandar organizar a lista dos accionistas que estiveram presentes e representados no início da reunião, sendo certo que tais accionistas devem rubricar a lista de presenças. Ou seja, uma vez que o requerente subscreveu as supra mencionadas listas de presença nos anos de 2006 era porque nesse momento – muito depois da deliberação referente ao aumento de capital – o requerente era considerado sócio da requerida, designadamente pelo próprio requerido CA(…).

Acresce que de elementos da contabilidade da requerida referentes ao ano de 2007 o requerente figura como sócio daquela.

Contudo, em acção pendente no primeiro juízo deste Tribunal, sob o nº 1428/11.6TBPBL, o requerido defende, igualmente, que actualmente é ele o único accionista da requerida, na medida em que refere ter na sua posse todos os títulos ao portador. (…)

Ora, resulta do estatuído no art. 304º, 3 do CSC que os títulos definitivos das acções devem ser entregues aos sócios nos seis meses seguintes ao registo definitivo do acto constituinte da sociedade.

Por outro lado, quando as acções sejam escriturais, devem as acções ser registadas em contas dos sócios junto das entidades registadoras (art. 73º do CVM).

Contudo, a questão que se coloca prende-se com o modo de transmissão entre vivos de acções antes da entrega das acções tituladas ou do registo individualizado das acções escriturais. (…)

Assim, se o estatuto social não fixar limitações relativamente à transmissão de acções, a sua transacção é livre – cfr. art. 328º, 1 do CSC.

Porém, (…) “havendo ou não limitações, a comunicação à sociedade, por escrito, da transmissão ou o reconhecimento social (expresso ou tácito) da mesma são também requisitos da eficácia da transmissão das acções para com a sociedade (art. 228º, 3), a cessão de acções deve constar de documento escrito (art. 228º, 1)”.

Ora, no caso dos autos ficou demonstrado que, aquando da constituição da sociedade e posteriormente ao seu registo definitivo, não foram entregues aos sócios, designadamente ao requerente e aos sócios (…)as acções tituladas.

Com efeito, nos termos constantes do pacto social “O capital social é representado por acções ao portador com o valor nominal de mil escudos cada uma, num total de cinco mil e pertencendo mil a cada sócio subscritor, convertíveis em acções nominativas e em títulos de um, de cinquenta, cem e mil”.

Assim, as acções emitidas ao portador deveriam ter sido entregues aos sócios no prazo de 6 meses posterior ao registo do acto constitutivo da sociedade – no caso concreto tal registo foi realizado no dia 11 de Março de 1995 – o que não aconteceu.

Por outro lado, caso se equacionasse a possibilidade de as acções terem sido transmitidas por tais sócios antes de as acções serem tituladas – o que como vimos supra é possível – é também patente que o requerente afirma que assim não aconteceu relativamente à sua participação social – sendo certo que o próprio requerido, quer na carta remetida ao requerente, quer na contestação deduzida no âmbito do processo nº 1428/11.6TBPBL, nunca alude à existência de tal tipo de transmissão de acções, resultando evidente que se o mesmo dispusesse de um contrato escrito de onde resultasse que tais acções lhe haviam sido transmitidas, seguramente já teria feito referência ao mesmo.

Acresce que aquando da realização do aumento de capital e dado que ficou demonstrado que as acções nunca tinham sido entregues ao requerente, nem aos sócios (…) e uma vez que ficou igualmente demonstrado que os mesmos as não transmitiram de modo válido a qualquer outra pessoa – com efeito, não tendo as acções sido entregues terão de ser consideradas não tituladas e, como tal, a sua transmissão teria de ser feita por escrito – foram os sócios originais que tiveram intervenção no aludido aumento de capital.

Na verdade, apesar do teor do documento constante de fls. 216 a formalização por escrito de transmissão de acções por parte do sócio (…) para (…) apenas foi realizada no ano de 2011, isto é muito depois da realização do aumento de capital.

Por outro lado, apesar da posição assumida pelo requerido na carta remetida ao requerente, bem como o que alega na contestação apresentada no âmbito do processo nº 1428/11.6TBPBL, é certo que do próprio teor literal da acta datada de 20/12/2001 resulta que estariam presentes vários accionistas e não um único accionista detentor de todas as acções, na medida em que aí se encontra expressamente exarado que “(…) uma vez que se encontravam presentes ou devidamente representados todos os accionistas da sociedade, daria inicio aos trabalhos”, bem como que “Como todos os accionistas se houvessem manifestado favoravelmente nesse sentido, o Presidente da Mesa declarou aberta a sessão.”

Por outro lado, após o registo do aludido aumento de capital, também não foram entregues aos accionistas as respectivas acções.

Aliás, neste caso até se poderá dizer que não se tendo demonstrado que os sócios procederam à realização das entradas referentes ao aumento do capital não se encontravam liberadas, pelo que apenas poderiam ser entregues aos accionistas acções nominativas – na verdade, nos termos do disposto no art. 299º, 2 do CSC, as acções são nominativas enquanto não estiverem integralmente liberadas.

Ora, o requerido defende que todas as acções são ao portador, não admitindo assim a existência de qualquer acção nominativa.

Aliás, sempre se dirá, ainda, que é o próprio requerido que, no âmbito da transacção efectuada na providência cautelar nº 1795/11.1TBPBL, refere que não existem nem livro de registo de acções, nem registo de emissão das acções da sociedade, o que é mais um elemento que permite concluir que as acções nunca foram efectivamente entregues aos vários accionistas.

Ou seja, do exposto decorre que o requerente tem legitimidade para intentar a presente providência cautelar, dado que titula capital social superior ao legalmente exigido para a propositura da espécie de acção em análise – 10%.»

É absolutamente correcto e inatacável a lógica do raciocínio expendido. De facto, note-se que, em momento algum da sua oposição o Requerido diz em que momento é que afinal adquiriu para si a totalidade das acções.

De facto, começando por afirmar que contrariamente ao que consta da decisão proferida, é ele o único titular de todas as acções da requerida, porquanto apesar de na escritura de constituição da referida sociedade ficarem a constar como outorgantes CD (…), requerente; (…) e CA (…), na realidade os accionistas fundadores de facto da empresa C (…), S.A. apenas foram o seu administrador e accionista CA (…), ora requerido, e o seu irmão N (…) sendo que os restantes que intervieram em tal escritura pública limitaram-se a “emprestar” o seu nome, não tendo nenhum deles entrado com qualquer participação no capital da sociedade, e tendo sido o pai do Requerido quem realizou o depósito da totalidade do capital social legalmente exigido - cinco milhões de escudos - a título de empréstimo, quantia que foi posteriormente levantada pelo requerido, na qualidade de único administrador e devidamente autorizado, capital social este veio depois a ser sucessivamente realizado pelo requerido através de entradas faseadas, ao longo dos anos seguintes. Conclui, pois, que o capital social inicial foi totalmente subscrito pelo requerido e, nessa conformidade, é ele o único accionista da sociedade e titular da totalidade das acções ao portador que haviam sido emitidas. Porém, tal afirmação não se enquadra com os factos que os documentos espelham.

Efectivamente, se conforme decorre dos factos provados mercê da oposição apresentada pelo Requerido, foi realmente o seu pai quem foi proceder ao depósito do capital inicial da Requerida, e se está ainda demonstrado que o ora Requerido efectuou vários suprimentos ao longo dos anos, acontece que nem uma nem outra coisa significam, por si só, aquilo que o Requerido pretende concluir, ou seja, que as entradas de capital efectuadas pelo requerido na sociedade tenham sido para “pagar o empréstimo” inicial que o pai efectuou e que hoje seja ele o único titular de todas as acções.

De facto, se tudo se tivesse passado como o Requerido pretende, ao afirmar que foi realizada a Assembleia-Geral no dia 20/12/2001, correspondente à acta número oito, mas ali não se concretizou qualquer aumento do capital social, tendo existido somente uma operação contabilística, tendo sido emitida a respectiva nota de lançamento em 20/12/2001, e não tendo havido entrada efectiva de dinheiro, mas tendo sido emitidas novas acções ao portador em 18/12/2001, com o valor nominal correspondente ao actual valor do capital social, emissão que foi efectuada por Gabriela Silva e que ali foram exibidas tendo ficado na posse do Requerido que já detinha as acções anteriores, então não se compreende por que razão, nas actas posteriores, consta sempre a referência aos accionistas, não merecendo qualquer acolhimento a versão apresentada de que tal referência se efectuava precisamente porque o requerido CA... era o titular de todas as acções, porquanto, mesmo nos documentos contabilísticos de 2007, portanto, também muito posteriormente ao momento da alegada aquisição total das acções pelo Requerido, o Requerente aparece como accionista.

Diga-se ainda que, a afirmação efectuada pelo Requerido de que no que se refere à não existência do livro de registo de acções e do registo de emissão de acções, tal omissão se justifica pelo facto de aquele julgar que esses formalismos não teriam de ser cumpridos, uma vez que ele era e é o único accionista e todas as acções representativas do capital social são tituladas e ao portador, é no mínimo surpreendente se tivermos em conta que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém e atentarmos nos deveres legais que impendem sobre os administradores de uma sociedade anónima, deveres que manifestamente o ora Requerido confessa ter postergado, indiferente às consequências que a sua conduta poderia implicar para a própria sociedade (art. 528º, 3 do CSC), por pensar que os formalismos não tinham que ser cumpridos por ele ser o único accionista, quando anteriormente invocou precisamente que tinham que constar cinco accionistas porque a lei o impunha, bem sabendo alguns dos formalismos legais que importava cumprir!

O mesmo se diga quanto à improcedência da alegação de que o não registo tempestivo das prestações de contas, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, não é imputável ao requerido, porquanto a aprovação anual das contas foi sempre realizada dentro do período legal, respectivamente no dia 30 de Março de 2008 – acta n.º 24, 30 de Março de 2009 – acta n.º 25 e 30 de Março de 2010 – cfr. acta n.º 27, sendo certo que o respectivo registo é que foi extemporaneamente requerido por negligência do TOC. Pergunta-se, então quem era o administrador único da Requerida? Se o TOC foi negligente no cumprimento dos prazos, quem o manteve em funções?

Já quanto à alegação de que a providência não é necessária para evitar a lesão invocada, porquanto esta lesão, a existir, já teria ocorrido há mais de dezasseis anos, dir-se-á que não lhe assiste qualquer razão no invocado porquanto, conforme a matéria de facto provada evidencia, só em 2011, o Requerido afirmou perante o Requerente que era ele o titular de todas as acções. Como assim, só neste momento se concretizou o perigo de apropriação das acções pertencentes ao Requerente, e de uma gestão societária efectuada para satisfazer os interesses de quem ora se arroga único accionista: o Requerido. Portanto, a lesão do direito era actual à data da propositura da acção de destituição de que este procedimento é dependente.

Depois, a propósito da alegação de que o prejuízo causado à sociedade requerida com a providência decretada é superior ao dano que alegadamente o requerente pretende acautelar e, nessa medida, não se verifica o preenchimento do último requisito, cabe singelamente afirmar que, se assim fosse, por que razão não teria a Requerida recorrido do decretamento da providência? Afigura-se-nos, que neste aspecto, o Requerido confunde o prejuízo societário com o próprio prejuízo mas não é este que a lei visa acautelar.

Finalmente, pretende o requerido que no exercício da administração da sociedade requerida, sempre cumpriu os deveres legais a que estava obrigado, agindo constantemente em prol dos interesses societários, pelo que a situação submetida a juízo nos presentes autos é insusceptível de configurar uma situação de justa causa que fundamentasse o decretamento da providência.

A este respeito, voltamos a louvar-nos na douta sentença recorrida ao afirmar que:

«(…) num processo de destituição de administrador é possível enxertar um pedido de suspensão do mesmo, no caso de existir fundamento para a sua destituição com justa causa; isto é, por se verificarem comportamentos daquele presumivelmente censuráveis.

No caso dos autos resulta do que supra já se deixou dito que o requerido, enquanto Administrador da requerida sociedade, não entregou aos accionistas os títulos definitivos das acções, nem nos seis meses posteriores ao registo do acto constitutivo ou do aumento de capital nem posteriormente, infringindo, assim, o estatuído no art. 304º, 3 do CSComerciais.

Acresce que o mesmo, com tal comportamento – isto é, ao não entregar aos accionistas ou, pelo menos, a alguns dos accionistas, as respectivas acções – indicia pretender apoderar-se das mesmas, na medida em que até já defendeu, na carta remetida ao requerente, bem como na contestação deduzida no âmbito do processo nº 1428/11.6TBPBL, que é ele o único accionista da requerida, uma vez que tem na sua posse todas as acções emitidas ao portador.

Por outro lado, à data da constituição da sociedade requerida resultava do disposto no revogado art. 305º do CSC que era obrigatória a existência de livro de registo de acções.

Ora, o requerido afirmou no âmbito da transacção realizada na providência cautelar nº 1795/11.1TBPBL que tal livro não existe.

Entretanto, com a revogação do citado artigo pelo DL 486/99, de 13/11, que aprovou o CVM, o livro de registo de acções foi substituído pelo registo da emissão das acções a efectuar nos termos estabelecidos na Port. 290/2000, de 25 de Maio.

Resulta do estatuído no art. 43º, 1 do CVM que o registo da emissão de valores mobiliários é obrigatório junto do emitente, mesmo no caso de acções tituladas ao portador, sendo certo que no art. 44º do citado diploma legal estão previstos os elementos que devem constar do citado registo. Ora, o requerido também afirmou, ainda no âmbito da transacção efectuada na providência cautelar nº 1795/11.1TBPBL, que tal registo de emissão de acções não existe, pelo que é patente a violação pelo mesmo, enquanto administrador, das obrigações constantes dos citados incisos normativos.

Acresce que, nos termos do disposto no art. 528º, 3 do CSC, tal pode até implicar sanções para a sociedade requerida.

Por outro lado, uma vez que o requerido apenas procedeu ao registo das prestações de contas referente ao ano de 2007 em Agosto de 2009, referente ao ano de 2008 em 14 de Junho de 2010 e relativo ao ano de 2009 em 21 de Julho de 2010, é patente que não procedeu ao registo tempestivo de tais prestações de contas.

Com efeito, resulta do estatuído nos arts. 15º, 1 e 3º,1, al. n) do CRComercial que o registo das prestações de contas em sociedades anónimas é obrigatório.

Por outro lado, preceitua o art. 15º do CRComercial que o pedido de registo de prestação de contas de sociedades deve ser efectuado até ao 15º dia do 7º mês posterior à data do termo do exercício económico.

Mais se verifica que o próprio requerido, no âmbito da transacção efectuada ainda e sempre na providência cautelar nº 1795/11.1TBPBL, declarou que desconhece o paradeiro de determinados elementos da contabilidade, sendo certo que o mesmo retirou da sede da sociedade todos os elementos da contabilidade no ano 2011.

Acresce que o requerido não comunicou à Administração fiscal a aquisição de acções o que é obrigatório nos termos do estatuído no art. 138º, 1 do CIRS.

Perante tal factualidade importa aferir se a mesma poderá erigir-se como justa causa susceptível de determinar a suspensão das funções que o requerido vem exercendo no seio da sociedade requerida. (…)

Ora a tipologia de comportamentos indiciariamente demonstrados como perpetrados pelo requerido constituem flagrantes violações do conteúdo funcional de que estava incumbido, revelando deslealdade para com os restantes accionistas e para com a própria sociedade – na verdade, como se salientou, alguns deles são passíveis de originarem sanções para a sociedade também requerida.

Assim, é possível produzir a asserção de que o administrador violou, de maneira grave e reiterada, os deveres que sobre ele impendiam tornando de impossível manutenção a subsistência do vínculo até agora existente entre o requerido e a sociedade que vem administrando.

Deve sublinhar-se, ainda, que dentre os deveres que indiciariamente se tiveram por incumpridos avulta a falta de comunicação à sociedade da aquisição de acções – na verdade, se o requerido refere ter adquirido as acções, permitindo-se arrogar-se como accionista único, evidente se tornava que estava onerado com tal obrigação.

Ora, o respectivo incumprimento – nos termos plasmados no artigo 447/ 1 e 8 do CSC – acarreta a existência de justa causa de destituição da administração, só por si. (…)

Porém, face a tudo o que se deixa exposto relativamente à matéria indiciariamente provada deve considerar-se que se verificam os pressupostos necessários para procedência da requerida suspensão do C (…) como Administrador da requerida sociedade».

Efectivamente, como se disse, o Requerido pretende agora que o Requerente nunca foi accionista da sociedade Requerida e que apenas “emprestou” o seu nome por serem necessárias cinco pessoas para a constituir, tendo ele entretanto adquirido todas as acções.

Acontece, porém, que aquilo que cautelarmente emerge de forma cristalina da prova documental junta aos autos é que a pretensão do Requerido, se apresenta contra toda a documentação oficial da Sociedade Anónima que administrava, e que indiciariamente demonstra precisamente o contrário do que ele invoca. E note-se que apesar de a presente providência ter sido decretada sem a audição prévia do Requerido, o certo é que a julgadora, conhecendo a contestação apresentada pelo mesmo noutros autos pendentes no mesmo tribunal, e a posição assumida na transacção efectuada, acabou por já ter em conta nos fundamentos da decisão que decretou a providência, a posição que o Requerido vinha assumindo nesses outros autos, dizendo, ponto por ponto, por que razão é que, em face dos elementos indiciariamente provados, mormente por via documental, a sua versão dos factos não se podia impor em face de tantos documentos que a contrariam de forma clara, não tendo os elementos apresentados pelo Requerido na oposição à contestação sido bastantes para infirmar tal convicção inicial.

Na verdade, em face da documentação - escritura de constituição da sociedade e actas – a versão do Requerido não se apresenta verosímil, não sendo as cópias dos cheques juntos com as presentes alegações de recurso que podem abalar tal prova documental. Efectivamente, a ser verdadeira a versão trazida aos autos pelo Requerido, apenas uma prova mais específica que a mera prova testemunhal, por exemplo, a pericial, poderá permitir demonstrar se, como ele invoca, o ora Requerente e os demais accionistas nunca entraram com qualquer dinheiro na sociedade, se o aumento de capital foi realizado apenas pelo próprio, enfim, se toda a documentação junta, mais não é afinal do que uma falsificação dos actos respectivos destinada ao cumprimento de obrigações legais, ou seja, se durante este período temporal os intervenientes nos referidos actos actuaram visando defraudar a lei.

Por ora, em termos meramente indiciários não é isso que se apresenta.

E, em termos indiciários, como a fundamentação da sentença na parte transcrita bem atesta, mostra-se verificada a existência de violação das obrigações legais do administrador, ora Requerido, cujo incumprimento se mostra legalmente sancionado como fundamento de destituição do administrador por justa (artigo 447.º, n.ºs 1 e 8, do CSC).

Pelo exposto, conclui-se pela verificação de todos os requisitos para o decretamento da requerida providência cautelar, cuja decisão é de confirmar, improcedendo, consequentemente, o presente recurso de apelação.


*****

II.3. Síntese conclusiva:

I - A alternativa concedida pelo artigo 388.º do CPC ao Requerido que não foi ouvido antes do decretamento da providência cautelar, refere-se ao momento após a notificação ao Requerido da decisão que decretou a providência, momento processual em que, ou recorre ou deduz oposição, mas não pode usar ambas as formas de reacção.

II - Porém, optando o Requerido por deduzir oposição, entramos no domínio do n.º 2 do preceito em referência, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

III - Tal significa que só neste momento se abre a via do recurso, o qual abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera, porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária que ocorre nos procedimentos cautelares em que existiu prévio contraditório do Requerido.

IV - De facto, o objecto deste recurso pode compreender a impugnação pelo Requerido dos fundamentos da decisão inicial que decretou a providência, porque esta é, por natureza, uma mera “decisão provisória” e, como tal, insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma.

V - Em processo que não contenha base instrutória, o ónus imposto ao recorrente que impugne a decisão da matéria de facto de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, só se mostra devidamente cumprido se tal impugnação for efectuada por referência aos factos alegados pelas partes nos articulados.

VI - O processo previsto no artigo 1484.º-B do CPC - suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais -, configura o processo principal e definitivo de destituição, e pode ter enxertada uma providência cautelar de suspensão de titulares de órgãos sociais, por via do disposto no n.º 2 do referido preceito, que expressamente prevê tal possibilidade.

VII - O decretamento de tal providência cautelar inominada depende da verificação cumulativa dos requisitos previstos para as providências cautelares comuns e da prova sumária da existência de “justa causa” para a destituição.


*****

III - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo Recorrente.


*****

                                                             

                                                                      

Albertina Pedroso ( Relatora )

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Doravante abreviadamente designado CPC.
[2] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. a este propósito, Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2º- Reimpresssão, Coimbra Editora, 1945, pág. 507.
[5] Cfr. neste sentido, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão desta Relação de 03-07-2012, proferido no proc. n.º 268/11.7T2AND.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição, Revista e Actualizada, Almedina, 2010, pág. 254; Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina 2009, pág. 216; Luís Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição Aumentada e Reformulada, Almedina 2009, pág. 122; e na jurisprudência, Ac. TRL de 19-05-2008, processo n.º 4430/2008-7, e Ac. TRC de 23-09-2008, processo n.º 1247/08.7TBFIG.C1. Em sentido contrário, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, págs. 99 e 100, sobrepondo ao elemento literal do preceito o elemento histórico e considerando que nenhuma razão justifica o estabelecimento de um regime especial para os casos previstos na norma.
[7] Cfr. neste sentido, Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina 2004, vol. I, pág. 357.
[8] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 16-06-2000, in CJ, tomo II, pág. 110.
[9] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 06-07-2000, in BMJ 499, pág. 205.
[10] Na verdade, este é o caso paradigmático de aplicação desta interpretação da norma porquanto, se a oposição for julgada procedente, então é o Requerente quem tem legitimidade para recorrer e, como ele não foi vencido na decisão originária, não tem interesse em recorrer da mesma, não se colocando a questão com esta pertinência.
[11] São disso exemplo, entre outros, o recente acórdão desta 2.ª secção do TRC de 19-12-2012, proferido no processo n.º 2312/11.9TBLRA.C1, e o citado pelo Recorrido, proferido em 20-03-2012, no processo n.º 21/09.8TBSRE.C1, indicando ambos em abono da posição sufragada diversa jurisprudência no mesmo sentido, toda disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. a título exemplificativo do que se afirma, o recente Ac. STJ de 26-04-2012, Processo n.º 1314/07.4TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, proferido na esteira do entendimento que antes havia já sido adoptado nos Acórdãos de 11-11-2003 (Revista n.º 03A3021) e 08/03/2001 (Agravo n.º 00A3277).     
[13] Cfr. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, vol. V, 1952, pág. 359; Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, vol. III, pág. 299, Armindo Ribeiro Mendes, in Os Recursos no CPC revisto, Lisboa, 1998, pág. 68.
[14] Cfr. Ac. STJ de 27-10-2009, processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. neste sentido Abrantes Geraldes, ob. e loc. cit., pág. 309, e Ac. STJ de 09-02-2012, proferido no processo n.º 1858/06.5TBMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Ac. TRC de 20-03-2012, proferido no processo n.º 21/09.8TBSRE.C1.
[17] Cfr. neste sentido o Ac. STJ de 12-01-2012, proferido na revista n.º 11/1999.b1.S1, relatado pelo Cons. João Bernardo que inclusivamente considera ser a redacção introduzida no preceito interpretativa, em face das divergências jurisprudenciais anteriores, e também o acórdão citado na nota anterior.
[18] Cfr. Ac. TRP de 28-05-2009, proferido no proc.º n.º 781/06.8TYVNG.P1, disponível em www.dgst.pt.
[19] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 23.
[20] Cfr. Ac. STJ de 22-03-2000, Agravo n.º 154/00 - 7.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[21] Cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 26-01-2006, proferido no Processo n.º 05B4206, disponível em www.dgsi.pt que seguimos de perto.