Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
143/13.0TBCDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: MEIOS DE PROVA
PROVA PERICIAL
DECLARAÇÕES DE PARTE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 01/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - C.-A-NOVA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.452, 466 CPC
Sumário: 1 - A produção dos meios de prova – vg. pericial - pode/deve incidir não apenas sobre factos que, direta e nuclearmente se reportem ao objeto do processo, mas outrossim sobre outros que, embora mediata ou indiretamente relacionados, são necessários à emanação e prova daqueles primeiros e à emergência da verdade material.

2- Considerando a redação dada ao pretérito artº 552º do CPC - hoje 452º nº2 - pela reforma de 1995, a delimitação legal do depoimento/declarações de parte – apenas incidente sobre factos pessoais ou de conhecimento direto –, e o sucessivo alívio da posição impugnatória do réu relativamente à p.i., a estatuição dos segmentos normativos dos artº 452º nº2 e 466º nº2, mais de que um imperioso e impiedoso dever de discriminação dos factos, consagram uma preferência legal nesse sentido, que o requerente, em princípio, deve satisfazer.

3. Assim, o pedido de prestação de declarações de parte do autor «a todos os artigos da pi.» não acarreta o indeferimento, liminar e cerce, desta pretensão, antes devendo ser aceite com respeito por tal delimitação, ou, então, ser o impetrante convidado a cumprir com maior rigor o legalmente consagrado.

Decisão Texto Integral:




ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

J (…) e M (…), instauraram contra CA (…) e MA (…) ação de divisão de coisa comum.

Pediram:

Se ponha termo à indivisão do quintal que faz parte integrante do prédio urbano  inscrito na matriz da freguesia de Furadouro sob o artº 160º, adjudicando-se o lado norte aos AA, na proporção de metade.

Os réus contestaram.

Disseram, nuclearrmente, que com a ação os autores pretendem obter mais da metade do artº 160º, que lhes foi reconhecido por sentença, pretendendo entrar na sua metade.

Concretamente, tal artº  tem uma área total de 344,35 m2, pelo que cada metade é de 172 m2.

Os autores á têm 190,41m2, pelo que lhes fossem atribuídos mais 68,55 m2, restaria para os réus apenas 120m2, faltando cerca de 52m2 para chegarem à sua metade.

Mais pediram, em reconvenção, que o objeto da divisão não seja apenas a área do quintal, mas  toda a área do artº 160.

Foi proferido despacho no qual se decidiu:

- não admitir o pedido reconvencional, quer porque ele não respeitava os requisitos do artº 266º do CPC, quer porque existia caso julgado quanto à área do artº 160º para além  da do quintal, ou seja: habitação, currais e pátio, pois que quanto a estes, a sentença pretérita decidiu que a metade dos mesmos já estava fisicamente delimitada.

- ordenar o prosseguimento do processo para  se apurar a área do quintal e onde se situa a sua estrema sul.

Para este efeito, as partes foram notificadas para indicarem os meios de prova que entendessem.

As partes indicaram a prova, tendo os autores requerido, para além do mais, as declarações de parte do autor J (…) a todos os artigos da pi. e,  ambas, requerido a realização de perícia.

Os autores pretenderam que a mesma se destinasse a aferir qual a área do quintal do artº 160º, indicando os respetivos quesitos.

Já os réus apresentaram as seguintes perguntas periciais:

«a) Qual a área real do artigo matricial n.º 160?

b) Qual a área real do artigo matricial n.º 159?

c) Quais as áreas reais delimitadas pela sentença relativas ao artigo matricial n.º 160 pertencentes a requerentes e requeridos?

d) Qual é a área do quintal que integra o artigo matricial n.º 160?

e) Qual é a área de implantação do edificado do artigo matricial n.º 159?

f) Atendendo à área indicada na matriz deste último artigo, qual a área remanescente, ou seja, do quintal, pertencente ao artigo matricial n.º 159?

g) Tendo em conta a área já ocupada por cada uma das partes, e aproximando a divisão em partes iguais do artigo matricial n.º 160, que quota na área desse quintal seria atribuída aos requeridos?

h) Caso se tenha verificado o alargamento do caminho público, situado a sul dos prédios supra identificados, ambos os quintais sofreram diminuição da sua área?

i) Ou essa diminuição só se verificou no quintal ora em litígio respeitante ao artigo matricial n.º 160?

 j) A parede situada a sul do edificado do artigo matricial n.º 160 é a fachada do prédio ou é o alçado sul? k) É com este alçado sul que confina o espaço denominado por quintal?

l) A estrema norte do edificado, no artigo matricial n.º 160, confina com este quintal?

m) Por exclusão de partes, a área do quintal do artigo matricial n.º 160 é de 73,16 m2 ou de maior ou menor área e qual?»

2.

Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:

«Por se considerar imprescindível para a boa decisão da causa, admite-se a segunda perícia requerida pelas partes, em virtude da primeira perícia já prestada nos autos, não se mostrar esclarecedora para dirimir o presente litígio.

Porém, os Autores requereram a fls. 150 a realização de perícia singular e os Réus requerem a fls.157/verso, a realização de perícia colegial.

Ora, não obstante já ter sido efetuada uma perícia colegial nos autos, não impõe a lei que uma segunda perícia que venha a ser admitida, seja obrigatoriamente realizada por três peritos…

Determino que a segunda perícia seja realizada por um único perito…

Objecto: o constante dos quesitos apresentados a fls. 150/verso e de fls. 157-158.

Indefere-se as requeridas declarações de parte do Autor J (…), a todos os artigos da petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 466.º, n.º 2 e 452.º,n.º 2 fine, ambos do Código de Processo Civil, por terem sido requeridas em termos genéricos – toda a matéria-, quando a lei impõe que o tivesse feito de forma discriminada e necessariamente fundamentada por força do disposto no n.º 1 do artigo 466.º, do citado diploma.»

3.

Inconformados recorreram os demandantes.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O despacho ora recorrido de ref.ª 72237927 de 16/08/2016, deve ser revogado na parte que deferiu o objecto da perícia apresentada pelos Réus ora recorridos, sob o requerimento de prova de folhas 157 – 158, de 02/05/2016, com a ref.ª 22538980 em tudo o que extravase o objecto da causa (medição do quintal – artº 160º Urbano).

2. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo, violou o princípio do caso julgado material e formal, bem como o princípio da estabilidade da instância.

 3. O objecto da causa é única e exclusivamente a divisão do quintal do art.º 160 Urbano, sito em C (....) da Freguesia do F (....) , conforme petição inicial.

 4. Por sua vez os Réus pretendem a medição da totalidade do referido prédio art.º 160º Urbano (casa de habitação, currais, pátio e quintal) e consequentemente a respectiva divisão métrica, conforme pedido reconvencional.

5. Os Réus pretendem além do mais nesta sede a medição do art.º 159º Urbano, que respeita a um prédio confinante, totalmente alheio ao objecto da causa e do pedido.

6. O referido pedido reconvencional foi julgado improcedente e transitou em julgado por douto despacho de ref.ª 67675784, de 09/06/2015;

7. Tal decisão baseou-se no facto de existir uma sentença judicial anterior transitada em julgada no âmbito do proc. n.º 44/09.7 TBCDN, deste Tribunal que decidiu que toda a área do prédio urbano (art.º 160º) casa de habitação, currais e pátio se encontra delimitada e fisicamente dividida no espaço pela via da usucapião.

 8. Porquanto restou como parte comum e objecto de divisão nestes autos apenas e tão somente o quintal do art.º 160º Urbano.

 9. Porquanto, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo admitindo o objecto da perícia requerida pelos Réus sobre a totalidade do prédio urbano art.º 160º, e não apenas sobre o quintal, e admitindo ainda a perícia sobre um prédio confinante que não é objecto da causa (art.º 159 urbano) violou os princípios do caso julgado material e formal (art.º 613º, 619º, 620º, 621º, 625º, 628º do C.P.C), bem como o princípio da estabilidade da instância (art.º 260º do C.P.C.).

10. Deve assim o douto despacho ser revogado na parte ora recorrida, admitindo-se como objecto de perícia unicamente a área do quintal do art.º 160º Urbano.

11. Mal andou o douto Tribunal a quo ao proferir o douto despacho ora recorrido na parte em que indeferiu as requeridas declarações de parte do Autor, José Calhindro Isidoro, por entender terem sido requeridas em termos genéricos.

12. Salvo o devido respeito por opinião contrária os Recorrentes entendem que as referidas declarações de parte cumpriram os requisitos legalmente previstos no art.º 466º do C.P.C. por terem sido indicadas as declarações de parte a todos os artigos da petição inicial e fundamentas por baseadas na supra citada norma.

 13. Ainda que assim se não entendesse, sempre deveria o Tribunal a quo providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processais susceptíveis de sanação, determinando a sua realização; in casu, convidar os Autores a indicar de forma discriminada e fundamentada os factos objecto da prova.

 14. Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou os princípios do dever de gestão processual e do inquisitório plasmados nos art.º 6º e 411º do C.P.C.

15. Devendo assim nessa parte, ser o douto despacho revogado admitindo as declarações de parte requeridas pelo Autor e /ou ordenar o convite aos Autores para indicarem de forma discriminada e fundamentada os factos sobre os quais indica o objecto da prova.

1.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Ilegalidade do despacho que admitiu a perícia aos quesitos dos réus e que indeferiu as declarações de parte do autor J (…)

5.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

6.

Apreciando.

6.1.

Visto o teor do traslado, rectius, a perícia colegial já efetuada – a qual, dado este  seu cariz, ie,  porque elaborada por mais de um perito, encerra um valor probatório acrescido por reporte à  segunda perícia singular que ora foi ordenada e está em causa  – verifica-se, salvo o devido respeito pela decisão da julgadora que a admitiu na sequência do requerido pelas partes, que a perícia singular ora em causa se mostra desnecessária ou pouco mais do que isso.

Na verdade, em tal perícia colegial se plasmaram elementos que se nos afiguram suficientes para que  -  quiçá em complemento com outra prova, vg. inspeção ao local – a divisão do quintal e a fixação da sua extrema  possam ser efetivados.

Nomeadamente nela se evidenciaram as áreas matriciais, as delimitadas pela sentença pretérita e as reais, não apenas do urbano do artº 160º como também do urbano do artº 159º.

Concretamente no relatório se fez constar:

«4) Para poder responder aos quesitos do tribunal e dos AA os peritos precisam de encontrar a estrema que define o quintal do artigo n.º 160 de modo a ficarem todas as áreas perfeitamente delimitadas;

(…)

6) Não há consenso entre os AA e os RR quanto à localização da estrema que divide o quintal do artº 160º do quintal do artº 159º para se encontrar a área (do quintal do artº 160º)

7) A soma das áreas delimitadas e já ocupadas por sentença… excede a área total descrita na certidão predial…

8) Os peritos não podem usar, isoladamente,  a certidão predial do artº nº 160º para encontrar a área e respetiva estrema do quintal uma vez que estaria a usar uma base errada de cálculo conforme ficou demonstrado no ponto 7.

9) A área de implantação do artº nº 159º é de 95,47 m2…

10) A área referida em  9 excede a área de implantação descrita na certidão…

11) Os peritos não podem usar isoladamente certidão predial do artº 159º para encontrar a área e respetiva estrema do quintal…

12) Uma vez que as áreas A, B, C e D, do desenho 2 estão perfeitamente definidas com acordo dos AA e dos RR, e que as áreas reais excedem as áreas das certidões prediais dos artigos n.º 159 e n.º 160 os peritos decidiram distribuir a área excedente, de forma proporcional, por ambos os artigos;

13) Com as novas áreas de cada um dos artigos adequadas à realidade, facilmente se obtém a estrema entre os dois prédios e por consequência a área do quintal do artigo n.º 160;

14) Seguem de seguida os cálculos para as novas áreas.

CÁLCULOS

a) Área total descrita na caderneta predial urbana do artigo n.º 159 = 144 m²

b) Área total descrita na caderneta predial urbana do artigo n.º 160 = 265 m²

c) Quota parte da área excedente que cabe ao artigo n.º 159 = 144/(144+265) = 35.21%

d) Quota parte da área excedente que cabe ao artigo n.º 160 = 265/(144+265) = 64.79%

e) Área total medida no campo dos artigos n.º 159 e n.º 160 = 538,85 m² (soma das áreas A, B, C e D do desenho 2)

f) Área excedente entre a realidade e as cadernetas prediais = 538,85-144- 265 = 129.85 m²

g) Área excedente que cabe ao artigo n.º 159 = 35.21%*129.85 = 45.72 m²

h) Área excedente que cabe ao artigo n.º 160 = 64.79%*129.85 = 84.13 m²

i) Nova área do artigo n.º 159 = 45.72+144 = 189.72 m²

j) Nova área do artigo n.º 160 = 84.13+265 = 349.13 m²

k) Área delimitada, e já ocupada, por sentença = 275.97 m² (soma das áreas A e B do desenho 2)

l) Área do quintal do artigo n.º 160 = 349.1-275.97 = 73.16 m² (área E do

desenho 3)

RESPOSTAS AOS QUESITOS DO TRIBUNAL

“(…) efectuar uma perícia ao prédio urbano referido no artº 1º da petição inicial, tendo como objecto, por um lado, a medição …

 … da área do prédio: A área total do prédio urbano com o artigo n.º 160 da freguesia do Furadouro de Condeixa-a-Nova é de 349.13 m² (soma das áreas A, B e E do desenho 3),

 ... da área que se encontra delimitada por sentença proferido no Processo n.º 44/09.7TBCDN, ocupada por cada uma das partes: A área ocupada pelos AA. é de 190.58 m² (área A do desenho 3) e a área ocupada pelos RR. é de 85.39 m² (área B do desenho 3),

 … a área do quintal: A área do quintal é de 73.16 m² (área E do desenho 3),

 … e por outro lado a divisibilidade do quintal com vista a, tendo em conta a área já atribuída a cada uma das partes, aproximar a divisão do quintal da atribuição de metade a cada um: Metade da área do artigo n.º 160 é de 349,13/2 = 174.565 m². Uma vez que os AA já tem mais de metade do artigo n.º 160 (190.58 ˃ 174.565 m²), para aproximar a divisão do quintal da atribuição de metade do artigo a cada um, já não lhes cabe nenhuma quota do quintal. Ficando, portanto, os AA com os 190.58 m² (área A do desenho 3) que já tinham e os RR com 158.55 m² (soma das área B e E do desenho 3). Assim os AA ficam com 54.59% do artigo n.º 160 e os RR com os restantes 45.41%.»

Não obstante a desnecessidade ou inoquídade da segunda perícia, certo é que as partes a impetraram e a Sra. Juiz a quo a ordenou, pelo que queda a este tribunal ad quem censurar a continuação do processo, com a realização da segunda perícia, visto que tal questão não faz parte do objeto do recurso, mas apenas a delimitação do âmbito/objeto da mesma.

Assim sendo, e não obstante o tribunal ter  restringindo o objeto do processo apenas «para  se apurar a área do quintal e onde se situa a sua estrema sul.», certo é que, como se alcança da perícia primeira, a consideração das áreas dos artºs 159º e 160º é um pressuposto sine qua non, ou, no mínimo, essencial, para que se possa bem decidir sobre o concreto objeto da causa.

Tal dimana cristalinamente do teor supra da perícia já efetivada, vg. dos  seus pontos 8 e 11 da introdução do relatório.

 E inexiste qualquer violação do caso julgado material e formal e do princípio da estabilidade da instância.

O caso julgado apenas se verifica relativamente à decisão, rectius final, que decida sobre questão essencial decidenda, e, quando muito, aos fundamentos factuais inelutavelmente alicerçantes da mesma.

Não é o caso dos autos, nos quais e no que  aqui interessa, nos encontramos apenas na fase de instrução e em sede de produção de um meio de prova.

Ora o fito último do processo e da atividade, maxime probatória, nele desenvolvida, qual seja a obtenção de uma decisão final justa que corresponda à verdade material, permite, e, até, exige, que, com respeito pelo contraditório, se produzam todos os meios de prova em direito permitidos, com a amplitude possível e necessária para que aquele desiderato possa ser consecutido.

No caso vertente assim é: já se viu que sem uma análise mais abrangente das áreas dos artºs 159º e 160º, a perícia  singular a efetivar não pode fornecer elementos bastantes de sorte a aquilatar-se, com verdade, sobre qual a área do quintal, e, acima de tudo, sobre a definição do local da estrema a fixar no mesmo  e que dividirá a superfície a fruir por cada litigante.

Quanto ao mais.

6.2.

Nos termos do artº 466º do CPC : «as partes podem requerer, até ao início das alegações orais…a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto».

Este preceito foi introduzido pela reforma de 2013.

Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 113/XII expendeu-se:

«Prevê-se a possibilidade  de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão»

Vemos assim que o que distingue o depoimento de parte previsto no artº 452º e segs, das declarações de parte, é que aquele se destina apenas a provocar a confissão, sendo tendencialmente irrelevante se tal não se verificar.

Já estas podem ser aproveitadas mesmo que a confissão não se verifique, pois que são livremente apreciadas.

Efetivamente, e no domínio da legislação vigente à aludida reforma, já assim se entendia, quando se expendia:

« O depoimento de parte é um meio processual…destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352.º do CC).

 A confissão, como meio de prova e de prova plena contra o confitente (art. 358.º, n.º 1, do CC), pressupõe o reconhecimento da verdade de factos contrários ao interesse desse confitente.

 Se a parte se limita a afirmar factos que lhe são favoráveis, não está a confessar, sendo que o depoimento de parte não constitui no nosso direito, um testemunho de parte, a apreciar livremente em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas um meio de provocar a confissão.»- Ac. do STJ de 16.10.2012, p. 8020/09.3T2SNT.L1.S1.

Não obstante, ambas as figuras assentam em requisitos  processuais formais essencialmente idênticos, a saber:

- ambas apenas incidem sobre factos «pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento »- artº 454º nº1 – (depoimento); ou sobre «factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto» - artº 466º nº1 – (declarações);

- E, e quando o depoimento não seja determinado oficiosamente, mas seja requerido por uma das partes, tanto nele como no pedido de das declarações, devem os impetrantes «indicar logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair» – artº 452º nº2 e 466º nº2 in fine do CPC.

A redação do nº2 do artº 452º resulta da reforma de 1995.

Na redação pretérita o artigo correspondente – 552º - estatuía: «Quando se requeira o depoimento de parte, devem ser discriminadamente indicados os factos sobre que há-de recair, sob pena de não ser admitido».

Vemos, assim, que, na lei atual, esta cominação, pesada e definitiva, caiu.

O que, só por si, e considerando desde logo os elementos literal e histórico da hermenêutica jurídica, clama a conclusão de que tal gravosa consequência não emerge, liminarmente, se o ónus de discriminação/adequada concretização não for cumprido pelo requerente do depoimento ou das declarações.

Sendo que tais elementos exegéticos são ainda complementados pela adequada interpretação dos termos dos próprios preceitos em causa, e pela consideração de outros ónus e perspetivação de certos princípios, adjetivamente consagrados.

Assim, e desde logo quanto à letra da lei, há que que atentar que ela (de)limita o objeto do depoimento: não são atendíveis todos e quaisquer factos, vg. que constem num articulado, mas apenas os factos em que o declarante tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.

Depois, e no atinente aos demais ónus constantes no processo, urge  correlacionar o ónus do impetrante do depoimento/declarações de parte com o ónus de impugnação do próprio réu na sua contestação – artº 574º do CPC.

Ora este ónus tem vindo, ao longo das sucessivas reformas processuais, a ser aliviado.

Pois que na lei anterior à reforma de 1995, o réu tinha de «tomar posição definida perante cada um dos factos articulados na petição» - artº 490º nº1, sob pena de admissão por acordo dos factos.

 Já com a reforma de 1995 o réu apenas devia  apenas: « tomar posição definida perante os factos articulados na petição».

 E, presentemente «deve o réu tomar posição definida perante os factos  que constituem a causa de pedir invocada pelo autor».

Vemos assim que, hodiernamente, o réu não é obrigado a efetivar uma contestação per positionem, sendo legítima e eficaz, a negação simples, quer dirigida a factos determinados da petição, quer mesmo, a um núcleo factual, mais ou menos homogéneo, que constitua o cerne da causa de pedir.

Ora se assim é para o réu numa matéria de elevada relevância em que uma interpretação  de maior exigência e rigor do seu ónus, pode acarretar a admissão, por acordo, dos factos articulados pelo autor, com a possível consequência da perda da ação, também, por igualdade ou maioria de razão, o deve ser no campo que nos ocupa.

Pois que não é razoável impor ao requerente das declarações de parte, numa matéria que nem sequer tem a relevância e as consequências que emanam da posição do réu – a admissão, ou não admissão, do depoimento ou das declarações de parte, só por si, e por via de regra, não decide a causa - , um cuidado e um rigor de atuação acrescidos relativamente aos que são exigidos ao próprio réu quando confrontado com a pi do autor.

Finalmente, et pour cause, passe o galicismo, ou seja, não sem razão ou motivo, relevam ainda os princípios consagrados nos artºs 6º e 7º  e 590º nº4 do CPC.

Aquele impondo o dever de gestão processual do juiz no sentido de promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da lide.

O segundo obrigando-o a cooperar com as próprias partes para se obter a justa composição do litígio.

Finalmente, o último, adstringindo-o a convidar as partes a  suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

Nesta conformidade, e concluindo, a menos curial e adequada atuação dos autores ao, simples e globalmente, requererem as declarações de parte a todos os artºs da petição inicial, não deveria acarretar o indeferimento, liminar e cerce, da sua pretensão -cfr. neste sentido, o Ac. da RP de 11.12.1986, CJ, 5º, 242.

 Mas antes devendo ela ser aproveitada nos limites permitidos por lei – só para os factos  naquela peça constantes em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha tido conhecimento direto.

Ou, então, devendo a julgadora convidar os impetrantes a cumprir escrupulosamente o que a lei, à partida e preferencialmente, pretende, ou seja, que sejam indicados o mais concretamente possível, os factos de tal jaez que devem ser objeto das declarações.

Opção esta que, por mais formal, mais adequada ao fito da lei de concretizar cabalmente o objeto das declarações com a inerente facilitação das mesmas,  e mais conforme aos princípios da substanciação e do dispositivo, se tem como preferível.

Procede parcialmente, e neste conspeto, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A produção dos meios de prova – vg. pericial -  pode/deve incidir não apenas sobre factos que, direta e nuclearmente se reportem ao objeto do processo, mas outrossim sobre outros que, embora mediata ou indiretamente relacionados, são necessários à emanação e prova daqueles primeiros e à emergência da verdade material.

II - Considerando a redação dada ao pretérito artº 552º do CPC - hoje 452º nº2 -  pela reforma de 1995, a delimitação legal do depoimento/declarações de parte – apenas incidente sobre factos pessoais ou de conhecimento direto –, e o sucessivo alívio da posição impugnatória do réu relativamente à pi, a estatuição dos segmentos normativos dos artº 452º nº2 e 466º nº2, mais de que um imperioso e impiedoso dever de discriminação dos factos, consagram uma preferência legal nesse sentido, que o requerente, em princípio, deve satisfazer.

III - Assim, o pedido de prestação de declarações de parte do autor «a todos os artigos da pi.» não acarreta o indeferimento, liminar e cerce, desta pretensão, antes devendo ser aceite com respeito por tal delimitação, ou, então, ser o impetrante convidado  a cumprir  com maior rigor o legalmente consagrado.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e se revoga a decisão na parte em que indeferiu as declarações de parte do autor José Isidoro, devendo os autores dar cumprimento mais concretizado ao disposto no artº 452º nº2.

No mais se mantendo a mesma.

Custas recursivas em partes iguais.

Coimbra, 2017.01.17.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos