Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1597/09.5T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
PEDIDO
PETIÇÃO INICIAL
FORÇA EXECUTIVA
Data do Acordão: 06/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – 1º JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 2º DO ANEXO AO DL Nº 269/98, DE 1/09; ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA Nº 7/2009; ARTº 781º CC
Sumário: I – Após a publicação do Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, publicado no DR de 5/05/2009, integra-se no conceito de “pedido manifestamente improcedente”, a que se reporta o artº 2 do Anexo ao DL nº 269/98, de 1/09, a interpretação do artº 781º do CC que vá ao arrepio da doutrina vazada naquele acórdão.

II – Verificada a situação descrita em I, o Tribunal não pode conferir força executiva à petição nos termos do artº 2º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1/09.

III – Se o Tribunal manifestar entendimento distinto do acórdão uniformizador deve a parte ou o Ministério Público interpor recurso de tal decisão, nos termos da al. c) do nº 2 do artº 678º CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra

1. Relatório

            Banco A..., SA intentou contra B... a presente acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária No essencial alegou que no exercício da sua actividade comercial e visando a aquisição de um veículo automóvel de marca FIAT modelo Punto 60 S, com a matrícula (...), por contrato datado de 20 de Março de 2006, concedeu ao réu um crédito directo sob a forma de mútuo no valor de € 4.200,00, com juros à taxa nominal de 23,25% ao ano, devendo a importância do empréstimo, juros, comissão de gestão, prémio de seguro de vida e imposto de selo serem pagos em 60 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30 de Novembro de 2006 e as seguintes nos dias 30 de cada um dos meses subsequentes. Conforme o acordado o pagamento de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar na data do vencimento de cada uma delas e para conta bancária sediada em Lisboa e indicada pela autora. A falta de pagamento de uma prestação implicava o vencimento das restantes prestações, tendo estas o valor constante do contrato ou seja o valor de 123,00 euros. Autor e réu acordaram expressamente em regime diverso da aplicação do princípio definido no artigo 781º do CC, como de resto emerge da cláusula 8ª das Condições Gerais que disciplina: a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento das restantes e na alínea c) da cláusula 4ª acordaram que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros de empréstimo, o valor dos impostos devidos bem como os prémios das apólices de seguro. Pese o acórdão uniformizador de jurisprudência de 25 de Março de 2009, a verdade é que no seu ponto 10 deixou expresso que «as partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781º do CC», ou seja, salvaguardam-se as situações referidas nas cláusula 8ª, alínea c) da cláusula 4ª e cláusula 13ª das Condições Gerais do referido contrato. Mais foi acordado em caso de mora a aplicação da taxa de 4% que acresce à taxa contratualizada. O réu não pagou a 20ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 30 de Junho de 2008, implicando a falta de pagamento desta prestação o vencimento das restantes pelo valor de € 133,04, conforme consta do referido contrato. O total das prestações em dívida ascende a € 5.188,56, valor a que acrescem juros à taxa de 27,25% ao ano desde 30 de Junho de 2008 e até efectivo pagamento, sendo que os juros vencidos até 12 de Outubro de 2009 ascendem a € 1.816,74 e sobre os juros incidem o imposto de selo à taxa de 4% ao ano

            Concluiu pela procedência da acção e pela condenação do réu a pagar-lhes a quantia de € 5.188,56, acrescida de € 1.816,74 de juros vencidos até 12 de Outubro de 2009 e de € 72,67 de imposto de selo sobre os juros e ainda os juros que sobre a dita quantia de € 5.188,56 se vencerem à taxa anual de 27,25% desde 13 de Outubro de 2009 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.


*

O réu foi regularmente citado mas não contestou.

*

            Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e consequentemente condenou o réu a pagar ao autor Banco A..., SA:

a) As prestações vencidas e não pagas, isto é, da 20ª vencida a 30 de Junho de 2008, a 21ª vencida em 30 de Julho de 2008, a 23ª vencida a 30 de Setembro de 2008, a 24ª vencida a 30 de Outubro de 2008, a 25ª vencida a 30 de Novembro de 2008, a 27ª vencida a 30 de Janeiro de 2009 e as restantes a partir de então e até à citação – 15 de Outubro de 2009 – no montante de € 123,00 cada uma acrescidas, cada uma, a partir da data do respectivo vencimento de juros de mora à taxa de 27,25% e de imposto de selo que à taxa de 4% ao ano, sobre estes juros vier a recair.

b) No que vier a ser liquidado nos termos do artigo 661º, nº 2 do CPC, correspondente ao remanescente da quantia mutuada, vencido com a citação para a presente acção, acrescido de juros de mora à taxa de 27,25% e de imposto de selo à taxa de 4%.

c) Absolveu o réu do restante pedido deduzido.


*

            Notificado da sentença, o autor interpôs recurso que instruiu com as respectivas alegações que finalizou formulando as seguintes conclusões:

[ ……………………………………………]


*

            O réu/recorrido não contra alegou.

*

            Por despacho de folhas 90, o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e nos autos e com efeito devolutivo.

*

            2. Delimitação do objecto do recurso

            A questão a decidir na presente apelação e em função da qual se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte:

¨ Falta de contestação. Valor de decisão condenatória. Força executiva a conferir à petição – artigo 2º do Anexo ao Regime de Procedimento a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro.


*

            3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

            A matéria de facto provada não foi colocada em causa pelo apelante, pelo que nos termos do disposto no nº 6 do artigo 713º do CPC, limitar-nos-emos a transcrever os factos dados por assentes pelo Tribunal de 1ª Instância.

            3.1 – Matéria de facto provada

[……………………………………………………..]


*

            3.2 – Violação do artigo 2º do Anexo ao Decreto-lei nº 269/98, de 1.9

             Basta ler-se o preâmbulo ao Decreto-lei nº 269/98, de 1.9 para ficarmos com a certeza que o legislador confrontado com o exponencial recurso aos tribunais por parte das instituições de crédito, para cobrança de dívidas emergentes do crédito ao consumo e cujo valor, em muitos casos, se ficava aquém da alçada dos Tribunais da Relação[1], entendeu criar um regime próprio que pelo seu carácter de «informalidade processual» permitisse/permita a cobrança de dívidas de consumo em tempo útil. Expressou o legislador na parte preambular daquele diploma legal que «o artigo 7º do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12.12 previu a possibilidade de criação de processos com tramitação própria no âmbito das competência daqueles tribunais[2]. É oportuno concretizar esse propósito, mas generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o que simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado».

3.2.1 – A situação em apreço insere-se, claramente, numa dessa situações de acção declarativa para cumprimento de obrigação pecuniária – artigo 550º do CC – estruturada em redor do incumprimento de um contrato de mútuo concedido pela apelante ao apelado visando a aquisição de um veículo automóvel. O autor emprestou ao réu a importância de € 4.200,00, com juros à taxa nominal de 23,25% ao ano, acordando que a importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida deviam ser pagos, nos termos acordados, em 60 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 123,00 cada uma, com vencimento a primeira em 30 de Novembro de 2006 e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes, vencendo-se a última no dia 30 de Outubro de 2011. Acontece que, exceptuando a 22ª e 26ª prestações, o réu/apelado entrou em incumprimento a partir da 20ª prestação, o que levou a que o autor/apelante intentasse a presente acção para ressarcimento da quantia de € 5.188,56, da quantia de € 1.816,74 de juros vencidos até 12 de Outubro de 2009, imposto de selo sobre os juros vencidos no valor de € 72,67 e ainda os juros que sobre a dita quantia de se vencerem à taxa anual de 27,25% desde 13 de Outubro de 2009 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.

            A Exma. Juiz considerou, pelo menos assim o interpretamos, não ser de aplicar o regime vazado no artigo 2º do Anexo – regime de procedimentos a que se refere o artigo 1º do diploma preambular – e escorando-se no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009 publicado no DR I, nº 86, de 5 de Maio de 2009[3], fixou os factos provados – nº 1 do artigo 484º do CPC – subsumi-os ao direito e considerou que «relativamente às prestações que se venceram por via do accionamento do mecanismo previsto no artigo 781º do CC e que ocorreu com a citação do réu para a presente acção, o ressarcimento do autor ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e à cláusula penal que foi convencionada, absolvendo-o do demais peticionado».

            É justamente contra este entendimento – fixação dos factos e subsunção ao direito – que o autor/apelante se insurge-se ancorando-se na vinculação do Tribunal na aplicação da disciplina ínsita no artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.9.

            Será de acolher a pretensão do apelante?

            Embora numa situação diversa – o valor da acção ultrapassava os 15.000,00 euros – da plasmada nestes autos[4], entendemos, ancorados nos ensinamentos do Sr. Prof. Antunes Varela e no que considerámos ser a posição maioritária do nosso Supremo Tribunal de Justiça, que se impunha a diferenciação das prestações em dívida e vencidas até à citação e as vencidas depois da citação. Naquele primeiro caso partilhámos a posição do autor Banco A..., SA e sobre cada uma das prestações em dívida aplicámos o juro anual acordado, mas já defendemos que as prestações vencidas por via da interpelação – citação – o juros devidos não incidiam sobre cada uma das prestações mas sim sobre o montante em dívida, mantendo, todavia, o juro acordado.

Para se ter uma ideia da indefinição que navegava na jurisprudência, deixa-se em nota de rodapé alguns dos entendimentos perfilhados pelos nossos Tribunais da Relação e Supremo[5].

            Sabendo-se que o regime especial vazado no DL nº 269/98, de 1 de Setembro se aplica a «procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00», o artigo 2º do Anexo àquele diploma expressou com clareza que «se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente».

            É claro que aquando da propositura da acção o valor reclamado, incluindo juros e demais encargos era inferior a € 15.000,00, tal como nos parece evidente que a petição inicial não evidencia de forma óbvia a existência de qualquer excepção dilatória, devendo, apenas, apreciar-se se o pedido formulado é manifestamente improcedente.

            Embora existissem duas correntes de opinião quanto à inclusão ou não dos juros remuneratórios nas prestações ainda não vencidas, a verdade é que diferentes correntes de opinião não transformam um pedido de condenação de capital e juros remuneratórios, escorado num incumprimento de um contrato de mútuo, num pedido manifestamente improcedente, até por estar a montante escorado em contrato de mútuo assinado pelas partes. Ou seja, diferente entendimento jurídico não reconduz nem podia reconduzir à sanção de «manifestamente improcedente», até pela basilar razão de existirem sobre aquela mesma realidade duas opiniões jurídicas.

A este propósito o Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa[6] escreve que «a pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável porque a lei a não comporta ou por os factos apurados, face ao direito, a não justificam. A ideia de manifesta improcedência corresponde à de ostensiva inviabilidade o que raro se verifica, pelo que o juiz tem de ser muito prudente na formulação do juízo de insucesso. As razões da manifesta improcedência derivam naturalmente do direito substantivo que deve, na formulação do respectivo juízo, ser confrontado pelo juiz com a causa de pedir e o pedido envolvidos na acção».

            Estes ensinamentos quando aplicados ao caso em análise, permitiam concluir que os pedidos não eram manifestamente improcedentes, obstando a esta consideração – manifesta improcedência – a existência de duas correntes jurisprudenciais distintas.

Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça colocou um ponto final sobre as diversas interpretações do artigo 781º e tirou Acórdão Uniformizador no qual explicitou a seguinte doutrina: «relativamente às prestações que se venceram por via do accionamento do mecanismo previsto no artigo 781º do CC e que ocorreu com a citação do réu para a presente acção, o ressarcimento do autor ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e à cláusula penal que foi convencionada[7]».

            Integra o conceito de «manifestamente improcedente» o pedido formulado em violação da doutrina enunciada no acórdão 7/2009?

            O conceito de manifestamente improcedente tem sido analisado à luz da previsão do artigo 234ºA do CPC que tem a seguinte redacção: nos casos referidos nas alíneas a) a e) do nº 4 do artigo anterior[8], pode o Juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição, quando o pedido for manifestamente improcedente (…).

            Da leitura desta norma resulta com clareza que para se considerar uma petição «manifestamente improcedente» impõe-se o apuramento dos fundamentos de facto e de direito, relacioná-los com o pedido formulado e concluir que este é «manifestamente improcedente». O legislador ao utilizar o advérbio «manifestamente» quis transmitir ao intérprete e/ou aplicador da lei que só em situações de clara improcedência ou quando seja evidente a inutilidade do despacho de citação, instrução e discussão dos autos, v. g. por caducidade do direito que se pretende fazer valer; por inexistência de factos constitutivos do direito invocado ou pela alegação feita pelo próprio requerente de factos impeditivos ou extintivos do seu direito[9] é que deve lançar-se mão do nº 1 do artigo 234ºA do CPC e indeferir por manifestamente improcedente a pretensão formulada na petição.

            Seguindo de perto a posição do Exmo. Juiz Desembargador Abrantes Geraldes, só se deve indeferir liminarmente uma petição nos casos em que a “tese defendida pelo autor não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida em face da lei em vigor e da interpretação que dela faça a doutrina e a jurisprudência”[10]. Ora, em face da posição acolhida pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, a Sra. Juiz, embora sem o explicitar como devia, acabou por considerar inaplicável à situação dos autos a previsão enunciada no artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de Setembro e escorando-se na doutrina plasmada no acórdão do STJ nº 7/2009 fixou os factos, subsumi-os ao direito, condenou o réu/apelado no pagamento das prestações vencidas e não pagas até à citação e remeteu para liquidação em execução de sentença o valor remanescente, com juros vencidos à taxa de 27,25% e imposto de selo sobre os juros à taxa de 4% ano, quando o autor/apelante reclamava a condenação do autor na “quantia de 5.188,56 (€ 133,04 x 39), mais juros vencidos que sobre ela se venceram à taxa de 27,25% (23,25% + 4 pontos percentuais/cláusula penal), mais a quantia de € 72,67 de imposto de selo, mais juros que à taxa de 27,50% se vencerem sobre o dito montante de € 5.188,56 desde 18 de Julho de 2009 e até integral pagamento e ainda imposto de selo sobre os juros vencidos”.

            Confrontada com um pedido sem possibilidades de vingar à luz da doutrina do acórdão uniformizador, a Sra. Juiz não aplicou, a nosso ver bem, o almejado artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98, acabando por julgar a acção de acordo com a interpretação que o Supremo fez/faz do artigo 781º do CC e nesse sentido julgou a acção parcialmente procedente.

O apelante recorta na sua conclusão 2 – folhas 37 – o seguinte entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa – Ac. 153/08.0 TJLSB-L1: o Juiz deve limitar-se a conferir força executiva à petição nos termos do nº 2 do Regime dos Procedimentos (…) e não analisar quanto a um dos réus a viabilidade do pedido, uma vez que não era manifestamente improcedente

            Diga-se que na data em que este douto acórdão foi tirado – 30 de Abril de 2009 – a doutrina nele invocada merecia total acolhimento, na medida em que só em 5 de Maio de 2009 veio a ser publicado no Diário da República nº 86 o acórdão uniformizador.

Ou seja, antes da publicação do acórdão uniformizador não teríamos dúvidas quanto à bondade da decisão, mas depois da sua publicação e pese a sua eficácia[11] se esgotar no processo em que o recurso foi interposto, não deixa de ser um acórdão uniformizador que pode, é certo, não ser acolhido pela 1ª Instância ou pela Relações, todavia, deve ser manifestada na sentença ou acórdão posição distinta da enunciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, decisão que sabemos ser recorrível independentemente do valor da causa – alínea c) do nº 2 do artigo 678º do CPC.

            Isto para dizermos que se fosse outro o entendimento da Sra. Juiz e aplicasse o artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98 em oposição à doutrina enunciada no acórdão uniformizador, deveria, ao menos, o Ministério Público – artigo 6º, nº 1 do EMP e 334º, nº 3 do CPC – interpor recurso de tal decisão por colocar em causa jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

            Sumariando:

            I. Após a publicação do acórdão nº 7/2009, publicado no DR I, nº 86, de 5 de Maio de 2009, integra-se no conceito de «pedido manifestamente improcedente» a que se reporta o artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.9, a interpretação do artigo 781º do CC que vá ao arrepio da doutrina vazada naquele acórdão uniformizador de jurisprudência.

            II. Verificada a situação descrita em I, o Tribunal não pode conferir força executiva à petição nos termos do artigo 2º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.9.

            III. Se o Tribunal manifestar entendimento distinto do acórdão uniformizador deve a parte ou o Ministério Público interpor recurso de tal decisão nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 678º do CPC.


*

            Decisão

            Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em negar provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida.


*

            Custas pelo apelante.

*

            Notifique.


[1] Artigo 1º do Decreto-lei nº 269/98 de 1 de Setembro – cf. artigo 20º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro que à data da entrada em vigor daquele decreto-lei fixava a alçada dos Tribunais da Relação em 2.000.$00; por sua vez a Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro – artigo 24º - fixou a alçada dos Tribunais da Relação em 3.000.000$00; e o artigo 5º do DL nº 303/2007 alterou o artigo 24º da Lei nº 3/99 fixando a alçada dos Tribunais da Relação em € 30.000,00.
[2] Pequena Instância Civil
[3] No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo  de cláusula de redacção conforme o artigo 781º do CC não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados
[4] Acórdão por nós relatado no âmbito do recurso de apelação nº 467/08.9 TBACB.C1 do 3º Juízo do Tribunal de Alcobaça.
[5] Ac. STJ, datado de 22.2.2005, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Pinto Monteiro defende que tendo sido convencionado que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes, entendemos que é devida a totalidade pela importância global, não se justificando o abatimento de juros remuneratórios de prestações vencidas posteriormente à data do incumprimento – CJSTJ, Ano XIII, tomo I, pág. 87; No acórdão da RL, datado de 5.2.2002 relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Abrantes Geraldes escreveu-se: o conteúdo dessa responsabilidade deve buscar-se recorrendo ao regime legal supletivo. (…) Em matéria de juros remuneratórios, salvo convenção das partes, reconhece-se ao credor o direito de exigir uma taxa correspondente à taxa de juros remuneratórios acordada, acrescida da sobretaxa de 2% (…). O mutuário que faltou ao cumprimento de todas as prestações acordadas (…) pelo que todas as restantes passaram a ser exigíveis (…). O vencimento de todas as prestações repercutiu-se, não apenas, no capital mutuado, como ainda nos juros remuneratórios e outras despesas que entraram na composição do custo total do crédito a que se alude no DL nº 359/91 – CJ, Ano XXVII, tomo I, pág. 100. No mesmo sentido se pronunciou o acórdão da RL, datado de 7.2.2006, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Luís Espírito Santo – CJ, Ano XXXI, tomo I, pág. 96. Em sentido contrário Ac. STJ, datado de 19.4.2005, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Faria Antunes ao considerar que não podem os suplementos de juros, incluídos nas prestações de capital cujo vencimento é antecipado, ser exigidos como juros remuneratórios, por não poderem ser calculados em proporção de um tempo decorrido, por não corresponderem a um tempo efectivamente gasto – processo nº 05A493, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt; Ac. STJ, datado de 14.11.2006, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Bettencourt de Faria que defendeu num mútuo oneroso em que a obrigação de restituir integra diversas prestações, cada uma delas composta por capital e juros remuneratórios, o disposto no artigo 781º só é aplicável à parte de capital, pois só esta é que é uma obrigação cujo cumprimento foi dividido em diversas prestações – processo nº 06B2911, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. Ac. STJ, datado de 5.6.2007, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Camilo Moreira Camilo que defende – sem decurso do tempo, não existem juros, não existe remuneração do capital – CJSTJ, Ano XV, tomo II, pág. 105. No Ac. do STJ, datado de 12.9.2006, proferido no âmbito do processo nº 06A2338 relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Sebastião Povoas e publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt considera-se que sendo o mútuo liquidável por forma dividida, fraccionada ou repartida, a falta de pagamento de uma prestação tem as consequências do artigo 781º do CC. Os juros remuneratórios, que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações de capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas. Ac. STJ, datado de 27 de Março de 2007,relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Moreira Alves in CJSTJ, XV, I, pág. 155 no qual se defendeu o seguinte: Coo tem sido muitas vezes decidido por este STJ, estão em causa parcelas distintas, representando uma parte fraccionada do capital mutuado e a outra parte dos juros remuneratórios devidos pela privação do capital durante o período de execução do contrato – obrigação de capital e obrigação de juros. A obrigação de capital existe e é líquida (…) mas a dívida de capital não tem paralelismo com a obrigação de juros. Estes estão pré-calculados e incluídos nas prestações com o capital no pressuposto no cumprimento de um programa contratual que consiste em o mutuário ir liquidando prestações constantes, diluindo e antecipando o pagamento dos juros remuneratórios desde a o momento em que passa a dispor do capital.
[5] Das Obrigações em Geral, volume II, 6ª edição – Almedina, pág. 53 e 54.
[5] Ac. datado de 27.4.2005, proferido no âmbito do processo nº 04B2529, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Pires da Rosa e disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt. Este entendimento é seguido pelo acórdão do STJ, datado de 19.9.2006, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Sebastião Povoas, proferido no âmbito do processo nº 06A 2338, publicado no mesmo endereço electrónico.
[5] Ac. STJ, datado de 14.1.2006, proferido no âmbito do processo nº 06B2911, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Bettencourt de Faria e publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. Ac. Do STJ, datado de 13.1.2005, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Ferreira Girão, CJSTJ, Ano XIII, tomo I, pág. 37. Sr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II volume, 6ª edição, Almedina, pág. 53.
[6] A Injunção e as Conexas Acção e Execução – 5ª edição, pág. 95
[7] Acórdão datado de 25 de Março de 2009, DR I Série, nº 86, de 5 de Maio de 2009.
[8] Tem a seguinte redacção: a citação depende, porém, de prévio despacho judicial: a) nos casos especialmente previstos na lei; b) nos procedimentos cautelares e em todos os casos em que incumba ao Juiz decidir da prévia audiência do requerido; c) nos casos em que a propositura da acção deva ser anunciada, nos termos da lei; d) quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causa pendente; e) no processo executivo, nos termos  do nº 1 do artigo 812º e do nº 2 do artigo 812ºA; f) quando se trate de citação urgente, que deva preceder a distribuição.
[9] Srs. Prof. J. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto – Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, volume 1º, 2ª edição, pág. 426.
[10] Temas da Reforma do Processo Civil – Princípios Fundamentais; Fase inicial do processo declarativo – Almedina, pág. 223.

[11] O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º do CC na parte em que atribuía aos Tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do artigo 115º, nº 5 da Constituição da República[11]. Este entendimento foi acolhido pelo legislador ao consagrar no nº 2 do artigo 17º do DL nº 329-A/95, de 12.12 que «os assentos já proferidos têm o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732ºA[11] e 732ºB». Sobre a eficácia do acórdão uniformizador, a jurisprudência constitucional[11] deu nota do seguinte: este afloramento constitucional do valor da uniformização jurisprudencial há-de ser entendido em termos de, numa perspectiva global do funcionamento do sistema judiciário, justificar a subordinação de todos os tribunais judiciais à “jurisprudência qualificada” do Supremo Tribunal de Justiça sem que, de tal subordinação, resulte comprometida a sua independência decisória. Este entendimento veio a ser assumido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao referir: os acórdãos para a uniformização da jurisprudência continuam, porém, a ter força vinculativa. É certo que podem ser alterados pelo plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, mas isso não significa que enquanto em vigor, isto é, enquanto não forem alterados, não sejam vinculativos. (…). Doutro modo, frustrar-se-ia o alcance almejado, que se traduz na necessidade que as pessoas têm de sentir alguma segurança e estabilidade da jurisprudência[11]. Contra este entendimento se insurge o Exmo. Juiz Conselheiro F. Amâncio Ferreira: os acórdãos proferidos nas revistas ampliadas terminam, como a prática vem assinalando, com a formulação de uma regra interpretativa; à semelhança dos anteriores assentos. A decisão proferida tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto, como é próprio da função jurisdicional que o Supremo exercita, contribuindo alem disso para a unidade da ordem jurídica, face à autoridade que normalmente ainda ligada às decisões dos Supremos Tribunais, designadamente quando eles se reúnem em pelo de secções para solucionar divergências jurisprudenciais. Mas o acórdão não possui, fora do caso concreto, eficácia vinculativa, nem sequer interna, podendo os Tribunais inferiores, em casos idênticos seguirem orientação diversa da que aí triunfou, em conformidade com o princípio da liberdade de decisão judicial. Como vai dizendo a doutrina, a jurisprudência uniformizada estabelece um precedente qualificado, de natureza meramente persuasória[11].