Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1355/19.9T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ( PER)
PLANO DE RECUPERAÇÃO
RECUSA
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
NORMAS PROCEDIMENTAIS
NORMAS DE CONTEÚDO
Data do Acordão: 10/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17 D, 17 F, 194, 196, 215, 216 CIRE
Sumário: 1.- São normas procedimentais aquelas que são destinadas a garantir a efectiva possibilidade de participação de todos os credores nas negociações sobre o plano de recuperação proposto, fornecendo-lhe, com equidade, informação atempada.

2.- Verifica-se a violação não negligenciável de normas procedimentais, se um dos credores não for convocado para os termos do processo, se não lhe for dado conhecimento da existência do processo, assim, o impedindo de nele participar ou se esse credor não for indicado como tal e o seu crédito não tiver sido sequer relacionado.

3.- São normas relativas ao conteúdo, tanto as respeitantes à parte dispositiva do plano, como aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve apresentar.

4.- Deve ser recusada a homologação do plano, se tal lhe for solicitado por algum credor que se lhe haja oposto, se a sua situação ao abrigo de tal plano for previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Decisão Texto Integral:










            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

L (…)  LDA., pessoa coletiva (…), com sede (…) Coimbra, intentou o presente processo especial de revitalização, tendo em vista a promoção da respetiva revitalização através da aprovação de plano de recuperação.

Foi nomeado administrador judicial provisório, que apresentou a lista provisória de créditos a que alude o art. 17.º- D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, objeto de impugnações entretanto decididas.

Decorrido o prazo de negociações, acrescido de prorrogação por trinta dias, a devedora depositou no tribunal a versão final do plano de revitalização, nos termos previstos no art. 17.º-F, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, versão alterada dentro do prazo a que se reporta o n.º 2 do referido normativo.

No dia 28 de agosto de 2018 foi publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção de nova versão do plano, correndo desde esta data o prazo de votação, de 10 dias, conforme art. 17.º-F, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O credor Banco (…) S.A. veio invocar a violação de regras procedimentais pela devedora, invocando para tanto, e no essencial, que a devedora lhe não deu conhecimento do início das negociações, impossibilitando-a de participar nas mesmas. Acrescentou que o plano revela a intenção de prejudicar os credores que não reclamaram os créditos, prevendo que os mesmos se extinguem. Concluiu que devem ser anulados todos os atos subsequentes à apresentação da lista provisória de credores, sendo-lhe concedido prazo para reclamação de créditos, e/ou que seja declarada a não homologação oficiosa do plano, pela existência de violação não negligenciável de regras procedimentais e de normas aplicáveis ao conteúdo do plano.

Também o credor Banco (…), S.A. solicitou a recusa de homologação do plano, por considerar que o mesmo viola o princípio da igualdade, prevendo um tratamento privilegiado de uns credores sobre outros, designadamente do único credor privilegiado, sobre os comuns, sem que tal diferenciação se encontre justificada.

Findo o prazo de votação, o administrador judicial provisório remeteu ao tribunal documento elaborado e assinado por si contendo o resultado da votação, bem como os votos emitidos.

A devedora respondeu ao requerimento do credor Banco (…), S.A. alegando que a reclamação de créditos não depende de eventual convite à negociação, e que foi contactada a empresa mãe do grupo S (...) , sendo da mais elementar boa-fé que entre empresas do mesmo grupo e que, com autorização do Banco de Portugal, partilham o mesmo nome comuniquem entre si, sem induzir os consumidores e os clientes em erro. Acrescentou que já negociou com a empresa de leasing do Grupo (…) transferir o contrato de leasing, o que está refletido no plano, pelo que considera que o requerimento apresentado configura uma lide inútil. Por fim, invocou que a falta de tempestiva reclamação de créditos retira à Leasing (…) legitimidade para intervir no processo.

A devedora pronunciou-se ainda sobre o pedido de recusa de homologação apresentado pelo credor credor Banco (…), S.A., defendendo a sua improcedência, por considerar que o plano apresentado respeita todos os critérios legais exigíveis.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, foi proferida decisão, na qual, a final, se recusou a homologação do pano apresentado pela requerente, ficando as custas a seu cargo, resumidamente, com fundamento nas seguintes ordens de razões:

- numa violação não negligenciável, de ordem procedimental, porque o credor Banco (…), SA, não foi informado do início das negociações com vista à revitalização da requerente, com vista a, querendo, participar nas ditas negociações e;

- porque não se mostra justificada e, por isso, violadora do princípio da igualdade, a prevista extinção dos créditos não reconhecidos, impugnados ou não reclamados, como melhor consta dos seu item 2.6.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso, a credora reclamante, M (…) e a requerente L (…) L.da, na sequência do que a decisão foi declarada nula, com fundamento na omissão da fundamentação de facto.

Após a consequente baixa dos autos à 1.ª instância, foi proferida a sentença de fl.s 459 a 456 v.º, na qual se recusou, de novo, a homologação do plano de recuperação apresentado, com os mesmos fundamentos da anterior, acima já referidos, ficando as custas a cargo da recorrente.

De novo inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a requerente L (…) L.da, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 484), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

A. Da douta sentença confirmando a APROVAÇÂO do Plano PER pelos Credores, é acertada e dela aqui não se recorre.

B. A parte da Douta Sentença onde recusa a homologação do plano aprovado pelos Credores baseia-se em factos FALSOS, pelo que dela aqui se recorre.

C. De facto, não corresponde à verdade que a devedora não tenha negociado com o Leasing (…) SA, conforme se depreende dos rastos de boa fé negocial deixados nos documentos que já constam dos Autos, mas que não foram relevados pelo Douto Tribunal a quo.

D. Apesar de a Sociedade S (…) não ter sido formalmente convidada a participar nas negociações “DE FACTO” participou nas negociações, como se prova pelos emails juntos em Anexo ao Plano PER, e por outras trocas de emails, referentes à passagem do contrato de crédito para ex-trabalhadores.

E. A referida provisão do cap.2.6, Parte II do Plano aprovado é apenas algo que consta

do CIRE, nomeadamente no art 128º, nº5 do CIRE, previsto para os planos de insolvência ou recuperação, que corram nos termos do Titulo IX do CIRE,

F. Pelo que decorrendo esta provisão da Lei, nomeadamente o art 128 CIRE, não pode constituir nenhuma violação da lei, muito menos grave, porque todo o Título IX do CIRE é inteiramente aplicáveis aos PER, ex-vi art. 17º-F, nº7, do CIRE-PER.

G. Por fim, o próprio CIRE-PER no seu art. 17º-F, nº10, prevê que os credores que não participem nas negociações ficam ainda assim vinculados aos termos do Plano, nomeadamente às consequências previstas no art. 128º, nº5, do CIRE quanto à falta de reclamação de créditos.

H. Por último, não se verifica nenhuma violação do art 216º do CIRE.

--*--

Pelo que, nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente Recurso ser admitido e, por consequência:

(…)

c) Deve ser revogada a parte da Douta CONCLUSÂO de 8-5-2019, Refª 80006232, na parte em que recusa a homologação do Plano aprovado pelos credores, com as consequências processuais daí decorrentes;

d) Em consequência deve ser HOMOLOGADO o plano PER Ref: 29916445,

seguindo-se os demais trâmites até final;

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o plano de revitalização apresentado pela requerente deve ser homologado, por não conter violação não negligenciável das normas aplicáveis, quer a nível procedimental, quer quanto ao seu conteúdo, designadamente, não violar o princípio da igualdade entre credores.

É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:

1. A L (…), Lda. é uma sociedade comercial por quotas, (…) constituída em 24.01.1994, com o capital social de € 24.939,90, tendo por objeto a comercialização, importação e exportação de equipamentos de escritório e edição de documentos.

2. São gerentes da sociedade J (…) e J (…)  s, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes.

3. À data da sua constituição, eram sócios da sociedade J (…), A (…) e L (…), os dois primeiros com uma quota, cada um, de € 7.481,97, e esta com uma quota de € 9.975,96.

4. Em 5.11.2004, o capital social da sociedade foi aumentado de € 14.963,94, passando a ser de € 39.903,84, e a estrutura societária passou a ser constituída da seguinte forma: L (…), Lda., com uma quota de € 13.966,34, J (…) com uma quota de € 9.975,96, A (…) com uma quota de € 9.975,96, e J (…), com uma quota no valor de € 5.985,58.

5. Em 2.05.2006, a quota de A (…) foi cedida aos sócios J (…) e J (…), passando a estrutura da sociedade a ser constituída da seguinte forma: L (…) Lda., com uma quota de € 13.966,34, J (…) com uma quota de € 14.963,94, e J (…), com uma quota no valor de € 10.973,56.

6. No dia 21 de março de 2018 a sociedade intentou o presente processo especial de revitalização, tendo em vista a aprovação e homologação de plano de recuperação.

7. Para tanto, juntou declarações de vontade emitidas pela sociedade e pelos credores K (…), (…), através da qual a devedora e os referidos credores manifestaram a vontade de aderir a processo especial de revitalização com vista à reestruturação das dívidas da empresa.

8. Por despacho proferido a 4 de abril de 2018, foi nomeado administrador judicial provisório o Sr. Dr. (…).

9. O passivo total reconhecido no âmbito do processo foi de € 1.744.258,97, revestindo a natureza de créditos não subordinados créditos no valor de € 17.105,02.

10. Em 24.04.2015 a B (…) celebrou com a sociedade devedora um contrato de locação financeira tendo por objeto um veículo automóvel, de marca Citroen, modelo Berlingo 1.6HDi 75 CVM Club, com um valor de aquisição de € 13.752,03.

11. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 48 meses e com o valor residual de € 275,05, acrescido do I.V.A. à taxa legal em vigor.

12. Pelo referido contrato a requerida assumiu, entre outras, a obrigação de pagar à requerente 48 rendas mensais, a primeira no montante de € 111,81 e as restantes no valor de € 253,22 cada.

13. Por escritura datada de 31 de julho de 2015, a B (…) vendeu e o Banco (…), S.A. comprou o estabelecimento comercial de que aquela era titular em Portugal, e que consistia na unidade de negócio que compreende o ativo e passivo de B (…)

14. A devedora não indicou o B (…), S.A. na lista junta com o requerimento inicial, nem lhe remeteu a comunicação prevista no art. 17.º-D, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

15. A 6 de abril de 2018, a devedora remeteu ao «G (…)», para a Rua (...) , comunicação dando conta que dera início a negociações com vista à sua revitalização, e convidando-o a participar nas negociações em curso.

16. O Banco (…), S.A. não reclamou, nem lhe foram reconhecidos, créditos no âmbito do presente processo.

17. A versão final do plano apresentado pela devedora prevê a reestruturação do seu passivo mediante, além do mais, a extinção dos seguintes créditos:

«Os créditos NÃO reconhecidos pelo Sr. Administrador Judicial nos autos deste processo

Os créditos NÃO reconhecidos pelos aqui devedores, portanto não arrolados aos autos,

Os créditos IMPUGNADOS pelos aqui devedores, nos termos do Art. 130.º do CIRE, na medida da impugnação,

Os créditos NÃO reclamados pelos credores no âmbito deste plano, portanto desinteressado da sua cobrança».

18. O plano prevê a possibilidade de os credores converterem os seus créditos em capital social, podendo e devendo os mesmos indicar no ato de votação se desejam converter os seus créditos em capital.

19. De acordo com o mapa elaborado pelo Sr. Administrador judicial provisório, exerceram o seu direito de voto relativamente ao plano apresentado pela devedora nos autos credores titulares de créditos no montante de € 1.425.077,94, tendo votado a favor da aprovação do plano credores titulares de créditos no montante de € 882.231,92 e contra a aprovação do plano credores titulares de créditos no montante de € 542.846,02.

20. Apenas a credora M (…), titular de um crédito no valor de € 38.000,00, comunicou, no ato de votação, a sua opção de aderir ao aumento de capital proposto pela devedora.

21. A sociedade devedora procedeu à alteração do seu pacto social, por forma a refletir este aumento de capital.

22. Estando inscrita no registo, através da inscrição 13, Ap. 222/29190412, a redução do capital social em € 38.803,84, para cobertura de prejuízos, ficando o capital após a redução a cifrar-se em € 1.000,00, e o seu aumento no montante de € 85.000,00, por conversão de créditos de créditos pela nova sócia M (…) ficando o capital após o aumento a ser de € 86.000,00.

23. Após o que a estrutura do capital social passou a ser constituída da seguinte forma: uma quota no valor de € 350,00 pertente a L (…) Lda., uma quota no valor de € 375,00, pertencente a J (…), uma quota no valor de € 275,00, pertencente a J (…)e uma quota no valor de € 85.000,00, pertencente a sócia M (…)

A que acresce o seguinte:

1. Do Plano de Recuperação proposto e aprovado pela maioria dos credores, junto de fl.s 203 e seg.s, aqui dado por reproduzido, consta que:

a)Créditos dos Trabalhadores

Actuais trabalhadores

Os salários em atraso serão pagos em 36 prestações, iguais e sucessivas sem moratórias, sem qualquer perdão.

A existirem outros créditos, serão pagos em igualdade com os outros trabalhadores.

Antigos trabalhadores

Os créditos por salários em atraso, serão pagos aos ex-trabalhadores em igualdade com os actuais (36 prestações, iguais e sucessivas sem moratórias, sem qualquer perdão).

Os decorrentes da cessação de contratos de trabalho serão pagos, com moratória de um ano, em 60 prestações iguais e sucessivas, com perdão de juros vincendos ou com moratória de 2 anos, em 120 prestações iguais e sucessivas, com perdão de juros vencidos e vincendos.

b) Autoridade Tributária e Aduaneira

Responsabilidades correntes liquidadas nas datas devidas;

Responsabilidades vencidas durante o PER, nos termos legais;

Dívidas para com a AT ao longo do processo, em 150 prestações;

Prestação mínima de 10 UC;

Pagamento integral do capital reclamado e coimas;

Pagamentos em prestações iguais e sucessivas;

Perdão dos juros vencidos;

Os “futuros juros”, serão calculados de forma corrida e à taxa legal em vigor, em cada momento, face às garantias apresentadas e aceites;

Pagamento da 1.ª prestação no mês seguinte à sentença de homologação, independentemente do trânsito em julgado.

c) Créditos da Segurança Social

Pagamento da totalidade da dívida, em sede de processo executivo, através de acordo prestacional em 150 prestações mensais;

Manutenção das actuais garantias (hipotecas referidas), podendo ser ponderadas adicionais;

Formalização do acordo junto do respectivo processo executivo, no mês seguinte ao da homologação do plano, vencendo-se a 1.ª prestação nesse mesmo mês;

Pagamento das responsabilidades cujos factos tributários ocorram até à aprovação do plano;

Prestação mínima de 10 UC.s.

Pagamento integral da dívida, capital, juros e coimas, em prestações iguais e sucessivas.

Os “futuros juros”, serão calculados de forma corrida e à taxa legal em vigor, em cada momento, face às garantias apresentadas e aceites;

d) Créditos garantidos por penhor

Apenas se indica um crédito do M (…) (mas valendo para outros, se os houver), serão pagos com o penhor e o remanescente com os restantes créditos do respectivo credor e pago em conformidade, mantendo-se as garantias existentes.

e) Créditos condicionais (garantias bancárias)

As garantias serão terminadas e as comissões devidas serão consolidadas com os restantes créditos do respectivo credor, e pagas em conformidade.

As custas, taxas e despesas directamente relacionadas com o cancelamento serão perdoadas.

e) Locações financeiras/leasings

As obrigações ainda não cumpridas, não são afectadas pelo plano.

Entrega das viaturas em leasing ao proprietário, terminando o contrato sem penalizações contratuais, nem mais nenhum pagamento pela devedora.

Novação de todas as dívidas previstas nos antigos contratos.

Equipamentos de escritório em leasing, pagamento de juros mensais nos dois primeiros anos (Euribor 6 meses + 2%).

Amortização em 60 prestações, mensais, iguais e sucessivas, até ao valor residual, que será pago após a última prestação.

Moratória de capital de 24 meses

f) Créditos comuns – Bancos

Conversão e aglutinação de todas as responsabilidades perante cada instituição financeira, reportadas à data do trânsito em julgado do PER, sem nenhum perdão do capital reclamado e reconhecido.

Juros corridos desde o trânsito em julgado, à taxa Euribor a 12 meses, com “Floor” 0%, acrescido de um spread de 2%, sem moratória.

Amortização de capital em 180 prestações mensais e sucessivas, num prazo total de 180 meses, segundo o seguinte calendário:

0% no 1.º ano (moratória apenas do capital);

1% do capital no 2.º ano;

2% do capital no 3.º ano;

3% do capital no 4.º ano;

4% do capital no 5.º ano;

5% em cada um dos 10 anos seguintes;

40% no 15.º ano, o “bullet” final.

O PER não será motivo para serem despoletadas eventuais penalizações constantes dos contratos de crédito, nem juros moratórios.

Início da contagem dos prazos de pagamento, com o trânsito em julgado do plano.

Os valores reclamados no PER serão revistos à data do trânsito em julgado e acrescidos e consolidados com os juros do período PER.

Todos os juros devidos desde o início do PER serão capitalizados à taxa Euribor de 12 meses, acrescido de um spread de 2%, referentes ao período do PER, até ao trânsito.

Manutenção das garantias já existentes,

g) Créditos comuns – Fornecedores

Impossibilidade de dedução de IVA por créditos adquiridos a fornecedores.

Os credores com fornecimentos com IVA não o poderão deduzir, relativamente às facturas arroladas neste plano.

Poderão receber os seus créditos, nas mesmas condições gerais fixadas para os bancos, em 180 prestações, bullet final de 40%, com juros ou;

Sem qualquer perdão do capital reclamado e reconhecido pela empresa, com pagamento do capital em 150 prestações, mensais, iguais e sucessivas, sem juros;

Moratória no início de pagamentos de 3 anos;

Perdão de juros vencidos, das penalizações e custas e tudo o mais que não seja estritamente capital;

Início da contagem dos prazos de pagamento, com o trânsito em julgado do plano;

Prestação mínima de 1 UC.

Encontro de contas só poderá e deverá ser feito entre dívidas anteriores ao PER.

h) Accionistas e gerentes

Possibilidade de converter os seus créditos em capital, em condições a acordar com os actuais accionistas, entre a aprovação e a homologação do plano;

Os suprimentos dos sócios, as prestações suplementares e as reservas actualmente disponíveis serão usadas para cobertura de prejuízos;

Os resultados correntes não poderão ser levantados até os actuais credores serem ressarcidos.

i) Avais e outras garantias prestadas por terceiros a favor de credores

Os credores que votarem favoravelmente o plano devem abster-se de accionar as garantias que detenham sobre terceiros, enquanto o plano estiver em cumprimento.

Se algum credor accionar as garantias, os credores que votarem favoravelmente o plano, também poderão reclamar e activar os seus créditos sobre esses terceiros num qualquer processo executivo, que venha a ser lançado.

Se o plano estiver em cumprimento e se algum credor accionar os avales, os restantes também serão todos accionados, sendo as respectivas dívidas declaradas vencidas.

Se os avalistas forem demandados pelos seus credores, nessa altura, aqueles constituem-se como credores comuns.

j) Outros Credores

Com o fundamento em que a sentença de homologação do plano, vincula, também, os credores detentores de créditos, que tenham ou não sido reclamados ou verificados, prevê-se no plano a extinção (sublinhado nosso) dos seguintes créditos:

«Os créditos NÃO reconhecidos pelo Sr. Administrador Judicial nos autos deste processo.

Os créditos NÃO reconhecidos pelos aqui devedores, portanto não arrolados aos autos.

Os créditos IMPUGNADOS pelos aqui devedores, nos termos do Art. 130.º do CIRE, na medida da impugnação.

Os créditos NÃO reclamados pelos credores no âmbito deste plano, portanto desinteressado da sua cobrança».

 

Se o plano de revitalização apresentado pela requerente deve ser homologado, por não conter violação não negligenciável das normas aplicáveis, quer a nível procedimental, quer quanto ao seu conteúdo, designadamente, não violar o princípio da igualdade entre credores.

É indubitável que, no âmbito de uma situação de insolvência ou pré-insolvência, nos termos do disposto no artigo 194.º do CIRE, se consagra o princípio da igualdade entre credores, ali se consagrando no seu n.º 1, a regra de que “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”, acrescentando-se no seu n.º 2 que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, que se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.

Nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE refere-se que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…”.

Assim, impõe-se uma abordagem do que se deve entender por “violação não negligenciável” (e, no reverso da situação, o que se entende por violação negligenciável) dos procedimentos ou de normas substantivas aplicáveis ao plano de recuperação apresentado.

Por outro lado, importa não esquecer que a possibilidade de conformação do plano de recuperação aprovado pelos credores, limita, restringe, ou pode fazê-lo, a esfera dos direitos de cada um, ou alguns, dos credores da devedora, na medida em que o plano fixa em que medida se opera a redução ou o perdão dos créditos e juros, a constituição de garantias e validade e relevância das anteriormente constituídas, nos termos do disposto nos artigos 196.º e 197.º do CIRE.

Isto porque, como se refere, entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10/04/2014, Processo 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, Processo 6148/12.1TBBRG.G1.C1, disponíveis no respectivo sítio do itij, depois da reforma operada pela Lei 16/2102, de 20/4, o CIRE tem como objectivo principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respectiva liquidação.

Dá-se relevância à recuperação da empresa, em detrimento do anterior objectivo primordial, que era o de, em primeira linha, obter a satisfação dos direitos dos credores, por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora.

Como refere Menezes Cordeiro, in “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, Ano XII, n.os 22/23, 2012, pág.s 40 a 42, como linha inovadora da citada reforma surge “a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo … a recuperação surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente.”.         

É no âmbito dos poderes de conformação do plano por parte da maioria dos credores de uma empresa em estado de pré-insolvência que surge a possibilidade de, nos termos do disposto no artigo 196.º do CIRE, lançar mão das (ou alguma (s)) providências nele referidas, designadamente o perdão ou redução do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionamento de reembolso de créditos; modificação de prazos de vencimento e taxas de juros; constituição de garantias e cessão de bens aos credores e outras ali não previstas, uma vez que, cf. seu n.º 1, se refere que “O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências …”, o que, fora de dúvidas faz transparecer a ideia de que será possível usar outras providências, para além das ali expressamente indicadas, desde que contidas e descritas no plano de recuperação.

Por idênticas razões, se permite, conforme estipulado no artigo 197.º do CIRE, desde que expressamente estatuído no plano de insolvência, a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios que versem sobre bens da empresa pré-insolvente.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 25/03/14, acima já citado “A expressão “na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência”, atribui cariz supletivo ao preceito, o que implica que pode haver regulação diversa, contendendo com os créditos previstos nas al.s a) e b) o que deve ser entendido como afloração do princípio da igualdade e reconhecimento que, dentro da legalidade exigível, o plano pode regular a forma como os credores estruturam o Plano de Insolvência. Só assim não será se não houver expressa adopção de um regime diferente.”.

No mesmo sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 762 que ali defendem que “sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência, que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção.

Adrede, está ainda a salvaguarda do princípio da igualdade.”.

Ali acrescentando a fl.s 762 e 763 que “Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afectação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos (…)

Naturalmente, a exigência da dispensa do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência.”.

Daqui resulta que os credores, melhor dito, da sua maioria, dispõem de uma ampla autonomia quanto à forma como podem recuperar os seus créditos, ponderando a possibilidade de liquidação da empresa ou a sua viabilidade/recuperação, de acordo com o plano aprovado, sem que, como é óbvio, possam violar o princípio da igualdade entre credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE.

Princípio, este que, como já referido, não tem um carácter absoluto, uma vez que na parte final do n.º 1 do artigo 194.º do CIRE se estabelece a possibilidade de o mesmo poder ser derrogado por “razões objectivas”.

Derrogação, esta, que assenta em razões de proporcionalidade, princípio que, igualmente, goza de matriz constitucional, baseado em razões de adequação das medidas aos fins; necessidade ou exigibilidade das medidas e proporcionalidade em sentido estrito ou “justa medida”.

Como refere Jorge Reis Novais in “Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171, citado no Acórdão do STJ, em referência, “a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.”.

Por último, nesta sede, de considerar que, como defende Gisela Fonseca in “Direito da Insolvência – Estudos”, Coordenação de Rui Pinto, Coimbra Editora, 2011, no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”, o plano de insolvência tem uma natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles.

Como ali se refere “A concretização do plano de insolvência permite aos credores a composição dos interesses emergentes do processo, de acordo com a sua própria vontade, revestindo-se, assim, de uma natureza negocial.”.

Esta ponderação de interesses, tendo em vista a salvaguarda do princípio da igualdade entre credores, violado este, no plano aprovado, deve conduzir a que o juiz recuse oficiosamente a aprovação do plano sempre que exista uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, conforme se acha disposto no artigo 215.º do CIRE, em que se enquadra a injustificada, desadequada, arbitrária ou injusta, violação do direito à igualdade entre credores, nos moldes em que este se encontra consagrado no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., de pág.s 826 a 828, devem considerar-se “não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.

(…)

O que importa é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta.

(…)

Apenas cabe uma nota complementar para alertar não poder deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por ele deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses.”.

Ora, tendo em vista o que ora se deixou dito e analisando o que consta do plano de recuperação aprovado, relativamente ao plano de pagamentos proposto, impõe-se concluir, tal como na decisão recorrida, que o mesmo tem, na sua génese, vícios que configuram violações não negligenciáveis, tanto a nível procedimental, como do seu conteúdo.

Efectivamente, como acima já se referiu, nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE:

“O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza …”.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 826:

“Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento e –, assim as relativas ao modo como ele dever ser elaborado e apresentado.”.

Como é bom de ver, desde logo daqui decorre que se verifica a violação de normas procedimentais, se um dos credores não for convocado para os termos do processo, se não lhe for dado conhecimento da existência do processo, assim, o impedindo de nele participar e, ainda, para mais, como in casu, sucedeu, se tal credor não for indicado como tal e o seu crédito não tiver sido, como não foi, relacionado e depois, a final, com tal fundamento, for declarado como extinto.

Diremos, até, que a não convocação de um credor, para mais conhecido da requerente – como se verifica in casu – para os termos do processo, consistirá na mais grave das violações a nível procedimental.

Efectivamente, a não convocação de um credor, para os termos do processo, assim, o afastando da possibilidade de participar nas respectivas negociações, é a mais grave violação das regras procedimentais e se assim não for considerado, tudo o mais será um minus relativamente a esta situação, deixando de existir, na prática, violações desta natureza.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 03 de Novembro de 2015, (citado na decisão recorrida), Processo n.º 4312/14.8T8VIS. C1, disponível no respectivo sítio do itij, devem entender-se como normas de tramitação aquelas que são destinadas a garantir a efectiva possibilidade de participação de todos os credores nas negociações sobre o plano de recuperação proposto, fornecendo-lhe, com equidade, informação atempada.

Ora, se o credor B (…), não foi indicado como credor, nem lhe foi enviada a comunicação dando conta da abertura das negociações (cf. itens 14.º a 16.º), é forçoso concluir que, relativamente a este credor se verificou uma violação não negligenciável de normas procedimentais, ficando, assim, tal credor, arredado de poder participar nas negociações ocorridas antes da aprovação do plano de recuperação, plano, este, no qual, ainda, por cima, se consigna a extinção do seu crédito, por não reclamado, nem reconhecido pelo A. I., nem pelos demais credores – cf. item 17.º dos factos provados (se bem que esta última parte, já se enquadre na violação de normas relativas ao conteúdo do plano, não se pode desconsiderar que mais agudizam a violação a nível procedimental, uma vez que, por não ter sido chamado a participar nas negociações, o credor em apreço, viu, mercê da aprovação do plano, ser extinto o seu crédito).

Assim, desde logo, a nível dos procedimentos, existem razões para o plano não ser homologado.

E, salvo o devido respeito, nem a tal obsta o facto de a devedora ter procedido à comunicação a que se alude no item 15.º, para o que basta transcrever o que, quanto a tal se acha expendido na decisão recorrida e que se passa a transcrever:

“A devedora, não obstante confirmar que não remeteu ao credor a dita comunicação e convite, invocou tê-lo feito à empresa mãe do grupo S(…), entendendo que tanto bastaria para que tal dever estivesse cumprido.

Encontra-se efetivamente junto, com o requerimento da devedora de 21.09.2018, a carta registada que, a 6 de abril de 2018, ou seja, imediatamente após a notificação do despacho a que se reporta o art. 17.º-C, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, esta remeteu ao «Grupo (…)r», para a Rua (…)Lisboa.

Não se compreende, contudo, esta opção, quando resulta dos demais documentos juntos que esta tinha conhecimento da denominação do credor e da sua sede, em local distinto daquele para a qual foi endereçada a dita carta (Rua (…) Portugal). Com efeito, tais documentos consistem numa carta enviada pelo Banco (…), S.A. à devedora no dia 5 de março de 2018, atinente à alteração da sua domiciliação bancária, dela constando todos os dados necessários para que a devedora identificasse corretamente o credor e respetiva sede.

Por outro, o credor Banco (…).A. é uma pessoa jurídica autónoma, distinta do suposto «Grupo S (...) », que não deterá personalidade jurídica, nem será titular de qualquer crédito sobre a devedora, ou do Banco (…), S.A. – este, sim, pessoa jurídica titular de um crédito sobre a devedora, reclamado e reconhecido no presente processo.

Tratando-se de uma pessoa jurídica autónoma, não é legítimo presumir que com a irregular notificação do «Grupo S(…)» foi dado a todas as empresas do grupo, ou que partilham do nome «Sa(…)», efetivo conhecimento do início do processo negocial. Por esse motivo, haverá que concluir que a devedora não cumpriu efetivamente, como lhe competia, o dever de imposto pelo art. 17.º-D, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com isso impedindo o credor, que não teve conhecimento da abertura do processo negocial, de nele participar”.

Ou seja, a requerente era sabedora do contrato de locação financeira que celebrou com entidade a que sucedeu o credor Banco (…), assumindo que não, obstante isso, não indicou tal crédito na lista de credores que apresentou, nem lhe deu conhecimento do início dos presentes autos, tudo como melhor resulta espelhado nos itens 10.º a 15.º, dos factos provados.

Assim, face ao exposto e atenta esta factualidade, é indubitável a verificação de violação não negligenciável, a nível procedimental.

Volvendo, agora, à invocada violação de regras relativas ao conteúdo do plano, importa ter em linha de conta que, de acordo com o disposto no artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, deve ser recusada a homologação do plano, se tal lhe for solicitado por algum credor que se lhe haja oposto, se a sua situação ao abrigo de tal plano for previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Entendendo-se como normas relativas ao conteúdo, tanto as respeitantes à parte dispositiva do plano, como aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve apresentar – cf. autores e ob., por último, acima já, cit. a pág. 826.

No entanto, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., a pág.s 832 e 833, para aferir de tal situação, importa proceder “a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.

Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele.

(…)

Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.

(…)

Bem vistas as coisas, pois, o que substancialmente importa é a comparação entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência.”.

Ora, quanto a tal prognose, a requerente alega que, por não ter sido reclamado, nem reconhecido os seu crédito, o mesmo – tal como os demais nas mesmas circunstâncias – foram declarados extintos, pelo que, desde logo, se terá de ter como verificada a situação prevista no citado artigo 216.º, n.º 1, al. a).

Como se refere no Acórdão do STJ, de 03/03/2015, Processo n.º 1480/13.0TYLS.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, o plano de recuperação, que se impõe mesmo aos que o não aprovaram e mesmo aos que não participaram das negociações, cf. artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE “não vai deixar tudo na mesma, sob pena de ser inútil. Implicará alterações no que respeita aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor estava vinculado e, porventura, nos montantes pecuniários devidos, seja na sua globalidade, seja quanto ao valor e ao número de prestações parcelares.”.

Ali se acrescentando que:

“É natural que um plano de recuperação implique alterações, designadamente, quanto aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor esteja vinculado, aos montantes devidos e ao número de prestações parcelares.

Assim, o simples facto de não se concordar com tais alterações não justifica o pedido de não homologação do plano em causa. E muito menos se justifica a não homologação oficiosa, a não ser que se verifique algum dos condicionalismos previstos no artigo 215.º”.

Ora, com a aprovação do plano em causa, sem qualquer razão que o justifique, por comparação com outros créditos da mesma natureza, só porque o Banco (…) não participou nas negociações, nem viu, por isso, relacionado nem reconhecido o seu crédito, decidiu-se em tal plano, que o seu crédito é considerado como extinto (sublinhado nosso), tal como referido no item 17.º dos factos provados.

Sem a aprovação do plano, cair-se-ia, de imediato, numa situação de insolvência da devedora, com a consequente venda universal dos bens que constituiriam a massa insolvente e inexistindo, com excepção dos créditos laborais, Estado e Segurança Social, garantias de outros credores que lhe impossibilitassem, em tal caso, pelo menos, o ressarcimento, (integral ou) parcial, do seu crédito.

Isto é, sem a aprovação do plano existe a possibilidade de este credor ser ressarcido, integral ou parcialmente, pelo seu crédito e com a aprovação do plano, nos moldes em que o foi, fica, desde logo, afastada qualquer hipótese de vir a receber seja o que for e isto, reitera-se, sem que se adiante qualquer justificação para isto, que não seja o facto de não ter participado nas negociações (para o que não foi convocado nem se lhe deu conhecimento), nem reclamou o seu crédito.

Em suma, a reestruturação do passivo da devedora, referida no citado item 17.º, configura um tratamento mais desfavorável, discriminatório (pela negativa) e injustificado de todos os credores (em que se inclui o Banco (…) SA) que se encontrem naquelas condições, assim, se mostrando violado o princípio da igualdade entre credores, tal como plasmado no artigo 194.º do CIRE e que acima já se mostra analisado, inexistindo qualquer razão objectiva para tal tratamento desfavorável.

Do que decorre não violar a decisão recorrida os invocados preceitos.

Assim, face ao exposto, é de manter a decisão recorrida, improcedendo o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 15 de Outubro de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator)

Emídio Santos

Catarina Gonçalves