Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
212/11.1GACLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
INQUÉRITO
VALOR PROBATÓRIO
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA LOCAL DE CELORICO DA BEIRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 122.º, N.º 1, 141.º, N.º 4, AL. B), 355.º E 357.º, DO CPP
Sumário: I - Mesmo antes das modificações introduzidas nos artigos 141.º, n.º 4 , al. b) e 357.º, al. b), do Código de Processo Penal, pela Lei n.º 20/2013, era possível utilizar em audiência de julgamento conversas do arguido noutras fases processuais, mesmo em situações em que o arguido exercia o direito ao silêncio, como acontecia nas situações de escutas telefónicas transformadas em prova documental e acontecia com a prova da reconstituição de factos.

II - O art. 357.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, é claro no sentido de que a valoração das declarações prestadas pelo arguido devidamente informado nos termos do art.141.º, n.º 4, alínea b), do mesmo Código, exige a reprodução ou leitura das mesmas em audiência de julgamento, para cumprimento do contraditório e embora de algum modo limitado, dos princípios da imediação e da oralidade.

III - Não tendo sido lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo arguido no inquérito, a valoração das suas declarações constitui valoração proibida de prova, nos termos do art.355.º do C.P.P.

IV - Sendo nula a sentença recorrida, nos termos do art.122.º, n.º 1, do C.P.P., por violação do disposto nos artigos 355.º e 357.º do mesmo Código.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

Pelo Tribunal Judicial de Celorico da Beira ( actual Comarca da Guarda, Instância Local de Celorico da Beira), sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos

A..., divorciada, empregada de balcão, filha de (...) e de (...), nascida a 10/06/1973, natural do (...), concelho de Celorico da Beira, residente na Rua (...), Vilar Formoso;

B... , divorciado, trabalha à jorna na agricultura, filho de (...) e de (...), nascido a 19/03/1976, natural de (...), residente na Rua (...); e

C.. , casado, empregado fabril, filho de (...) e de (...), nascido a 02/03/1984, natural de (...), concelho de Celorico da Beira, residente na Praceta (...), Celorico da Beira;

imputando-se-lhes a prática de factos pelos quais teriam cometido:

- a arguida A..., em co-autoria material, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, alínea c) e nº2, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, em concurso efectivo com a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de dano, p. e p. pelos artigos 143º, nº1 e 212º, ambos do Código Penal;

- o arguido B..., em co-autoria material, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, alínea c) e nº2, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro; e

- o arguido C..., em autoria material, um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso do qual foi homologada por sentença a desistência da queixa apresentada pelo ofendido B... contra a arguida A..., relativa aos crimes de ofensa à integridade física simples e dano, pelo que os  autos prosseguiram circunscritos apenas aos factos atinentes aos crimes de detenção de arma proibida e de tráfico e mediação de armas -, o Tribunal Singular, por sentença de 13 de Junho de 2014, decidiu julgar acusação parcialmente procedente a acusação do Ministério Público e, em consequência:

- condenar o arguido B..., pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) e nº2 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6€ (seis euros), o que perfaz o montante global de 600,00€ (seiscentos euros);

- absolver a arguida A... da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro; e

c) absolver o arguido C... da prática de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo artigo 87º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A) O Tribunal recorrido deu por provados os factos enunciados nos números 1 a 6 supra, baseado exclusivamente nas declarações prestadas pelo arguido perante Magistrado do Ministério Público em inquérito, socorrendo-se assim do disposto no art 141 n° 4 al b) do C.P.P. na redação da Lei 20/2013 de 21/02.

B) Salvo o muito devido respeito, o Tribunal Recorrido não podia fundamentar os factos que julgou provados nas declarações prestadas pelo arguido perante o MP.

C) A valoração das declarações prestadas em inquérito perante Magistrado do MP, ainda que advertido que as mesmas podiam ser usadas no processo, constitui um erro de direito que afectou a apreciação probatória, e se constituiu como erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que, no nosso modesto entender só poderiam ser valoradas se lidas em julgamento, dando ao arguido o direito de exercer o contraditório.

D) Não foi produzida qualquer prova, além das declarações do arguido prestadas em inquérito, que levasse à conclusão de que o arguido conhecia as características de tal arma,

E) As declarações da companheira do arguido em julgamento, segundo as quais o arguido lhe dissera que tinham comprado a arma, não servem como meio de prova, pois limitam-se a

reproduzir uma conversa do arguido com ela, quando este em julgamento exerceu o seu direito ao silêncio.

F) A admissão da valoração em julgamento das declarações prestadas pelo arguido em inquérito perante Magistrado do MP, viola o principio constitucional do art 32° n° 5 da CRP, caindo-se inevitavelmente na inconstitucionalidade do normativo do art. 141 n° 4 al b) do C.P.P.

G) Assim, repete-se que, para tal prova ser valorada em sede de julgamento, as declarações prestadas pelo arguido perante Magistrado do MP teriam que ser lidas na audiência, o que não aconteceu no caso concreto, com clara violação do principio do contraditório e da auto defesa, determinando pura e simplesmente que nenhuma prova se fez que fundamente a decisão condenatória.

H) Acresce que, para serem valoradas tais declarações em sede de livre apreciação da prova, importaria que se aferisse se o arguido possuía conhecimentos técnicos para definir as características da arma, nomeadamente em termos de calibre da mesma.

I) Pelo que, por ausência de elementos probatórios legalmente admissíveis, o douto Tribunal Recorrido não poderia considerar provados os factos supra enunciados,

J) Impondo-se, na ausência de prova, a absolvição do arguido

K) Foi violado o disposto no art 141 n° 4 al b) do C.P.P.

L) A eventual improcedência do presente recurso, determina o arguido a interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

Termos em que, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva o arguido, V.ªs Ex.ªs  Venerandos Desembargadores, estarão a fazer inteira Justiça.  

O Ministério Público na Comarca da Guarda respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que, com diferentes fundamentos e diferente consequência legal, deverá o recurso  proceder, com o reenvio do processo à 1.ª instância para ser proferida nova decisão..

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

            Factos provados

1. Os arguidos B... e A... casaram entre si em 29 de Dezembro de 2007, sendo que o casamento entre ambos foi dissolvido por divórcio por sentença proferida em 24 de Novembro de 2009.

2. Em data não concretamente apurada, mas cerca de um ano antes do divórcio de ambos, o arguido B... fez entrar e manteve na sua posse uma pistola de calibre 6,35mm, de cor preta, com carregador para capacidade para 6 munições.

3. Nessa ocasião, o arguido B... fez um disparo para o ar, certificando-se do bom funcionamento da arma.

4. Os arguidos não possuem licença de uso e porte de arma ou registo de armas de fogo.

5. O arguido B... conhecia as características da arma referida em 2, bem sabendo que não estava autorizado a detê-la, mas, não obstante, não se coibiu de a deter.

6. O arguido B... agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.

7. A arguida A... nasceu a 10/06/1973 e é divorciada.

8. É empregada de balcão e aufere 485,00€ mensais.

9. Reside com um filho, de 16 anos de idade, que se encontra a estudar.

10. Reside em casa arrendada, pela qual paga de renda o valor mensal de 200,00€

11. A título de pensão de alimentos a favor do seu filho menor recebe do FGADM o valor mensal de 120,00€.

12. De habilitações literárias tem o 9º ano de escolaridade.

13. Nada consta no certificado de registo criminal da arguida A....

14. O arguido B... nasceu a 19/03/1976 e é divorciado.

15. Trabalha na agricultura, por conta de outrem, e aufere 485,00€ mensais.

16. Reside com a sua companheira e dois filhos desta, de 12 e 16 anos de idade, que se encontram a estudar.

17. A sua companheira trabalha numa padaria e aufere 485,00€ mensais.

18. Reside em casa própria da companheira, pela qual esta paga o valor mensal de 30,00€.

19. O arguido contraiu um empréstimo pessoal do qual paga mensalmente ao Banco o valor de 50,00€.

20. O arguido contribui com o valor de 130,00€ mensais, a título de alimentos, para os dois filhos menores que residem com uma tia.

21. De habilitações literárias tem o 4º ano de escolaridade.

22. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido B....

23. O arguido C... nasceu a 02/03/1984 e é casado.

24. É empregado fabril e aufere mensalmente 650,00€.

25. Reside com a sua esposa e dois filhos menores, de 5 e 9 anos de idade, que se encontram a estudar.

26. A sua esposa é empregada fabril e aufere 485,00€ mensais.

27. Reside em casa própria pela qual paga ao Banco o valor mensal de cerca de 220,00€.

28. O arguido contraiu um empréstimo automóvel do qual paga mensalmente o valor de 270,00€.

29. De habilitações literárias o arguido tem o 9º ano de escolaridade.

30. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido C....

Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, designadamente, que:

a) Em meados de Outubro de 2008, os arguidos A... e B... tomaram a decisão, conjunta, de adquirir uma arma de fogo.

b) Em execução desse plano, em dia e hora não concretamente apurados, mas em meados de Outubro de 2008, os arguidos B... e A... deslocaram-se até à residência do arguido C....

c) A arma referida em 2 foi adquirida conjuntamente pelo arguido B... e pela arguida A....

d) A arma referida em 2 foi adquirida, por 200,00€, ao arguido C....

e) A arguida A... conhecia as características da arma referida em 2, bem sabendo que não estava autorizada a detê-la, mas, não obstante, não se coibiu de a deter.

f) O arguido C... conhecia as características da arma referida em 2, bem sabendo que não estava autorizado a detê-la e a vendê-la, mas, não obstante, não se coibiu de a deter e vender.

g) Os arguidos A... e C... agiram de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.

h) Durante cerca de três anos o arguido C... e o arguido B... foram colegas de trabalho numa filial da “ I..., S.A.”, sita no (...).

i) No ano de 2008 o arguido C... laborou em Espanha, apenas se deslocando, ocasionalmente, a Portugal, durante os fins-de-semana.

j) O arguido C... não mantém, desde essa data, qualquer contacto com os arguidos A... e B....

k) Naquela época o arguido C... detinha um salário avultado e a sua esposa encontrava-se a trabalhar.

l) O arguido C... é uma pessoa educada, calma e estimada por todos quantos o conhecem e com ele lidam.

m) O arguido C... é um pai extremoso.

Motivação

O Tribunal formou a sua convicção na análise de toda a prova produzida em audiência de julgamento e a constante dos autos, de acordo com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade, à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos no artigo 127º do Código de Processo Penal, conforme se expõe de seguida.

Nenhum dos arguidos prestou declarações em audiência de julgamento, tendo-se remetido ao silêncio.

No mais, prestaram depoimento em audiência de julgamento três testemunhas: D..., E...e F....

D..., companheira do arguido B..., referiu, que no dia 21 de Novembro de 2011, quando alegadamente terão ocorrido os factos, ao pé do Tribunal, pelos quais a arguida A... se mostrava acusada e dos quais o arguido B... já desistiu da queixa, a arguida A... dirigiu-se ao arguido B... dizendo-lhe “que o havia de matar com aquilo que eles compraram”.

Mais acrescentou que, já em casa, o arguido B... lhe disse que tinham comprado uma arma, mas não se falou mais no assunto, desconhecendo a testemunha quem comprou a arma (se o companheiro, se a arguida A..., se ambos), quais as características da arma, o modo de aquisição da mesma (preço e a quem a compraram), a data em que a arma foi comprada, bem como o local onde a arma se encontra, referindo que a mesma nunca esteve na sua casa.

Nada mais sabe sobre a questão da arma.

E..., tio da testemunha D..., o qual referiu que no dia em que ocorreram os factos junto ao edifício do Tribunal ele também estava presente, juntamente com a D... e com o arguido A.... Relativamente à questão da arma, referiu que apenas ouviu a arguida A... dizer ao arguido A..., ao pé do Tribunal, “que o havia de matar com aquilo que eles compraram”.

Mais acrescentou que desconhece o que eles compraram, uma vez que nem a arguida A... nem o arguido A... falaram em qualquer arma. Nunca falou com o arguido sobre esse assunto, nunca viu arma nenhuma, desconhece se algum deles comprou uma arma, bem como as características da mesma, o modo de aquisição, data da aquisição, bem como o local onde a mesma se encontra.

Nada mais sabe sobre o assunto.

Finalmente F... referiu que nada sabe sobre a existência de uma arma, nem ouviu a arguida A... a dizer nada a esse respeito. Esta testemunha apenas estava ao pé do café “M (...)” quando alegadamente terão ocorrido os factos ao pé do Tribunal e viu eventuais ofensas que tenham ocorrido.

Nada mais sabe sobre o assunto.

Apesar do supra exposto, alguns dos factos que constavam da acusação resultaram demonstrados, no que diz respeito à detenção da arma pelo arguido B..., e tal aconteceu em virtude de este arguido ter prestado declarações em sede de inquérito, nos termos que se passam a expor.

O arguido B..., no dia 12 de Junho de 2013, prestou declarações perante o Digno Magistrado do Ministério Público, Dr. G..., encontrando-se, nessa data, o arguido assistido por defensor, in casu, pela Exma. Sra. Dra. H....

Nessa data, já se encontravam em vigor as alterações efectuadas ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, designadamente, no que diz respeito ao artigo 141º, nº4, alínea b), do Código de Processo Penal.

Atenta a alteração supra referida, prestando o arguido declarações em sede de inquérito, em interrogatório de arguido, as mesmas poderão ser utilizadas no processo, mesmo que o arguido seja julgado na ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas a livre apreciação de prova.

Na data supra referida, quando o arguido prestou declarações, o mesmo foi advertido de tal circunstância, uma vez que tal advertência consta da referida acta (fls. 183 e segs) e não foi suscitado qualquer incidente de falsidade da mesma, pelo que se tem como verdadeiro e como reprodução fidedigna da realidade o que consta da referida acta.

Apesar de tal advertência, o arguido A... decidiu prestar as seguintes declarações, no que interessa para esta matéria: “(…) declarou que, conjuntamente com a sua ex-esposa, cerca de 1 ano antes do divórcio de ambos, adquiriram por 200,00€, ao arguido C... uma pistola de calibre 6,35mm, com carregador para capacidade para 6 munições, de cor preta, tendo na altura em que adquiriu efectuado um disparo para o ar, assim se certificando do seu bom funcionamento.”

Ora, desta forma, urge concluir que, com as declarações em causa, o arguido confessou a prática de um crime, ou seja, que deteve uma pistola, de calibre 6,35mm, com carregador para 6 munições, de cor preta.

Tais declarações correspondem a uma confissão do arguido, nos mesmos moldes em que o mesmo poderia confessar em audiência de julgamento, meio de prova que, quanto a nós, goza do mesmo valor probatório: confissão.

A nova redacção do artigo 141º, nº4, alínea b), do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, veio alterar o valor probatório em sede de julgamento das declarações prestadas pelo arguido em sede de inquérito, possibilitando que, caso o arguido preste declarações em inquérito, em sede de interrogatório, as mesmas poderão ser utilizadas no processo, posteriormente, aquando da feitura da decisão, mesmo que o arguido não preste declarações em audiência de julgamento.

Tal circunstância, visou, efectivamente, evitar os casos em que o arguido prestava declarações em sede de inquérito, confessando os factos e levando, dessa forma, à dedução de acusação, mas mais tarde, em julgamento, não prestava declarações e remetia-se ao silêncio, direito que lhe assiste e que não o pode prejudicar.

Deste modo, o disposto no artigo 141º, nº4, alínea b), do Código de Processo Penal, deve ser interpretado precisamente no sentido de tais declarações poderem ser oportunamente valoradas, como o seriam caso fossem prestadas em audiência de julgamento, ou seja, livremente apreciadas pelo julgador, designadamente, sem necessidade de serem corroboradas por qualquer outro meio de prova.

E nem de outra forma podia ser, sob pena de o sistema ficar desvirtuado e ficar desprovida de qualquer sentido a norma supra referida.

É facto assente que no âmbito dos presentes autos a arma em causa não foi encontrada, pelo que não existe qualquer auto de apreensão no processo. Apesar de terem sido efectuadas buscas, a mesma não foi encontrada desconhecendo-se o local onde se encontra.

Contudo, tal não é impedimento para a valoração das declarações prestadas pelo arguido A.... Seria sim caso o arguido A... não tivesse descrito as características da arma em causa e, dessa forma, não fosse possível identificar a mesma, designadamente, em que classe se inclui.

Mas tal não se verifica, in casu, uma vez que o arguido descreveu a referida arma com a pormenorização suficiente para se conseguir incluir a mesma na classe B1, conforme informação de fls. 204.

Pelo que o arguido A... tinha na sua posse, efectivamente, uma arma.

No mais, também se poderiam levantar algumas dúvidas relativamente ao facto de a arma em causa funcionar ou não, ou se tratar de uma arma verdadeira.

Perante as declarações do arguido A... tal questão também não se coloca uma vez que o mesmo fez um disparo com a arma e a mesma funcionava (atentas as declarações por si prestadas).

Face ao supra exposto, urge concluir que o arguido, com as suas declarações confessou a prática de um crime – o crime de detenção de arma proibida – sendo que, atenta a forma como a arma foi descrita, foi possível enquadrá-la na classe B1 e, dessa forma, concluir que o arguido A... fez entrar e manteve na sua posse uma arma.

Face à referida confissão, resultaram tais factos como provados, independentemente da inexistência de auto de apreensão, dada a forma como a arma foi descrita pelo arguido.

Caso o arguido tivesse prestado tais declarações em sede de audiência de julgamento as mesmas consubstanciariam uma confissão da prática de um crime, pelo que deve ser esse o valor probatório que lhe deve ser atribuído, face à nova redacção do artigo 141º, nº4, do Código de Processo Penal.

No que diz respeito aos restantes arguidos, referiu o arguido A... que a arguida A... comprou a referida arma em conjunto consigo e que a mesma foi comprada pelo preço de 200,00€ ao arguido C....

Relativamente aos arguidos C... e A... tais declarações não poderão valer atenta a proibição prevista no artigo 345º, nº4, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2”, ou seja, às perguntas formuladas pelo juiz, pelo Ministério Público, pelo advogado do assistente e pelo defensor.

Cumpre, assim, analisar a relevância do depoimento do co-arguido A..., em relação aos arguidos C... e A....

O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). (cfr. Acórdão do STJ, de 12/03/2008, www.dgsi.pt).

O Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 25-02-1999 (proc. nº 98P1404, sendo rel. o Cons. Hugo Lopes) discreteou:

I - Conferir valor probatório às declarações proferidas, em audiência de julgamento, por um arguido em desfavor de outro, estando este impossibilitado de efectuar, mesmo através do próprio tribunal, um contra interrogatório, seria, sem sombra de dúvida, deixar de todo em esquecimento os princípios de que o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa e de que a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar estão subordinados ao princípio do contraditório (artigo 32, ns. 1 e 5, da CRP).

II - De resto, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o valor probatório deste tipo de declarações, julgando “inconstitucional, por violação do artigo 32, n. 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída com referência aos artigos 133, 134 e 345 do CPP, no sentido que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instância deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio” - cfr. Ac. do T.C. n. 524/97 (1. Sec.), de 14 de Julho, BMJ n. 469 pág. 116.

III - Se o tribunal julgador valorar probatoriamente declarações como as em causa, enfermará a decisão que profira de vício que a invalida, devendo ser prolatada nova decisão que as não valore.

Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3) quando refere que “As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova” É exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo nº4 do artigo 345 do Código de Processo Penal quando proíbe a utilização com meio de prova das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando aquele declarante se recusar a responder ás perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público; advogado do assistente ou do defensor oficioso (cfr. Acórdão do STJ, de 12/03/2008, www.dgsi.pt).

Numa outra linha de orientação situam-se aqueles que admitem a valoração das declarações do co-arguido, desde que acompanhada por outros meios de prova, concluindo-se que, quando essas declarações não se encontrem corroboradas por qualquer outra prova o Tribunal deve entender que as mesmas não constituem prova suficiente dos factos relatados, dando-os como não provados.

Embora concordemos com a primeira posição, o certo é que se seguindo-se a primeira ou a segunda das orientações, nunca as declarações do arguido A... poderão valer como meio de prova para considerar como provados os factos referentes aos arguidos A... e C....

Senão vejamos.

Relativamente à primeira posição, as declarações do arguido A... não poderão ser valoradas, uma vez que, em audiência de julgamento todos os arguidos se remeteram ao silencio, inclusive o arguido A..., pelo que, todos eles, inclusive o arguido A..., se recusaram a responder às perguntas que lhes iam ser formuladas nos termos do artigo 345º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, impossibilitando, dessa forma, o exercício do contraditório, nos termos supra expostos.

E isto porque, no entendimento deste Tribunal, as declarações de co-arguido têm de, necessariamente, poder ser contraditadas, não podendo as declarações de co-arguido basear uma condenação de outro arguido se aquele usar do direito ao silêncio no momento de responder às perguntas nos termos do artigo 345º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, o que aconteceu in casu.

Relativamente à segunda posição, as declarações do arguido A... também não poderão ser valoradas, uma vez que, as mesmas não foram acompanhadas por qualquer outro meio de prova. Face ao já supra referido, todos os arguidos se remeteram ao silencio em audiência de julgamento e das testemunhas inquiridas não foi possível produzir qualquer prova quanto aos factos aqui em apreço.

Pelo que temos apenas as declarações do arguido A..., as quais, desacompanhadas de outro meio de prova, seguindo-se a segunda posição, também não poderão ser valoradas por esse motivo.

Urge, assim, concluir que, de uma forma ou de outra, não poderão as declarações do arguido A... valer contra os arguidos A... e C..., motivo pelo qual foram os factos considerados como não provados em relação a estes arguidos.

Resulta de fls. 197 dos autos que os arguidos não possuem licença de uso e porte de arma ou registo de armas de fogo.

O elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida, relativamente ao arguido A..., resultou quanto a nós provado uma vez que se o mesmo foi capaz de, em sede de declarações descrever a arma que deteve, descrevendo-a como sendo uma pistola de calibre 6,35mm, resulta claro que o mesmo sabia que não estava autorizado a detê-la, uma vez que não possuía licença de uso e porte de arma, visto que é comummente sabido e resulta das regras da experiencia comum que o normal dos cidadãos sabe que para deter uma pistola necessita de ter licença para o efeito.

Quer dos autos, quer do julgamento, não resultou que o arguido A... não detivesse as características de um cidadão normal, capaz de perceber as características dessa arma, tanto mais que soube descrevê-la.

Os factos relativos às condições pessoais e de vida dos arguidos resultaram das declarações prestadas pelos próprios em audiência de julgamento, as quais não foram postas em causa por qualquer outro meio de prova.

Mais se teve em consideração o certificado de registo criminal dos arguidos que se mostra junto aos autos.

O facto constante do nº1 da matéria de facto provada resultou do documento de fls. 188 e segs dos autos.

Os factos constantes das alíneas h) a m) da matéria de facto não provada não resultaram demonstrados tendo em conta que nenhuma prova foi produzida acerca dos mesmos.

Os restantes factos da matéria de facto não provada não resultaram demonstrados em virtude do já supra exposto relativamente à valoração das declarações de co-arguido.


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente B... a questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 1 a 6 da sentença recorrida porquanto as declarações prestadas pelo arguido perante o M.P. não podiam ser valoradas e as declarações prestadas pela companheira do arguido não servem de meio de prova, pelo que aqueles factos devem ser dados como não provados e o ora recorrente absolvido.


-

            Passemos ao conhecimento da questão.

            O arguido/recorrente B... defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 1 a 6 da sentença recorrida, alegando para o efeito e em síntese, o seguinte:

- o Tribunal a quo deu como provados os factos enunciados nos números 1 a 6 supra, baseado exclusivamente nas declarações prestadas pelo arguido/recorrente perante o Magistrado do Ministério Público em inquérito, socorrendo-se assim do disposto no art.141.º, n.° 4, al. b), do C.P.P. na redacção da Lei 20/2013 de 21/02, mas não o podia fazer, ainda que advertido que as mesmas podiam ser usadas no processo, pois só poderiam ser valoradas se lidas em julgamento, dando ao arguido o direito de exercer o contraditório;

- não foi produzida qualquer prova, além das declarações do arguido prestadas em inquérito, que levasse à conclusão de que o arguido conhecia as características de tal arma,

- por outro lado, as declarações da companheira do arguido em julgamento, segundo as quais o arguido lhe dissera que tinham comprado a arma, não servem como meio de prova, pois limitam-se a reproduzir uma conversa do arguido com ela, quando este em julgamento exerceu o seu direito ao silêncio.

- a admissão da valoração em julgamento das declarações prestadas pelo arguido em inquérito perante Magistrado do MP, viola o princípio constitucional do art.32.°, n.° 5, da CRP, caindo-se na inconstitucionalidade do art.141.º, n.° 4, al. b), do C.P.P.

- por ausência de elementos probatórios legalmente admissíveis, o douto Tribunal Recorrido não poderia considerar provados os factos supra enunciados, impondo-se, na ausência de prova, a absolvição do arguido.

Vejamos.

Como parâmetro de interpretação das normas processuais penais alegadamente violadas pelo Tribunal a quo, importa começar por atender, entre as garantias de processo criminal, aos princípios enunciados no art.32.º, n.º 5 da Constituição Portuguesa.

O art.32.º, n.º 5, da nossa Lei Fundamental, estabelece, numa primeira parte, que o processo criminal tem estrutura acusatória e, numa segunda parte, que a audiência de julgamento e os actos instrutórios estão sujeitos ao princípio do contraditório. 

Acerca da estrutura acusatória do processo penal diremos, de modo breve, que ela se contrapõe à estrutura inquisitória do processo penal.

O processo penal de estrutura inquisitória, no sistema puro, é um modelo dominado pelo Juiz, em que este intervém ex officio, sem necessidade de acusação por entidade diversa do julgador, que conduz o processo com a mais ampla liberdade até à decisão final.

Comentando este preceito constitucional, afirmam os Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, que no modelo processual de estrutura inquisitória « O réu praticamente não tem direitos, fica inteiramente submetido aos poderes do juiz ou do tribunal que, inspirado e orientado pelo fim último da descoberta da verdade e defesa da sociedade, investiga oficiosamente, em segredo e sem contraditório, podendo prescindir de qualquer participação voluntária do réu.».[4]  

O modelo puro do processo acusatório, que tem nas suas origens, uma estrutura aproximada à do processo civil, dá ao processo penal a característica de um processo de partes, onde o acusador e acusado se encontram em pé de igualdade e o julgador, numa posição de terceiro, interessado na apreciação objectiva do caso que lhe é submetido. Na afirmação certeira do Prof. Germano Marques da Silva, o modelo acusatório puro “ … é uma espécie de duelo judiciário entre acusação e defesa”.[5]

É pacífico que os modelos inquisitório e acusatório já não vigoram em estado puro nos sistemas denominados de origem continental, nem nos de origem anglo-saxónica, havendo hoje uma mistura de modelos processuais.

Observam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira , a este propósito, que « O princípio acusatório (n.º 5, 1.ª parte) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador.».[6]

Em conformidade com o determinado pela Lei nº 43/86, de 26-09  (Autorização legislativa), o Código de Processo Penal de 1987 consagrou um processo de estrutura acusatória, integrada por um princípio de investigação. Não corresponde, pois, a um modelo acusatório puro, mas antes ao chamado modelo misto.

Em obediência à estrutura acusatória do processo penal, o C.P. Penal encontra para cada uma daquelas fases – inquérito, instrução e julgamento – um distinto e diverso órgão com competência para lhe presidir.

Um princípio que deriva da estrutura acusatória do processo penal é o do contraditório.

O conteúdo essencial do princípio do contraditório significa, no essencial, que nenhuma prova deve ser aceite na audiência de julgamento ou na instrução, nem nenhuma decisão, mesmo que interlocutória, deve ser tomada pelo Juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorizar.

Em obediência à estrutura acusatória do nosso processo penal, a fase de inquérito, tem como dominus o Ministério Público.

Tal não obsta a que nesta fase processual a lei imponha uma articulação entre o Ministério Público e o Juiz de Instrução, exigindo a intervenção deste Juiz sempre que haja a decidir questões que contendem com direitos fundamentais do arguido.

Na concretização das garantias de defesa do arguido em processo criminal, enunciadas no art.32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, o Código de Processo Penal, a propósito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, estabelece no seu art.141.º, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, designadamente, e com interesse para a decisão em causa, o seguinte:

« 1 - O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.

2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser guardado à vista.

3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das respostas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.

4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:

a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;

b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova; (…)».

O Código de Processo Penal de 1987, como todos os Códigos, foi sujeito a sucessivas revisões e alterações, no prosseguimento das políticas criminais dos sucessivos Governos.

Com as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que deu nova redacção designadamente aos seus artigos 141.º, n.º 4, alínea b), e 357.º, procurou-se conciliar as necessidades de celeridade e eficácia no combate ao crime e defesa da sociedade, por um lado, e a garantia dos direitos de defesa, por outro lado.

Tais necessidades são expressamente mencionadas na “Exposição de motivos”, da Proposta de Lei n.º 77/XII, que deu lugar à Lei n.º 20/2013.

A modificação introduzida pela Lei n.º 20/2013, na utilização em sede de audiência de julgamento, das declarações prestadas pelo arguido ao abrigo do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), e 357.º, do C.P.P., é justificada na “Exposição de motivos” do modo seguinte:

« 3. De maior relevância é a modificação introduzida quanto à possibilidade de utilização das declarações prestadas pelo arguido, na fase de inquérito e de instrução, em sede de audiência de julgamento.

A quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça.

Impunha-se, portanto, uma alteração ao nível da disponibilidade, para utilização superveniente, das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento, devidamente acompanhadas de um reforço das garantias processuais.

Assim, esta disponibilidade de utilização, para além de só ser possível quanto a declarações prestadas perante autoridade judiciária, é acompanhada da correspondente consolidação das garantias de defesa do arguido enquanto sujeito processual, designadamente quanto aos procedimentos de interrogatório, por forma a assegurar o efetivo exercício desses direitos, maxime o direito ao silêncio. (…).Por outro lado, exige-se a assistência de defensor sempre que as declarações sejam susceptíveis de posterior utilização, e exige-se a expressa advertência do arguido de que, se não exercer o seu direito ao silêncio, as declarações que prestar podem ser futuramente utilizadas no processo embora sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova.

A falta de assistência por defensor, bem como a omissão ou violação deste dever de informação determinam a impossibilidade de as declarações serem utilizadas, assegurando uma decisão esclarecida do arguido quanto a uma posterior utilização das declarações que, livremente, decide prestar.

Preserva-se, assim, a liberdade de declaração do arguido que, apenas, voluntariamente pode prescindir do direito ao silêncio e, também, apenas voluntariamente, prescinde do seu controlo sobre o que disse.

As declarações que, nos termos legais, possam e venham a ser utilizadas em julgamento, estão sujeitas à livre apreciação da prova, assim se autonomizando da figura da confissão prevista no artigo 344.º.

A fiabilidade que devem merecer tais declarações, enquanto suscetíveis de serem utilizadas como prova em fase de julgamento, impõe que sejam documentadas através de registo áudio visual ou áudio, só sendo permitida a documentação por outra forma quando aqueles meios não estiverem disponíveis.».

De acordo com o art.144.º, n.º1, do Código de Processo Penal, os interrogatórios de arguidos em liberdade e os interrogatórios de arguidos presos mas posteriores ao 1.º interrogatório judicial, efectuados pelo Ministério Público no inquérito, devem obedecer «…em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo» e, assim, designadamente, ao estatuído na alínea b), n.º 4 do art.141.º, do mesmo Código. 

Em articulação com o citado art.141.º, n.º4, al. b) do C.P.P., na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, importa considerar a nova redacção que foi dada ao art.357.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do C.P.P., pela mesma Lei n.º 20/2013, cuja epigrafe é « Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido ».

Na sua actual redacção, o art. art.357.º do C.P.P., estabelece:

« 1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:

      a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

     b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º .

   2 - As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º.

   3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 7 a 9 do artigo anterior.».

O art.356.º, n.º 9, do C.P.P., para que remete o citado n.º3 do art.357.º, estatui que  « A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade.».

Com relevo para a decisão da questão em apreciação é de invocar ainda o disposto no art.355.º do C.P.P. que, sob a epigrafe «Proibição de valoração de provas», estatui:

« 1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

   2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.».

Enquanto na redacção anterior à Lei n.º 20/2013, a alínea b), n.º 1, do art.357.º, do C.P.P., dispunha que a leitura, em audiência, de declarações anteriormente feitas pelo arguido era permitida perante Juiz «… quando houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência», actualmente pode proceder-se, em audiência de julgamento, à reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo, mesmo que este se remeta ao silêncio, desde que as declarações do arguido tenham sido feitas perante autoridade judiciária ( Juiz ou Ministério Público), com assistência de defensor e aquele tenha sido informado, quando as prestou, de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova.

Estas alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, que entraram em vigor a 21 de Março de 2013, estão longe de serem consensuais, havendo quem entenda que põem em crise a estrutura acusatória do processo penal e princípios jurídicos que vão desde o do contraditório, à da igualdade de armas, da imediação e da oralidade.[7]

Com o devido respeito, entendemos que as citadas modificações introduzidas pela Lei n.º 20/2013 ao Código de Processo Penal, embora traduzam um momento de ruptura com a forma como anteriormente se percepciona na lei a possibilidade de leitura em audiência de julgamento das declarações prestadas pelo arguido na fase de inquérito ou de instrução, não alteraram a estrutura e natureza intrínsecas do nosso processo penal, designadamente a estrutura sua acusatória integrada por um princípio de investigação da verdade material, nos termos atrás descritos, nem abalaram na sua substância princípios processuais penais como o do contraditório, da igualdade de armas, da imediação e da oralidade. 

Como assertivamente observa o Ex.mo Cons. Santos Cabral, a propósito das criticas à possibilidade de leitura em audiência de julgamento das declarações prestadas pelo arguido noutras fases do processo, «…estamos perante uma declaração que é uma opção de vontade do arguido efectuada com todas as garantias processuais.

A posição do arguido perante os factos que lhe são imputados é agora perspectivada de uma forma global em relação a todo o processo desde o seu início até ao julgamento.

Simultaneamente, o arguido tem conhecimento que as suas declarações têm igual valia, seja qual for a fase processual em que forem prestadas, o que, por alguma forma, é um reconhecimento da sua dignidade como sujeito processual.».[8]  

Importa não esquecer que todos os princípios processuais, designadamente, os supra referidos, têm os seus limites, só assim podendo todos eles ser respeitados no seu núcleo essencial.

Se é verdade que se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal, permitindo o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade, também não deixa de ser uma realidade que o arguido frequentemente faz uso do direito ao silêncio em audiência de julgamento -  integrado no princípio de que ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) – limita, de algum modo, aqueles princípios.

Mesmo antes das modificações introduzidas nos artigos 141.º, n.º 4 , al. b) e 357.º, al.b), do Código de Processo Penal, pela Lei n.º 20/2013, era possível utilizar em audiência de julgamento conversas do arguido noutras fases processuais, mesmo em situações em que o arguido exercia o direito ao silencio, como acontecia nas situações de escutas telefónicas transformadas em prova documental e acontecia com a prova da reconstituição de factos.

Note-se que no caso das escutas telefónicas geralmente o arguido até conversa sem consciência das potenciais consequências processuais para si do que diz; mesmo assim, não conhecemos decisões anteriores às alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, que tenham reconhecido ao arguido o direito de dispor daquilo que disse nessas conversas e que podem ser utilizadas contra si em audiência de julgamento, por alegada violação da estrutura acusatória do processo penal ou dos princípios processuais penais que agora alguma doutrina questiona com as ultimas alterações introduzidas no Código de Processo Penal.

Cremos, em suma, que não viola a estrutura acusatória do processo penal ou princípios processuais penais como do contraditório, da igualdade de armas, da imediação e da oralidade, a reprodução ou leitura de declarações do arguido em audiência de julgamento , prestadas voluntariamente em fases anteriores, quando este tenha sido devidamente informado de que as mesmas podem ser utilizadas em conformidade com o disposto no art.357.º do C.P.P..

Posto isto e retomando o caso concreto, verificamos do “auto de interrogatório de arguido” realizado pelo Ministério Público no dia 12 de Junho de 2013, com a presença de Defensor, foi o arguido B... advertido expressamente nos termos e para os efeitos do art.141.º, n.º4, alínea b), do C.P.P. e, ainda assim, quis prestar declarações, que ficaram a constar do mesmo auto por não se encontrar disponível meio de registo áudio ou áudio visual.

Nestas circunstâncias, e estando à data do interrogatório já em vigor as alterações do Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.º 20/2013, não é por violação do disposto no art.141.º, n.º4, alínea b), do mesmo Código, que não poderiam ser valoradas em audiência de julgamento as declarações do arguido B... prestadas perante o Ministério Público durante o inquérito.

Acontece é que não consta das actas de audiência de julgamento, como o n.º9 do art.356.º do C.P.P. impõe, sob pena de nulidade, que tenham sido lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo arguido B... perante o Ministério Público durante o inquérito.

Também da fundamentação da douta sentença recorrida não resulta que as declarações prestadas pelo arguido B... perante o Ministério Público durante o inquérito tenham sido lidas em audiência de julgamento e que qualquer testemunha tenha sido confrontada com elas.

O art.357.º, n.ºs 1 a 3 , do Código de Processo Penal, é claro no sentido de que a valoração das declarações prestadas pelo arguido devidamente informado nos termos do art.141.º, n.º4 , alínea b), do mesmo Código, exige a reprodução ou leitura das mesmas em audiência de julgamento, para cumprimento do contraditório e embora de algum modo limitado, dos princípios da imediação e da oralidade.

O n.º2 deste art.357.º consigna mesmo que não valem como confissão nos termos e para os efeitos do disposto do art.344.º, as declarações anteriormente prestadas pelo arguido « reproduzidas ou lidas em audiência» -  pois é prova sujeita a livre apreciação em face do disposto no art.141.º, n.º4 , alínea b), do mesmo Código.

Não tendo sido lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo arguido no inquérito, entendemos que a valoração das suas declarações constitui valoração proibida de prova, nos termos do art.355.º do C.P.P..

O arguido/recorrente B... defende que não podendo ser valorada esta prova pré-constituída e não podendo ser valorado o depoimento da sua companheira, D..., por se ter limitado a reproduzir uma conversa do arguido, quando este exerceu o direito ao silêncio em audiência, os factos constantes dos pontos n.ºs 1 a 6 da sentença recorrida devem ser dados como não provados e o mesmo deve ser absolvido do crime de detenção de arma proibida.

A este respeito diremos que resulta da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida – que não foi especificadamente posta em causa no recurso -, que a testemunha D... não se limitou a reproduzir uma conversa com o arguido B..., pois ali se menciona o que também contou em audiência sobre o episódio ocorrido no dia 21 de Novembro de 2011, ao pé do Tribunal, ou seja o que nessa ocasião ouviu a arguida A... dizer ao arguido B.... 

Por outro lado, não podemos deixar de anotar que o recorrente não invoca um concreto preceito legal para sustentar que não pode ser valorado o depoimento da testemunha D....

O art.125.º do Código de Processo Penal consagra entre nós o princípio da legalidade, nos termos do qual « São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.».

Entre os meios de prova que o Livro III do Código de Processo Penal autonomiza encontram-se, entre outros, a prova testemunhal ( artigos 128.º a 139.º)  e as declarações do arguido ( artigos 140.º a 145.º). 

A lei permite o depoimento directo, ou seja, o que incide sobre o que a testemunha percepcionou, por si, sobre os factos objecto de prova ( art.128.º, n.º1 do C.P.P.).

Quanto ao depoimento indirecto, dispõe o art.129.º, n.º1, do Código de Processo Penal, que « Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».     

No depoimento indirecto a percepção que interessa à prova não é a da testemunha de referência, de ouvir dizer, mas a da pessoa que lha manifestou. A regra é a de que se não for inquirida a “testemunha-fonte”, isto é, a pessoa a quem a testemunha de referência ouviu dizer, não poderá ser atendido este meio de prova, pois de outra forma impedir-se-ia o contraditório.

A letra do art.129.º, n.º1 do C.P.P., embora mencione “pessoa determinada” e não testemunha, entendemos no conceito se não deve integrar o arguido: em primeiro lugar porque o preceito respeita ao capitulo I “Da prova testemunhal”, ou seja,  ao depoimento de testemunhas e, em segundo lugar, porque a posição processual do arguido é incompatível com a qualidade de testemunha, na mesma pessoa e no mesmo processo, como decorre dos seus diferentes estatutos processuais, desde logo ao nível do dever de prestação de depoimento e de colaboração com o tribunal para a descoberta da verdade.

Deste modo, a questão do depoimento só se coloca em relação ao que se ouviu dizer a outra testemunha e não em relação ao que se ouviu dizer a um arguido. Por outro lado, estando o arguido presente na audiência tem o mesmo possibilidade de contraditar o que aquela disse ter alegadamente percepcionado ou ouvido ao arguido.

Isto para dizer que o silêncio do arguido/recorrente, e até da arguida Clara, não é impedimento à valoração do depoimento da testemunha D... por parte do Tribunal a quo.

Antes de se decidir da relevância do depoimento da testemunha D... para a factualidade dada como provada na sentença recorrida e impugnada pelo arguido B..., importa retirar as consequências legais da valoração, na fundamentação de facto da sentença recorrida, das declarações prestadas por este arguido perante o Ministério Público na fase de inquérito, quando as mesmas não foram reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento e, assim, não podiam ser valoradas.

Como bem refere o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, o STJ já se pronunciou sobre uma questão idêntica embora no âmbito da anterior redacção do art.357.º do Código de Processo Penal, no acórdão de 27 de Junho de 2007, mas que tem aqui aplicação na medida que a actual redacção do preceito se limita a alargar o mesmo regime legal a outras (novas) situações.

O sumário deste acórdão do STJ ( publicado na CJ, STJ, ano XV, tomo 2.º, pág. 230) resume a questão do modo seguinte: « I- Tendo o Tribunal recorrido utilizado as declarações dos arguidos feitas perante o JIC (mas que não foram lidas na Audiência de Discussão e Julgamento, desde logo, porque os arguidos não estiveram presentes naquela fase dos autos), para “contextualizar” as actividades ilícitas dadas como provadas e preencher “lacunas quanto às suas condutas, incorreu na violação do disposto no art.355.º do CPP.

II- Esta nulidade, cometida na fase de deliberação, afecta apenas esse acto e os subsequentes ( art.122.º, n.º1 CPP), mas não a fase anterior, a do Julgamento propriamente dito.».

Também o Ex.mo Conselheiro Oliveira Mendes, fazendo menção ao acórdão de STJ de 27 de Junho de 2007 , observa que « A valoração de declarações do arguido não lidas na audiência constitui violação do disposto no n.º1 do artigo 355.º, inquinando a sentença de vício que determina a prolação de nova decisão com extirpação da respectiva anomia, vício que parte da jurisprudência qualifica de nulidade…».[9]      

Neste sentido decidiu, nomeadamente, o acórdão da Relação do Porto, de 4 de Julho de 2001, ao sustentar que se as declarações para memória futura não forem lidas em audiência de julgamento, o Tribunal não pode utilizá-las para fundar a sua convicção e se o fizer serve-se de prova proibida, por força do disposto no art.355.º do C.P.P., o que implica a nulidade da sentença.[10]

Conforme defende o Prof. Manuel da Costa Andrade, o direito português associa as proibições de prova à figura do regime das nulidades. [11]

Mas ao contrário da generalidade das nulidades, cujo conhecimento depende da prévia arguição do interessado, a proibição de prova, nomeadamente a valoração/utilização de provas que “ não valem em julgamento” ( art.355.º, n.º1 do C.P.P.) para fundamentar a convicção da matéria de facto da sentença, deve ser oficiosamente declarada. De outro modo, proibições de prova, que atingem direitos e princípios processuais fundamentais, poderiam transformar, por simples omissão de arguição, vícios insanáveis em vícios sanáveis. 

A proibição da valoração da prova tem como consequência, quando a prova é indevidamente utilizada, a invalidade do acto em que se verifica, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar ( art.122.º, n.º1 do C.P.P.). 

No seguimento do exposto entendemos declarar a nulidade da sentença recorrida, por utilização, na sua fundamentação da matéria de facto, de prova proibida de valorar nos termos conjugados dos artigos 355.º e 357.º do Código de Processo Penal, impondo-se a prolação de nova sentença que exclua como meio de prova as declarações prestadas pelo arguido/recorrente perante o Ministério Público durante o inquérito, e que decidia consequentemente, e em conformidade, a matéria de facto impugnada pelo recorrente e respectiva matéria de direito.

Embora não exactamente pelos fundamentos invocados pelo recorrente e com diferente consequência legal da que pretendia, procede parcialmente o recurso interposto pelo arguido B....

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B..., declarando nula a douta sentença recorrida, nos termos do art.122.º, n.º1 do C.P.P., por violação do disposto nos artigos 355.º e  357.º do mesmo Código, devendo em seu lugar ser proferida nova sentença que exclua como meio de prova as declarações prestadas pelo recorrente perante o Ministério Público durante o inquérito.

Sem custas.

                                                                *

Coimbra, 4 de Fevereiro de 2015

(Orlando Gonçalves - relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Constituição Portuguesa anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.359

[5]  Curso de Processo Penal, Vol. I, edicção Verbo, pág.33.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, pág. 522.
[7] Neste sentido, o parecer do IDPCC da Faculdade de Direito de Lisboa e parecer da a Ordem dos Advogados no  emitido relativo à Proposta de Lei n.º 77/XII, in www.parlamento.pt
[8] Código de Processo Penal , comentado pelo Ex.mo Conselheiro António Henrique Gaspar e outros, Almedina, 2014, pág.591.
[9] Código de Processo Penal , comentado pelo Ex.mo Conselheiro António Henrique Gaspar e outros, Almedina, 2014, pág.591.
[10] CJ, ano XXVI, tomo 4.º, pág. 222 e seguintes.
[11] Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, páginas 313 e 314.