Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
317/12.1T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
MANDATO FORENSE
DANO
PERDA DE CHANCE
Data do Acordão: 11/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ANADIA - JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.1157 CC, EOA
Sumário: 1.-A obrigação de advogado, no exercício do patrocínio forense, não é uma obrigação de resultado, mas de meios, pelo que para a sua responsabilização não basta alegar a perda da acção, sendo necessário demonstrar que o advogado não realizou os actos em que normalmente se traduziria um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.

2- A perda de chance ocorre quando uma dada acção ou omissão faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo.

3- O dano da perda de chance deve ser avaliado de acordo com critérios de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, de acordo com as probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

E (…) intentou a presente ação de processo ordinário contra J (…), pedindo:

i) A condenação do Réu a pagar-lhe a quantia indemnizatória de €40.000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4%, que se vencerem a partir da citação até integral e efetivo pagamento.

Alega, para tanto, que:

Em 1995, o Autor celebrou com M (…) & L (…), Lda., uma empreitada de execução das redes de águas quentes e frias da sua moradia sita na (...), Águeda.

Uns meses após a conclusão da dita empreitada, a água que corria das torneiras na dita moradia apresentava uma cor esverdeada, sendo imprópria para consumo e banhos, e as louças das diversas casas de banho apresentavam manchas verdes.

Em virtude disso, o Autor contactou o legal representante da firma supra identificada para que solucionasse o problema, o qual se recusou a assumir as suas responsabilidades.

Perante tal recusa, no ano de 1996, o Autor mandatou o seu Advogado, o ora, Réu, para que responsabilizasse a dita firma, por via judicial, caso fosse necessário.

Em obediência a tal mandato, o Réu enviou, em 3/10/1996 e 3/10/1996, as missivas juntas como docs. nºs 1 com a petição inicial às entidades aí identificadas a fim de solucionar o problema.

Em 11/02/1998, o problema continuava por resolver, motivo pelo qual o Réu enviou a missiva junta como doc. nº2 com a petição inicial à firma responsável.

Finalmente, em 2004, a firma supramencionada assumiu as suas responsabilidades, e substituiu parcialmente a canalização das redes de águas, tendo substituído o tubo de cobre por tubo de inox, pelo exterior das paredes, o qual ficou completamente à vista, e deixado os buracos por tapar.

Perante esta situação, o Autor comunicou à dita firma a eliminação de tais deficiências, ao ponto do legal representante ter visitado a dita moradia e se inteirado das mesmas, tendo, inclusive, o mandatário do Autor, ora Réu, enviado a missiva junta como doc. nº3 com a petição inicial.

No entanto, tais diligências não surtiram efeito, motivo pelo qual, o Autor insistiu com o Réu para que este instaurasse a competente ação, a qual viria a ser intentada no dia 6/09/2007 pelo Réu nos termos constantes do doc. nº4 junto com a petição inicial, mormente, condenação da Firma Ré a eliminar os defeitos existentes na moradia, ou então, a indemniza-lo no montante de €25.000,00 equivalente ao custo da eliminação das deficiências.

Na pendência da ação, a dita firma, na qualidade de Ré, contestou a ação, arguindo a sua caducidade, nos termos constantes do doc. nº5 junto com a petição inicial.

Em sede de saneamento da dita ação, o mandatário do Autor, aqui Réu, substabeleceu, sem reserva, todos os poderes que lhe haviam sido conferidos na ação, sob análise, no mandatário subscritor da petição inicial da presente ação.

Também, nesta sede, o Juiz do processo julgou procedente a dita exceção de caducidade, e consequentemente, absolveu a dita firma Ré do pedido, nos termos vazados no doc. nº 7 junto com a petição inicial, e prosseguido o dito processo para apreciação da reconvenção deduzida pela Firma Ré contra o Autor.

Interposto o recurso deste despacho a julgar procedente a caducidade da ação, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu Acórdão datado de 4/11/2011, a julgar improcedente o dito recurso, com um voto de vencido, e já transitado em julgado, nos termos vazados no doc. nº 8, com a petição inicial.

Posteriormente, em 21/02/2011, foi proferida sentença nos termos vazados no doc. nº9, junto com a petição inicial, já transitada em julgado, por via do qual se condenou o Autor no pedido reconvencional.

Perante a recusa do Autor/Reconvindo em cumprir voluntariamente a dita condenação, a Firma Ré/Reconvinte moveu contra aquele a execução comum nº 2393/11.5T2AGD, no montante de € 6.559,78 acrescido de despesas de € 940,22 nos termos vazados do doc. nº 10 junto com a petição inicial, e à ordem do qual se penhorou a reforma do Autor a fim de obter a cobrança coerciva da quantia exequenda.

Em consequência do mandatário forense, aqui, Réu, não intentar atempadamente a ação, sob análise, violando, assim, culposamente o mandato forense, o Autor deixou de receber a indemnização de €25.000,00 acrescido de juros moratórios vencidos no montante de €4.358,00; suportou a despesa de €841,80 com as taxas de justiça, de €755,70, com custas judiciais, e €136,50, com custas de parte, à ordem da ação, sob análise, e terá de suportar a quantia exequenda de €7.500,00.

O Réu J (…) contestou, defendendo-se, no essencial, por negação motivada.

Sustenta, em síntese, que:

O Réu logo constatou que não assistiria total razão ao seu cliente, pois o problema surgido nas canalizações da casa do Autor, nunca esteve na qualidade dos tubos de cobre, que eram perfeitamente adequados e próprios para essa canalização, conforme Parecer do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de que se junta cópia se junta como doc. nº1 com a contestação, o que prontamente lhe transmitiu. No entanto, e por imposição do Autor, o Réu tentou junto da empresa M (...), que instalou a canalização e a sociedade G (...), Lda., que terá fornecido os tubos, que estas assumissem a responsabilidade pela situação, “ameaçando” com a instauração de uma ação indemnizatória, e dentro das instruções que o Autor lhe havia dado, o Réu insistiu por diversos meios e ocasiões, através de cartas e «faxes» com o empreiteiro, tentando que este fizesse alguma coisa para resolver o problema, esteve no local com um seu colega, advogado do empreiteiro, para verificarem o estado das casas de banho e os efeitos produzidos pela água verde nos canos.

O referido advogado da empresa (…) acabou por informar o Réu de que a sua cliente não assumia qualquer responsabilidade, pelo facto de ter sido a água imprópria que produziu os efeitos indesejáveis nas casas de banho e na cozinha da moradia do Autor, o que era do pleno conhecimento deste, tendo o Réu lhe transmitido não haver fundamento para recorrer à via judicial.

Após os trabalhos de substituição parcial dos canos aludidos pelo Autor estarem concluídos, o Autor contactou o Réu transmitindo-lhe que havia azulejos partidos e buracos na parede e solicitou ao Réu, na qualidade de Advogado do Autor, que escrevesse à referida empresa para vir de seguida tapar os referidos pequenos buracos, de forma a solucionar-se o diferendo extrajudicialmente, pois sabia não ter razão para recorrer à via judicial para solucionar tal problema.

Desse modo, o Réu contactou a sociedade que efetuou a substituição dos canos para que procedesse à conclusão dos trabalhos, designadamente, à colocação dos azulejos e à tapagem dos buracos, ao que a sociedade respondeu que apenas executava canalizações, mas que não tapava nem reparava mais quaisquer buracos nas paredes, serviço que se negou a executar por entender ser da responsabilidade do Autor, dono da obra, tendo em conta o acordo celebrado entre as partes, tendo o Réu transmitido a posição, ora, aludida ao Autor.

Perante a recusa da empresa, ora, aludida, e ao arrepio do acordado, e por uma questão de prepotência, deu instruções ao Réu para instaurar a competente ação judicial, que e o Réu viria a instaurar, na data em que o Autor deu expressamente indicações e ordens nesse sentido contra a referida sociedade M (…) & L(…), Lda. e foi, na data em que a mesma foi proposta, que o Autor lhe entregou os montantes para a taxa de justiça, e conferiu procuração para o efeito.

O ilustre Advogado Sr. Dr. (…) aceitou o substabelecimento, dispondo-se a continuar como douto mandatário do Autor E (…), porque entendeu que a ação era perfeitamente viável, sendo espectável o resultado almejado pelo Autor e quando o Réu entregou o substabelecimento ao Dr. (…), conversou com este sobre o processo, prestou-lhe todos os esclarecimentos que este lhe solicitou e este não abordou sequer o problema da caducidade da ação.

Na contestação veio o Réu suscitar o incidente de intervenção acessória passiva da Companhia de Seguros T (...), SA, para intervir como auxiliar da defesa do Réu, alegando que, a sua responsabilidade civil e profissional se encontra transferida para aquela Companhia, mediante subscrição de contrato de seguro efetuado ao abrigo do protocolo da Ordem dos Advogados, através da apólice nº (...), até ao limite de capital seguro de 150.000€. Assim, na eventualidade de vir a ser condenado, sempre o Tribunal na decisão a proferir deve fixar que o quantum incumbe à seguradora.

Por despacho de 31/10/2012 foi decidido admitir a intervenção acessória passiva da Companhia de Seguros T (...), SA., tendo a mesma sido citada nos termos dos artigos 330 e 332 do CPC de 1961 (então em vigor).

A Chamada veio contestar, invocando a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade passiva, exclusão da apólice, inexigibilidade dos juros e impugnando a factualidade subjacente à imputada responsabilidade do réu.

O Réu respondeu às exceções, pedindo a sua improcedência.

O A. replicou.

Proferiu-se despacho saneador onde se julgaram-se improcedentes as exceções dilatórias de nulidade total do processado baseado na ineptidão da petição inicial; de falta de legitimidade passiva da Interveniente Acessória Passiva «T (...)» e da nulidade parcial do articulado de resposta deduzido pelo Réu (…) arguidos pela dita Interveniente Acessória Passiva) e subsequentemente, selecionou-se a matéria de facto com factos assentes e base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada.

Inconformado com tal decisão, veio o Autor recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

Contra-alegou o Réu assim concluindo:

(…)

                                                                        II

São os seguintes os factos julgados provados, sendo a factualidade contida sob os nºs 68, 68-A e 68-B, resultantes já da apreciação pela Relação do julgamento da matéria de facto impugnada, conforme infra se apreciou:

1- O Autor dedica-se, agora e ao tempo em que lhe conferiu e foi executado o mandato forense pelo, ora Réu, à exploração de negócios da sua propriedade, nomeadamente à atividade comercial e industrial de compra e venda de imóveis, sendo dono e gerindo participações sociais em diversas sociedades comerciais (al. a dos Factos Assentes).

2 - O Réu exerce, como exercia quando lhe foi conferido e executou o mandato forense, a Advocacia, tendo escritório e domicílio profissional na Rua (...), na Cidade e Concelho de Águeda (al.b dos Factos Assentes).

3 - O Réu está inscrito na Ordem dos Advogados, pelo menos desde 26 de Agosto de 1974, sendo titular e portador da cédula profissional número (...), do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados (al. c dos Factos Assentes).

4 - O Autor e o Réu, há mais de vinte anos, estabeleceram uma relação profissional, patrocinando o Réu, como Advogado, o Autor e diversas Sociedades Comerciais por este geridas ou detidas, atenta a confiança existente, cimentada pela relação de amizade recíproca desde os «bancos de escola» (al. d dos Factos Assentes).

5 - O Autor confiou que o Réu, na respetiva análise e opções tomadas, bem como nos atos que praticava em seu nome, escolhesse as soluções que melhor defendessem os seus direitos e interesses legítimos, sempre fazendo uso de todo o seu saber, experiência, cuidado, diligência e empenho (al.e dos Factos Assentes).

6 - O Autor não tem formação jurídica (al. f dos Factos Assentes).

7 - Em 1995, o Autor celebrou um contrato de Empreitada com a Firma M (…) & L (…) Lda., com sede na (...), Concelho de Ílhavo, tendo em vista a execução das redes de águas quentes e frias da sua moradia sita na (...), Concelho de Águeda (al.g dos Factos Assentes).

8 - Na execução dessa obra, por indicação do Legal Representante desta Firma, Sr. (…), foi aplicado tubo de cobre em toda a rede de águas quentes e frias da moradia do Autor (al.h dos Factos Assentes).

9 - Poucos meses depois da conclusão da supra referida obra, a água que corria das torneiras na supra identificada moradia do Autor apresentava uma cor esverdeada, sendo imprópria para consumo, ou mesmo para banhos (al.i dos Factos Assentes).

10 - As louças das diversas casas de banho da moradia do Autor, designadamente: lavatórios, banheiras, bidés e sanitas, começaram a apresentar manchas verdes (al.j dos Factos Assentes).

11 - O Autor comunicou tais factos ao Legal Representante da Firma supra identificada, M (...), e insistiu com este para que o problema na sua moradia fosse rapidamente resolvido… (al. k dos Factos Assentes).

12- ...sendo que este dizia que o problema era da água que abastecia a casa do Autor e recusava-se a assumir as suas responsabilidades pelos defeitos da Empreitada que havia executado (al. l dos Factos Assentes).

13 - No exercício do mandato, o Réu, no dia 03-10-1996, escreveu a missiva junto como doc. nº1 com a petição inicial, à Firma G (…), Lda., cujo teor se reproduz aqui, pois tinha sido esta Empresa que havia vendido à Firma M (…) & L (…), Lda., o tubo de cobre que foi aplicado na moradia do Autor (al.m dos Factos Assentes).

14 - Na qualidade de Advogado do Autor, no dia 03-10-1996, escreveu a missiva junta como doc. nº1 com a petição inicial, cujo teor se reproduz aqui, a dar conhecimento ao Legal Representante da Firma que havia executado a Empreitada na moradia deste, (…) da carta que havia enviado nesse mesmo dia à Firma G (…) Lda. (al.n dos Factos Assentes).

15 - Como o problema das canalizações das águas na moradia do Autor continuava por resolver, o Réu no dia 11-02-1998, escreveu a carta junta como doc. nº2 com a petição inicial, cujo teor se reproduz aqui para todos os efeitos legais, ao Legal Representante da Firma responsável pela execução da empreitada, a informá-lo que os problemas na canalização das águas da moradia do Autor continuavam por resolver e a adverti-lo que este pretendia ir para Tribunal pedir-lhe uma indemnização (al.o dos Factos Assentes).

16 - Em meados de 2004, o Legal Representante da Firma M (…) & L (…) Lda., Sr. (…), veio a casa do Autor substituir parcialmente a canalização da rede de águas, tendo na altura substituído o tubo de cobre que havia aplicado inicialmente, por tubo de inox (al.p dos Factos Assentes).

17 - Os problemas da rede de águas na moradia do Autor, nem assim acabaram, pois o tubo de inox que substituiu o tubo de cobre, foi aplicado pelo exterior das paredes, tendo ficado completamente à vista, e tendo a Firma M (…) & L (…), Lda., deixado buracos por tapar (al.q dos Factos Assentes).

18 - O Autor informou o Réu de que era inadmissível a situação relatada em q) dos Factos Assentes… (al.r dos Factos Assentes)

19 -…tendo o Réu visitado a supra identificada moradia e constatado os problemas que a obra apresentava (al.s dos Factos Assentes).

20 - Face ao aludido em r) e s) dos Factos Assentes, e na qualidade de Advogado do Autor, o Réu, em 17-08-2004, escreveu a missiva junta como doc. nº3 com a petição inicial, ao Legal Representante da Firma M (…) & L (…), Lda., de nome (…) nomeadamente, a dar-lhe conta dos defeitos que a obra de canalização apresentava, e a solicitar-lhe que os viesse resolver com a maior urgência (al. t dos Factos Assentes).

21 - A dita carta não surtiu qualquer efeito (al.u dos Factos Assentes).

22 - Conforme decorre do doc. nº 4 junto com a petição inicial, o Réu, propôs contra a Firma M (…) & L (…), Lda., nos termos e com os fundamentos vazados na petição inicial, cujo teor se reproduz aqui, a ação de processo ordinário, com o nº 2163/07.5TBAGD, no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, a 06-09-2007 e por via da qual deduziu um pedido de indemnização no valor de € 25.000,00… (al.v dos Factos Assentes).

23 -…tendo a dita ação, posteriormente, sido distribuída ao Juízo de Grande Instância Cível de Anadia, Juiz 2, no dia 05-04-2009, em virtude da criação da Comarca do Baixo Vouga (al.w dos Factos Assentes).

24 - No âmbito dos autos aludidos em v) e w) dos Factos Assentes, a Ré deduziu contestação/reconvenção nos termos e com os fundamentos vazados no doc. nº 5 junto com a petição inicial, nomeadamente, arguindo a exceção perentória de caducidade do direito à ação do aqui Autor (al. x dos Factos Assentes).

25 - No âmbito dos autos aludidos atrás em v) e w) dos Factos Assentes, em 19-06-2009, o aqui Réu substabeleceu, sem reserva, no Mandatário subscritor desta Petição Inicial, todos os poderes forenses que lhe haviam sido conferidos no Processo N.º 2163/07.5TBAGD (al. y dos Factos Assentes).

26 - No âmbito dos autos aludidos atrás em v) e w) dos Factos Assentes, o Tribunal proferiu o Despacho Saneador datado de 09-11-2009, já transitado em julgado, junto como doc. nº7 com a petição inicial, cujo teor se reproduz aqui, por mor do qual julgou procedente a arguida exceção perentória de caducidade do direito à ação, por provada, e em consequência, absolveu a Ré M (...) & Lopes, Lda., do pedido (al.z dos Factos Assentes).

27 - O Autor interpôs recurso de apelação do despacho saneador aludido em z) dos Factos Assentes para o Tribunal da Relação de Coimbra (al. aa dos Factos Assentes).

28 - Conforme decorre do teor do doc. nº 8 com a petição inicial, por Acórdão aí proferido, nos termos e com os fundamentos aí vazados, com data de 04-10-2011, já transitado em julgado, julgou-se improcedente o dito recurso de apelação (al.bb dos Factos Assentes).

29 - Conforme decorre do teor do doc. nº 7 com a petição inicial, os autos aludidos em v) e w) dos Factos Assentes prosseguiram para instrução e discussão e julgamento da reconvenção deduzida pela Ré no valor de € 4.409,17 (al.cc dos Factos Assentes).

30 - Conforme decorre do teor do doc. nº 9 junto com a petição inicial, no dia 21-02-2011, foi proferida a Sentença e o Autor/Reconvindo nos termos e com os fundamentos aí vazados, já transitada em julgado, por mor do qual se condenou o Autor a pagar à Ré a quantia de € 4.046,11 e ainda os juros de mora comerciais vencidos e as custas processuais (al. dd dos Factos Assentes).

31- O Autor recusou-se a pagar a quantia mencionada em dd) dos Factos Assentes (al. ee dos Factos Assentes).

32 - Em consequência do aludido em ee), o Réu/Reconvinte instaurou nos termos e com os fundamentos vazados no requerimento executivo junto como doc. nº 10 com a petição inicial, contra o aqui Autor, no Juízo de Execução de Águeda, a execução comum, com o nº 2393/11.5T2AGD, no valor de € 6.559,78 acrescido das despesas da execução no valor de € 940,22 (al. ff dos Factos Assentes).

33 - O Autor suportou a despesa de € 841,80 correspondente ao valor das taxas de justiça pagas no âmbito dos autos do processo ordinário com o n.º 2163/07.5TBAGD, conforme consta do teor do doc. n.º 11 com a petição inicial…(al. gg dos Factos Assentes).

34-…e suportou a quantia de € 755,70 correspondente ao valor das custas judiciais do processo ordinário com o n.º 2163/07.5TBAGD, conforme consta do teor do doc. nº 12 com a petição inicial (al. hh dos Factos Assentes).

35 - O Autor foi notificado pelo Mandatário da Firma M (…) & L (…), Lda., para proceder ao pagamento da nota discriminativa e justificativa de reembolso de custas de parte referentes ao Processo N.º 2163/07.5TBAGD, no valor de € 136,50, conforme consta do teor do doc. nº 13 com a petição inicial (al.ii dos Factos Assentes).

 36 - Conforme decorre do teor do doc. nº 10 junto com a petição inicial, no âmbito da execução comum aludida em ff) dos Factos Assentes, penhorou-se a pensão de reforma do aqui Autor até se encontrar pago o montante global aludido em ff) dos Factos Assentes (al.jj dos Factos Assentes).

 37- Autor e Réu conhecem-se da infância e foram construindo ao longo do tempo uma relação de amizade, nomeadamente, o Autor convidava o Réu para os seus aniversários e outros almoços de carácter mais restrito na sua casa, e todos os anos mandava entregar no escritório do Réu um presente de Natal, inclusive no ano de 2008 (al. kk dos Factos Assentes).

38 - Dada a situação de amizade e proximidade, o Autor recorria ao Réu para ser esclarecido e aconselhado das dúvidas mais insignificantes, até de âmbito pessoal e familiar, por contacto pessoal ou telefónico a qualquer dia, a qualquer hora e em qualquer local (al.ll dos Factos Assentes).

39 - Desde que vem exercendo a Advocacia, em prática isolada, o Réu nunca teve uma anotação disciplinar ou sequer uma única participação à Ordem dos Advogados Portugueses (al.mm dos Factos Assentes).

 40 - Os seus Pares foram elegendo, sucessivamente e durante três mandatos, o Réu para Presidente da Delegação dos Advogados de Águeda, cargo que ocupou até 2011… (al.nn dos Factos Assentes).

 41-…tendo sido distinguido, em cerimónia pública, com a outorga do Galardão da Medalha comemorativa de trinta e cinco anos de inscrição sem qualquer apontamento disciplinar, por deliberação de 19.03.2010 do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados Portugueses, como atributo pelas suas qualidades profissionais e humanas em prol da Advocacia e da Cidadania (al.oo dos Factos Assentes).

42 - Em meados de 2009, o Autor começou a convidar outros Advogados, recém- chegados à profissão, para fazer uma “auditoria” aos processos que o Réu patrocinou, quer os pessoais do Autor, quer os das suas empresas, muitos deles já no arquivo havia muitos anos (al. pp dos Factos Assentes).

43 - Em Junho de 2009, o Réu, de acordo com as instruções do Autor, substabeleceu todos os processos pendentes no seu colega Dr. (…), mandatário do Autor nos presentes autos, quer os pessoais, quer os processos das referidas empresas (al. qq dos Factos Assentes).

44 - Da correspondência que o Réu teve com a empresa (…) ou com o seu Advogado, o Réu ia dando conhecimento ao Autor (al.rr dos Factos Assentes).

 45 - Conforme decorre do teor da petição inicial junta como doc. nº 5 com a petição inicial, elaborada pelo ora Réu, o que estava em causa era a eliminação dos defeitos provenientes dos trabalhos executados em Outubro de 2005…(al.ss dos Factos Assentes).

 46 -…e conforme consta da declaração do voto vencido lavrado no douto Acórdão da Relação de Coimbra junto como doc. nº8 com a petição inicial, cujo teor se reproduz aqui, “em relação a trabalhos de eliminação de defeitos, mantendo-se a obra defeituosa, os prazos de caducidade do artigo 1224º do C.C. contam-se, para o exercício de novos direitos, a partir da data da entrega da obra reparada.”… (al.tt dos Factos Assentes).

47-…e como é opinião expendida no mesmo douto voto de vencido, a provar-se a integralidade do alegado pelo Autor na Petição Inicial, não se verificaria a caducidade, pelo que “a decisão de tal exceção dependia de prova a produzir e deveria ter sido relegado o seu conhecimento para final (ou seja, competia ao Autor fazer prova dos factos, como é referido no voto de vencido)…(al.uu dos Factos Assentes).

 48 -…factos esses que foram levados à douta base instrutória (al.vv dos Factos Assentes).

 49 - Consta do doc. nº 4 junto com a contestação (respeitante às alegações de recurso apresentadas pelo Dr. (…), em representação do Autor, no âmbito dos autos aludidos em v) e w) reportadas ao despacho saneador/sentença que julgou procedente a caducidade do direito à ação), mormente, na alínea t) das conclusões de douta alegação de recurso do despacho saneador o seguinte:

“A indemnização dos prejuízos colaterais provocados pelos defeitos da obra, que impliquem uma responsabilidade contratual do empreiteiro, está sujeita às regras gerais do direito de indemnização, não se lhe aplicando as regras especiais dos artigos 1218º e seguintes do C. Civil, nomeadamente no que se refere à existência dos prazos de caducidade, ao direito de indemnização por estes danos é apenas aplicável o prazo de prescrição geral” (al.ww dos Factos Assentes).

 50 - Na data em que o despacho saneador foi elaborado e notificado às partes para os efeitos do artigo 512º do Código de Processo Civil, o dito processo estava a ser conduzido pelo Dr. (…)… (al.xx dos Factos Assentes).

 51-…sendo a este que competia, com o seu cliente, analisá-lo e ver qual a melhor prova a oferecer… (al.yy dos Factos Assentes).

 52 -…e era ao Dr. (…) que, na fase de julgamento e perante a prova produzida, incumbia estudar e preparar o julgamento e a melhor forma de provar os factos cujo ónus da prova lhe competia… (al.zz dos Factos Assentes).

53 -…e, se a final viesse a ser dada uma resposta aos factos que não fosse do agrado do Autor, então, recorrer da matéria de facto julgado (al. aaa dos Factos Assentes).

54 - O Dr. (…) interpôs recurso da sentença final… (al.bbb dos Factos Assentes).

55-…o qual foi admitido… (al.ccc dos Factos Assentes).

56-…e subsequentemente, foi julgado deserto com base na falta de apresentação das alegações (al.ddd dos Factos Assentes).

 57- Antes de ser proferido o despacho saneador, e quando o processo estava pendente no 2º Juízo de Tribunal Judicial de Águeda, o Réu tentou chegar a acordo com a ilustre mandatária do (…), tendo sido requerida, para o efeito, a suspensão da instância (al.eee dos Factos Assentes).

 58- …e, com vista à obtenção desse acordo, o Réu (…) apresentou até um orçamento, que endereçou diretamente ao Autor (al.fff dos Factos Assentes).

59 - A Interveniente Acessória Passiva «T (...)» segura, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) através da Apólice nº (...), o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, conforme decorre do teor do doc. nº1 junto com o articulado apresentado pela ora interveniente (al.ggg dos Factos Assentes).

 60 - A referida Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil (RC) profissional foi celebrada pela Ordem dos Advogados Portugueses, o Tomador do Seguro, e tem como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma (al.hhh dos Factos Assentes).

 61- Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe “Período de Cobertura”, a apólice em causa vigora pelo período de “24 meses, com data de início de 01 de Janeiro de 2012 às 00:00h e vencimento às 00:00 de 01 de Janeiro de 2014” (al.iii dos Factos Assentes).

 62 - De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice ora em análise:

 “A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice” (al.jjj dos Factos Assentes).

 63 - Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação: “ Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (…) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…) ”(al.kkk dos Factos Assentes).

 64 - Nos termos do Artigo 3º das Condições Especiais da Apólice 002866129 estabelece-se que “ficam expressamente excluídas da cobertura da presente APÓLICE as RECLAMAÇÕES:

a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO; (…) ” (al. lll dos Factos Assentes).

b) Nos termos do Art. 10º/1 das Condições Especiais da Apólice em análise:

 O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. Do Art. 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. (…) ”

 A comunicação referida em 1, dirigida ao Corretor ou à SEGURADORA ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da RECLAMAÇÃO possa chegar à SEGURADORA no prazo improrrogável de sete dias..” (al.mmm dos Factos Assentes).

65 - O Réu (…) através da sua contestação, e na data aí constante, requereu a intervenção da, ora, chamada nos termos nela constantes (al.nnn dos Factos Assentes).

 66- Até à data mencionada em nnn) dos Factos Assentes, o Réu não havia participado a factualidade, em discussão, à Chamada (al.ooo dos Factos Assentes).

67 - No mês de Junho do ano de 2009, o Autor e Réu vieram pôr fim a tal relação profissional e contratual, em consequência da perca de confiança do Autor no Réu. (ponto 1 da Base Instrutória).

68 – “O Autor, pelo menos, no ano de 1996, mandatou o, ora, Réu para que este responsabilizasse a Firma M (..) & L (…) Lda., pela via Judicial, caso fosse necessário, sem olhar a despesas (Pontos 2) e 3) da Base Instrutória).

68-A- “Em virtude do aludido em u) dos Factos Assentes, o Autor insistiu com o Réu para que este instaurasse contra a Firma M (…) & L(…), Lda., a competente Ação Judicial…”(Ponto 4) da Base Instrutória).

68-B - “Em virtude do Réu não intentar atempadamente a ação aludida em v) e w) dos Factos Assentes, o Autor deixou de poder reclamar judicialmente a indemnização sobre a Firma M (…) & L (…), Lda., que quantificara, num total de € 25.000,00 e os juros de mora civis vencidos à taxa de 4% ao ano, calculados desde a data da citação desta até à data da petição e que ascendiam a € 4.358,00”. (Ponto 5) da Base Instrutória).

69 - O referido advogado da empresa (…) acabou por informar o Réu de que a sua cliente não assumia qualquer responsabilidade, pelo facto de ter sido a água imprópria que produziu os efeitos indesejáveis nas casas de banho e na cozinha da moradia do Autor… (ponto 11 da Base Instrutória).

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:

- Impugnação da matéria de facto

- Existência de pressupostos fáticos e jurídicos para responsabilização do Réu.

I- Impugnação da matéria de facto

(…)

Assim, há que dar como provado sob o nº 68-B da factualidade provada, que:

“Em virtude do Réu não intentar atempadamente a ação aludida em v) e w) dos Factos Assentes, o Autor deixou de poder reclamar judicialmente a indemnização sobre a Firma M (…) & L (…) Lda., que quantificara, num total de € 25.000,00 e os juros de mora civis vencidos à taxa de 4% ao ano, calculados desde a data da citação desta até à data da petição e que ascendiam a € 4.358,00”.

Procede, assim, na sua quase totalidade, a impugnação da matéria de facto.

II - Existência de pressupostos fáticos e jurídicos para responsabilização do Réu

Convergimos com a decisão de 1ª instância quanto à qualificação do contrato como sendo um contrato de mandato forense, ao qual se aplicam as regras definidas pelo C.Civil (artigos 1157º e segs.), sendo este um caso de mandato oneroso, bem como pelo C.P.Civil de 1961, em vigor à data do factos (particularmente, nos seus artigos 35º e segs.) e, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005 (com diversas alterações), em especial o disposto nos seus artigos 92.º e seguintes.

Segundo este art. 92º: 

«1 - A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca.

2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas».

Prevendo ainda o art. 95º como, outros deveres, o de:

«1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:

(…) b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade».

No exercício da sua atividade, os advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão (art. 6º nº 2 da LOFTJ, em vigor à data dos factos).

  Prescrevendo o art. 12º nº 3 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, atualmente em vigor (Lei n.º 62/2013, de 26/08) que:

« (…) 3 - No exercício da sua atividade, os advogados devem agir com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão».

Deste conjunto normativo resulta que, no cumprimento do mandato forense o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, com respeito das regras deontológicas genericamente impostas ao exercício da profissão, dispondo, não obstante, de uma margem significativa de liberdade técnica a qual deve ser exercida de acordo com o fim do contrato.

Nesse cumprimento não se inclui, naturalmente, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender diligentemente os interesses do mandante e, segundo as regras da profissão. Esta é uma obrigação de meios e não de resultado.

E sendo, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento.

Não basta alegar a perda da ação para se considerar em falta o advogado que patrocinou a causa.

É necessário provar que o advogado não realizou os atos em que normalmente se traduziria um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão. Exigência que se vem revelando consensual na jurisprudência, como se pode ler, por exemplo, no Ac. do STJ de 06-03-2014, Relator: Pinto de Almeida, P:23/05.3TBGRD.C1.S1 e Ac. TRC de 29-04-2014, P. 231/10.5TBSAT.C1, Relator: Carlos Moreira, que subscrevemos como 1ª adjunta, disponível em www.dgsi.pt.

A seu tempo voltaremos a tal questão.

A presente ação assenta, assim, na responsabilidade civil profissional do Réu, sendo-lhe imputado o incumprimento culposo do mandato forense que lhe foi conferido pelo Autor, ora apelante.

Os pressupostos da responsabilidade contratual, comuns aos da responsabilidade extracontratual, são: o facto voluntário; a ilicitude do facto; a culpa (dolo ou negligência); o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido pelo lesado.

A ilicitude corresponde à violação de uma obrigação, através da não execução pelo devedor da prestação a que estava obrigado - art. 798º do CC.

Provado o ilícito, presume-se a culpa do devedor: é a este que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – art. 799º nº 1 do CC.

Resultou provado que, há mais de 20 anos, o Réu era advogado do A. e de empresas deste. Desde pelo menos 03-10-96, data em que escreveu a carta à empresa M (...) Lda, para que esta assumisse a boa execução da empreitada que assumira para com o Autor, que estava a par do conflito entre o Autor e esta sociedade. Esta, intimada para reparar a obra que executara com defeitos, em meados de 2004 aceitou substituir parcialmente a canalização na moradia do Autor, mas, ainda assim, este imputou-lhe a subsistência de defeitos e o não acabamento da obra, conforme inicialmente contratado. O que tudo era do conhecimento do Réu que, esteve na referida casa a inteirar-se dos problemas e, em 17-08-2004, escreveu uma carta àquela firma, dando-lhe conta dos mesmos e a solicitar-lhe que os resolvesse com a maior urgência.

Ora, tendo intentado uma ação pedindo a realização das obras em falta e reposição de defeitos ou uma indemnização de 25.000€ e juros, estava o ora Autor, patrocinado pelo ora Réu, a exercer um direito à eliminação dos defeitos (anteriormente mal reparados).

Importa ter presente o preceituado nos artºs 1221 e 1224 do C.Civ.

Dispõe o art. 1221 que: «1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção».

Por sua vez, diz o art. 1224 que os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no art. 1220º.

Tendo em conta que a Ré, se recusou a proceder a nova reparação e enviou ao Autor uma fatura com data de 10/10/2005, considerou a 1ª instância que, o ali Autor deveria ter proposto a ação para eliminação dos defeitos e acabamento da obra, pelo menos até ao dia 09/10/2006 (términus do ano seguinte à data da fatura) e que, tendo-o feito somente em 06/09/2007, verificava-se a caducidade.

Remetendo-nos para o acórdão, cuja cópia se mostra junta a fls. 71 e ss., confirmou este a decisão de procedência de tal exceção, fundamentada no facto de, o pedido de indemnização ser sequencial e residual do pedido de eliminação dos defeitos, não se ter provado o pedido principal de eliminação e, a ação, não ter sido proposta até 09/10/2006.

O que não se revelou controvertido na 2ª instância. 

Pois que, neste acórdão, foi lavrada uma declaração de voto que, concordando, embora, com a decisão que julgou procedente a exceção de caducidade, dava conta de que, embora o ato impeditivo da caducidade não tivesse que ser necessariamente judicial (a interposição duma ação), o Autor também não tinha provado o exercício extrajudicial do direito à eliminação dos defeitos, pelo que, a exceção de caducidade se verificava, também nesta interpretação mais abrangente.

Mal se entende, assim, que do elenco dos factos provados tenham surgido sob os nºs 47 e 48, afirmações que não correspondem ao real sentido de tal declaração de voto, pois que, ao contrario do aí afirmado, não ocorreu qualquer voto de vencido, apenas uma declaração de voto concordante com o decidido – verificação da exceção de caducidade, imediata, sem necessidade de prova – que apenas comporta a novidade, face ao texto do acórdão, de conceber, em tese, a possibilidade de ocorrer um exercício extrajudicial de denúncia dos defeitos, mas concluindo que também este não ocorreu.

Assim, a exceção de caducidade foi julgada verificada quer pela 1ª, quer pela 2ª instância, de forma totalmente concordante.

Cumpre, então, perguntar – não devia o Réu ter intentado a ação mais cedo, de modo a garantir que não fosse a mesma inviabilizada pela caducidade de denúncia dos defeitos da reparação?

A resposta a tal pergunta é inequívoca. Devia. No cumprimento zeloso do patrocínio cabia ao Réu ter acautelado o prazo de exercício dos direitos - prazo de um ano a contar da denúncia atempada dos defeitos (art. 1224 nº 1 C.Civ.).

Prazo esse que, resulta pacífico, se mostra condicionante do exercício do direito à eliminação dos defeitos.

A exceção de caducidade veio a ser julgada procedente no saneador, proferido em 09/11/2009, o qual veio a ser confirmado por Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 04/10/2011.

Embora à data de 09/11/2009 o Réu, a mando do Autor, houvesse já substabelecido noutro mandatário, sem reserva de poderes, a verdade é que, a caducidade da ação só ao Réu poderá ser imputada, pois que a mesma prende-se com o momento da propositura da ação. Ao Réu era exigível o conhecimento e acautelamento de tal prazo, no exercício diligente de tal mandato, tanto mais que, o Autor/mandante não tem formação jurídica.

Cabia ao Réu não deixar esgotar aquele prazo. Ao não fazê-lo incorreu na prática de um facto ilícito e presuntivamente culposo, pois o mesmo omitiu, de forma que não podia ignorar, o dever de zelo de intentar atempadamente a ação, de molde a que o seu constituinte (mandante) pudesse ver apreciado e decidido o direito acionado.

A tal propósito, entendeu o Mmº Juiz da 1ª instância que, embora numa primeira análise a caducidade da ação seja imputável ao causídico, ora Réu, um aprofundamento dos factos leva a concluir pela não verificação da ilicitude da sua conduta. Apoia-se o Mmº Juiz,  no facto de não ter sido interposto recurso de revista, pelo novo mandatário substabelecido, não obstante ser admissível o recurso, tendo em conta o regime processual civil e a alçada então em vigor e, tendo em conta a existência duma declaração de voto no Acórdão da Relação. Assim, lê-se na sentença de 1ª instância ora em recurso, “…a dita omissão perpetrada pelo Autor e seu causídico… leva a que haja dúvidas sobre se a caducidade da ação se teria verificado, e nessa medida, a dúvida não poderá deixar de beneficiar o Réu no sentido de se inverificar a ilicitude da sua conduta”.

Cremos que tal ponderação incorre em erro ao desconsiderar que a decisão de caducidade declarada em tal ação não só não foi consensual como está totalmente sob a cobertura da declaração de voto emitida por um Sr. Desembargador, que a desenvolve mas não a contradiz. E ainda que, à luz das regras de direito e fazendo apelo a critérios de boa ponderação jurídica, não se vislumbra que tal recurso pudesse ter êxito, que outra pudesse ser a decisão se recurso houvesse para o Supremo, pois que se trata de questão assente em factos inequívocos e que não suscita controvérsia jurisprudencial. A questão é consensual.

Daí que o ilícito do Réu subsista, não obstante o novo mandatário do Autor não ter, recorrido do acórdão da Relação.

E subsiste também, não obstante ter sido julgada procedente a reconvenção que naquela ação havia sido deduzida contra o Autor, pois que, o processo em causa prosseguira para julgamento apenas para conhecimento da mesma.

É de admitir, de acordo com as regras normais de julgamento que, caso a pretensão do Autor não tivesse sido declarada caducada, teria sido possível ao Autor convencer da bondade da sua pretensão, a qual não tendo sido julgada inepta, se mostrava viável, produzindo o Autor em julgamento prova bastante para o efeito, porventura prova superior à que a então Ré/reconvinte produzira, invertendo-se assim a posição das partes no êxito da ação.

Temos, assim, com todo o respeito, que nesta avaliação de (in)subsistência do ilícito,  a decisão recorrida, incorre em erro de ponderação.

Verificado está o ilícito e a culpa do ora apelado.

Na sequência de tal conduta o Autor deixou de poder ver reconhecidos os seus direitos contra a sociedade M (...), verificando-se assim o nexo de causalidade entre o seu comportamento menos diligente e esta frustração ou dano.

Tem vindo a doutrina e a jurisprudência a tratar os dois pressupostos – nexo de causalidade e dano – neste tipo de ações em que está em causa uma obrigação de meios, no âmbito da figura da perda de chance ou de oportunidade, admitindo a ressarcibilidade deste dano. Nesse entendimento, poderá consultar-se o citado Ac. do STJ de 06-03-2014 e, Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e segs; e, Júlio Gomes, Sobre o Dano da Perda de Chance, Direito e Justiça, XIX, T. II, 9 e segs..

Pressupõe tal dano: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, suscetível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.

A perda de chance ocorre quando uma dada ação ou omissão faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, vendo-se o Autor privado da «chance» de obter um resultado favorável.

A doutrina da «perda de chance» ou da perda de oportunidade defende, assim, em tese, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, eram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.

 Lê-se, a propósito, no Ac. do STJ de 14/03/2013, P. 78/09.1TVLSB.L1.S1, Relatora: Teresa Beleza, que «o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada».

No presente caso, a chance de vencimento, dependeria da prova do contratado, dos defeitos e da não execução, o que não seria muito difícil, sendo, por isso, causa adequada da perda de oportunidade de ganhar a ação.

Não se vislumbra qualquer razão para não poder o Autor vencer a ação, provando os factos que alegou. A probabilidade de ganho era uma realidade elevada.

No caso, a chance de vencimento em concreto é, assim, suficiente, para que a oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).

O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem que será decisivo para a determinação da indemnização.

Uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, a reparação da perda de oportunidade deva ser medida apenas em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava obter com a ação.

Tal implica, em primeiro lugar, a avaliação do dano final e, em seguida, fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem, em regra, traduzido num valor percentual que aplicado à avaliação do dano final corresponde ao valor da indemnização a atribuir pela perda da chance.

Na hipótese em apreço, na ação caducada o Autor pedia a eliminação dos defeitos e acabamento da obra ou uma indemnização equivalente a 25.000€. Valor este que, já de si, representa uma estimativa feita pelo Autor de equivalência de prejuízos. O Autor não nos deu o critério para tal estimativa. Considerando que foi condenado num pedido reconvencional no valor de 4.409,17€, é razoável, deduzir este valor àquele, partindo, assim, de um valor aproximado de prejuízo de 20.000€.

Considerando a natureza do dano em análise, nunca a indemnização poderia atingir a totalidade da quantia, inicialmente, peticionada pelo Autor naquela ação e menos ainda nesta.

Atendendo a que se não pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência no julgamento de facto e de direito da questão submetida a juízo, com base na equidade, que é agora o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta, fixa-se o mesmo em 50%. – na esteira dos Ac.s STJ 28-09-2010 e de STJ 05-02-2013, RL 3.05.2012, in www.dgsi.pt, que julgaram equitativo fixar em 50%, para cada uma das partes, o grau da possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência – total ou parcial-), na falta de qualquer outra base lógica em que assentar tal juízo de prognose póstuma.

Mostra-se, pois, adequada a fixação de uma indemnização de 10.000€.

A tal quantia acrescem os juros de mora, à taxa civil, desde a citação (art. 805 nº 3 do CPC) até integral pagamento.

Em suma:

- A perda de chance ocorre quando uma dada ação ou omissão faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo.

- O dano da perda de chance deve ser avaliado de acordo com critérios de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, de acordo com as probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.

 

                                                            IV

Termos em que acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e consequentemente condena-se o Réu no pagamento ao Autor da quantia de 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de juros de mora à taxa civil desde a citação.

Custas por recorrente e recorrido na proporção do decaimento.

 (Anabela Luna de Carvalho - Relatora)

 (João Moreira do Carmo)

 (José Fonte Ramos)