Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
118/12.7GDSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REGIME DE PROGRESSIVIDADE DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 44.º DO CP; ARTIGO 20.º DA LEI N.º 33/2010, DE 2-09
Sumário: I - O regime de permanência na habitação não pode ser objecto de um regime de flexibilização que o descaracterize, de tal forma que passe a ser confundido com o regime de semidetenção, com a particularidade de em momento algum o condenado ter contacto com o Estabelecimento Prisional, dando, assim, origem a um tertium genus, que não encontra amparo nas penas de substituição.

II - Tal não significa, porém, que não se reconheça a consagração do referido regime de flexibilização no quadro do Regime de progressividade da execução previsto no artigo 20.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro [Regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica) e revoga a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto] – também aplicável no âmbito da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, prevista no artigo 44.º do Código Penal [cf. artigo 1º, al. b) do citado diploma].

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo sumário n.º 148/14.4GAALBdo Juízo de Instância Criminal da Comarca do Baixo Vouga Albergaria-A-Velhae perante Tribunal Singular foi o arguido A... , solteiro, reformado, nascido a 26.12.1955, natural de (...), Albergaria-a-Velha, filho de (...) e de (...) e residente na (...), Albergaria-a-Velha, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. b) do C. Penal.

2. Realizado o julgamento, por sentença de 13.03.2014 foi decidido:

“1. Condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03-01, na pena de 9 (nove) meses de prisão.

2. Poderá tal pena ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso o arguido nisso expressa e pessoalmente consinta, até ao trânsito em julgado da presente decisão.

3. Condenar o arguido pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de €325,00 (trezentos e vinte e cinco euros).”

3. Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

I

O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos autos acima referenciados onde condenou o arguido na pena de 9 meses de prisão efetiva a ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

II

Provaram - se os factos constantes da acusação.

Provou-se ainda que o arguido é reformado por invalidez e recebe a título de pensão o valor de 303€.

E que o arguido tem outras condenações por crime de condução sem habilitação legal.

III

O Tribunal “a quo” aplicou ao arguido a pena de 9 meses de prisão a ser executada em regime de permanência na habitação.

Porém, o período de 9 meses de prisão aplicada, ainda que a ser executada em regime de permanência na habitação é excessivo.

IV

O arguido, face ao magro rendimento de pensão que aufere, presta serviços por turnos no Snack Bar Galp, na área de Serviço sita na EN 1 ao Km 255,2 em Escusa - Branca, tomando conta do espaço durante a noite.

Ora para cumprir a pena aplicada deixará de poder prestar tais serviços, privando - o do rendimento que aufere por mês em cerca de 250€/mês, o que vai deixá-lo numa situação de carência económica.

E possivelmente perderá aquele trabalho, face ao período de tempo em que, para cumprir a pena, estará ausente.

V

Parece - nos que as exigências de prevenção especial e geral estarão garantidas se ao arguido for permitido cumprir a pena aplicada no seu domicílio com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância durante o período diurno e no período noturno poder estar no snack Bar Galp sito acima indicado, a trabalhar, sempre sob fiscalização por meio técnicos de controlo à distância.

Ou, ainda, estarão igualmente garantidas, se o arguido prestar caução de boa conduta, através do proprietário daquele snack bar, o Senhor B... que se dispõe a fazê-lo em seu nome, ainda que o arguido lhe pague com o seu trabalho.

Por outro lado o arguido está socialmente integrado, tem amigos e familiares que estão dispostos a investir nele, a prova é o dono do Snack bar se dispor a depositar uma caução em seu nome, para que ele prossiga a sua vida conforme com as regras do direito, não cometendo mais crimes.

Pegando na referência a que o Tribunal “a quo" faz ao Prof. Figueiredo Dias “o que aqui está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o Tribunal deve encontrar - se disposto a correr o risco - digamos fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade...”

O que aqui se pede a que o Tribunal “a quo” tenha esperança, o que não teve.

Porém o arguido mostrou uma atitude contrita e de arrependimento, revelando total decisão para não mais conduzir sem carta.

Devemos ter essa esperança.

A prisão efetiva, deve ser sempre a ultima ratio.

Termos em que, e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

A)          Ao arguido ser permitido ausentar-se do seu domicílio no período das 23:00 às 09:00 horas para prestar serviço no Snack Bar Galp, na EN1 Km 255, 2 na Branca.

Ou

B)          Que a pena de prisão de 9 meses aplicada seja substituída por prestação de caução por boa conduta pelo período de 9 meses,

Ou

C)          A substituição da pena de 9 meses de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.”

4. Ao recurso respondeu o Ex.mo Procurador-Adjunto, pugnando pela manutenção da sentença recorrida posto que, conclui:

” 1a - A fixação do regime em que o arguido se pode ausentar do local de vigilância eletrónica pressupõe que, previamente, este tenha prestado o consentimento previsto no artigo 44°, n.º 1 do Código Penal;

2a - O arguido ainda não prestou tal consentimento;

3a - Consequentemente, o tribunal a quo não tinha que fixar tal regime;

4a - Não se encontra prevista na Lei a possibilidade de substituição da pena de prisão por caução de boa conduta;

5a - Face ao passado criminal do arguido, não merece qualquer reparo a não substituição da pena de prisão por multa ou trabalho a favor da comunidade.

Nestes termos, não deve o recurso interposto pelo arguido A... merecer qualquer provimento, mantendo-se integralmente a sentença recorrida desta forma se fazendo justiça.”

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

6. Na Relação pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, sufragando a resposta apresentada em 1.ª instância pelo Ministério Público, pela improcedência do recurso, concluindo:

“(…)

O arguido já foi, anteriormente, condenado sete vezes pela prática do mesmo crime de condução sem habilitação legal, sendo que, em três dessas condenações, foi condenado em pena de prisão, respectivamente de 4 e 7 meses e 330 dias, tendo uma sido substituída por 120 dias de multa, outra por 210 horas de trabalho a favor da comunidade e a outra por 330 horas de trabalho, também, a favor da comunidade.

Tal como refere a douta sentença, as exigências quer de prevenção geral quer de prevenção especial são, no caso, muito elevadas, revelando o arguido grande insensibilidade aos valores subjacentes às normas em questão e sem que as penas aplicadas tenham sido suficientemente dissuasoras.

Por isso, a aplicação agora da pena de 9 meses de prisão, parece-me determinada de acordo com o estabelecido no art.° 71.° do Código penal, reflectindo a culpa do arguido e as exigências de prevenção, e atendendo a todas as circunstâncias dadas por provadas que depõem a favor e contra ele.

É verdade que a douta decisão permitiu, nos termos do art.° 44.°, n.º 1, do Código Penal, que a pena possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso o arguido consinta expressa e pessoalmente até ao trânsito em julgado, mas o arguido, até agora, não tendo prestado pessoal e expressamente tal consentimento, não tem legitimidade, este tribunal de recurso, para se pronunciar sobre a sua pretensão para permissão de se ausentar da habitação entre as 23 e as 9 horas da habitação.

Já quanto à pretensão de substituição da pena de 9 meses de prisão por prestação de caução, a mesma não deve ter acolhimento, por falta de previsão legal, ao contrário da pretensão de substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, que tem acolhimento no art.° 58.°, do Código Penal, mas que, no caso, não me parece que deva ser substituída, já que, anteriormente, a pena de prisão já foi substituída, sem sucesso, pela prestação de trabalho a favor da comunidade.”

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP, não foi obtida reacção.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:

É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Por isso, temos, como Questões a decidir:

§ Da escolha da pena.

§ Da pretendida substituição por prestação de caução por boa conduta

2. Na sentença recorrida foram dados como provados, não provados, com base na indicada motivação, os seguintes factos (por transcrição):

«

Factos Provados

1. No dia 7.01.2014, em Vale dos Castanheiros, Estarreja, foi aprendido pela GNR o veículo automóvel de matrícula (...)FQ, em virtude do mesmo ter circulado por vias públicas sem que a responsabilidade civil infortunística emergente de acidentes de viação causados pelo mesmo se encontrasse assumida por seguro.

2. O referido veículo foi entregue ao seu dono, o arguido A..., que o recebeu como fiel depositário e que, nessa ocasião, foi advertido de que não podia usar o dito automóvel e que a sua utilização o faria incorrer em crime de desobediência.

3. Todavia, e apesar de não ser titular de carta de condução, no dia 8.03.2014, pelas 9h00, o arguido conduziu o veículo (...)FQ, pela Rua Fonte da Lameira, na Branca, Albergaria-a-Velha.

4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de conduzir o veículo (...)FQ, pela Rua Fonte da Lameira, bem sabendo que não era titular de carta de condução e que o referido veículo se encontrava apreendido.

5. Conhecia a proibição e punição legal das suas condutas.

6. O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.

Mais se provou que:

7. Antes de ser interceptado, o arguido conduziu cerca de 6 Km.

8. Encontra-se reformado por invalidez, auferindo a título de pensão de reforma a quantia de €303,00.

9. Vive com uma irmã, em casa desta, contribuindo para as despesas domésticas com a quantia mensal de €150,00.

10. Tem a 4ª classe de escolaridade.

11. Tem as seguintes condenações:

a) por sentença proferida a 29.04.2004, no processo abreviado n.º 45/03.9GTAVR, que correu termos pelo então 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Águeda, foi o arguido condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €2,50, por factos praticados em 29.01.2003, extinta pelo cumprimento por despacho de 20.04.2005;

b) por sentença proferida a 09.08.2004, no processo sumário n.º 113/04.0GBETR, que correu termos pelo 1º juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de €2,50, por factos praticados em 08.08.2004, extinta pelo cumprimento por despacho de 05.01.2005;

c) por sentença proferida a 26.03.2010, no processo sumário n.º 185/10.8GAALB, que correu termos pelo juízo de instância criminal de Albergaria-a-Velha, foi o arguido condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de €5,00, por factos praticados em 19.03.2010, extinta pelo cumprimento por despacho de 17.03.2011;

d) por sentença proferida a 05.07.2010, no processo comum singular n.º 213/10.7GBAGD, que correu termos pelo juízo de instância criminal de Águeda – Juiz 2, foi o arguido condenada pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de €5,50 e na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses, por factos praticados em 08.11.2009, extintas pelo cumprimento por despachos de 28.09.2011 e 04.04.2011, respectivamente;

e) por sentença proferida a 06.05.2010, no processo comum singular n.º 1406/09.5GBAGD, que correu termos pelo juízo de instância criminal de Águeda – Juiz 2, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6,00, por factos praticados em 08.11.2009, extinta pelo cumprimento por despacho de 04.10.2011;

f) por sentença proferida a 17.05.2012, no processo sumário n.º 81/12.4GTSJM, que correu termos pelo juízo de instância criminal de Albergaria-a-Velha, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados em 02.05.2012, extinta pelo cumprimento por despacho de 18.03.2013;

- por sentença proferida a 07.01.2014, no processo sumário n.º 2/14.0GTSJM, que correu termos pelo juízo de instância criminal de Estarreja, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 330 dias de prisão, substituída por 330 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados em 07.01.2014.”

Factos Não Provados

  Inexistem factos não provados.

Motivação

   No que diz respeito aos factos que lhe vinham imputados, a nossa convicção fundou-se na confissão livre, espontânea e integral do arguido, conjugada com a análise do auto de apreensão junto aos autos a fls. 14.

Tivemos ainda em consideração as declarações da testemunha C... , sobrinho do arguido, que apenas veio confirmar que desde a data da apreensão, esta foi a única vez que o arguido conduziu o veículo em apreço, tendo-lhe verbalizado que teria sido também a última.

Depôs de forma espontânea e descomprometida.

**

Quanto à situação sócio-económica do arguido, tivemos em consideração as suas declarações, que nos pareceram suficientemente consistentes e verosímeis.

**

No que toca aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal formou a sua convicção com base no certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 22-34.”

3. Apreciando

Pretende o recorrente que a pena de substituição de 9 [nove] meses de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, possa ser cumprida sem prejuízo da sua actividade profissional, autorizando-se para o efeito que se ausente da sua residência pelo tempo estritamente necessário ao desempenho da referida actividade profissional, só assim se garantindo que não fique sem o seu trabalho e que não seja colocado numa situação que o impeça de angariar os rendimentos imprescindíveis ao seu sustento e do agregado familiar.

Vejamos, previamente, o que a propósito da pena ficou consignado na decisão recorrida.

“III.2. A ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA

De acordo com o teor do n.º 2 do artigo 3º do DL n.º 2/98, de 3.01, o crime de condução se habilitação legal é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.

Ao crime de desobediência simples é aplicável a pena de prisão entre 1 mês e 1 ano ou a pena de multa entre 10 e 120 dias (artigos 348º, n.º 1, al. b), 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, todos do Código Penal).

Antes de partirmos para a determinação da medida concreta da pena, caberá, prima facie, fazermos uma opção entre a pena de prisão ou a pena de multa, porque são ambas cabíveis aos crimes de que ora curamos.

Por apelo aos critérios enunciados no artigo 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Precisemos então, quanto antes, as finalidades das penas, de molde a podermos concluir com segurança que pena aplicar, se detentiva ou não, ao arguido.

Desde logo, cumpre sublinhar que a aplicação de uma pena visa essencialmente a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigos 1º, 13º, n.º 1, 18º, n.º 2 e 25º, n.º 1 da Constituição e artigo 40º do Código Penal).

São assim exigências de prevenção geral e especial positiva que comandam o julgador no momento da escolha da espécie de pena a aplicar.

Por conseguinte, no momento dessa escolha, relevam, por um lado, exigências de prevenção geral positiva, interpretadas através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida, e por outro lado, exigências de prevenção especial positiva, entendidas à luz da pretendida ressocialização do arguido.

O que temos então neste domínio?

Debruçando-nos sobre o caso sub iudice, cremos ser relevante ponderar, no que ao crime de condução sem habilitação legal diz respeito, que são elevadas as exigências de prevenção geral positiva, dado que como é do conhecimento público é infelizmente bastante frequente a verificação deste tipo de crime, bem como a sinistralidade rodoviária tem sofrido um incremento considerável.

São também elevadas as exigências de prevenção geral positiva relativamente ao crime de desobediência, tanto mais que o ilícito ora em apreciação provoca alguma inquietação social, pelo facto de o desrespeito das ordens emanadas pelas autoridades competentes ser cada vez mais frequente, caminho que importa atalhar rapidamente.

Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situarão a um nível também elevado, pois o arguido tem já um passado criminal assinalável, que se mostra revelador, desde logo, da sua insensibilidade aos valores subjacentes às normas em questão e efeito dissuasor das penas aplicadas, sendo que esta será a sétima condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, sendo que a prática dos últimos factos se reporta a Janeiro de 2014.

Quanto ao crime de desobediência, esta será a primeira condenação.

Por outro lado, a favor do arguido, haverá que ponderar que confessou os factos integralmente e sem reservas e, ao que tudo indica, está bem inserido familiarmente.

A adequada ponderação de tais aspectos, conduz-nos a pensar que se justifica sem dúvida o recurso à pena de prisão, relativamente ao crimede condução sem habilitação legal, mesmo sabendo-se que esta constitui a última ratio de intervenção penal.

Quanto ao crime de desobediência, estamos em crer que a aplicação ao arguido de uma pena de multa será ainda suficiente para satisfazer as exigências da punição.

**

Isto dito, importa determinar a medida concreta da pena.

Sem esquecer os ditames decorrentes do artigo 71º do Código Penal, diremos por ora que aderimos à concepção doutrinária que propugna que em sede de determinação da medida da pena o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; fixado esse limite, o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual qualquer pena não satisfaria as exigências de protecção do bem jurídico violado; por último, o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida óptima da pena, atentos os princípios da prevenção especial positiva (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, pág. 227 e ss.).

Apreciando os critérios do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, que influenciam a pena pela via da culpa, sendo certo que a ilicitude também releva por essa via, deve considerar-se, em relação ao arguido:

- A ilicitude é média quanto ao crime de condução sem habilitação legal em face dos quilómetros percorridos pelo arguido e bem assim relativamente ao crime de desobediência da ordem emanada pela autoridade competente;

- O dolo é directo, e por isso elevado;

- O arguido tem antecedentes criminais;

- O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas;

- O arguido encontra-se familiarmente bem inserido.

Nesta medida, considerando o já exposto e sem poder olvidar que o arguido não obstante as advertências solenes de que foi alvo nas condenações anteriores, voltou a praticar novo ilícito penal, ponderados todos estes factores, reputa-se como adequada a condenação do arguido nas seguintes penas:

- na pena de 9 (nove) meses de prisão relativamente ao crime de condução sem habilitação legal;

- na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa relativamente ao crime de desobediência.

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QUANTO À PENA DE MULTA

Quanto ao quantitativo diário a atender, importa considerar que o mesmo há-de ser definido entre €5,00 e €500,00 euros, em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais (artigo 47º, n.º 2 do Código Penal).

Tendo em atenção os elementos de que a esse nível dispomos, situaremos aquele quantitativo justamente em €5,00, o que perfaz a quantia de €325,00 (trezentos e vinte e cinco).

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QUANTO À PENA DE PRISÃO

A pena ora aplicada é inferior a cinco anos de prisão, pelo que urge ponderar se se deverá recorrer ao mecanismo da suspensão da execução da pena de prisão previsto pelo artigo 50º do Código Penal que estabelece que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Este artigo atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68).

No Acórdão do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96), referiu-se que “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.

Para que se possa decidir pela suspensão, tem que se demonstrar que a ameaça de cumprimento da pena será suficiente para prosseguir os fins visados com as penas (neste sentido, SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, Código Penal Anotado, Vol. I, Rei dos Livros, 2ª edição, 1996, p. 547).

Ademais, como se escreveu no Acórdão RC de 07.02.2000, in Revista Sub Judice, p. 101 a 105, sempre que o tribunal puder optar por pena de prisão ou de multa e “se optar pela pena de prisão, deve ter em conta os normativos constantes dos artigos 44º a 46º, todos do Código Penal, que mais não visam do que evitar o cumprimento de penas curtas de prisão (cfr. a este respeito, o Acórdão do STJ de 04.02.98, CJ STJ, 1, 188, onde se escreveu: “as penas curtas de prisão que não possam ser substituídas por multa devem sê-lo por pena não privativa de liberdade, como a suspensão da execução da prisão.” (...) só em situações muito excepcionais (depois de esgotadas todas as alternativas legais) pode o tribunal aplicar uma pena (curta) de prisão efectiva, devendo dissuadir-se o infractor da delinquência, através do recurso a outros meios, menos agressivos, mas altamente punitivos. (...) O arguido só deve cumprir a pena de prisão a que foi condenado, se essa for a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, ou como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 115, «se a privação de liberdade for o único meio adequado de estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do arguido.»

O crime aqui em causa assume gravidade, na medida em que as consequências da condução de veículos automóveis sem habilitação legal pode colocar e coloca efectivamente em perigo a vida e a integridade física de terceiros e do próprio arguido.

Acresce ainda que, no caso sub iudice, o arguido foi já condenado seis vezes pela prática do mesmo ilícito penal, ora em pena de multa, ora em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, sendo certo que, e pese embora tais condenações, o arguido voltou a delinquir.

O seu percurso de vida demonstra que as penas de que vem sendo alvo não surtiram qualquer efeito, não almejaram a pretendida ressocialização e dissuasão da prática criminosa, o que impede o tribunal de concluir por um juízo de prognose favorável em ordem a que se acredite bastarem a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da criminalidade, mormente do crime de condução sem habilitação legal.

Efectivamente, nada permite afirmar a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de não voltar a conduzir sem habilitação legal, tanto mais que cerca de dois meses após a última condenação pela prática do mesmo ilícito, voltou a conduzir sem para tanto estar habilitado.

Por isso que não deve beneficiar da suspensão da pena de prisão.

Aliás, como muito bem esclareceu o Prof. Figueiredo Dias, “o que aqui está em causa não é qualquer “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, AEQUITAS, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, § 521, págs. 344-345).

Pelo que se decide não suspender a pena de prisão que se referiu.

Por idênticas razões se decide também não substituir a pena de prisão ora aplicada pela pena de multa e por prestação de trabalho a favor da comunidade.

*

Todavia, e pese embora os considerandos supra tecidos, afigura-se-nos ser de averiguar a possibilidade de cumprimento de uma tal pena de prisão em regime de permanência na habitação.

De acordo com o regime prescrito no artigo 44º do Código Penal, sempre que a pena de prisão aplicada seja em medida não superior a um ano e nisso o arguido consinta, pode aquela pena ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (vulgo vigilância electrónica), quando se conclua que esta forma de cumprimento é adequada e suficiente às finalidades da punição.

Esta modalidade de cumprimento da pena ora aplicada, afastando o arguido da condução e permitindo, assim se espera, a consciencialização da sua problemática na reincidência do ilícito em apreço, permite não só alcançar as finalidades da punição, como, numa derradeira oportunidade, possibilita o afastamento do arguido do contacto ou experiência com o ambiente prisional.

Ao que acresce o facto de a pena não ser em medida superior a um ano.

Caso o arguido assim o consinta, será então de aplicar a pena de 9 (nove) meses de prisão a ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância por verificados os pressupostos prevenidos naquele artigo 44º.”.

Apreciando

A - Da prestação de caução por boa conduta

É manifesto que a pretendida substituição da pena em que o recorrente foi condenado, por prestação de caução por boa conduta, não está prevista na lei para as pessoas singulares, mas apenas para pessoa colectiva ou entidade equiparada - art 90º D do C.Penal - e como pena substitutiva da pena de multa.

Improcede neste segmento o recurso.

B - Flexibilização do regime de permanência na habitação

Como é sabido, o regime de permanência na habitação, previsto no artigo 44.º do Código Penal, tem a natureza de pena de substituição.

Neste sentido refere Pinto de Albuquerque «… o regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão (ver expressamente neste sentido a exposição de motivos da proposta de lei n.º 98/X, que esteve na base da Lei n.º 59/2007). Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação. A configuração da permanência na habitação como uma verdadeira pena de substituição é rica em consequências substantivas e processuais» - [cf. Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 182].

No mesmo sentido, Germano Marques da Silva que inclui o Regime de permanência na habitação no âmbito das penas de substituição aplicáveis às pessoas singulares, designando-a, tal como, entre outras, a prisão por dias livres e o regime de semidetenção, de «Pena substitutiva na execução da pena» - [cf. “Direito Penal Português”, Parte Geral, III, Verbo, 2008, págs. 90/91].

António João Latas, embora distinga penas de substituição em sentido próprio e impróprio, escreve a propósito: «Trata-se de uma pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, uma vez que é decidida pelo tribunal de julgamento no momento da condenação e pressupõe a não substituição da prisão previamente determinada por pena de substituição em sentido próprio, que se traduz numa forma de cumprimento ou execução da pena privativa da liberdade (tal como a Prisão por dias livres e o Regime de semidetenção), cujo carácter alternativo à prisão tout court reside precisamente em ter lugar em meio não prisional, evitando-se o efeito criminógeno e outros factores de dessocializaçãodo arguido inerentes ao cumprimento de pena em meio prisional» - [cf. “A Reforma do Sistema Penal de 2007, Garantias e Eficácia; O novo quadro sancionatório das pessoas singulares», Justiça XXI, Coimbra Editora, págs. 106/107].

Tal como a prisão por dias livres - artigo 45.º do CP - e o Regime de semidetenção - artigo 46º do CP -, pressuposto material do Regime de Permanência na habitação é o da sua adequação às finalidades da punição, aspecto que, no caso, não surge controvertido.

Mostrando-se subjacente a todas estas penas de substituição a vontade do legislador em eliminar [artigo 44.º] ou, não sendo possível, reduzir ao mínimo os casos de cumprimento da pena curta de prisão em meio prisional de forma contínua [artigos 45º e 46º], procurando, assim, evitar o efeito criminógeno da prisão, o facto é que se distinguem no seu modo de execução, revelando-se incontroversa a maior adequação de umas relativamente a outras na prossecução de determinados objectivos, avaliação que, dada a identificada natureza de penas de substituição, terá de ter lugar na própria sentença - AcRel Coimbra de 12 de Março de 2014.

Tal como salienta o referido acórdão “…, no que respeita ao desempenho profissional o legislador é claro quando reportando-se ao Regime de semidetenção diz consistir o mesmo «numa privação da liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações», apresentando-se-nos, também, inequívoca a compatibilidade [em princípio] da Prisão por dias livres com o exercício de uma eventual actividade profissional.”

Contudo o que o recorrente pretende - sem ter ainda prestado o consentimento na forma prevista na sentença recorrida - é que o Regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se desenvolva de modo a permitir ausentar-se da sua habitação por um período diário correspondente ao seu horário normal de trabalho.

O que constitui o regime de progressividade da execução previsto no artigo 20.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.

Solução que não repugna venha a ser adoptada caso os serviços sociais confirmem que o arguido “presta serviços nos turnos no Snack Bar Galp, na área de Serviço sita na EN 1 ao Km 255,2 em Escusa - Branca, tomando conta do espaço durante a noite.”

Facto que nem sequer consta dos factos provados, que o recorrente não impugnou.

Com efeito, tal como se refere no acórdão citado, que subscrevemos como adjunta,” Vozes autorizadas na doutrina têm-se pronunciado no sentido da flexibilização do regime em causa, escrevendo neste contexto Germano Marques da Silva «O regime de permanência na habitação é um regime flexível, podendo o juiz ao determinar o regime estabelecer que a obrigação de permanência se faça apenas em períodos limitados do dia para permitir ao condenado o exercício de profissão, de frequência escolar, cumprimento de preceitos religiosos, etc.», concretizando, em nota, o autor «O juiz deve ter em atenção que a obrigação de permanência na habitação representa para o condenado uma permanente tensão, um desafio para não violar a obrigação (…). Por isso que enquanto Presidente da Comissão de Acompanhamento do Sistema de Vigilância Electrónica sempre recomendámos aos Serviços do IRS que propusessem ao juiz regimes com alguma flexibilidade para evitar o mais possível a desinserção social do condenado, mas também para facilitar o cumprimento da pena. A experiência alheia mostra que a obrigação de permanência na habitação cumpre melhor as suas finalidades quando tem alguma flexibilidade …» - [cf. ob. cit., pág. 92].

Flexibilização a que, embora em termos que transparecem bem mais mitigados, não deixa de aludir Paulo Pinto de Albuquerque quando refere «O tribunal de julgamento pode, em casos especialmente justificados, permitir saídas da habitação desde que a sua periodicidade e duração sejam compatíveis com as finalidades preventivas, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 122/99, de 20.8, por força do artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4.9. Por exemplo, são justificadas as saídas para assistência médica indispensável ou para cumprimento inadiável de obrigações processuais. Portanto, o regime de saídas há-de necessariamente ser mais apertado do que aquele que seria aplicável antes do trânsito em julgado da condenação, pois com esta desaparece a presunção de inocência» - [cf. ob. cit., pág. 183].”

Também o acórdão do TRP de 17.02.2010, proferido no proc. n.º 42/06.2TAOVR-C.P1, adere a tal solução: «… não vislumbramos incompatibilidade alguma entre o conteúdo e a natureza da pena de permanência na habitação e as saídas para o exercício pelo condenado de actividade laboral, desde que a sua periodicidade e duração se mostrem compatíveis com as finalidades de prevenção que lhe estão subjacentes e tendo em atenção o consignado no artigo 3º, n.º 2, da Lei n.º 122/99, de 20/08.

De todo o modo, Certo é que no artigo 46º, do CP (regime de semidetenção) se consagrou expressamente que o regime «consiste numa privação da liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações» e no regime de permanência na habitação não se faz referência alguma a estes objectivos e saídas com vista a atingir este escopo.

Concluindo, a inexistência de consagração expressa de objectivos relativos à manutenção dos vínculos laborais, no regime de permanência na habitação não constitui obstáculo a que o condenado em tal regime prossiga a sua actividade profissional, a sua formação profissional ou os seus estudos, desde que salvaguardada a compatibilidade com as finalidades de prevenção.

“…apenas se impõe como necessária essa consagração no regime de semidetenção por se tratar ainda de um cumprimento de prisão intramuros, uma privação da liberdade com recurso ao sistema prisional, com efectivo ingresso num estabelecimento prisional» - ac cit.

Porém, tal como se adverte no AcRel Coimbra acima referido, o regime de permanência na habitação não pode ser objecto de um regime de flexibilização que o descaracterize de tal forma que o mesmo passe a ser confundido com o regime de semidetenção, com a particularidade de em momento algum o condenado ter contacto com o Estabelecimento prisional, dando, assim, origem a um tertiumgenus, que não encontra arrimo nas penas de substituição.

Em conformidade a flexibilização possível deve desenvolver-se no quadro do Regime de progressividade da execução previsto no artigo 20.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro [Regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância electrónica) e revoga a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto] – também aplicável no âmbito da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, prevista no artigo 44.º do Código Penal [cf. artigo 1º, al. b) do citado diploma].

Regime a ponderar, oportunamente, caso o recorrente venha a consentir expressa e pessoalmente que a pena seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

C - Da substituição por trabalho a favor da comunidade

Basta atentar nos antecedentes criminais do recorrente para se concluir que permanece insensível às consequências da sua conduta criminalmente ilícita, mostrando-se obstinado no desrespeito pelas sucessivas advertências que os tribunais lhe fizeram, elevando assim as necessidades de prevenção geral e especial, incompatíveis com a pretendida substituição por trabalho a favor da comunidade.

Bem andou pois o tribunal recorrido, conforme resulta da fundamentação respectiva, acima transcrita e a que aderimos.

Nenhuma censura merece a decisão recorrida, até porque se mostra diferido para momento posterior a ponderação do regime previsto no artigo 20.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, atenta a exigência do aludido consentimento pessoal e expresso.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Condena-se o recorrente em 3 [três] UCs de taxa de justiça.

Coimbra, 24 de Setembro de 2014

(Isabel Valongo - relatora)

(Fernanda Ventura - adjunta)