Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
361/11.6JFLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INCUMPRIMENTO DAS INJUNÇÕES E/OU REGRAS DE CONDUTA
ACUSAÇÃO
INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE VISEU – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 281.º, 282.º, 283.º E 287.º E SS., DO CPP
Sumário: Deduzida acusação pública, com base na inobservância de injunções e/ou regras de conduta condição da suspensão provisória do processo, o arguido pode opor-se à referida opção do Ministério do Público, requerendo, em momento processual adequado, a instrução, para que nesta demonstre a inexistência do invocado incumprimento ou, havendo-o, que ele não ocorreu por culpa sua, obtendo, deste modo, a final, decisão de não pronúncia.
Decisão Texto Integral:






Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

      

RELATÓRIO

1 - No juízo de instrução criminal de Viseu- Comarca de Viseu, no processo acima identificado, por despacho judicial foi rejeitada a abertura de instrução requerida pelo ora recorrente A....

2 - O arguido em causa, não se conformando com o despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução, apresentou recurso do referido despacho, concluindo do modo seguinte:

a)  O arguido viu ser deferida a suspensão provisória do processo mediante, nomeadamente, o pagamento da quantia de € 200,00 à Caritas Diocesana de Viseu.

b)  O recorrente dando cumprimento integral a essa injunção entregou o dinheiro, fazendo-o por intermédio da sua companheira.

c)  Foi surpreendido com a acusação e percebeu então que o seu cumprimento da injunção não havia chegado ao conhecimento do Tribunal.

d)  Assim, requereu a abertura de instrução, nos termos que melhor constam do requerimento respetivo.

e)  Questionou a decisão do Ministério Público que conclui pelo incumprimento culposo da injunção aplicada.

f)  O arguido alega no RAI a inexistência de incumprimento.

g)  Ou, a assim não se entender, sempre alega e demonstra que a entender-se haver incumprimento não ocorreu por culpa sua.

h)  E assim conclui pela suspensão provisória do processo e logo, por maioria de razão, pela sua não pronuncia.

i)   Ainda que assim não se entenda, e por dever de cautela, sempre seria de proferir despacho de aperfeiçoamento.

j)   Por violação do disposto nos artigos 123º, 281º, 287º e 307º do CPP, além dos demais referidos na presente motivação, deve o recurso ser julgado procedente, concluindo-se pela admissibilidade da instrução, para as finalidades pretendidas pelo arguido, com a suspensão provisória do processo e natural/legal não pronúncia do mesmo

3 - Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer no sentido de que o requerimento de abertura de instrução deve ser admitido.


 4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

                                                               

FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido diz, no essencial e com relevo:

«Veio o arguido requerer a abertura de instrução, por discordar do despacho do MP que revogou a suspensão provisória do processo, não colocando em causa os indícios que, contra si, existem nos autos e que levaram a que fosse proferida acusação. Assim, com a instrução, ultrapassada que está a questão da nulidade, pretende o arguido, unicamente, que o Tribunal mantenha a suspensão provisória do processo, anteriormente aplicada pelo MP. 

Ora, de acordo com o art.º 287º, n.º 2 do CPP: “1- A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação”.

 Tal como se escreve no ac. da RP de 21.9.2014, in http://www.dgsi.pt/jtrp.,:“I-A instrução requerida pelo arguido destina-se a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação (para não ser submetido a julgamento, o que depende da formulação de um juízo negativo que terá por suporte factos e razões alegadas no RAI) exigindo-se, para o efeito, que o requerimento de abertura de instrução (RAI) contenha, ainda que em súmula, as razões de facto e de direito que fundamentam a discordância relativamente à acusação, podendo, se for caso disso, indicar os actos de instrução que pretende que o juiz leve a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e os factos que, através de uns e de outros, espera provar (art. 287º, nº 2, do CPP).  II - As razões de facto e de direito que fundamentam a discordância do arguido, para serem aptas e idóneas à abertura de instrução, têm de estar directamente relacionadas com a acusação contra si proferida e com o inquérito que a sustenta. O que se compreende uma vez que a dedução de acusação (pelo Ministério Público, como neste caso sucede), depende de no inquérito terem sido recolhidos indícios suficientes do acusado ter cometido o crime que nessa peça lhe é imputado (art. 283º, nºs 1 a 3, do CPP).  III - O RAI pode ser rejeitado (nº 3 do art. 287º do CPP) por “Inadmissibilidade legal da instrução”, conceito este que o legislador não define. O facto de indicar alguns casos em que se verifica formalmente essa situação (v.g. quando se está perante uma forma de processo especial, quando a instrução é requerida fora das situações indicadas no art. 287º, nº 1, do CPP), não significa que tal conceito (“inadmissibilidade legal da instrução”) deva ser interpretado de forma restrita ou que tenha de ser restringido a uma visão formal. IV - A “inadmissibilidade legal da instrução” abrange uma interpretação material, atenta a filosofia subjacente a essa fase preliminar e, por isso, engloba igualmente os casos em que o alegado no requerimento de abertura de instrução não satisfaz as finalidades da instrução, como sucede, por exemplo, quando o RAI é inepto (seja apresentado pelo assistente, seja apresentado pelo arguido)”.  Ora, as finalidades da instrução, estão definidas nos artigos 286 e 287º do CPP e, quando requerida pelo arguido, destina-se a comprovar factos. Assim, quando requerida pelo arguido, destina-se a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação, sendo que a instrução terá de terminar com a prolação de despacho de pronúncia ou não pronuncia (artigo 308º do CPP). Excecionalmente, tendo em conta o disposto no artigo 307, nº2 do CPP a fase da instrução pode terminar com a suspensão provisória do processo.

Assim, encerrada a instrução terá o Juiz de extrair as consequências da mesma, que, obrigatoriamente terão que ser a pronuncia ou não pronuncia do arguido e, excecionalmente, a suspensão provisória do processo.  Na situação concreta não pede o arguido a sua não pronuncia, nem a instrução foi requerida com vista à suspensão provisória do processo. Com a presente instrução pretende o arguido, exclusivamente, questionar a decisão do MP que concluiu pelo incumprimento culposo das injunções aplicadas no âmbito da suspensão provisória do processo.  E tal, até seria legítimo, desde que o arguido alegasse no RAI a inexistência de incumprimento, e, como tal, concluísse pela sua não pronúncia. Acontece que o arguido não pede a sua não pronuncia, nem sequer a suspensão provisoria do processo, mas, apenas, a manutenção de uma suspensão aplicada anteriormente pelo MP, em fase de inquérito. Ora, não pode uma instrução terminar nos termos requeridos pelo arguido. Assim, não é admissível a instrução para as finalidades pretendidas pelo arguido.»

Nos presentes autos a situação processual é a seguinte:

- O recorrente, por factos passíveis de integrar o crime de Passagem de Moeda Falsa, p. e p. pelo art.0 265°, n.º 1, al. a) do C. P., viu ser deferida a suspensão provisória do processo mediante, nomeadamente, o pagamento da quantia de € 200,00 à Caritas Diocesana de Viseu.

- Posteriormente, por ter considerado que no decurso da suspensão do inquérito decretada o arguido não cumpriu de forma culposa a injunção decretada, foi pelo MP deduzida acusação, nos termos do art. 282°, n.º 4, al. a), do CódProcPenal, e depois requerida a abertura de instrução, rejeitada, como referido.

Para sustentar a rejeição da instrução refere a Mma juíza que tinha o arguido de alegar no RAI a inexistência de incumprimento culposo, e, como tal, concluísse pela sua não pronúncia, mas que o arguido não pede a sua não pronuncia, nem sequer a suspensão provisoria do processo, mas, apenas, a manutenção de uma suspensão aplicada anteriormente pelo MP, em fase de inquérito. 

Ora aqui parecem muito pertinentes as observações feitas pelo ilustre PGA no seu parecer de fls 330 sgs, que retemos no essencial:

«(…) apenas cabe a este Tribunal da Relação apreciar e decidir se deve ou não ser revogado o despacho que rejeitou a abertura da instrução  e, na hipótese de ser decretada a abertura da instrução, revogando o despacho recorrido, caberá então à 1ª instância nesta fase processual proceder à apreciação das restantes questões.

Com esta delimitação e sobre o objecto do recurso também se dirá que é ponto assente na doutrina que, o juízo e apreciação que o Ministério Público tem que fazer, no âmbito do n.º 4, al. do art.º 282,º implica uma valoração sobre a culpa do arguido, não  sendo  a revogação de suspensão automática.

E de facto até foi deste modo que o Ministério Público procedeu, conforme se verifica a fls. 268.

Porém, a questão que se nos coloca, atento o âmbito do recurso, é saber se não poderá existir uma reacção do arguido face a tal apreciação e decisão do Ministério Público quando a solução é revogar a suspensão do inquérito e determinar o prosseguimento dos autos com a acusação, tal como sucedeu no caso dos autos.

Sobre esta questão (…) dever ser ponderada a solução propugnada no acórdão da Relação de Lisboa citado pelo arguido - Ac. de 18-05.2010, no proc. n.0 107/08.6GACCH.Ll-5, em www.dgsi.pt – (…) , opinou o seguinte:

« Porém, optando o MP pelo prosseguimento do processo, deduzindo acusação, com base no invocado incumprimento, ainda que parcial do arguido, esse juízo cabe exclusivamente ao MP. O juiz de julgamento, ao receber a acusação, não pode sindicar as razões da opção do MP, quando no final do prazo da suspensão decide pelo prosseguimento do processo.

Nesse caso, só o arguido se pode opor à opção do MP. requerendo, depois de notificado da acusação. a competente instrução, nela demonstrando que não houve incumprimento da sua parte ou, havendo-o, ele não ocorreu por culpa sua. Conseguindo, a final - comprovando-se a inexistência de incumprimento -, obter decisão de não pronúncia. Os seus direitos estarão sempre garantidos por essa via.

Em contrapartida, se o arguido, notificado da acusação, nada diz, é porque aceita ser submetido a julgamento, logo, aceita que incumpriu culposamente as obrigações impostas no âmbito da suspensão do processo.”

Para dizer que se considera que os direitos processuais do arguido, se pretender sindicar aquela apreciação feita pelo Ministério Público, quando conclui por deduzir uma acusação, só o pode fazer através do requerimento de instrução, onde equacionará tais questões.

Ora, parece-nos que foi este o caminho que foi prosseguido pelo arguido, ao discordar da apreciação feita pelo Ministério Público, requerendo a abertura da instrução, concluindo por pedir a suspensão do processo e a consequente não pronúncia. »

E na verdade no RAI de fls 280 sgs o ora recorrente alegou que o suposto incumprimento não foi devido a culpa sua, porquanto tendo emigrado para a Holanda para trabalhar, entregou aquela quantia de Euros 200 à sua então companheira, para esta a entregar à Caritas, mas que esta o não fez, o que nunca foi do seu conhecimento.

E aparentemente terá sido por essa razão – emigração e mudança de residência – que o recorrente, notificado para tal (cfr fs 251 a 253 ), não seu explicações sobre o incumprimento,

Mas fica o essencial : perante uma dedução da acusação pelo MP por supostamente o arguido, sujeito a uma medida de suspensão provisória do processo, não ter cumprido as condições impostas (ou uma das condições), como pode o arguido obstar ao prosseguimento do processo pelo crime em causa senão oferecendo provas sobre o não incumprimento ou sobre o carácter não culposo do incumprimento, ou, como é seu direito (direito de defesa), requerer a abertura de instrução, precisamente para obstar ao prosseguimento da acusação e eventual realização do julgamento?

Assim, o recurso deve proceder nos termos expostos.

                                                              

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos :

I - Concede-se provimento ao recurso, assim devendo ser proferido despacho que admita a instrução e determine o prosseguimento dos autos.

II - Sem custas.

                                                                

Coimbra, 27 de Setembro de 2017

(Paulo Valério – relator)

(Maria Pilar de Oliveira – adjunta)